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"No difícil e, muitas vezes, estreito espaço existente entre a subordinação de qualquer mudança a transformações estruturais e 0 pragmatismo imediatista, Antonio Carlos constrói um território para o diálogo. Um lugar onde educandos educadores em circunstâncias especialmente difíceis enfrentem o desafio da liberdade na mis paradoxal das situações: privados de liberdade. Um, o educando, privado da mais elementar das liberdades; o outro, o educador, privado de razões para entendera liberdade." Pedagogia da Presença Não tenho dúvidas em qualificar este livro como uma obra pioneira e excepcional da cultura latino- americana. Como toda obra desta natureza, admite várias leituras e interpretações múltiplas. Uma leitura superficial tenderia a colocá-la na corrente das conseqüências do enorme processo de mobilização social, no campo dos direitos da infância, que se desenvolveu no Brasil nos últimos anos. Acredito, pelo contrário, que as idéias contidas neste livro são parte decisiva das causas deste pro- cesso. No difícil e, muitas vezes, estreito espaço existente entre a subordinação de qualquer mudança a transformações estrutorais e o pragmatismo imediatista, Antonio Carlos constrói um território para o diálogo. Um lugar onde educandos e educadores em circunstâncias especia/mente diffceis enfrentem o desafio da liberdade na mais paradoxal das situações: privados de liberdade. Um, o educando, privado da mais elementar das liberdades; o outro, o educador, privado de razões para entendera liberdade. NÇA Antonio Carlos Gomes da Costa Introdução ao Trabalho Sócio-Educativo junto a Adolescentes em Dificuldade DESENVOLVIMENTO SOCIAL Acho EDUCATIVA Belo Horizonte/1997 PR E S E NÇA Costa, Antonio Carlos Gomes da, 1949 - Pedagogia da presença; da solidão ao encontro. Belo Horizonte: Modus Faciendi, 1997. 140 p. 1. Educação 2. Educadores — Formação o CDD 370.1 Capa: Indústria de Arte Ilustração: Marcelo Ramos Pereira Revisão, composição, diagramação e arte- final: Eliane Editoração Eletrônica Ltda. Impressão: Gráfica e Editora O Lutador Quando chegamos e contemplamos a paisagem Sentimos medo dos jovens vulcões silenciosos Que ameaçavam nos derreter Com suas lavas incandescentes Temíamos morrer queimados Pelo ódio vermelho das brasas Descendo pelas encostqs áridas Em busca de espaço e liberdade Não sabíamos do momento das erupções Que fariam a terra estremecer Nem das fendas que nos engoliriam Para sempre -Paramos temerosos E erguemos tenda provisória Aguardando a catástrofe Os primeiros tremores nos assustaram Mas nossa tenda não foi desmontada Nossos corações pularam de medo Mas a hecatombe não aconteceu Outros sismos se sucederam mais fortes Nossos corações se acostumaram E construímos nossa morada definitiva Os tempos passaram... Os sismos, as erupções e o estrondo Estremeciam nossos corações De verdadeiros habitantes da encosta Acostumamo-nos aos jovens vulcões Que na angústia de sua colérica opressão Expeliam suas emoções incandescentes De ódio e de dor Se assim não fosse A terra explodiria De fúria e desespero Cessado o estrondo E vomitadas as lavas necessárias Os vulcões aliviados Retornam à sua beleza natural Hoje preferimos viver na encosta Entre os vulcões que rugem e explodem Do que no pântano Entre as cobras que picam Escondidas sob as folhas Jovens VUICÕes Jovens vulcões Ficaremos em paz Quando os homens entenderem Tuas explosões. Luiz Gonzaga de Freitas Filho Presença da Pedagogia 2 9 PARTE I EDUCAÇÃO E PRESENÇA: DA SOLIDÃO AO ENCONTRO Palavra Inicial 15 Introdução . 17 — Presença: uma necessidade básica . 21 — Aprender a fazer-se presente . 25 — Caminho de emancipação . 29 — Ao encontro de si mesmo .... 33 — O adulto no mundo dos adolescentes . 35 — Conhecer o processo............. . 39 — Adolescência e solidão43 — Muito além da adaptação 45 — A contradição entre a missão e os meios — 49 IO — Reciprocidade: a dimensão essencial da presença............... . 53 11 — A relação educador—educando: alguns obstáculos de base . 57 12 — A autoridade na Pedagogia da Presença . 61 13 — A seleção e o perfil básico do educador 65 14 — Liberdade e educação . 69 15 — A serviço do desenvolvimento pessoal e social . 73 — Em busca de um modelo operativo . 79 2 — Presença e significação na relação de ajuda... 83 3 — Caracterizando a relação de ajuda . 89 4 — A relação de ajuda nos programas sócioeducativos dirigidos a adolescentes em dificuldade 93 5 — O ambiente físico e material: um educador objetivo 99 6 — Cuidados no acolhimento . . 101 7 — Atender com o 103 8 — Observação........ 105 9 — A habilidade de escutar 107 IO — Responder ao conteúdo — 109 II — Responder ao sentimento — 111 12 — Responder ao sentimento e ao conteúdo . .. 115 PARTE II EDUCADOR-EDUCANDO: UMA RELAÇÃO DE AJUDA 13 — Responder com imagens117 14 — Responder ao comportamento......................... 119 15 — Responder às. 123 16 — Responder com os próprios sentimentos . . 125 17 — Rumo à fase iniciativa da relação de ajuda 127 18 — Personalizar 129 19 — Orientar133 20 — Crescer 135 Bibliografia............ . 137 Não tenho dúvidas em qualificar este livro como uma obra pioneira e excepcional da cultura latino-americana. Como toda obra desta natureza, admite várias leituras e. interpretações múltiplas. Uma leitura superficial tenderia a colocá-la na corrente das conseqüências do enorme processo de mobilização social, no campo dos direitos da infância, que se desenvolveu no Brasil nos últimos anos. Acredito, pelo contrário, que as idéias contidas neste livro são parte decisiva das causas deste processo. No difícil e, muitas vezes, estreito espaço existente entre a subordinação de qualquer mudança a transformações estruturais e o pragmatismo imediatista, Antonio Carlos constrói um território para o diálogo. Um lugar onde educandos e educadores em circunstâncias especialmente difíceis enfrentam o desafio da liberdade na mais paradoxal das situações: privados de liberdade. Um, o educando, privado da mais elementar das liberdades; o outro, o educador, privado de razões para entender a liberdade. Pedagogia da Presença é um catálogo de razões para entender a liberdade. Resulta pelo menos curioso que uma reflexão, que sem dúvida vai muito além de suas intenções explícitas, tenha como ponto de partida um universo obscuro, marginal e relegado como o é o dos adolescentes infratores. Antonio Carlos costuma resumir esta dúvida em poucas palavras: "Somente uma sociedade que aprende a tratar com respeito e dignidade aqueles que considera os piores, poderá um dia respeitar integralmente a todos os seus cidadãos. " 9 Pedagogia da Presença é a face oposta de uma razão corporativa. Parece-me importante confessar aqui abertamente que me aproximei, com receio, a uma proposta (re)educativa para jovens infratores. Pedagogos e juristas têm atrás de si uma ampla tradição de desconfiança mútua e de críticas recíprocas, nas quais ambos quase sempre tiveram razão. Tradicionalmente, a "razãojurídica" funcionou como álibi e mecanismos de legitimação para ignorar as conseqüências (sofrimentos) reais de decisões burocraticamente corretas. Os eufemismos e os "como se" constituíram as bases reais do (não) direito de menores na América Latina. A "razão pedagógica", por sua parte, funcionou como oinstrumento científico para eludir ou rejeitar aspectos percebidos como formalismos absurdos: os direitos e as garantias. A doutrina da "situação irregular" foi o pacto de cavalheiros que sintetizou as razões e contradições desses juristas e desses pedagogos. O juiz "pai e mestre" e as políticas de repressão—proteção constituíram a base de um dilema que seus próprios criadoresjamais foram capazes de resolver: apenas foi possível oferecer amparo à infância abandonada e delinqüente prévia declaração de alguma forma de incapacidade e imposição de algum tipo de segregação. Pedagogia da Presença põe em evidência o caráter reducionista e estéril do debate jurídico-pedagógico tradicional. Mais que isso, Antonio Carlos mostra caminhos concretos de superação do falso dilema proteção—repress¿o. 10 1 Assim como sempre me pareceu absurda a explicação psicológica do ato criminal, na medida em que a existência deste último depende de uma definição de caráter normativo, mantive também resewas frente aos tratamentos especializados para os privados de liberdade. Os processos coativos de ressocialização constituem invariavelmente um eufemismo para designar um modelo que privilegia um processo de supressão da cidadania e manutenção da "ordem e normalidade" da própria instituição. Dois autores alemães Georg Rusche e Otto Kirchheimer, em um livro de 19391 — que na América Latina ainda não recebeu a atenção que merece —, reproduzem o informe de uma prisão suíça de 1838, afirmando: "A conclusão à qual se chega no documento é a da condição necessária para a reinserção social do detento e a submissão incondicional à autoridade, ponto que permaneceu praticamente inalterado nos programas de reforma até hoje em dia. Se os detentos se resignam a uma existência silenciosa, regular e laboriosa, a pena resultar-lhes-á mais tolerável, e, uma vez que a rotina tenha se transformado em hábito, ter-se-á cumprido o primeiro passo para que a reabilitação continue, inclusive depois que o detento tenha sido colocado em liberdade. A obediência é exigida não tanto por razões de um sereno funcionamento da prisão, quanto para o bem dos próprios detentos, que devem aprender a submeter-se voluntariamente ao destino das classes inferiores. " Embora sendo extremamente cautelosos, existem indícios para afirmar que o fracasso das funções declaradas dos programas oficiais de ressocialização pertence, para assim dizer; à filosofia e não à patologia de tal modelo. RUSCHE, Georg & KIRCHHEIMER, Otto. Punishment and Social Structure. Columbia University Press, New York, 1939 (versão castelhana Pena y Estructura Social, Editora Temis, Bogotá, 1984). 11 Pedagogia da Presença constitui um elemento poderoso para quebrar a lógica perversa dos programas oficiais de ressocialização. Antonio Carlos expressa isso quando diz que o educando "terá ainda a liberdade (o direito) de exprimir, quando isto corresponder à sua vontade e ao seu entendimento, a indignação salutar que induz à denúncia e ao combate da injustiça e da opressão que povoam a vida dos homens numa sociedade como a nossa. A verdadeira socialização, portanto, não é uma aceitação dócil, um com- promisso sem exigências ou uma assimilação sem grandeza. Ela é uma possibilidade humana que se desenvolve na direção da pessoa equilibrada e do cidadão pleno". O caráter pioneiro e excepcional de Pedagogia da Presença fica demonstrado. Com ela, irrompe-se definitivamente, na América Latina, uma verdadeira Presença da Pedagogia. Emilio Garcia Mendez ENCONTRO "Quando alguém vive à beira-mar, acaba por não se aperceber do murmúrio das ondas à sua volta. O hábito é uma espécie de sonho, acompanhado de Obscuro desejo de nada mais ver, de nada mais ouvir, diminuindo as tensões da vida. Diariamente chamado a responder a múltiplas necessidades de grande número de jovens, o educador já não interpreta corretamente comportamentos que variam com o estado de espírito e as horas do dia. " Pierre Voirin 12 passo de "Itibua Esta "Introdução ao Trabalho Junto Adolescentes em Dificuldade" pretende ser um pequeno na direção do grande esforço que se faz necessário a melhoria das formas de atenção direta aos jovens circunstâncias especialmente dificeis, de um modo geral, forma muito especial, aos adolescentes a quem se autoria de ato infracional. A primeira parte deste trabalho trata da Pedagogia Presença. Nela estão condensadas, adaptadas à reabrasileira e acrescidas de algumas observações, anáe formulações de minha parte, as idéias básicas detondidas por Pierre Voirin em "A Educação de Jovens A segunda parte consiste na operacionalização da de presença, conceito- chave na estruturação de todo Para isso, recorri ao modelo de relação de ajuda, dosenvolvido por Robert R. Carkhuff nos anos sessenta. fase do trabalho, baseei-me em três obras funda- "O Relacionamento de Ajuda para Pais, Professores, Psicólogos", de Robert R. Carkhuff; 'Construindo a Relação de Ajuda", de Clara Feldman de Miranda e Márcio Lúcio de Miranda; "Paradigma de Orientação Educacional" (baseado no "Modelo de Relação de Ajuda", de Carkhuff), de Laís Esteves Loffredi. 15 Iltlade lisos Oiticeis". idóia o Nesta inentais: livro. Na apresentação das fases e etapas do modelo de relação de ajuda, limitei-me a uma reprodução, de forma resumida e com poucas e pequenas adaptações, da exposição do método carkhuffiano contida em "Construindo a Relação de Ajuda", obra fundamental e de leitura indispensável a todos aqueles que pretendam aprofundar- se neste tema. Ao organizar este trabalho, minha esperança é de que o impacto desta iniciativa sobre a qualidade do aten- dimento, nos programas governamentais e não-governa mentais, seja positivo. 16 INTRODUÇÃO O trabalho educativo é — e sempre será — uma fonte inesgotável de aprendizagem. Basta querer aprender. O automatismo e a rotina fazem com que experiências valiosas se percam por falta de sensibilidade, interesse e sutileza do educador em captá- las e delas fazer a matéria de seu crescimento como pessoa, como profissional e como cidadão. Quando a experiência do dia a dia é valorizada, a rotina se transmuda em aventura. A relação educador— educando oferece-se como espaço de desenvolvimento pessoal e social de seus protagonistas. Relacionar-se de maneira significativa com adolescentes em dificuldade é alguma coisa que, a partir de uma consistente disposição interior, pode ser aprendida. Esse aprendizado nasce do entendimento e do treino. Esta introdução ao trabalho sócio-educativo junto a adolescentes em dificuldade procura articular estas duas dimensões da aprendizagem, de modo a propiciar que, ao seu final, cada participante realmente incorpore novas maneiras de entender e agir. O educador que atua junto a jovens em dificuldade situa-se no fim de uma corrente de omissões e transgressóes. Sobre seu trabalho recaem as falhas da família, da sociedade e do Estado. Sua atuação, freqüentemente, é a última linha de defesa pessoal e social do seu educando. Não pode o educador, no entanto, refugiar-se na sinalização pura e simples do caráter disfuncional dos mecanismos impessoais da lei, das instituições e da sociedade às exigências do processo educativo. A elê cabe, por imposição de sua consciência ética e política, o dever de perseguir a 17 eficácia na ação, não se deixando reter nos momentos do testemunho e da denúncia. Um primeiro passo neste sentido é reconhecer os requisitos intrínsecos à ação educativa. O segundo passo é empenhar-se, de maneira sistemática, em incorporá-los ao seu modo de compreender e de atuar frente a situações que variam de um momento para outro, de educando para educando, de situação para situação. Capacidades como aprender com os próprios erros, aceitar o outro como ele é e interessar-se pelas potencialidades e limites de cada jovem são requisitos mais importantes que a coragem, o heroísmo e o zelo extremo, que parecem ser a marca de educadores tidos às vezes como pessoas fora do comum. Educadores capazes atuar de forma excepcionalfrente a situações as mais difíceis. Na verdade, o desempenho que devemos esperar de um educador emocional e tecnicamente preparado que ele use o bom senso, para evitar situações que venham a requerer mobilizações extremas de habilidades e sentimentos. Para isso, faz-se necessário um esforço consciente e sincero de apegar-se ao cotidiano de forma atenta, criativa e metódica. Refletir sobre os acontecimentos comuns do dia dia nos parece o melhor dos caminhos. Quando incorporamos este tipo de atitude, já não somos vítimas do tédio e do aborrecimento, porque continuamente estaremos fazendo descobertas sobre nossos educandos e sobre nós mesmos. Sem isso, nos de é a ao com as 0'/ucador e anpocto da Algumas são elas, fovofler os croscimento empenhados. Este interessados aquisição 0%truturas o do novas 0 tudo o Pierre presença ploxidade, balho protende, osforço que do atenção monte difíceis, pocial, aos intracional. Nesta adaptadas observações, idéias básicas de Jovens de toda uma social e docente na VOIRIN, 2000, 1972. à no condenamos à rotina, à autocomplacência e ao desinteresse. Na ação educativa, a linha que separa o sucesso do fracasso é fina, quase imperceptível, e tende a deslocar- 18 oscilações das realidades interna e externa do do educando. Limitações existem em qualquer relação entre quem ajuda e quem é ajudado. superáveis, outras nos convidam a conviver aprendendo a conhecê-las e a neutralizar ou seus impactos sobre o processo de mudança e no qual, por opção e dever, estamos sempre livro dirige-se a todos aqueles educadores em melhorar seu desempenho, mediante a de novas motivações, novas visões, novas de compreensão, novos valores, novos hábitos atitudes frente a si mesmos, aos seus educandos que diga respeito ao seu trabalho. Voirin nos leva a apreender a dimensão da processo pedagógico em toda a sua cominteireza e implicações. Esta introdução ao trabasócio-educativo junto a adolescentes em dificuldade pois, ser um pequeno passo na direção do grande se faz necessário para a melhoria das formas direta aos jovens em circunstâncias especialde um modo geral, e, de forma muito esadolescentes a quem se atribua autoria de ato Pedagogia da Presença estão condensadas , realidade brasileira e acrescidas de algumas análises e formulações de nossa parte — as defendidas por Pierre Voirin em "A Educação Difíceis" 1 , uma obra que reflete a experiência vida dedicada a essa modalidade de trabalho educativo, seja como educador de linha, seja como formação de outros educadores. O autor Pierre. Educação de Jovens Difíceis. Lisboa, Familia 19 E crescente, entre nós, o número de adolescentes que necessitam de uma efetiva ajuda pessoal e social para a superação dos obstáculos ao seu pleno desenvolvimento como pessoas e como cidadãos. O primeiro e mais decisivo passo para vencer as dificuldades pessoais é a reconciliação do jovem consigo mesmo e com os outros. Esta é uma condição necessária da mudança de sua forma de inserção na sociedade. Não se trata, portanto, de ressocializar (expressão vazia de significado pedagógico) mas de propiciar ao jovem uma possibilidade de socialização que concretize um caminho mais digno e humano para a vida. Só assim ele poderá desenvolver as promessas (as possibilidades) trazidas consigo ao nascer. As omissões e transgressões, que violentam a sua integridade e desviam o curso de sua evolução pessoal e social, exprimem-se nas mais diversas formas de conduta divergentes ou mesmo antagônicas à moralidade e à legalidade da sociedade que o marginalizou. Essa conduta, mais do que como ameaça a ser reprimida, segregada e extirpada a qualquer preço — como parece ser o entendimento prevalecente hoje em nosso país — deve ser vista e sentida como um modo peculiar de rei- 21 de nós racionalizamos essa atitude de auprogramada, refugiando-nos no álibi estrutural, enfrentamento mais humano e conseqüente para o depois de mudanças estruturais, que quando virão — se é que virão. Nenhuma lei, método ou técnica, nenhum recurso logístico, dispositivo político- institucional pode substituir o imediatismo da presença solidária, aberta e educador diante do educando. vindicar uma resposta mais humana aos impasses e dificuldades que inviabilizam e sufocam sua existência. Quando esses apelos encontram diante de si a indiferença, a ignorância e o julgamento prévio dos preconceitos, o adolescente tranca-se em um mundo próprio, um mundo que se desenvolve sob o signo de um luto interior que é a resultante das perdas e danos infringidos à sua pessoa. A esta altura, poucos serão capazes de ouvir e de entender os seus apelos. O seu mundo tornou-se reduzido e espesso. Sua experiência torna-se cada vez mais dificil de ser penetrada, compreendida e aceita. Pela contigüidade que a profissão lhes impõe, os educadores, trabalhadores sociais e psicólogos seriam as pessoas mais aptas a acolher e responder de forma construtiva a esses apelos. Estranhamente, porém, isto dificilmente acontece. Quando o cotidiano transforma-se em rotina, a inteligência e a sensibilidade fecham-se para o inédito e o especifico de cada caso, em cada situação. O manto dissimulador da "familiaridade" vai aos poucos cobrindo e igualando pessoas e circunstâncias numa padronização cuja resposta são as atitudes estudadas, as frases feitas, os encaminhamentos automatizados pelo hábito. Este mecanismo — no fundo todos nós o percebemos — é a maneira encontrada pelo educador de ausentar-se da exposição direta a esses impactos, da agitação e intensidade desses sinais, da diversidade desses apelos, assim como da precariedade de meios, recursos e Muitos aÔncia adiando o (losta gestão ninguém sabe nonhum nonhum noscor e o construtiva do Fazer-se fundamental situação de conceito dosta pedagogia. daquela "ciência S. Makarenko Anton S. Itinta, trabalhou i•npres-sionaram entre os educadores central, presente na vida do educando é o dado da ação educativa dirigida ao adolescente em dificuldade pessoal e social. A presença é o o instrumento-chave e o objetivo maior Ela é a força que pulsa no coração árdua e sutil" à qual homens como Anton l dedicaram inteiramente as suas vidas. Makarenko, educador soviético que, nos anos Vinte e com jovens delinqüentes, obtendo resultados que o mundo no seu tempo e que repercutem até hoje que atuam nesta área. 23 21 alternativas colocados ao seu alcance para fazer face a uma realidade tão dramática. 22 A capacidade de fazer-se presente, de forma consfrutiva, na realidade do educando não é — como muitos proferem pensar — um dom, uma característica pessoal innansferível de certos indivíduos, algo de profundo e incomunicável. Ao contrário, esta é uma aptidão possível de gor aprendida, desde que haja, da parte de quem se propõe aprender, a disposição interior (abertura, sensibilidade, compromisso) para tanto. Efetivamente, a presença não é Olguma coisa que possa apreender apenas ao nível da pura exterioridade. Tarefa de alto nível de exigência, essa aprendizagem roquer a implicação inteira do educador no ato de educar. Bom esse envolvimento, o seu "estar junto do educando" nóo passará de um rito despido de significação mais profunda, reduzindo-se à mera obrigação funcional ou a uma forma qualquer de tolerância e condescendência, de modo a coexistir mais ou menos pacificamente com os Impasses e dificuldades do dia a dia dos jovens, sem empenhar-se, de forma realmente efetiva, numa ação que 50 pretenda eficaz. Por outro lado, é importante salientar que, situado no pólo direcionador da relação, não pode o educador a 01a entregar-se de uma forma ilimitada, irrestrita, incondicional e irrefletida, como algumas vezes costuma ocorrer. 25 Essa maneira extrema de testemunhar solidariedade e compromisso, freqüentementecostuma redundar em conseqüências imprevisíveis e danosas, seja para o educador, seja para o educando. ohantagem relação. Prática em sua essência limitada, como afirma PauIo Freire, a educação só é eficaz na medida em que reconhece e respeita seus limites e exercita suas possibilidades. No caso da relação educador—educando, esta maneira de entender e agir implica na adoção de uma estrita disciplina de contenção e despojamento que corresponde, no plano conceitual, a uma dialética proximidade—distanciamento. Pela proximidade, o educador acerca-se ao máximo do educando, procurando identificar-se com a sua problemática, de forma calorosa, empática e significativa, buscando uma relação realmente de qualidade. Pelo distanciamento, o educador afasta-se no plano da crítica, buscando, a partir do ponto de vista da totalidade do processo, perceber o modo como seus atos se encandeiam na concatenação dos acontecimentos que configuram o desenrolar da ação educativa. Esta é uma postura que exige de quem educa uma clara noção do processo e uma ágil inteligência do instante, implicando a necessidade de combinar, de forma sensata, uma boa dose de senso prático com uma apreciável veia teórica. Diante das manifestações inquietantes do educando — impulsos agressivos, revoltas, inibições, intolerância a qualquer tipo de norma, apatia, cinismo, alheamento e indiferença —, deve o educador situar-se num ângulo que 26 pormita ver, além dos aspectos negativos, o pedido de de alguém que, de forma confusa, se procura e se ..porimenta em face de um mundo, a seus olhos, cada mais hostil e ininteligível. Há que estar atento, porém, para o uso que, da parte educando, pode ser feito dos "bons sentimentos e das bons intenções" de um educador insuficientemente famiicom situações deste tipo ou que se deixou levar 'lomais pelas emoções, pela dimensão afetiva da relação. O "jogo" que estabelece nesses casos — manipulações, afetiva, apego desmesurado, dependência "oscabida — pode pôr a perder todo o processo se o edunador não se mostrar capaz de evitar e, quando isto não for possível, impedir que estas tendências ganhem corpo Fazer-se presença construtiva na vida de um adolesconte em dificuldade pessoal e social é, pois, a primeira e a mais primordial das tarefas de um educador que aspire assumir um papel realmente emancipador na existência de sous educandos. Esta, vale salientar, é aptidão que apenas em parte pode ser aprendida de forma conceitual "saber de experiOncias feito", a presença é uma habilidade que se adquire tundamentalmente pelo exercício do trabalho social e educativo. Entretanto, sem uma base conceitual sólida e articulada, fica muito mais difícil para o educador proceder à leitura, à organização e à apropriação e domínio do seu aprendizado prático. 27 3 Diante de adolescentes com sérios problemas de conduta, os educadores seguem, de um modo geral, um dos seguintes enfoques básicos: 12) AMPUTAÇÃO, por intermédio de abordagens correcionais e repressivas, daqueles aspectos da personalidade do educando considerados nocivos a ele próprio á sociedade. 2) REPOSIÇÃO,mediante práticas assistencialistas, quanto aos aspectos materiais e paternalistas, no que se cofere ao lado emocional, de que lhe foi sonegado nas fases anteriores de sua existência. 32) AQUISIÇÃO, pelo próprio educando, por meio uma abordagem autocompreensiva, orientada para a valorização e fortalecimento dos aspectos positivos de sua personalidade, do autoconceito, da auto-estima e da autoconfiança necessários à superação das suas dificuldades. O primeiro enfoque (amputação), historicamente, mostrou-se capaz de produzir dois tipos de pessoas: os robeldes eos submissos. Os rebeldes adotam um padrão conduta violentamente reativo no seu relacionamento consigo mesmo e com os outros, o que, geralmente, os leva a se inviabilizarem como pessoas e como cidadãos. os submissos despersonalizam-se, tornam-se frágeis, vulneráveis, inseguros, afoitos a serem manipulados e totalmente incapazes de assumir o próprio destino. o do Já do 29 O segundo enfoque (reposição), baseado nas privações e carências encontráveis na vida desses jovens, procura vê-los pelo ângulo do que eles não são, do que eles não trazem, do que eles não têm, do que eles não são capazes. A tentativa de suprir, de forma mecânica, via programas institucionais, estas carências tem resultado geralmente na produção de grande número de jovens dependentes, propensos a se tornarem recorrentes crônicos de aparato assistencial do Estado ou das organizações nãogovernamentais. O terceiro enfoque (aquisição) procura partir do que o adolescente é, do que ele sabe, do que ele se mostra capaz, e, baseando-se nisso, busca criar espaços estruturados a partir dos quais o educando possa ir empreendendo, ele próprio, a construção do seu ser em termos pessoais e sociais. Esta linha de atuação está presente, em maior ou menor medida, nas poucas experiências bemsucedidas no Brasil voltadas para adolescentes com problemas mais sérios. Por esta via, muitos jovens têm recobrado a confiança em si mesmos e se descoberto capazes de lutar e progredir juntamente com os outros. Trata-se, como se vê, de uma proposta de educação emancipadora. A Pedagogia da Presença, enquanto teoria que implica os fins e os meios desta modalidade de ação educativa, propõe-se a viabilizar este paradigma emancipador mediante uma correta articulação do seu ferramental teórico, com propostas concretas de organização das atividades práticas. A orientação básica desta pedagogia é resgatar o que há de positivo na conduta dos jovens em dificuldade, Sem ignorar o educador nua função venha ai ostá. Ele vai •»nnitam ao adolescente ii'0/dade e de integrando, 14moncontradas de as exigências e necessidades de ordem somente não aceita a perspectiva de a ser apenas adaptar o jovem a isso mais longe. Ele quer abrir espaços que tornar-se fonte de iniciativa, de compromisso consigo mesmo e com os de forma positiva, as manifestações seu querer ser. sem rotulá-los nem classificá-los em categorias baseadas apenas nas suas deficiências. 30 AO ENCONTRO Aquisições utilitárias, como aprendizado de um Oabalho rentável e socialmente útil e boas maneiras, que lomem o educando um cidadão produtivo e bem-aceito, •ao preocupações das quais nenhum educador sério poderá Obrir mão. Tais aquisições viabilizam o jovem no mundo em quo ele é chamado a viver. Mas, o educador que se dirige ao educando na porspectiva da Pedagogia da Presença verá que uma outra ordem de exigências antecede e dá suporte a essas proocupaçóes. Ele já observou que muitos destes jovens vivem "amarrados por dentro", encerrados em um universo Ionso, reduzido e espesso. Eles freqüentemente anulam Iniciativas e esforços realizados em seu favor. Agem como so os problemas que tentamos resolver com eles não fossom realmente os seus verdadeiros problemas. Onde poderemos situar a raiz deste desencontro? Do ponto de vista da Pedagogia da Presença, esta desatticulação entre necessidades e ofertas vem do fato de que. enquanto os educadores oferecem aos adolescentes meios para moderar-se e viabilizar-se, eles buscam prioritariamente as vias que lhes permitirão encontrar-se. Explorar a sua situação, compreendê-la e agir de forma construtiva em relação a ela, a partir de confrontos progressivamente maduros com a sua realidade, é tarefa que, na ordem de importância, antecede a todas as demais. 33 Sua realização é que permite ao educando superar o isolamento e a solidão. Vista a situação por este ângulo, os aspectos sociais subordinam-se à perspectiva do equacionamento da problemática pessoal do jovem a quem dirigimos nosso trabalho social e educativo. A Pedagogia da Presença é parte de um esforço coletivo na direçãode um conceito e de uma prática menos irreais e mais humanos de educação de adolescentes em dificuldade. Contribuir para o resgate da parcela mais degradada, em termos pessoais e sociais, de nossa juventude é, sem dúvida alguma — embora apenas um 5 o nos A presença dos adultos no mundo dos jovens em dificuldade pessoal e social não deve ser—como é corrente ontre nos — intervencionista e limitada. O "estar junto do Oducando" é um ato que envolve consentimento, reciproCidade e respeito mútuo. O adolescente espera do educador algo mais do que um serviço eficiente, em que as tarefas claramente dofinidas se integrem num conjunto coordenado, tecnicomente preparado. O serviço que o educador executa, na divisão de trabalho em equipe, representa apenas o seu campo de ação, mas não a principal razão da sua presença junto ao educando. Esta razão maior será sempre a liberlação do jovem, uma exigência que se situa sempre além do todas as rotinas, embora não deixe de passar por elas. É por esta transcendência dos aspectos rotineiros do programa sócio-educativo que o adolescente percebe que, mesmo feita de privações e sofrimentos, a vida é alguma coisa pela qual vale a pena lutar, e que é preciso reconCiliar-se com ela a partir do encontro com outras vidas. número reduzido de pessoas realmente acredite nisto — , uma das grandes tarefas do nosso tempo. 34 É por intermédio de pequenos nadas que aquele oducando arredio manifesta um desejo de aproximação. Um outro ocupa um tempo considerável do educador com um problema insignificante. Esta é a sua maneira de exprimir 35 o chamar à responsabilidade os que têm nas mãos o poder do decidir, para que se pudesse romper, de forma radical, com a incompetência, a organização irracional, o interesse malformulado e a legislação inadequada. Este tipo de questionamento leva o educador a percober que a sua atuação não é apenas trabalho; ela é, também e fundamentalmente, luta. A Pedagogia da Pregonça implica, de forma ampla, a sua existência. Ela convoca para a ação a pessoa humana, o educador e o cidadão. E é nesta última condição que cabe ao educador empenharse também no sentido daquelas mudanças amplas e protundas, tendo como horizonte de seus esforços a história de seu povo. A consciência do educador abre-se, deste modo, a um amplo aspecto de problemas. Além de ter uma compreonsão das grandes questões da sociedade, ele deve ser basicamente capaz de compreender, aceitar e lidar com comportamentos que expressam aquilo que há de íntimo e oculto na vida de um jovem em situação de dificuldade pessoal e social. Este jovem, seu educando, é destinatário e credor daquilo de melhor que, em cada momento do seu a confiança que começa a nascer-lhe em relação àquele adulto. Não é um conselho o que ele procura agora, mas reciprocidade, simpatia, amizade. O momento da orientação virá depois. Um "bom-dia", um "vai com Deus", um "boanoite", um sorriso, um olhar cúmplice do educando são sinais velados que indicam ao educador o avanço do seu trabalho. Em cada incidente, em cada circunstância, a tarefa essencial e permanente do educador será sempre comunicar ao jovem elementos capazes de permitir-lhe compreender-se e aceitar-se e compreender e aceitar os demais. Assim, de maneira quase imperceptível, ele vai ultrapassando os obstáculos que se interpõem ao seu querer ser. A sua segurança cresce à medida que ele vai se sentindo capaz de definir para si mesmo o caminho a seguir e o comportamento a adotar para a realização daquilo que pretende. A esta altura, o educador começa a tomar consciência de que não existe nenhum método ou técnica inteiramente eficaz e satisfatória capaz de ser aplicada com sucesso em todos os casos. As dificuldades a serem enfrentadas parecem não ter fronteiras muito precisas. Às vezes, elas esbarram no regulamento e estruturação do programa sócio-educativo; outras vezes, elas entram em colisão com o sistema político-institucional e a legislação vigente; há também aquelas dificuldades cuja superação põem em causa a própria maneira como está estruturada nossa sociedade. Por vezes, o educador interroga-se sobre o sentido de seus esforços. Sente que, para que uma solução orgânica e conseqüente para o conjunto desses jovens fosse encontrada, seria necessário reanimar milhares de relacionamento, ele for capaz de transmitir-lhe. 37 consciências adormecidas, sensibilizar a sociedade no seu todo 36 6 A pedagogia moderna, em todas as suas moda'idades, começa por uma abertura e integração dos dados que lhe chegam mediante a psicologia, a sociologia, a antropologia, a psicologia social, as ciências médicas e o direito. Já passou o tempo em que se podia negar a importância do uma boa cultura científica para atuar neste domínio. É falso que a prática por si só confira ao educador os elementos necessários ao pleno domínio do seu ofício. Som a teoria, a prática será sempre limitada. Quem negligencia o estudo, quando possui meios de realizá-lo, é um pretensioso ou um inconsciente da importância real do seu trabalho. Afirmar isto, no entanto, não implica em negar que só a experiência é capaz de integrar e de validar aquilo que foi estudado, na medida em que tudo passa pelo crivo da eficácia na ação. Mais importante do que cabeças cheias de informaçóes, é a aquisição, pelo educador, de atitudes e habilidades que favoreçam e viabilizem sua atuação junto ao educando. A atitude científica diante de um adolescente em dificuldade não é caracterizar o seu problema ou inadaptação e rotulá-lo desta ou daquela maneira: deficiente, epilético, hiperativo, infrator, irresidente, abandonado, carente, etc. Estes são aspectos encontráveis em milhares de outras pessoas. Há que captar o específico, o aspecto individualizado daquele caso. Um problema, por mais grave que seja, nunca é o todo de um ser humano. Haverá sempre, 39 especifica, outras dimensões a serem dificuldade da dever de adolescente, qual dificuldades. considerado singular, da lhe perdas atenção, balanço Só assim, para os outros. presença educando. É uma obrigação do educador adquirir uma informação correta sobre os diversos tipos de dificuldades que afetam os jovens e, quando sentir que é necessário, deve encaminhá-los para tratamentos específicos nos âmbitos psicologia ou até mesmo da psiquiatria. Nenhuma providência deste tipo, no entanto, o litentar uma aproximação mais concreta a fim de ver nele o que há de mais que não é o seu problema; antes, poderá ser a se assenta a busca de uma solução para Nesse momento, é preciso compreender o educanem si mesmo e não em relação às normas que tenha, por ventura, transgredido. Situá-lo única, que é a sua, para então, retirácategoria que ameaçava aprisioná-lo. A observação atenta e metódica dos comportasão próprios tentará conhecer, entre os de sua vida, aquilo a que dá mais valor. Enfim, será necessário desadolescente aptidões e capacidades que apecriterioso e sensível permitirá despertar e ele encontrará o caminho para si E este é o sentido e o objetivo construtiva e emancipadora do educador Existir, para o adolescente, não é um problema metafísico, é dispor de alguns bens (materiais e nãomateriais) essenciais. O primeiro deles é ter valor para 40 ser acompanhado, aceito, estimado num universo lhe é particular, onde possa desenvolver as capaainda não (ou insuficientemente) manifestas de sua O pão, mesmo abundante, é amargo para quem o na solidão ou no anonimato coletivo de um atenmassificado e embrutecedor. O preceito evangélico só de pão vive o homem" assume aqui um valor hude relevância e concretude irrefutáveis; é mediante presenças humanas solidárias e atentas, ao seu redor, que adolescente em dificuldade recebe a prova, para si mesdo seu valor e da sua unidade. A consciênciade estar no mundo já é, então, cons- de aceitação, de acolhimento, de pertinência, de integração, de aconchego. Viver, agora, é estar junto. que encaminham numee a delinqüência, enconabandono, de(des) vinculação, de isolamento, de (in)comu- dificuldade, à sua maneira, (iii) protestar. As manitrês fases do processo são pelo observador atento. a presença que escapa. cabíveis e descabidas, tende toda sorte, esforços de discretas ou desajeitadas, que inquietação. perda parece consumada. O alimenta- se dos sentimentos ruminações obscuras, rejeição na edificação do universo enganadora onde são compensações de todo tipo. momento em que o jovem proencontro dos que, de refesofrimento, da mesma solidão. enfeudados, trancados dos demais; movido por 7 Na origem das condições rosos jovens para a socialização tramos um sentimento de de (des)encontro, de solidão, nicabilidade. Cada adolescente em tenta (i) dissimular, (ii) compensar, festações variam, mas essas possíveis de serem detectadas A primeira fase visa É caracterizada por exigências tativas de selar compromissos aproximação, apelos, ofertas testemunham uma profunda A segunda, quando a adolescente em dificuldade engendrados pela privação: do meio, dissimulações presentes fechado, base de uma segurança elaborados simulacros e A terceira fase é o cura outras presenças, indo ao rências, são vítimas do Encontra-os sempre aglutinados, num grupo fechado e isolado 43 reter impulsos que emergem de sua natureza profunda, o jove lança-se à procura dos bens perdidos; uma busca desori entada, errática, que ignora as leis e convenções morai que já pouco ou nada lhe dizem. A transgressão da lei contudo, aciona os mecanismos de controle e defesa social, cujas reações (apreensão, maltrato, segregação) vê somar-se ao sofrimento de um passado cujos tormentos longe de serem resolvidos, apossam- se do seu presente o infernizam cada vez mais. Quando se chega a este ponto, temos a prova de que a vida foi perturbada, não em planos superficiais mas profundos. É então que, geralmente, o educador é chamado a intervir. Ele sabe que é nesse momento que, da sua capacidade de fazer-se presente na vida do educando, dependerá tudo o mais. A palavra presença, embora não seja de uso freqüente no domínio da pedagogia, apresenta um conteúdo relacional que faz dela a mais exigente das realidades. Após inteirar-se do passado e das condições de vida e luta pela sobrevivência de numerosos adolescentes em dificuldade, é possivel constatar que a maioria não vivenciou (ignora) ou vivenciou de forma muito precária o continente estável e fiel de um afeto cotidiano, ou seja, não teve acesso aos bens da presença. A consciência de que sua vida tem valor para alguém, faz alguém feliz, está longe de sua experiência. O educador, orientado pela consciência dessa realidade, lerá a peripécia pessoal e social do adolescente em dificuldade com outros olhos. Descobrirá, sob os impulsos anárquicos e contraditórios que parecem caracterizá-lo, uma imensa vontade de ser aceito, de viver e libertar-se. As dificuldades de uma vida assim ameaçada reclamam a urgente necessidade de uma Pedagogia da Presença. 44 8 Os programas sócio-educativos dirigidos a jovens om situação de especial dificuldade ainda não sabem, em sua grande maioria, tirar proveito pleno das possibilidades da presença, embora alguns lhe concedam um certo valor, considerando-a como um recurso a mais no enfrentamento dos casos que compottam maior desafio. São raríssimas as situações em que a perspectiva da presença é chamada a inter,Jir como primeiro elemento da dinâmica do atendimento. A norma geral é a adoçáo de uma conduta meramente repositiva das necessidades e carências materiais e não-materiais do educando. Esse caminho, estamos cada vez mais conscientes, é uma segura maneira de perder de vista o objetivo fundamental do processo educativo. Sobre a palavra socialização pesa, hoje, um grave equívoco. Geralmente, entende-se por este termo uma perfeita identidade entre os hábitos de uma pessoa e as leis e normas que presidem o funcionamento da sociedade. Uma adesão prática à sua dinâmica, uma submissão ao seu ritmo, uma incorporação plena de seus valores. Uma adaptação total, enfim. O comportamento ajustado, nesta visão, é a única coisa que realmente impolta. Daí, se deduz que o essencial 45 foi conseguido, quando o jovem já se mostra capaz de atuar no ambiente em que é chamado a viver, sem causar nenhum dano apreciável ao corpo social. Nessa perspectiva, como se percebe, a sociedade impõe-se como a primeira e principal favorecida. O edu- cando, considerado em termos de sua realidade pessoal, é de certo modo indiferente se o objetivo principal, a cessação dos atos delituosos e das condutas perturbadoras da convivência coletiva, foi alcançado. Espera-se do jovem em dificuldade que ele se integre no corpo social como elemento produtivo e ordeiro, sem suscitar qualquer forma de reprovação do meio. A essa altura, então, diz-se que o educando foi "socializado". Na perspectiva de uma pedagogia crítica, esta não é a verdadeira socialização, que situa muito além desta adesão rudimentar à ordem estabelecida. Segundo o enfoque da Pedagogia da Presença, está socializado o jovem que dá importância a cada membro da sua comunidade e a todos os homens, respeitando-os na sua pessoa, nos seus direitos, nos seus bens. Ele agirá assim não apenas por uma lei promulgada ou por meio de sanções, mas por uma ética pessoal que determina o outro como valor em relação a si próprio. Este jovem saberá, então, aceitar o peso inevitável que as outras pessoas do seu mundo farão recair sobre si. Moderará seus impulsos de sensibilidade e de orgulho, será capaz de julgar os aspectos positivos e negativos da sociedade de que é membro. Reconhecerá os desvios que desfiguram a convivência coletiva e se empenhará, apesar das dificuldades, na realização de seus legítimos interesses pessoais e sociais. Ele terá ainda a liberdade (o direito) de exprimir, quando isto corresponder à sua vontade e ao seu enten- 46 dimento, a indignação salutar que induz à denúncia e ao combate da injustiça e da opressão que povoam a vida dos homens numa sociedade como a nossa. A verdadeira socialização, portanto, não é uma aceitação dócil, um compromisso sem exigências, ou uma assimilação sem grandoza. Ela é uma possibilidade humana que se desenvolve na direção da pessoa equilibrada e do cidadão pleno. toda É certo que adaptação prática o de francamente sorão sempre frágeis oste conceito e de sua complexidade 9 CONTRADIÇÃO OS Quando somente tentamos repor ao adolescente dificuldade os bens materiais e não- materiais de que privado — casa, comida, roupa, remédio, ensino profissionalização, esporte, lazer e atividades culestamos incidindo apenas na superfície do prosem alcançar as dimensões mais profundas e mais de sua atitude básica diante da vida. intervenção específica do educador, no que se impasses e dificuldades existenciais do educanbaseia-se numa relação pessoal positiva que o leve a o caminho que o retorne a si mesmo e aos outros. De início, é freqüente que o educador depare com fechada ou aberta apenas para os contatos estee formais das pessoas que não têm nada a dizer outra. Será necessário ultrapassar os contatos sue efêmeros e as intervenções técnicas puramente Só a presença poderá romper seu isolamento sem violar seu universo pessoal. O sistema de entretanto, não foi pensado nem estruturado satisfazer esta ordem de exigências. A evolução históeducação dos jovens em dificuldade em nossO país, perspectiva, ilustra bem este descaminho, a saber: a) Numa primeira etapa, o atendimento caracterizouuma desconfiança a priori, em face do educando, e, 49 A, om estava formal, lurais —, blema,determinantes A refere do, encontrar a porta reotipados uma à perficiais objetivas. profundo atendimento, para rica da nesta se por aos por intervenções do tipo correcional—repressivo, que preva- leceram durante muito tempo. O SAM (Serviço de Assistência ao Menor), ligado ao Ministério da Justiça, foi sucedido pela FUNABEM (Fundação Nacional do Bem- Estar do Menor), que passou a adotar um novo enfoque. Esta fase, contudo, ainda não está tão ultrapassada quanto se pensa. Seus reflexos prolongaram-se no tempo e aca- baram por minar os esforços de modernização, terminando por sobrepor-se a ales, principalmente no que se refere aos adolescentes a quem se atribua a autoria de ato infracional; b) Na segunda etapa desta evolução, a visão do adolescente em dificuldade como elemento hostil e amea- çador (enfoque criminológico da periculosidade) foi substituída pelo enfoque da privação, da carência. A adoção des- sa perspectiva levou à implantação das equipes interdisciplinares e da ampliação e diversificação do espectro de atendimento, que passou a cobrir um número maior de necessidades dos destinatários dos programas sócio- educativos para adolescentes em dificuldade, melhorando as condições técnicas e materiais das unidades de atendimento. A verdade, porém, é que este modelo nunca chegou a vigir de forma completa. As pessoas, os prédios e a cultura organizacional do passado fizeram dele uma realidade superposta às maneiras de entender e agir, herdadas da fase correcional—repressiva; c) A terceira etapa desta conturbada e sofrida trajetória vê o atual sistema como uma massa falida em todos os níveis e aspectos. O panorama legal revelou-se inadequado e propiciador de situações as mais desumanas e arbitrárias. O ordenamento político-institucional da área mostrou-se, nos últimos 25 anos, parte do "entulho autoritário" que a sociedade brasileira hoje se vê chamada a desmontar, como parte do esforço de saneamento e de reconstrução democrática da vida nacional. E, no que se 50 refere àquilo que mais imediatamente nos diz respeito neste momento, as formas de atenção direta ao adolescente em dificuldade, por problema de conduta, assumiram contornos de ineficácia e de degradação tão evidentes que o seu descrédito perante os destinatários e sociedade como um todo tornou-se uma realidade praticamente impossível de ser revestida sem a desconstrução total do sistema. Por tudo isto, sustentamos que um ataque orgânico e conseqüente a essa questão passa por um sistemático esforço de transformação profunda do quadro atual. Este esforço deve desdobrar-se em três frentes básicas de atuação: mudanças profundas no panorama legal; um corajoso e amplo reordenamento institucional; uma efetiva melhoria das formas de atenção direta aos adolescentes em dificuldade. Esta Pedagogia da Presença é parte do esforço que se vem desenvolvendo na terceira frente. Contudo, ela só poderá produzir respostas mais efetivas e plenas na medida em que as mudanças mais amplas se consumam; não poderemos cruzar os braços. Faz-se necessário, como diz Paulo Freire, "fazer hoje o possível de hoje, para fazer amanhã o impossível de hoje". 51 explicitando as imensas moldura legal e políticodificuldade pessoal podemos deixar de praticamente todos os relação educador— uma relação de investidos e os alcançarão resultado ou ocorrido entre nós, frágeis. educador— educando, do ponto baseia-se na reciproqual duas presenças e comunicando uma novo conteúdo, uma originalidade inerente a causa. o fator que explica inesperadamente, quando forem por terra. Atrás pessoa- chave, que Mesmo reconhecendo e dificuldades que se manifestam na institucional da educação de jovens em e social no Brasil nos nossos dias, não reafirmar aqui, como temos feito em tópicos, a exigência essencial de que educando seja uma relação significativa, qualidade. Sem isso, todos os esforços desenvolvidos ou não atingirão apenas, como geralmente resultados inexpressivos, precários e A verdade da relação de vista da Pedagogia da Presença, cidade, entendida como a interação na se revelam mutuamente, aceitando-se à outra, uma nova consistência, um nova força, sem que, para isto, a cada uma seja minimamente posta A reciprocidade é quase sempre aqueles sucessos que surgem todas as esperanças razoáveis já desses resultados, aparece sempre uma 53 em tem recursos conseguiu manter com o jovem em dificuldade uma relação pessoal que se mostrou capaz de restituir-lhe um valor no qual ele próprio já não acreditava. Alguém compreendeu e acolheu suas vivências, sentimentos e aspirações, filtrouse a paltir de sua própria experiência e comunicou-lhe, com clareza, a solidariedade e força para agir. Muitos pretendem ver nos educadores que conseguem isto individualidades raras, pessoas excepcionais, dotadas de dons muito especiais e, por isso mesmo, inimitáveis. É mais realista, entretanto, encará- las como pessoas comuns nas quais certas qualidades não-excepcionais encontram-se favoravelmente conjugadas e suficientemente desenvolvidas. Atribuir os resultados excepcionais a seres privilegiados é, no fundo, demitir-se da possibilidade de obter de si mesmo e de outro semelhante desempenho. A presença aberta e solidária do educador junto ao educando será efetiva e estará em conformidade com o papel que dela se espera, na medida em que de si nasça a reciprocidade quem vem da sua aceitação inicial por parte do educando; dos convites — claramente expressos ou não — que ele emite na direção do educador, assim como da ampliação e do aprofundamento do contato e das respostas que, ao longo do processo, o jovem for emitindo. Só a reciprocidade garante o valor da presença e respeita a liberdade do outro. O próprio educador modifica-se no curso dessa relação. Já não põe em prática idéias preconcebidas. Tenta controlar e criticar os meios de que se utiliza. Entra num ciclo de invenção e de vida, buscando alcançar em cada educando o que tem de único e de essencial. A sua ação ganha em profundidade. Os conhecimentos que adquiriu são uma luz que ilumina a leitura incessante que ele faz do conjunto do que acontece à sua volta. Sua capacidade de 54 entendimento aumentou, e suas intervenções práticas se tornaram mais tranqüilas e seguras. O âmago da relação entre duas pessoas, onde uma se inclina para a outra, onde uma ocupa o seu espaço na vida da outra, tudo isto constitui um tipo de reciprocidade. Outro tipo de reciprocidade é operado pela própria pessoa na sua relação consigo mesma. Trata-se da aquisição do autodomínio, mediante as suas virtualidades físicas, intelectuais e afetivas. O educando é constantemente chamado a ultrapassar-se a si próprio. De início, esta experiência é vivida sem uma adesão específica; depois, ela se torna uma fonte de gratificação. Esta conquista implica no amor a si mesmo. A conseqüência é uma interioridade, fruto de esforços orientados para o que nele nasce e o transforma sem que a sua identidade se perca. O terceiro tipo de reciprocidade liga-se de forma estrita às duas primeiras. É o momento em que o educando sente-se chamado a fundir seu dinamismo de base em atitudes socializadas, adaptadas às convivências de contextos humanos mais amplos (família, escola, comunidade, trabalho), mas que guardam correspondência com seu próprio movimento de auto- edificação. A simpatia é a resultante mais elevada dessa dimensão da reciprocidade. A simpatia de um grupo humano representa, para quem é por ela contemplado, o sinal de que o valor que lhe é próprio foi reconhecido. É uma forma de homenagem prestada à pessoa. Quando esta dimensão não existe ou foi excluída da vida de alguém, provoca sempre uma amarga decepção. É dificil para alguém suportar uma indiferença pela qual lhe façam sentir que a sua vida não representa nada. Éextremamente importante para o adolescente em dificuldade que essa simpatia, uma vez desencadeada, tenha continuidade. Ele contribuirá também à sua maneira 55 para que isto ocorra, ao mesmo tempo que emerge de si mesmo e vai se libertando de suas dúvidas. Considerar os adolescentes em dificuldade como universos fechados e justapostos, negligenciando os laços que os organizam como pessoas seria como conceber o meio social na base de simples relações de coexistência que bastaria moderar, ou seja, fazer da vida social um agregado de solidões. Quando se considera a importância da presença do educador para o adolescente em dificuldade, tornamonos sensíveis a certas deficiências das pessoas e instituiçóes sobre as quais vale a pena chamar a atenção: a) O trabalho educativo, preocupado apenas em readaptar o adolescente em dificuldade, tende sempre a ignorar o estado de solidão e abandono a que ele foi relegado antes de, pela manifestação de condutas não- aceitas, a sociedade preocupar-se com ele. Insistir, de forma continuada, em chamar a atenção do jovem para a gravidade social dos seus atos é um expediente que, além de inútil, freqüentemente contribui para o fracasso da ação educativa. O educando centraliza-se todo no mal de que sofre e procura prioritariamente qualquer coisa que possa trazerlhe um pouco de alívio e satisfação; b) Algumas vezes, o jovem em dificuldade apercebese de que não ocupa um lugar importante nas preocupações de seu educador. Que possibilidade teria de comunicar-lhe o que lhe está atormentando? Quando esta situação se prolonga, o que ocorre é o afastamento e a incompatibili- 56 57 dade entre o educador e o educando, gerando uma barreira difícil de se transpor, c) As intervenções disciplinares malconduzidas constituem outro problema da maior gravidade. Há erros que implicam e há erros que não implicam uma sanção. a utilidade da sanção é evidente, ela deve ser levada a efeito de tal modo que os sentimentos íntimos do atingido não sejam lesados. As sanções que surgem do desejo de dominar o rebelde ou de servir de exemplo para os demais são particularmente condenáveis. O educador deve ser exigente. Não deve nunca, porém, colocar a exigência antes da compreensão; d) A administração de alguns programas sócioeducativos oficiais é outra fonte de problemas muito graves. O atendimento burocrático ao adolescente em dificuldade faz com que ele se sinta como um papel tramitando de repartição em repartição, de forma impessoal e descuidada. Este comportamento reforça o caráter abstrato da relação educativa e destrói no jovem qualquer esperança de atenção, de solicitude, de acolhimento da qual ele pudesse ter sido portador ao chegar ali; e) Certas concepções da sua função impedem o educador de assumir o papel fundamental que dele se espera na vida do educando: ajudá-lo a encontrar- se a si mesmo e aos outros. Qualquer idéia demasiado abstrata e formal de seu papel tende a desmoronar-se diante dos fatos do dia a dia. A prática está a exigir a todo instante iniciativas enriquecidas e aperfeiçoadas por fatores os mais imprevisíveis. Quando o educador está alerta para esses problemas, ele se previne contra essas formas de alienação que ameaçam o seu esforço junto ao jovem em dificuldade. 58 A resistência por parte do educador a certas maneiras de entender e agir, entranhadas pelos anos na rotina institucional, é freqüentemente salutar ao processo educativo. Nascida, às vezes, apenas da intuição de que não é por aí o caminho, essa resistência interior pressiona no sentido da criatividade, da invenção e da mudança de qualidade do processo. 59 421 O adolescente em dificuldade inclina-se para aqueles relacionamentos que não lhe peçam contas daquilo que ele é, não mostrem ressentimento por aquilo que parece ser e nem lhe tentem impor aquilo que ele deveria ser. Ele aspira a uma relação verdadeiramente humana e não uma forma de coexistência com um grupo de pessoas e com um regulamento. Infelizmente, é esta segunda hipótese a que se materializa com mais freqüência no trabalho daqueles programas dirigidos aos jovens mais difíceis. Os educadores, por meio de recompensas e sanções, conseguem evitar certas manifestações consideradas negativas da parte da maioria dos educandos atendidos. Este verniz, no entanto, cai facilmente quando a equipe não consegue produzir e alimentar, nos contatos pessoais e na ambiência que resulta do conjunto das relações, um nível de calor humano capaz de propiciar um clima favorável à aceitação e ao acolhimento mútuo. Muitos educadores entendem que, encaradas desta maneira, as relações tornam-se, de fato, um convite ao abandono das regras de convivência na comunidade educativa. Esta dúvida não tem razão de existir. Na verdade, essa introdução da reciprocidade nas relações educador— 61 educando é que se torna fator capaz de levar o jovem a integrar normas e autoridades, revestindo a relação educativa de seu verdadeiro significado. O educador deve criar no cotidiano do trabalho dirigido ao jovem em dificuldade oportunidades concretas, acontecimentos estruturadores que evidenciem a importância das normas e limites para o bem de cada um e de todos. Só assim o jovem começa a comprometer-se consigo e com os outros. É deste compromisso que nascem as vivências generosas e o calor humano, bases do dinamismo capaz de enriquecer e de transformar sua vida. Os acontecimentos estruturadores são aquelas atividades que se mostram capazes de, na seqüência de uma preparação psicológica concreta, levar o educando a assumir compromissos desinteressados, a renúncias no bem de interesses e objetivos que não são mais estritamente seus, mas de outra pessoa ou do grupo onde ele se insere. Esta libertação não ocorre de maneira súbita, rápida e irreversível. O processo, além de lento, de um modo geral, comporta idas e vindas, podendo, em certos casos, persistir por muito tempo, variando naturalmente de um jovem para outro. Essa invenção, pelo educador, de situações concretas, mediante as quais o adolescente em dificuldade parte ao encontro e à descoberta dos outros, levam-no a adquirir a solidez necessária para tolerar as frustrações e buscar as gratificações sempre entrelaçadas na unidade dinâmica da vida. É para a construção e direcionamento dessas oportunidades educativas que o educador é chamado a assumirse na dimensão da autoridade. Uma autoridade que só tem 62 sentido na medida em que se coloca a ser.Jiço da emancipação do educando. O seu papel não é, de forma alguma, distanciar o educador do adolescente, impondo-lhe uma atitude receosa, submissa e reverencial. AO contrário, a autoridade do educador é chamada não só a delimitar a conduta do educando naquilo em que ele tem de ameaçador para si e para os outros, como também de impulsioná-lo na direção de outras formas de convivência consigo mesmo e com as demais pessoas. Não podemos ter ilusões. Muitos educandos consideram os educadores representantes da sociedade que eles, consciente ou inconscientemente, responsabilizam pelo seu sofrimento. Para estes, todas as outras violências que sofreram têm seqüência por intermédio do educador, que se empenha em levá-lo a aceitar algumas regras básicas de convivência. Regras de um mundo que ele ainda não reconhece como seu. A única maneira de enfrentar essa dura realidade é assegurar aos educandos o direito de participar na elaboração, discussão e revisão das normas, de maneira que elas tenham neles próprios a sua origem e a sua finalidade. Tentar impor-lhes normas "de fora e do alto", pretendendo com elas orientar seus passos, será sempre uma atitude recebida com indiferença ou hostilidade. É como tentar fazer a felicidade das pessoas contra sua vontade. Muitas vezes, o educador é enganado pelas suas intenções mais corretas. Facilmente, lhes conferimos um valor próprio, independentedas situações e dos condicionamentos, no seio dos quais elas devem se expressar. Por isso, um realismo sadio haverá sempre de levar o educador a procurar, primeiramente em si mesmo, a causa das suas dificuldades, antes de atribui- las à instituição, às leis, e, em 63 última análise, à própria estrutura dã sociedade, pois é certo que, em todos esses níveis, causas existem e serão encontradas. A verdadeira autoridade nasce menos do conhecimento que se tem do educando e de suas dificuldades, que da capacidade do educador de (re)conhecê-lo e aceitáIo. Quem conquistou essa autoridade nascida do (re) conhecimento pode e deve agir com firmeza sempre que julgue necessário. O seu sim e o seu não são emitidos com franqueza e solidez. O educando conhece e reconhece o quanto aquele educador já trabalhou e agiu no seu interesse e no de seus companheiros. O educador que assim entende e pratica a autoridade liberta-se do medo e da incerteza. Não se empenha por prestígio ou popularidade. Ele está, agora, liberto de si próprio, encara o educando de frente e lhe transmite o melhor de si mesmo. O educando saberá, de algum modo, perceber que, para lá dos limites e das restrições, alguma coisa de bom, de essencial para seu crescimento lhe está sendo passado por aquele adulto significativo que ele tem diante de si. 64 {3 Quem se proponha a assumir esta modalidade de trabalho educativo junto a adolescentes em dificuldade deverá, no exame médico, apresentar, além da solidez nos aspectos físico e nervoso, uma certa capacidade de resistência à fadiga, de autodomínio dos impulsos. Estas são qualidades extremamente necessárias, pré-requisitos mesmo para se prosseguir no processo de seleção. À medida que a escolha sai do campo do físico e passa a examinar outra ordem de qualidade, as coisas tornam-se mais complexas. Alguns aspectos objetivos, como deficiências intelectuais e excessos de caráter, incompatíveis com o trabalho, como agressividade ou timidez excessiva, são facilmente detectáveis. Há aspectos, no entanto, que são normalmente incompatíveis com os processos convencionais de entrevistas, testes e exames. Faz-se necessário, então, dispor de tempo para avaliar, de forma mais criteriosa, certas qualidades e aptidões. Isto implica, naturalmente, num segundo nível de decisão, que deverá ter uma orientação basicamente operacional, um estágio probatório efetuado junto aos próprios jovens. Nessa fase, três características devem ser observadas com todo o cuidado. Sua ausência ou definição pouco nítida devem ser consideradas motivo suficiente para não 65 recomendar a efetivação de uma pessoa no trabalho direto com os jovens em dificuldade. A primeira dessas características é uma inclinação sadia pelo conhecimento dos aspectos da vida do adolescente que testemunham as suas dificuldades e o seu potencial para superá-los. Esta aptidão básica, de forma nenhuma é intelectual; ela implica simpatia, compromisso, solidariedade, ou seja, capacidade de relacionamento positivo com qualquer tipo de jovem independente do que ele tenha feito ou do que aparente ser. A segunda dessas aptidões reside na capacidade de auto-análise. A função exige muito mesmo neste aspecto. É a partir de uma consciência de si perspicaz que é possivel ao educador perceber corretamente que parte de sua personalidade ele está projetando em qualquer ação. Com esta abertura para a interioridade, a propensão do educador é atribuir tudo o que acontece de negativo ao próprio educando e à suas condições de trabalho, eximindose de colocar a si mesmo como parte dos problemas. Esta capacidade de autocrítica, à luz da ação, condiciona uma honestidade intelectual e uma certa humildade, sem as quais proliferam os álibis de uma consciência propensa a se tornar cada vez mais elástica, mais frouxa, mais acomodada. Quanto à terceira disposição, ela está condicionada pelas duas primeiras, presidindo, de fato, o seu exercício. Trata-se da abertura, a capacidade de deixar penetrar sua vida pela vida dos outros, de modo a captar seus apelos e responder a suas dificuldades e impasses. Sem a pretensão de comentar esta qualidade, diremos apenas que ela é essencial. Sem essa disposição interior, a aceitação não se materializa, e a reciprocidade torna-se um objetivo inatingível. 66 Tais aptidões devem ser consideradas em profundidade, para evitar as aparências enganosas e fraudulentas com que podem manifestar-se, por exemplo, numa entrevista ou exame escrito. A presença dessas qualidades equilibra e mesmo releva outras limitações e insuficiências apresentadas pela pessoa que se propõe a atuar nesta área. Por isso, consideramos que é somente no estágio de seleção que é possível aferi-las com mais segurança e critério. Geralmente, os perfis exigidos dos educadores constituem uma acumulação abstrata de todas as qualidades humanas: físicas, intelectuais, psicológicas, morais. Hoje, já se percebem que a natureza não gera este tipo de fenômeno e que as ciências do homem não acumularam ainda recursos suficientes para produzi-los em quantidade. Melhor, portanto, basear a escolha de pessoas para o traba-lho em critérios seletivos fundamentais, aplicáveis a pes-soas comuns, admitindo sempre uma inevitável margem de erro e de incerteza com a qual teremos de aprender a conviver sem angústias e tensões descabidas. O primeiro instrumento deve ser a entrevista ou outras formas de contatos despojados de qualquer tecnicismo, favoráveis à expressão pessoal de quem se candidata ao trabalho. O outro instrumento fundamental é o estágio que, sem excluir outras formas como testes e exames, nos parece o elemento decisivo de um processo de seleção. Ele deve ter duração suficiente para que, realmente, se possa perceber a qualidade do desempenho dos educadores no "corpo a corpo" com os educandos e suas dificuldades. Uma preocupação necessária nesta fase do processo é de não expor excessivamente os jovens à inexperiência e aos experimentalismos dos estagiários e de seus supervisores. Tal erro pode ter conseqüências as mais Iamentáveis. 67 O primeiro erro, quando tratamos a questão da estagiário é levado avaliar-se, a descobrir partir dos conta- a testemunhar. o trabalho sele- trabalho como uma também e primor- liberdade, é negar os condicionamentos psicológicos e sociais ou subestimar a sua importância. O erro inverso é negar a possibilidade de o homem ser livre por já estar, tanto em termos pessoais como sociais, determinado. A ciência não nos impõe nenhuma destas conclusóes. Somos nós mesmos que, freqüentemente, polarizamos essas visões fazendo-as assumir formas opostas, abstratas, extremadas. Esta incompatibilidade não existe na realidade concreta. Trata-se de algo idealizado e formal. Na vida, as coisas estão emaranhadas e não é possível separá-las em nossos esquemas mentais. Os condicionamentos informam os comportamentos humanos de modo tão evidente que parece desnecessário exigir provas. A liberdade, por outro lado, é a conquista existencial e social básica que passa necessariamente pela experiência, pela vivência concreta e intransferível do ato libertador. Ela exige compromisso consigo mesmo, com os outros e a disposição de correr riscos e assumir responsabilidades. A liberdade confunde-se com a aventura humana. Assusta-nos sempre um pouco. Começa no momento em que aceitamos, para alcançar algum objetivo que julgamos relevante, arriscar a segurança biológica, o equilíbrio psíquico e o bem-estar econômico-social nos quais fundamos os alicerces da nossa vida. 69 Os condicionamentos que informam nossa existência independem de nós para atuar. Não temos que travar qualquer combate para que eles exerçam sobre nós a sua força. Já a experiência da liberdade só é possível mediante uma ativa colaboração da vontade. A liberdade visa conquistar semprealguma coisa para além do que somos e do que possuímos. Ela é uma conquista contínua e sempre comportará em escolhas, incertezas e riscos. A questão da liberdade na atividade educativa junto a adolescentes em dificuldade é das que mais requerem do educador clareza e equilíbrio. Os jovens identificam na liberdade um direito que antecede a tudo mais. Para conquistá-lo ou alargar suas fronteiras, são, às vezes, capazes de iniciativas que nos parecem as mais despropositadas. Caberá ao educador procurar ajudá-lo no sentido de imprimir uma direção construtiva a esse irreprimível impulso. Quando, no entanto, o educando está perdido de si mesmo, esta procura torna-se a procura de sua própria identidade. Os fundamentos de sua personalidade encontramse abalados. Na sua vida, há um vazio de calor e de presenças humanas, um vazio insuportável que ele precisa, de alguma forma, preencher. O papel do educador será facilitar-lhe o acesso a esses bens perdidos, mediante o confronto com a sua realidade e com os limites que ela lhe impõe e das possibilidades que ela comporta. É a partir da compreensão deste quadro e da descoberta de que é possível agir diante dele e modificá-lo que o adolescente em dificuldade vivenciará a experiência intransferível de sentir-se autor de sua vida, de sentirse livre em face de si mesmo e da circunstância em que foi chamado a existir. 70 Quando tiver efetuado essa conquista, o jovem irá usá-la como base sobre a qual construirá a sua vida. Agora, já de acordo consigo mesmo e com os outros. Ele a usará ainda como a sua resposta às exigências que o convidam a ultrapassar-se e aos obstáculos que encontra diante de si. A tarefa do educador é fazer tudo que esteja ao seu alcance, para que, enfim, o educando descubra e comece a trilhar o seu caminho. Assim percebida, a liberdade é muito mais do que a não-restrição. Mais do que condição, ela é, acima de tudo, o produto de um processo educativo freqüentemente laborioso e difícil. 71 {5 A presença, como vimos, é uma exigência constante para o desenvolvimento da personalidade e a inserção social de todo ser humano. Do início ao fim, a vida de cada um de nós se traduz num desejo constante de presença. Quando esses vínculos não existem, ou são demasiado frágeis e se rompem, todo o dinamismo se esvai. A vida torna-se absurda e vazia de sentido, e a conduta deteriorase e degrada cada vez mais. As manifestações delinqüentes dos jovens assumem formas inquietantes às quais o Estado e a sociedade procuram responder com mecanismos caducos do alerta, da repressão e da segregação e, no Brasil, até mesmo do extermínio. Esta maneira de relacionar-se com o problema ignora, em todas as etapas de seu desenrolar, uma das necessidades mais prementes e íntimas do ser humano em todas as épocas: a necessidade de encontrar- se a si mesmo para, então, encontrar os demais. A compreensão deste fato implica um novo caminho para a educação dos jovens em dificuldade. Um caminho que parte do reconhecimento de que, nesta modalidade de ação educativa, o que varia é apenas o momento, o tipo de intervenção e a receptividade do educando. NO educando 73 de que estamos tratando, existem as mesmas possibilidades do que em qualquer outro. Ele passou, contudo, pela massacrante experiência da privação e da brutalidade, fazendo com que sua vida entrasse por um caminho de agitação e incerteza. Uma educação verdadeiramente positiva é a que tenta devolver ao educando o caminho de sua libertação. Não basta, portanto, apenas preparar um futuro adulto para inserir-se de forma produtiva e útil na sociedade. É preciso mais. É preciso encontrar e desenvolver nele, o quanto possível, aquilo de bom que ele trouxe consigo ao nascer. Só assim o jovem não será por nós reduzido às suas deficiências e aos seus atos contra a moral e as leis. Diante de jovens seriamente perturbados, um educador, atuando na linha da Pedagogia da Presença, pode ser um apoio de relevância decisiva. AO aceitar assumir a função educativa em toda sua extensão, o educador percebe claramente a singularidade do seu lugar e do seu papel na sociedade. Ele visualiza, como poucos, os fatores de origem social que abalam e, às vezes, destroem os fundamentos da vida pessoal da infância e da juventude das camadas mais pobres da população. Mas a luta por democracia e justiça social não deve, de maneira alguma, desviá-lo da necessidade de compreender e de aceitar o ser humano, para além das realidades que emergem da sua inserção na sociedade. AO exercer sua função específica, guiado por uma consciência transformadora e crítica da realidade, o educador reconhecerá que os dois pólos de sua atividade: o desenvolvimento pessoal e o desenvolvimento social do adolescente em dificuldade são duas faces de uma mesma moeda. Ele sabe, mais do que ninguém, que a presença 74 do jovem em si próprio é a condição de sua presença nos outros, em todos os espaços onde se processa a sua socializaçáo: família, escola, comunidade, trabalho e outros, Mais do que responder a exigências e temores deste tempo de crise, o educador orientará sua atuaçáo para as necessidades humanas e materiais dos adolescentes. Sua ação cotidiana manifesta-se ao nível da pessoa do educando. Um jovem cujas circunstâncias de vida estão sempre a mostrar-lhe que, enquanto cidadão, são muitos os motivos que o impelem a juntar-se aos que se empenham na mudança da sociedade, para que ela possa tornar-se um lugar capaz de permitir a todo jovem encontrar-se a si mesmo, aos outros e a olhar sem medo para o futuro. 75 Nenhum pre- compreenden- O trabalho social e educativo junto a adolescentes em dificuldade tem como cenário locais e circunstâncias os mais variados. Existe, porém, um conjunto constante de elementos que caracterizam a modalidade e a especificidade da açáo educativa de que estamos falando: as presenças de um jovem, com dificuldades pessoais e sociais, que se refletem em sua conduta, e de um adulto que, com base na sua experiência, procura ajudá-lo, procura orientáIo, para que ele encontre o seu caminho na vida. A moldura dessa relação poderá ser um programa de educação de rua, um programa comunitário de orientaçáo sócio-educativa e preparação para o trabalho, um programa de liberdade assistida institucional ou comunitária, um centro de defesa jurídico-social, um estabelecimento para atendimento, em regime de privação ou de restrição de liberdade, de jovens com problemas mais graves de conduta. Em âmbito diverso das açóes programáticas especificamente voltadas para jovens em circunstâncias de maior dificuldade, esta relação ocorrerá também em outros contextos: como a atividade de pessoas comprometidas junto a jovens, fora de qualquer programa estruturado para este fim específico, como ocorre com pais, professores e técnicos em educação, religiosos, profissionais de saúde, responsáveis por atividades nas áreas de esporte, cultura, lazer e, 79 de modo muito especial, por qualquer adulto que, diante de um jovem em circunstância dificil, se decida a fazer alguma coisa. Falamos muito sobre a Pedagogia da Presença. Vimos na presença uma necessidade básica, um elemento essencial para que o jovem possa encontraro caminho para si mesmo e para os outros. Como, porém, melhorar o desempenho das pessoas que atuam junto a adolescentes nesta dimensão crucial da ação a eles dirigida? Sabemos que uma compreensão articulada, ampla e suficientemente aprofundada da questão da presença é relevante, imprescindível mesmo, mas que, por si só, não é o bastante para promover as mudanças que se fazem necessárias na ação educativa. A verdade é que as novas maneiras de entender resultam de pouco ou nenhum proveito, se não se refletirem de modo nítido nas maneiras de agir dos que atuam diretamente junto aos jovens em dificuldade pessoal e social. Esta constatação colocou-nosdiante da necessidade de buscar caminhos que, no plano operacional, nos permitissem desenvolver nas pessoas que lidam com esses educandos no dia a dia, aptidões, hábitos, atitudes e habilidades favoráveis à presença. Se acreditávamos, como ainda acreditamos, que a capacidade de aceitar, compreender e orientar um jovem em dificuldade pode ser, a partir de certas disposições pessoais básicas, adquirida ou substancialmente melhorada, fazia-se necessário encontrar um enfoque com base no que pudéssemos empreender a capacitação dos educadores e outros adultos, para assumirem o papel de presenças significativas na vida dos jovens a quem dirigem ou pretendem dirigir o seu trabalho social e educativo. 80 Este enfoque fomos encontrá- lo relação de ajuda desenvolvido por Robelt de estudos preliminares desenvolvidos por esforço do qual também participou Bernard que teve, como âmbito inicial, o campo peuta- cliente, estendendo-se posteriormente social e educativo e a todas as situações interpessoal entre alguém que ajuda e certo momento de sua vida, precisa de Assim, o modelo de relação de Carkhuff aplica-se a um amplo espectro intenção e preocupação básica é atender sociais de modo a que os beneficios descobertas, que resultaram em avanços psicologia, possam vir em auxilio também de outras áreas. A fecundidade e alcance desse da pedagogia ficou para nós evidenciado conhecimento que travamos com o de Orientação Educacional", da professora Loffredi, no qual ela estrutura um educacional, tendo como eixo central do e das propostas de organização das idéias de Carkhuff. Nos anos seguintes, a partir de fizemos em relação de ajuda, introduzimos çóes e práticas em nosso trabalho com Escola FEBEM "Barão de Camargos", clando toda a nossa equipe com base ano. Os resultados foram de mérito, tão evidentes que, a partir daí, passamos no modelo do Carkhuff, a partir Carl Rogers, num G. Bereson o das relações teraao trabalho de relacionamento alguém que, num ajuda. ajuda proposto por de relações. A sua às exigências das investigações e no campo da dos profissionais enfoque no campo a partir do trabalho "Paradigma Laís Esteves modelo de orientação ferramental teórico atividades práticas as um treinamento que essas concepmeninas difíceis na em Ouro Preto, recino modelo carkhuffirelevância e impacto a acalentar o um trabalho, tratancom base nesse impottância fundamental projeto, só agora realizado, de produzir do da educação de jovens em dificuldade enfoque, que consideramos de para nossa área de atuaçáo. 81 2 pessoas passam pela nossa vida. Poucas, capazes de se fazer realmente presentes Menos ainda são aquelas cuja influência construtiva que exerceram sobre significação que o tempo não foi capaz são as pessoas significativas de nossas assumir, diante de alguém ou de alguma de não-indiferença. Quando deixamos diante de algo, aquilo assume para nós poderá ser grande ou pequeno, positivo ou destrutivo. É desta valoração, influência de alguém sobre aquilo que o significado dessa pessoa para nós. O determinado momento ou fase, esta vida tem de comum entre as pessoas que são influência construtiva sobre outras a se tornarem para elas pessoas Muitas no entanto, são em nossa existência. presença, pela nós, assumiram uma de apagar. Essas vidas. Significar é coisa, uma atitude de ser indiferentes um valor. Este valor ou negativo, construtivo que fazemos da somos, que nasce valor que, em para nossa vida. O que há capazes de exercer pessoas, de modo cativas? Ao determo- nos tatamos que elas lidar com outras pessoais. signifina análise dessas pessoas, consconcentram em si habilidades várias de pessoas, elas possuem habilidades inter- 83 As habilidades interpessoais foram revestidas de um novo significado para a compreensão e a prática do processo de ajuda quando se constatou que, independente do enfoque teórico e dos métodos e técnicas empregados pelos terapeutas, a melhora ou piora dos clientes se revelava função de atitudes assumidas pelo responsável pelo tratamento. Em "Construindo a Relação de Ajuda", Clara Feldman e Márcio Lúcio de Miranda (1983) nos apresentam as seis dimensões básicas (atitudes construtivas), identificadas por Rogers e Carkhuff na relação terapêutica, mas que são válidas para o processo de ajuda como um todo: a) EMPATIA: capacidade de se colocar no lugar do outro, de modo a sentir o que sentiria caso estivesse seu lugar; b) ACEITAÇÃO INCONDICIONAL ou RESPEITO: capacidade de acolher o outro integralmente, sem que lhe sejam colocadas quaisquer condições e sem julgá-lo que ele é, sente, pensa, fala ou faz; c) CONGRUÊNCIA: capacidade de ser real, de mostrar ao outro de maneira autêntica e genuína, expressando, por meio de suas palavras ou atos, seus verdadeiros sentimentos; d) CONFRONTAÇÃO: capacidade de perceber comunicar ao outro certas discrepâncias ou incoerências em seu comportamento — distância entre o que ele fala e o que ele faz, entre o que ele fala e o que ele é na realidade, entre o que ele fala e o que mostra; e) IMEDIATICIDADE: capacidade de trabalhar própria relação terapeuta—cliente , abordando os sentimen- 84 tos imediatos que um experimenta pelo outro duranto O f) CONCRETICIDADE: capacidade de decodificar a experiência de outro em elementos específicos, objetivos e concretos, para que ele possa compreender sua experiàs vezes confusa. O que se passa, ao nível da pessoa ajudada, quando estas dimensões (empatia, respeito, congruência, concreticidade, imediaticidade e confrontação) estão presentes nas daquele que ajuda? Os mesmos autores nos mostram as mudanças que a ocorrer na pessoa ajudada: a) "MUDANÇA NOS CONSTRUTOS PESSOAIS: transformações das crenças e valores que orientam o relacionamento do ajudado consigo mesmo e com o mundo à sua volta, no sentido de uma flexibilidade desses valores, inicialmente rígidos"; b) "PROXIMIDADE DA EXPERIÊNCIA: habilidade de desenvolver autoconhecimento mediante um cada vez mais próximo com a sua experiência"; c) "ENTREGA AO RELACIONAMENTO: confiança terapeuta, de modo a abrir-se a ele livremente do processo": d) "MUDANÇA NA EXPRESSÃO DOS PROBLEmovimento do cliente em relação ao conteúdo de verbalizações, no sentido de expressar, cada vez mais, interno (referente a sua própria pessoa), e meconteúdo externo." 85 A identificação das dimensões que devem estar presentes naquele que ajuda (empatia, respeito, congruência, confrontação, imediaticidade e concretude) e dos seus efeitos sobre a pessoa ajudada permitiu o conhecimento dos elementos constitutivos de uma relação de ajuda efetiva e plena. Como fazer, no entanto, para que esse conteúdo fosse operacionalizado, ou seja, fosse desenvolvido de tal maneira que pudesse ser ensinado e aprendido às pessoas interessadas em adquirir ou desenvolver suas atividades no campo da ajuda? A resposta a essa questão foi dada por Carkhuff, por intermédio do desenvolvimento de seu modelo de ajuda, que consiste na operacionalização das dimensões da relação de ajuda e de seus efeitos sobre o ajudado. Esta operacionalização envolve as habilidades do ajudador e os comportamentos do ajudado no curso do processo de mudança. Assim, tais habilidades tomam-se observáveis, mensuráveis, transmissíveis e treináveis, contribuindo decisivamente para que a capacidade de ajudar deixe de ser uma qualidade pessoal inata, que só pessoas dotadas de dons especiais são capazes de ter e de exercer plenamente. Ainda segundo o modelo apresentado em "Construindo a Relação de Ajuda" (p. 20 e 21), estas habilidades básicas são quatro: ATENDER: comunicar, de maneiras não-verbais, disponibilidade e interesse pelo ajudado; RESPONDER: comunicar, corporal e verbalmente, compreensão pelo ajudado; 86 PERSONALIZAR: mostrar ao ajudado sua parcelade responsabilidade no problema que está vivendo; ORIENTAR: avaliar, com o ajudado, as alternativas de ações possíveis e facilitar a escolha de uma delas. À medida que o ajudador atende, responde, personaliza e orienta, o ajudado começa a comportar-se de modo promover sua própria mudança. Estas são as fases pelas quais ele passa durante o processo de ajuda: 10) ENVOLVER-SE: capacidade de entregar-se ao processo de ajuda, iniciando a expressão corporal e verbal de seus problemas. 24) EXPLORAR: capacidade de avaliar a situação real em que se encontra no momento do processo de ajuda seus problemas, déficits, insatisfações — e de definir com clareza onde está. 32) COMPREENDER: estabelecer ligações de causa e efeito entre os vários elementos presentes em sua vida — como se estivesse juntando as peças de um quebra-cabeças — de modo a definir sua meta: onde quer chegar. 42) AGIR: movimentar-se do ponto onde está para o ponto onde quer cheqar, escolhendo, para isso, o melhor caminho ou programa de açáo — como chegar lá. 87 As inter-relações entre as habilidades do ajudador e os comportamentos do ajudado podem ser representadas das seguintes maneiras: AJUDADOR: AJUDADO: atende envolve-se responde —3 personaliza orienta explora Compreende age Esse conjunto de etapas pode ser decomposto em duas grandes fases, a saber: fase iniciativa; fase responsiva; Assim, temos: AJUDADOR: AJUDADO: Fase responsiva Fase iniciativa atende „.i:. responde envolve-se explora personaliza compreende Orienta age 88 3 Em seu "Paradigma de Orientação Educacional", a professora Laís Esteves Loffredi (1979) apresenta dez características da relação de ajuda, selecionadas por Shertzer e Stone (1972). Essas características, adverte ela, referem-se à relação de ajuda de modo amplo, ultrapassando, assim, o âmbito das chamadas profissões de ajuda. São elas: P) SENTIMENTO: "A relação de ajuda tem sentido porque está relacionada com determinada situação para a qual se busca solução, implicando um compromisso mútuo onde ocorre uma interação pessoal que exige certo grau de profundidade." 22) EXPRESSÃO DE AFETO: "Na relação de ajuda expressa-se afeto, apesar da relevância de fatores cognitivos. São os fatores efetivos que sustentam o processo pela sensibilidade mútua dos participantes, garantia do equilíbrio na relação." 30) TOTALIDADE : "Na relação de ajuda manifestase a pessoa total. A totalidade é a qualidade reparadora da relação, no sentido de que os participantes apresentem-se e aceitem-se tal como são, ou seja, autenticamente." 40) CONSENTIMENTO MÚTUO: "A relação de ajuda se dá por consentimento mútuo dos participantes. 89 Embora algumas relações sejam estabelecidas por força de uma função, como no caso pai—filho, professor—aluno, está implícito ter havido consentimento prévio de assumir as responsabilidades inerentes ao papel, pelo menos por parte de quem oferece ajuda. No entanto, a relação de ajuda só se estabelece satisfatoriamente quando ambos — quem dá e quem recebe ajuda — participam da relação livremente." 50) EXPECTATIVA: "A relação ocorre porque a pessoa que pede ajuda precisa de informação, instrução, conSelho, auxílio, compreensão ou tratamento, e espera que a outra pessoa possa oferecer- lhe isto. A confiança no conhecimento e na competência de quem ajuda é essencial à relação. " 69 COMUNICATIVA E INTERATIVA: "A relação de ajuda se dá pela comunicação e interação. Uma e outra são cognitivas e afetivas, de conteúdo positivo ou negativo, e serão estabelecidas pela comunicação verbal e nãoverbal." P) ESTRUTURAÇÃO: "A relação de ajuda é uma situação estruturada que começa quando, por consentimento mútuo, os participantes encontram-se face a face, e a pessoa que pede ajuda percebe que será um agente do processo e não apenas um paciente que entrega a outro a responsabilidade pelo que venha a ocorrer. No entanto, a competência de quem oferece ajuda é que permite a situação em que a participação se realiza por meio da experiência vivencial de cada um. A estrutura pode variar segundo o tipo de relação, mas será sempre constituída por estímulos e respostas, resultantes das necessidades dos participantes da relação." 80) COOPERATIVA: "A relação de ajuda é caracterizada pelo esforço cooperativo. Essa característica é decorrência da anterior, pois o esforço cooperativo começa pela 90 percepção, por parte de quem recebe ajuda, de que o êxito do processo depende também dele. Esta percepção intensifica e aprofunda a estrutura da relação. Quem ajuda se coloca à disposição do outro, dando-lhe a liberdade de aceitar ou rejeitar o que lhe parece apropriado, favorecendo assim, pela seleção de recursos, a descoberta de formas mais adequadas de atuação." 92) ACESSIBILIDADE E SEGURANÇA: "A pessoa que ajuda é acessível e se mostra segura. Na verdade, & acessível porque se sente segura e, portanto, aberta ao outro, sendo capaz de apresentar-se constantemente estável, atuando como apoio daquele que se sente, pelo menos temporariamente, inseguro e instável." 100) ORIENTAÇÃO PARA A MUDANÇA: "0 objeto da relação de ajuda é a mudança. A pessoa modifica-se pela aprendizagem, mediante uma nova percepção de si mesma, da sua situação e do ambiente, expressa numa mudança de atitudes." 91 SÓCIO-EDUC&TIVOS Definidos, do ponto de vista conceitual, os pressupostos e caracteristicas básicas da relação de ajuda, passaremos a nos dedicar, até o final do curso, à formulação de uma estratégia específica para atuação das pessoas que atuam nos programas sócio-educativos dirigidos a adolescentes em dificuldade, entendendo a relação educador—educando como o esforço cooperativo desenvolvido portodos os membros da equipe do programa, os quais têm nos educandos seus interlocutores e parceiros básicos e primordiais. Para implementar a estruturação e o funcionamento das oportunidades educativas nesta linha, faz-se necessário enfatizar, na atuação da equipe, os aspectos relacionados às habilidades interpessoais, por meio da adoção de um paradigma comum de ação que possibilite a criação de uma ambiência favorável ao desenvolvimento pleno das relações interpessoais. Isso implica em mobilizar e integrar os esforços da equipe no sentido de tornar o programa, como um todo, um contexto facilitador do crescimento do adolescente, no sentido da superação de seus impasses e dificuldades, 93 por intermédio de relações que lhe possibilitem a aprendizagem significativa de novas atitudes e habilidades. O modelo de relacionamento a ser operacionalizado deve ser, portanto, compartilhado por todos e se basear nas seguintes proposições básicas: a) O conjunto das relações interpessoais desenvolvidas no programa pode ter sobre o crescimento do adolescente uma influência positiva ou negativa; b) Esses resultados dependem do nivel de qualidade que a equipe conseguiu imprimir ao exercício cotidiano das dimensões facilitadoras da relação de ajuda: empatia, respeito, autenticidade, confronto, concretude e imediaticidade); c) O processo de ajuda realiza-se mediante duas grandes fases: i. INTERNA: envolvendo a compreensão e a exploracão; ii. EXTERNA: envolvendo a orientação, por parte do ajudador, e a acão por parte do ajudado; d) Enquanto componente infra- estrutural do processo educativo, a relação de ajuda poderá valer-se de diferentes enfoques de aconselhamento; e) Enquanto processo de aprendizagem mútua, a relação de ajuda terá sempre o formato de um processo aberto e experiencial; O O modelo de relação de ajuda fornecerá a cada membro da equipe o "sustento" teórico e operacional capaz de somar-se à sua disponibilidade interior, de modo a 94 tornar significativas as relações que estabelece com o educando; g) Na implantação do paradigma da relação de ajuda, ao nível da estruturaçãoe funcionamento geral de um programa sócio-educativo dirigido a jovens em situação de dificuldade pessoal e social, deve-se respeitar as seguintes etapas: i. conhecimento da realidade: programa e extraprograma; ii. envolvimento da comunidade inclusiva; iii. formulação dos objetivos e metas a serem perseguidos; iv. programação das açóes necessárias à consecução dos do modelo de rela- pessoal e social, equipe, das técnicas propostas possa ser desencada membro da equipe de suas fases e da forna concatenação geral do relaSão etapas deste processo: preparação do ambiente fisico ii. acolhimento iii. atendimento fisico iv. observação v. escuta Vi. resposta ao conteúdo vii. resposta ao sentimento viii. resposta ao sentimento e conteúdo ix. resposta com imagens x. resposta com comportamento xi. resposta a perguntas xii. resposta com os próprios sentimentos xiii. personalização xiv. orientação A incorporação deste conjunto de habilidades e posturas permitirá ao educador: perceber e sentircom nitidez as principais dificuldades pessoais e sociais do educando; atender e, quando for o caso, encaminhar o educando a outros serviços especializados; desenvolver as capacidades de observação, síntese, interpretação e levantamento de hipóteses; melhorar seus próprios níveis de funcionamento pessoal. de modo a elevar a qualidade de seu relacionamento com o educando, tomando-o efetivamente significativo; analisar e, quando necessário, rever seus próprios valores em face das questões e exigências que lhe chegam no processo educativo; avaliar a qualidade das interaçóes humanas nos diversos níveis e ambientes do dia a dia de seus educandos; expressar valores, em uma forma de comunicação (exemplos concretos, criação de acontecimentos), que facilite ao educando na aquisição e construção de seus próprios valores: descobrir permanentemente formas e meios de fortalecer o autoconceito, a autoconfiança e a auto-estima de cada educando; favorecer o processo de "escolhas progressivas" na aquisição e desenvolvimento de um projeto de vida por parte do adolescente em dificuldade; identificar, avaliar e utilizar novas idéias e formas de ação para assegurar qualidade crescente ao trabalho desenvolvido. 97 5 As instalações e o material existentes em um programa sócio-educativo constituem a sua base material, a sua infra- estrutura. É importante, portanto, que as coisas sejam dispostas e mantidas de tal forma que essa disposição, esse arranjo cuidadoso, seja, em si mesmo, urna mensagem para o educando. A mensagem de que ele é importante, de que alguém se preocupa com o que ele sente, de que alguém quer que ele se sinta bem naquele lugar. Ainda que muito simples, as instalações hão de revelar sempre gosto e cuidado. Cada ambiente deve transmitir, sob a forma de pequenos sinais, a mensagem pedagógica do programa. Por exemplo: o chão limpo e bem cuidado de determinada instalação fala ao educando do valor da higiene e da limpeza. Já aquele tapete de retalho na entrada de determinada sala nos está dizendo do compromisso e do respeito que nos suscita o trabalho de quem faz aquela limpeza. A lata pintada ou envolta em papel, colocada num ponto estratégico para a coleta do lixo, junto com tantas outras coisas, também exerce sua dose de influência construtiva sobre os educandos, educadores e demais pessoas que freqüentam aquele lugar. Cartazes, latas de flores, jardins, cantos de pátio, banheiros, paredes, avisos, móveis, corredores, os lugares 6 99 de comer, dormir (quando for o caso), tomar banho, fazer necessidades fisiológicas, tudo deve transmitir uma atmosfera de respeito pela dignidade das pessoas. Uma atmosfera de acolhida, de gosto, de cuidado e preocupação com o bem do outro. Especial atenção devem merecer os aspectos de atendimento individual ou em pequenos grupos. Ali, deve o educador estruturar o ambiente de forma particularmenteUma das características mais comuns dos adoacolhedora: o equilíbrio das cores, a disposição dos móveis,lescentes em dificuldade vem do fato de eles não se sentia decoração, a limpeza e a conservação do local, a sua rem aceitos pelas pessoas. Daí, a enorme dificuldade que capacidade de garantir sossego e privacidade para as têm estes jovens na formação de um bom autoconceito, pessoas que conversam. base da auto- estima e da autoconfiança, sem as quais a tarefa de construir um projeto de vida torna-se muito difícil. O ambiente assim estruturado é um educador ob- É como tentar assentar um alicerce sólido sobre uma base jetivo. Ele exerce sobre o educando uma influência de areia movediça. construtiva que o faz sentir-se respeitado e valorizado naquele espaço. O adolescente, diante de um chão limpo, de É nos primeiros contatos com o educador que se banheiros onde se pode respirar sem medo, de parede bem forma no educando a imagem de atitude básica daquele cuidadas, de cartazes bonitos e significativos, de plantas adulto em relação à sua pessoa. Esta imagem poderá ser que revelam trato e carinho cuidadosamente distribuídas, de aceitação, de indiferença ou de rejeição. Essa impressão respirará dignidade e se sentirá respeitado e aceito. As coi- inicial vai influenciar fortemente as posturas e atitudes sas estão lhe dizendo isto. assumidas pelo jovem nas etapas seguintes da relação. Por isto, a adoção de determinados cuidados por parte do Certa vez, um educador de rua me disse que, após educador, nesses contatos iniciais, é extremamente imporos primeiros contatos com os meninos, uma providência tante para que o adolescente sinta-se verdadeiramente acoimportante se torna encontrar, junto com os adolescentes, Ihido e aceito. um lugar mais sossegado, tranqüilo onde "o papo possa rolar mais solto, sem muito agito" . Vê-se, por esse exemplo, Algumas atitudes contribuem na comunicação ao que até mesmo quando não existe um espaço pré„ educando da disposição interior do educador em relação à estruturado para esta finalidade, a relação educador— sua pessoa, configurando o clima de integração e de educando impõe um certo nível de preocupação com o que caracteriza o acolhimento. São atitudes ambiente. facilitadoras da acolhida: aconchego 7 100 ii. cumprimentar o educando, voltando-se para ele, indo ao seu encontro, tocando-o fisicamente, dirigindo-lhe palavras amigas, transmitindo-lhe segurança e apoio e abrindo-se para captar o seu estado emocional naquele o CORPO preciso momento; iii. individualizar o educando, mostrando atenção ao que se passa com ele ou demonstrando perceber alguma educador;tribuem mudança para ocorrida que ele em se seu perceba aspecto. importante Tais atitudes diante con-do concreta O e corpo ou verdadeira indisposição é uma que fonte as internas de palavras. mensagens de uma Ele expressa pessoa muito maisema disposição iv. nutrir fisicamente o adolescente em dificuldade ou estar relação atento a outras ao pessoas ou situações. que ele transmita O educador ao deveeduproporcionar-lhe um pouco mais de comodidade são cando a noção verdadeira seu corpo para do seu interesse e da sua disgestos Pequenos concretos cuidados de acolhida como oferecer que falam água, por alimento, si mesmos.re- posição de ajudá-lo. 8 de exteriorizam médio, receptividade, agasalho da parte ou de uma aceitação, do educador simples de cadeira a acolhimento.disposição são sinais interiorqueàs posturas Atender assumidas fisicamente parte pelo do educador um próprio adolescente corpo na atenção a cada em dificuldadeconstantemomento implica, assim, da e na adoção de alguns comportamentos que facilitam sua interação com o educando: É muito importante que, durante a conversa, a distância física entre o educador e o educando seja a expressão do grau de aproximação entre ambos naquele momento da relação. Para perceber isto, o educador deve concentrar-se na atitude corporal do educando quando ele se aproximaou se afasta, de modo a situar-se na distância correta para aquele estágio do relacionamento; ii. Inclinação: A inclinação do tronco do educador em relação ao educando deve estar sintonizada com a mensagem que, a cada momento, estiver sendo transmitida por um ou por outro. O inclinar-se para a pessoa com que estamos falando funciona como uma sina- 102 103 lização concreta e imediata do interesse que lhe estamos dedicando naquele preciso instante; iii. Contato—ylsual: Educador e educando devem situar- se no campo visual um do outro. A relação "olho no olho" não deve ser evitada e nem perseguida de forma sistemática. Esta forma de contato deve ocorrer naturalmente e não de forma forçada, persecutória. A consideração deste aspecto é fundamental para As mensagens não-verbais, que chegam ao educonfigurar o respeito do educador pelo educando; cador a partir da observação das atitudes e reações corpo- 9 iv. que Ássentir educador lhe com devem a cabeçaestar sintonizados : Os movimentos lhe com de a mensagemcabeça dorais ele pessoa, mais do educando, devo do que primeiro as permitem suas olhar palavras. entender seu corpo "Se o que para quero se depois passa entender ouvircoma que suas chega palavras do educando. estão encontrando Isto dá a sensação eco, estãodesuas meiro." palavras, Essa afirmação pois a verdade de Clara está, Feldman acima de de Miranda tudo, no nospri- afetando o educador;dá a dimensão exata da importância da observação na relav• Togar: Há momentos, no decorrer de uma conversa,ção de ajuda. físico que nenhuma do palavra é capaz de substituir um toqueA observação é o recurso básico e fundamental do e momentos manifestação maturidade educador e é pessoal uma dosar no questão educando. do corretamente educador;de bom Saber senso, identificar este experiênciatipo essesdeeducador. O olhos mum desenvolvimento e o da poder É cultura ela imediato que organizacional da lhe habilidade permite da visão distanciar-se da de que, sua observar ao área longo do devolve de senso do atuação.nossoaosco- vi. Manter a mesma altura dp educando: Sentado ou em"desenvolvimento", intermédio de acaba nossos transferido olhos, ao enquadrando senso comum, o queque pé, de o altura educador do educando. deve procurar Essa manter-se horizontalidade no mesmo físicanívelvê temos por diante de nós nos construtos pré-estruturados ersinaliza a disposição de equilibrar a relação em termosguidos em nossas mentes. sividade de poder, do funcionando como um facilitador da expres-O fundamental na relação de ajuda é inferir o nível educando. 10 de energia e o tipo de sentimento que o educando, naquele momento, está experimentando, bem como a sua prontidão para agir e a qualidade do seu relacionamento com o educador. O nível de energia diz respeito ao nível geral da disposição física de uma pessoa. Sua gradação (baixo, 104 105 médio ou alto) pode ser aferida mediante a disposição corporal, a expressão facial e o Olhar da pessoa observada. A prontidão está ligada à disposição da pessoa observada de assumir as tarefas com que se depara. As expressões corporais e faciais nos revelam essa dimensão do comportamento do educando. 11 A qualidade do relacionamento do adolescente Escutar, por uma série de motivos, é uma habilidade consigo mesmo e com os outros pode ser apreendida pouco desenvolvida pelas pessoas. Quantas vezes uma através da observação do modo como ele estabeleceem dificuldade sente-se melhor, ordena seus penpessoa contato visual com as pessoas e delimita seu territóriosarnentos e reavalia suas experiências quando alguém a corporal. Suas respostas corporais às pessoas com quemouve com atenção. Em alguns casos, esse encontro de um interage nos dá o sentido da positividade ou negatividadeespaço aberto para colocar-se permite à pessoa reavaliar das relações que estabelece. Esta qualidade do relacio- sua situação e descobrir novas saídas para seus problemas. namento pode ser verificada principalmente pela coerência entre o corporal e o verbal, onde residem os aspectos maisEstas considerações sobre a habilidade de escutar reveladores em relação ao desempenho relacional ao edu-são particularmente importantes para o educador que atua cando.junto a adolescentes em dificuldade. Este é um recurso simples e efetivo, mas, infelizmente, pouco utilizado no traAssim, vimos que atender fisicamente e observarbalho com os jovens. são atividades por meio das quais o educador transmite e capta mensagens não-verbais.Se o educador escuta o educando, empenhando- se de forma sincera em colocar-se no seu lugar e ver a verbais.Atender fisicamente é TRANSMITIR mensagens não-situação sendo passado, com os seus procurando olhos, sem compreendê-lo julgar aquilo e que aceitá-lo, lhe estáo jovem se sentirá envolto num espaço de calor e reci é CAPTAR mensagens não-verbais. procidade capaz de aliviar a sua tensão e reduzir o seu sofrimento. Na fala de um jovem em dificuldade, o educador deve atentar para duas dimensões. Uma é o discurso, as palavras e frases tomadas em si mesmas. A outra dimensão é formada pela intensidade, o timbre e o ritmo com que ele pronuncia as palavras. 106 107 Outro ângulo importante da habilidade de escutar é a identificação dos temas recorrentes na fala do educando. Por algum motivo, esses assuntos estão ligados a alguma coisa de relevante para ele. Quando o jovem fala de coisas que lhe tocam e lhe dizem respeito de forma mais profunda, sua voz (tom, ritmo, intensidade) se altera. Cabe ao educador, escutando, captar esses sinais e usá-los na compreensão do educando. Quando o educando emite mensagens desordenadas e desconexas, sua fala reflete uma desordem A primeira ajuda de que ele necessita é a de alguém que o auxilie a refazer a sua expressão verbal. A isto chamamos de responder ao conteúdo. Responder ao conteúdo é refletir o tema central da fala do educando. Não se trata, portanto, de reproduzir tudo o que ele disse anteriormente. Trata-se de refletir aqueles elementos importantes ligados ao tema central. Essa devoIução do conteúdo ao educando pode ser expressa em frases pré-estruturadas como: — Você está me dizendo que... — Em outras palavras, você... A resposta ao conteúdo permite ao educador compreender o educando, ao observar as reaçóes do educando à sua resposta. O educando, por outro lado, começa a expiorar a sua própria experiência de modo a perceber onde está. Quando a resposta do educador não corresponde exatamente ao conteúdo de sua experiência, o educando manifestará isso de forma verbal ou não- verbal. Cabe, então, ao educador ouvir mais e refazer a sua resposta. Não existem respostas não-válidas. Cada resposta é um processo de aproximação da verdade do educando e tem, por isso mesmo, a sua validade. 108 109 Responder aos sentimentos do educando é percebê-los e expressá-los com clareza. Essa expressão bilitará ao adolescente em dificuldade conhecer-se melhor. O autoconhecimento é condição básica para qualquer mudança construtiva na vida. A resposta aos sentimentos do educando deve começar quando o educador percebe que ele já está pronto para encontrar-se com seus sentimentos. Responder ao sentimento é a habilidade de captar o que o educando está sentindo a cada momento da relação e repassar-lhe essa percepção. Alguns passos permitem ao educador desenvolver e exercitar a habilidade de responder aos sentimentos do 10) Identificar a categoria do sentimento. 22) Identificar a intensidade do sentimento. 39) Escolher a "palavra-sentimento" apropriada. 42) Responder ao educando usando o formato: 1 1 1 Categorias de sentimentos Para efeitos didáticos, os sentimentos podem ser agrupados em algumas categorias básicas: alegria; tristeza; raiva; medo; culpa; confusão. A intensidade do sentimento expressa a maneira como ele se manifesta: forte; fraco; moderado. A palavra-sentimentoé aquela expressão que mais se encaixa ao que a pessoa está sentindo no momento. Exemplos: a) um sentimento forte de raiva: palavra-sentimento: enfurecido; b) um sentimento moderado de raiva: palavra-sentimento: irritado; c) um sentimento fraco de raiva: palavra-sentimento: aborrecido. 1 13 {2 Responder ao sentimento e ao conteúdo do educando é comunicar-lhe a compreensão de ele se sente e do por que ele se sente assim. A resposta de sentimento ou de conteúdo isoladamente não é capaz de captar o todo da experiência do educando. A resposta ao sentimento e ao conteúdo é, portanto, a mais completa. Ela possibilita fazer a ligação entre o mu.nd.Q-jn-te.L!IQ e o mundo externo do adolescente em dificuldade, ou seja: i. mundo interno: seus sentimentos; ii. mundo externo: as pessoas, fatos e situações que desencadeiam seus sentimentos. Passos para se formular a resposta de sentimento e conteúdo: 1 Q) Identificar o sentimento. 29) Identificar a razão para o sentimento. 39) Responder usando o formato: — Você está se sentindo... porque... 1 15 ou — Diante de. .. você se sente... ou — Quando... acontece, você se sente... ou — Você se sente... toda vez que... Quando o educador não consegue comunicar sua compreensão, o educando manifestará isso de maneira verbal ou não-verbal. Cabe ao educador continuar tentando até acertar. O educando, por meio de suas respostas, irá corrigindo a rota do educador. Muitas vezes, é neste processo de correção que ele se depara com a compreensão do seu verdadeiro sentimento. 1 16 {3 Muitas vezes, a resposta ao conteúdo e ao sentimento não se mostra capaz de captar a inteira verdade da experiência de um jovem em dificuldade. Nessas ocasiões, costuma emergir do fundo da mente do educador uma imagem simbólica que tem o poder de comunicar a compreensão do educando num nível muito maior que as respostas do tipo conteúdo/sentimento. O surgimento dessa imagem reflete um alto grau de empatia na relação educador—educando. É como se, de repente, ele captasse a totalidade da experiência do educando, passando-a pelo fundo de sua própria experiência, isto é, de forma visceral. Responder ao educando com imagens dessa natureza é levá-lo ao encontro profundo de si mesmo. A força da imagem está no fato de ela tornar concreta uma experiência até então ainda não completamente definida, possibilitando ao educando visualizá-la em toda sua inteireza. A resposta de imagem pode ser dada ao educando de diversas formas: isoladamente; ii. acompanhada de resposta de sentimento; iii. acompanhada de resposta de conteúdo; 117 iv. acompanhada de respostas de conteúdo e sentimento. Assim, os formatos respectivos seriam: a resposta de imagem: — É como se... resposta de imagem e conteúdo: Responder ao comportamento do educando é — Quando................ é como se...repassar-lhe dados elou inferências naqueles momentos (conteúdo) em que o educador perceber que isto será benéfico para ele. O comportamento é a expressão do educando pode assumir de três modos básicos. São eles: — Você se diante resposta de imagem e sentimento:do educador. Ele sente... como se... i. O educando se expressa corporal e verbalmente; resposta de imagem sentimento e conteúdo: ii. O educando não se expressa verbalmente, apenas — Diante de... você se sente... como se...corporalmente, de maneira estática. É o chamado silêncio parado; iii. O educando não se expressa verbalmente, apenas corporalmente, de maneira dinâmica. É o silêncio movimentado. Ao responder o comportamento, o educador comunica ao educando que suas mensagens não-verbais foram captadas. Por isso, é muito importante para o educador adquirir e desenvolver a capacidade de apreender os significados do silêncio do educando. O silêncio do adolescente em dificuldade poderá estar ligado basicamente à sua relação consigo mesmo ou à sua relação com o educador. 118 1 19 Quando o silêncio está ligado à relação do educando consigo mesmo, pode significar que ele: não sabe o que fazer no primeiro contato; está inteiramente voltado para si mesmo; está deprimido; está confuso; está organizando seu pensamento; está sentindo com muita intensidade; coloca um limite para a própria entrega (ressaca de entrega). Quando o silêncio está ligado à relação do educando com o educador, pode significar que ele: está com medo do educador; se sente envergonhado diante do educador; está com raiva do educador; está testando o educador. O educador poderá lidar com o silêncio do educando: ficando em silêncio também; 120 respondendo verbalmente ao comportamento do educando. O importante, neste caso, é que as respostas tenham a dimensão da imediaticidade, ou seja, respondam ao que está acontecendo "aqui agora" entre o educador e o educando. Um tom interrogativo significa disposição de compreender e aceitar. Expressa também o reconhecimento por parte do educador de que só o educando saÊe a verdade sobre si mesmo. 121 {5 Por que as pessoas perguntam? {6 Ninguém indaga nada à-toa. As motivações que levam as pessoas a perguntar podem ser agrupadas em quatro tipos básicos: A pessoa pergunta porque precisa de uma resposta para tomar uma decisão ou iniciar uma ação. São perguntas objetivas, que visam obter uma informação e nada mais; ii. A pessoa pergunta visando manter (iniciar) um contato com a outra. A resposta não é o mais importante para quem indaga. O importante é o pretexto para início de uma conversação; iii. A pessoa pergunta porque quer expressar alguma coisa e não consegue; iv. A pessoa quer saber alguma outra coisa e não tem coragem de perguntar diretamente. Ao lidar com perguntas do educando, é fundamental ao educador estar atento à mensagem subjacente. Por baixo de cada indagação está escondida a verdadeira mensagem ou pedido da pessoa que pergunta. As palavras objetivas usadas na formulação da pergunta servem apenas de veículo pelo qual a mensagem real é transmitida à pessoa que escuta. A ela cabe desvendar essa mensagem. 123 {7 Assim, responder a perguntas, no contexto de uma {8 relação de ajuda, implica na exigência de que o educador adquira e desenvolva algumas habilidades, tais comO: perceber a mensagem subjacente à pergunta; comunicar essa percepção ao outro; responder, se necessário, à parte objetiva da questão (mensagem aparente). Quando a pergunta deve vir do educador? Quando ele não entendeu alguma coisa por não ter escutado ou por ter escutado e não ter compreendido; ii. Quando o educando quer mas não consegue se expressar, por timidez, medo, vergonha. Uma pergunta pode aliviar a tensão e facilitar a expressão do educando; iii. Quando o educando tem dificuldade de explorar seus sentimentos. As perguntas podem levá-lo a explorar melhor a própria experiência; iv. Quando o educando se expressa de maneira abstrata. O educando, às vezes, se expressa por meio de divagaçóes e generalidades. O educador deve ajudá-lo' a tornar-se mais concreto e específico, orientando para este lado suas perguntas. 124 Não existe ninguém melhor ou pior na relação de ajuda. O que existe são papéis diferentes a serem desempenhados. A diferença, portanto, não está na qualidade das pessoas e, sim, no repertório que elas desempenham. A genuinidade da parte do educador é uma forma de quebrar a imagem de superioridade pessoal do educador em relação ao educando. Coerência O educador deve cuidar para que suas mensagens verbais e não-verbais sejam coerentes diante do educando. Ele deve transmitir-lhe, com palavras, aquilo que já lhe transmitiu com o corpo; Cuidado e empatia Tão importante quanto ser coerente é ser cuidadoso com o educando. Nesse sentido, é importante que o educador saiba discriminar quais sentimentos devem ser comunicados ao educando e escolhero melhor momento para fazer isso; Efetividade PRÓPRIOS {9 Antes de expressar seus sentimentos ao educando, o educador deve perguntar-se: — Essa comunicação vai ser-lhe útil ou não? 125 {10 — Estou sendo construtivo ou destrutivo? {11 — Estou sendo efetivo ou inefetivo? É preciso que 0 educador tenha muita clareza das razões que o levam a expressar seus sentimentos ao jovem em dificuldade. Nesse sentido, ele deve evitar expressar seus sentimentos ao educando quando perceber que está fazendo isto: por manipulação: Quer moldar o comportamento do educando segundo sua vontade; por desabafo: Quer mudar os papéis e usar os ouvidos do educando como se fosse ele o seu ajudador. É importante observar que, numa relação de ajuda, o ajudador é, antes de mais nada, um modelo para o ajudado. Isso não se aplica apenas à expressão de seus sentimentos, mas a tudo mais. É procurando colocar-se na posição do educando (empatia) que o educador pode dimensionar o que comunicar-lhe ou não comunicar-lhe. Ao transmitir o que sente ao educando, o educador deve: identificar, de modo claro, seus sentimentos; expressá-los ao adolescente por intermédio de um dos formatos: — Eu me sinto... quando... — Eu me sinto... porque... — Eu me sinto... diante de... 126 Atender e responder são etapas que correspondem à fase responsiva da relação de ajuda. A personalização e orientação são as etapas da fase iniciativa. Pontos importantes a serem enfatizados no desenvolvimento do processo de ajuda: As habilidades de atender e responder são as mais importantes na relação de ajuda. São elas que vão estabelecer a base de todo o processo; ii. Com freqüência, quando o ajudador atende e responde muito bem ao ajudado, não precisa personalizar e orientar sua experiência, e começa a agir sem orientação externa; iii. Isto se torna possível quando as respostas do ajudador são tão efetivas que levam o ajudado a níveis profundos de compreensão da sua responsabilidade em relação a si mesmo; iv. Quando o ajudado não chega a personalizar para si mesmo, o ajudador pode fazê-lo, desde que tenha {12 adquirido esse direito mediante suas habilidades de atender e responder. 127 {13 A personalização ocorre quando o educando {14 consegue identificar o seu papel dentro de seu próprio problema. O educando personaliza-se quando identifica e assume sua própria parcela de responsabilidade diante da situação que está vivendo. Personalizar é, portanto, pegar a vida com as próprias mãos e responder por ela. É abandonar o papel de vítima e se transformar no autor de sua própria história. Personalizando o conteúdo (trocando os pronomes) Personalizar o conteúdo é dar respostas ADITIVAS que internalizam cada vez mais os temas da fala do educando. A essa altura, o educador já se sente capaz de somar sua percepção à experiência do educando como um todo, ajudando-o progressivamente a avançar. Duas questões são fundamentais nesse momento: — Qual o efeito da situação sobre o educando? — Como suas vivências o afetam? Antes, o educador respondia no seguinte formato: — Você se sente... porque... Agora, o formato personaliza, implicando diretamente o educando no centro da questão: — Você se sente... porque Y.OÇÊ. 129 Personalizando a fala O passo seguinte é o educando identificar o que lhe falta, o déficit ou a ausência de alguma coisa de fundamental para si. Aqui, a questão básica é: — Como o educando está contribuindo para o seu problema? — O que lhe falta e o que o leva a viver o seu problema? É nesse momento que o educando assume a responsabilidade pela própria vida. O mundo deixa de ser mau para ser apenas o lugar onde ele mesmo se torna responsável por sua própria experiência. O formato aqui é de um dos tipos: — Você se sente... porque VOCÊ não sabe... — Você se sente... porque VOCÊ não consegue... — Você se sente... porque VOCÊ não é capaz... Personalizando o objetivo Personalizar o objetivo envolve a meta do ajudado que, em geral, é inversa à falta. A pergunta aqui é: — O que o educando pode fazer para resolver o seu problema? O formato da resposta agora inclui o sentimento de falta e o objetivo: 130 — VOCÊ se sente... porque VOCÊ não sabe... e você gostaria de... (objetivo) O objetivo é o último elemento do processo cuja identificação vai possibilitar ao jovem em dificuldade elaborar seu programa de ação ou determinar a direção de sua mudança. A meta lhe diz ONDE QUER CHEGAR. O como fazer para chegar lá já é o conteúdo da fase seguinte: a orientação. 131 {9 Nem sempre as mudanças no educando resultam de orientação do educador. Existem situações específicas em que a habilidade de orientar é indispensável para que a ação seja desencadeada e a dificuldade superada. A decisão última, no entanto, continua do educando: o educador orienta e ele escolhe seguir ou não a orientação. Aspectos formais da orientação: a) O papel do educador é orientar o adolescente em dificuldade, ou seja, facilitar-lhe a decisão, elaborar com ele um plano de ação. Nunca o educador deve decidir pelo educando; b) Cada pessoa é a maior autoridade em sua vida. O educando tem o direito de decidir mesmo que a sua decisão não seja a melhor; c) Orientar — do ponto de vista formal — é fornecer ao educando dados que lhe permitam a obtenção do objetivo que ele mesmo escolheu. Este objetivo já foi identificado quando o educando personalizou sua experiência, percebendo o que lhe falta e estabelecendo a meta a ser alcançada; d) A análise conjunta dos resultados pelo educador e educando consiste em novas explorações e compreensões, suscitando novas açóes rumo a novos objetivos; 133 e) O fundamental, na fase de orientação, é que o20 educador esteja sempre ao lado do educando, compartilhando com ele alegrias e fracassos. A efetividade de um processo de ajuda mede-se pelas mudanças que ele foi capaz de desencadear no ajudado. E mudança no sentido positivo e construtivo significa crescimento. Crescimento físico, emocional, intelectual. Pela exploração, o educando descobre onde está. Pela compreensão, ele percebe onde quer chegar. A orientação do educador o ajuda a traçar o caminho entre esses dois pontos. Chega, então, o momento de agir, de dar passos concretos na direção da mudança. A relação de ajuda, enquanto processo formal (no nosso caso, relação educador—educando) tem princípio, meio e fim. Isto ocorre quando o educando mostra-se capaz de identificar seus sentimentos e as razões pelas quais os experimenta. Ele se compreende e sabe agir segundo essa compreensão. Por outro lado, enquanto modelo de relacionamento consigo mesmo e com os outros, as habilidades adquiridas incorporam-se à pessoa do ajudado e tornam-se uma experiência que progride e dá seus frutos em cada fase da existência. Nesse sentido, a relação de ajuda é um processo que tem a duração inteira da vida de uma pessoa. 134135 I — CARKHUFF, Robert R. O Relacionamento de Ajuda para Pais, Professores, Psicólogos. CEDERE Editora, 1 ed. Belo Horizonte, 1979. 2 — LOFFREDI, Laís E. Paradigma de Orientação Educacional. Ed. Francisco Alves, 3 ed., Rio de Janeiro, 1979. 3 - MIRANDA, Clara F. de & MIRANDA, Márcio L. de. Construindo a Relação de Ajuda. Ed. Crescer, 5 ed. Belo Horizonte, 1983. 4 — VOIRIN, Pierre. A Educação de Jovens Difíceis. Ed. Família 2000, 1 ed. Lisboa, 1972. 137 ProfessorAntonio Carlos Gomes da Costa, pedagogo, começou sua vida de educador lecionando no ensino supletivo e, posteriormente, no ensino regular de IQ e 20 graus. Em 1982, assumiu a cadeira de pedagogia terapêutica no CUrso de Psicologia Escolar da FUMEC, em Belo Horizonte. Como educador, entretanto, sua experiência mais significativa foi ter dirigido a Escola FEBEM "Barão de Camargos", em Ouro Preto, junto com sua esposa, Maria José. Aquelesanos de luta e trabalho foram a base de toda sua atividade social e educativa até os dias de hoje. Como dirigente técnico, na área das políticas públicas para a infância e juventude, sua trajetória permitiu-lhe acumular uma considerável vivência nesse campo. Foi Secretário de Administração em Ouro Preto, Presidente da FEBEM—MG, Oficial de Projetos do UNICEF, Diretor Executivo e Presidente do CBIA (Centro Brasileiro para Infância e Adolescência). Exerce as funções de conselheiro nas Fundações: ABRINQ, FNLIJ, ANDI, e FUNJOBI e Instituto Ayrton Senna. Atualmente, é Diretor-Presidente da MODUS FACIENDI, sua empresa de consultoria, atuando ainda como consultor independente do UNICEF e da OIT. No plano internacional, representou o Brasil no Conselho Interamericano da Criança, organismo da OEA que funciona em Montevidéu. Atuou também como membro eleito a título pessoal (perito) no Comitê dos Direitos da Criança, na ONU, em Genebra. Autor de vários livros e artigos sobre o atendimento, a promoção e a defesa dos direitos da população infanto-juvenil, publicados no Brasil e no exterior, considera sua maior realização, enquanto cidadão e educador, terparticipado do grupo de redação do Estatuto da Criança e do Adolescente, assim como da atuação política pela sua aprovação no Congresso Nacional e posterior sanção pelo Presidente da República. 139 Organizações às quais tem prestado serviços: Prefeituras, Secretarias de Estado, UNICEF, OIT e outras entidades governamentais e nao-governamentais, como as Fundações Odebrecht, Maurício Sirotsky Sobrinho, PREAL/GetúIio Vargas, Acesita, KeIlogg, Vitae e o Instituto Ayrton Senna. Atuando como consultor externo do UNICEF, realizou missões de consultoria nos seguintes países: Argentina, Bolívia, Colômbia, Chile, El Salvador, Guatemala, Honduras e Peru, apoiando tecnicamente processos de adequação de diversas legislações nacionais à Convenção Internacional do Direito da Criança e de melhoria das ações de atenção direta. 140 Impresso nas Oficinas Gr"ficas da Editora O Lutador praça Padre Júlio Maria, 01 Telefax: (031) 441-3622 - CEP: 31740-240 Bairro Planalto — Belo Horizonte - MG