Prévia do material em texto
"No difícil e, muitas vezes, estreito espaço
existente entre a subordinação de qualquer
mudança a transformações estruturais e 0
pragmatismo imediatista, Antonio Carlos
constrói um território para o diálogo. Um
lugar onde educandos educadores em
circunstâncias especialmente difíceis
enfrentem o desafio da liberdade na mis
paradoxal das situações: privados de
liberdade. Um, o educando, privado da mais
elementar das liberdades; o outro, o
educador, privado de razões para entendera
liberdade."
Pedagogia da Presença
Não tenho dúvidas em qualificar este livro como uma
obra pioneira e excepcional da cultura latino-
americana. Como toda obra desta natureza, admite
várias leituras e interpretações múltiplas. Uma leitura
superficial tenderia a colocá-la na corrente das
conseqüências do enorme processo de mobilização
social, no campo dos direitos da infância, que se
desenvolveu no Brasil nos últimos anos. Acredito,
pelo contrário, que as idéias contidas neste livro são
parte decisiva das causas deste pro-
cesso.
No difícil e, muitas vezes, estreito espaço existente
entre a subordinação de qualquer mudança a
transformações estrutorais e o pragmatismo
imediatista, Antonio Carlos constrói um território para
o diálogo. Um lugar onde educandos e educadores em
circunstâncias especia/mente diffceis enfrentem o
desafio da liberdade na mais paradoxal das situações:
privados de liberdade. Um, o educando, privado da
mais elementar das liberdades; o outro, o educador,
privado de razões para entendera liberdade.
NÇA
Antonio Carlos Gomes da Costa
Introdução ao Trabalho Sócio-Educativo
junto a Adolescentes em Dificuldade
DESENVOLVIMENTO SOCIAL Acho EDUCATIVA
Belo Horizonte/1997
PR E S E NÇA
Costa, Antonio Carlos Gomes da, 1949 -
Pedagogia da presença; da solidão ao
encontro.
Belo Horizonte: Modus Faciendi, 1997.
140 p.
1. Educação 2. Educadores — Formação
o CDD 370.1
Capa: Indústria de Arte
Ilustração: Marcelo Ramos Pereira
Revisão, composição, diagramação e arte-
final:
Eliane Editoração Eletrônica Ltda.
Impressão: Gráfica e Editora O Lutador
Quando chegamos e contemplamos a
paisagem
Sentimos medo dos jovens vulcões
silenciosos
Que ameaçavam nos derreter
Com suas lavas incandescentes
Temíamos morrer queimados
Pelo ódio vermelho das brasas
Descendo pelas encostqs áridas
Em busca de espaço e liberdade
Não sabíamos do momento das erupções
Que fariam a terra
estremecer Nem das
fendas que nos
engoliriam
Para sempre
-Paramos temerosos
E erguemos tenda
provisória Aguardando a
catástrofe
Os primeiros tremores nos assustaram
Mas nossa tenda não foi desmontada
Nossos corações
pularam de medo Mas a
hecatombe não aconteceu
Outros sismos se sucederam mais fortes
Nossos corações se acostumaram E
construímos nossa morada
definitiva Os tempos passaram... Os
sismos, as erupções e o estrondo
Estremeciam nossos corações
De verdadeiros habitantes da encosta
Acostumamo-nos aos jovens vulcões
Que na angústia de sua colérica opressão
Expeliam suas emoções incandescentes
De ódio e de dor
Se assim não fosse
A terra explodiria
De fúria e desespero
Cessado o estrondo
E vomitadas as lavas necessárias
Os vulcões aliviados
Retornam à sua beleza natural
Hoje preferimos viver na encosta
Entre os vulcões que rugem e explodem
Do que no pântano
Entre as cobras que picam
Escondidas sob as folhas
Jovens VUICÕes
Jovens vulcões
Ficaremos em paz Quando os
homens entenderem Tuas
explosões.
Luiz Gonzaga de Freitas Filho
Presença da Pedagogia
2
9
PARTE I
EDUCAÇÃO E PRESENÇA: DA
SOLIDÃO AO ENCONTRO
Palavra Inicial
15
Introdução .
17
— Presença: uma necessidade básica .
21
— Aprender a fazer-se presente .
25
— Caminho de emancipação .
29
— Ao encontro de si mesmo ....
33
— O adulto no mundo dos adolescentes .
35
— Conhecer o processo............. . 39
— Adolescência e solidão43
— Muito além da adaptação 45
— A contradição entre a missão e os meios
— 49
IO — Reciprocidade: a dimensão essencial
da presença............... .
53
11 — A relação educador—educando: alguns
obstáculos de base . 57 12
— A autoridade na Pedagogia da Presença . 61
13 — A seleção e o perfil básico do educador 65
14 — Liberdade e educação . 69
15 — A serviço do desenvolvimento pessoal e social .
73
— Em busca de um modelo operativo . 79
2 — Presença e significação na relação de ajuda... 83
3 — Caracterizando a relação de ajuda . 89
4 — A relação de ajuda nos programas
sócioeducativos dirigidos a adolescentes em
dificuldade 93
5 — O ambiente físico e material: um educador
objetivo 99
6 — Cuidados no acolhimento . . 101
7 — Atender com o 103
8 — Observação........ 105 9 — A habilidade
de escutar 107
IO — Responder ao conteúdo — 109 II —
Responder ao sentimento — 111
12 — Responder ao sentimento e ao conteúdo . .. 115
PARTE II
EDUCADOR-EDUCANDO: UMA RELAÇÃO
DE AJUDA
13 — Responder com imagens117
14 — Responder ao
comportamento......................... 119
15 — Responder às. 123
16 — Responder com os próprios
sentimentos . . 125
17 — Rumo à fase iniciativa da relação
de ajuda 127
18 —
Personalizar 129
19 — Orientar133 20 — Crescer 135
Bibliografia............ . 137
Não tenho dúvidas em qualificar este
livro como uma obra pioneira e excepcional
da cultura latino-americana. Como toda
obra desta natureza, admite várias leituras e.
interpretações múltiplas. Uma leitura
superficial tenderia a colocá-la na corrente
das conseqüências do enorme processo de
mobilização social, no campo dos direitos
da infância, que se desenvolveu no Brasil
nos últimos anos. Acredito, pelo contrário,
que as idéias contidas neste livro são parte decisiva das
causas deste processo.
No difícil e, muitas vezes, estreito espaço
existente entre a subordinação de qualquer mudança a
transformações estruturais e o pragmatismo
imediatista, Antonio Carlos constrói um território para
o diálogo. Um lugar onde educandos e educadores em
circunstâncias especialmente difíceis enfrentam o
desafio da liberdade na mais paradoxal das situações:
privados de liberdade. Um, o educando, privado da
mais elementar das liberdades; o outro, o educador,
privado de razões para entender a liberdade.
Pedagogia da Presença é um catálogo de razões
para entender a liberdade.
Resulta pelo menos curioso que uma reflexão,
que sem dúvida vai muito além de suas intenções
explícitas, tenha como ponto de partida um universo
obscuro, marginal e relegado como o é o dos
adolescentes infratores. Antonio Carlos costuma
resumir esta dúvida em poucas palavras: "Somente
uma sociedade que aprende a tratar com respeito e
dignidade aqueles que considera os piores, poderá um
dia respeitar integralmente a todos os seus cidadãos. "
9
Pedagogia da Presença é a face oposta de
uma razão corporativa.
Parece-me importante confessar aqui
abertamente que me aproximei, com receio, a uma
proposta (re)educativa para jovens infratores.
Pedagogos e juristas têm atrás de si uma ampla
tradição de desconfiança mútua e de
críticas recíprocas, nas quais ambos
quase sempre tiveram razão.
Tradicionalmente, a
"razãojurídica" funcionou como álibi e
mecanismos de legitimação para ignorar
as conseqüências (sofrimentos) reais de
decisões burocraticamente corretas. Os
eufemismos e os "como se" constituíram
as bases reais do (não) direito de
menores na América Latina. A "razão
pedagógica", por sua parte, funcionou
como oinstrumento científico para
eludir ou rejeitar aspectos percebidos
como formalismos absurdos: os direitos
e as garantias.
A doutrina da "situação
irregular" foi o pacto de cavalheiros que
sintetizou as razões e contradições
desses juristas e desses pedagogos.
O juiz "pai e mestre" e as
políticas de repressão—proteção
constituíram a base de um dilema que
seus próprios criadoresjamais foram
capazes de resolver: apenas foi possível
oferecer amparo à infância abandonada
e delinqüente prévia declaração de
alguma forma de incapacidade e
imposição de algum tipo de segregação.
Pedagogia da Presença põe em
evidência o caráter reducionista e estéril
do debate jurídico-pedagógico tradicional.
Mais que isso, Antonio Carlos mostra
caminhos concretos de superação do falso dilema
proteção—repress¿o.
10
1
Assim como sempre me pareceu absurda a
explicação psicológica do ato criminal, na medida em
que a existência deste último depende de uma definição
de caráter normativo, mantive também resewas frente
aos tratamentos especializados para os privados de
liberdade. Os processos coativos de ressocialização
constituem invariavelmente um eufemismo para
designar um modelo que privilegia um processo de
supressão da cidadania e manutenção da "ordem e
normalidade" da própria instituição.
Dois autores alemães Georg Rusche e Otto
Kirchheimer, em um livro de 19391 — que na
América Latina ainda não recebeu a atenção que
merece —, reproduzem o informe de uma prisão
suíça de 1838, afirmando:
"A conclusão à qual se chega no documento é
a da condição necessária para a reinserção social do
detento e a submissão incondicional à autoridade,
ponto que permaneceu praticamente inalterado nos
programas de reforma até hoje em dia. Se os detentos
se resignam a uma existência silenciosa, regular e
laboriosa, a pena resultar-lhes-á mais tolerável, e,
uma vez que a rotina tenha se transformado em
hábito, ter-se-á cumprido o primeiro passo para que a
reabilitação continue, inclusive depois
que o detento tenha sido colocado em
liberdade. A obediência é exigida não
tanto por razões de um sereno
funcionamento da prisão, quanto para o
bem dos próprios detentos, que devem
aprender a submeter-se voluntariamente
ao destino das classes inferiores. "
Embora sendo extremamente
cautelosos, existem indícios para afirmar
que o fracasso das funções declaradas dos
programas oficiais de ressocialização
pertence, para assim dizer; à filosofia e
não à patologia de tal modelo.
RUSCHE, Georg & KIRCHHEIMER, Otto.
Punishment and Social Structure. Columbia
University Press, New York, 1939 (versão
castelhana Pena y Estructura Social, Editora Temis,
Bogotá, 1984).
11
Pedagogia da Presença constitui
um elemento poderoso para quebrar a
lógica perversa dos programas oficiais
de ressocialização.
Antonio Carlos expressa isso
quando diz que o educando "terá ainda
a liberdade (o direito) de exprimir,
quando isto corresponder à sua vontade
e ao seu entendimento, a indignação
salutar que induz à denúncia e ao
combate da injustiça e da opressão que
povoam a vida dos homens numa
sociedade como a nossa. A verdadeira
socialização, portanto, não é uma
aceitação dócil, um com- promisso sem
exigências ou uma assimilação sem
grandeza. Ela é uma possibilidade
humana que se desenvolve na direção
da pessoa equilibrada e do cidadão
pleno".
O caráter pioneiro e excepcional
de Pedagogia da Presença fica
demonstrado. Com ela, irrompe-se
definitivamente, na América Latina,
uma verdadeira Presença da Pedagogia.
Emilio Garcia Mendez
ENCONTRO
"Quando alguém vive à beira-mar, acaba por não
se aperceber do murmúrio das ondas à sua volta. O hábito é
uma espécie de sonho, acompanhado de Obscuro desejo de
nada mais ver, de nada mais ouvir, diminuindo as tensões da
vida. Diariamente chamado a responder a múltiplas
necessidades de grande número de jovens, o educador já não
interpreta corretamente comportamentos que variam com o
estado de espírito e as horas do dia. "
Pierre Voirin
12
passo
de
"Itibua
Esta "Introdução ao Trabalho
Junto Adolescentes em Dificuldade" pretende
ser um pequeno na direção do grande esforço
que se faz necessário a melhoria das formas de
atenção direta aos jovens circunstâncias
especialmente dificeis, de um modo geral,
forma muito especial, aos adolescentes a quem
se autoria de ato infracional.
A primeira parte deste trabalho trata da
Pedagogia Presença. Nela estão condensadas,
adaptadas à reabrasileira e acrescidas de
algumas observações, anáe formulações de
minha parte, as idéias básicas detondidas por
Pierre Voirin em "A Educação de Jovens
A segunda parte consiste na
operacionalização da de presença, conceito-
chave na estruturação de todo Para isso, recorri
ao modelo de relação de ajuda, dosenvolvido
por Robert R. Carkhuff nos anos sessenta. fase
do trabalho, baseei-me em três obras funda-
"O Relacionamento de Ajuda para Pais,
Professores, Psicólogos", de Robert R.
Carkhuff;
'Construindo a Relação de Ajuda", de Clara
Feldman de Miranda e Márcio Lúcio de
Miranda;
"Paradigma de Orientação Educacional"
(baseado no "Modelo de Relação de Ajuda", de
Carkhuff), de Laís Esteves Loffredi.
15
Iltlade lisos
Oiticeis".
idóia o
Nesta
inentais:
livro.
Na apresentação das fases e etapas do modelo de
relação de ajuda, limitei-me a uma reprodução, de forma
resumida e com poucas e pequenas adaptações, da exposição
do método carkhuffiano contida em "Construindo a Relação de
Ajuda", obra fundamental e de leitura indispensável a todos
aqueles que pretendam aprofundar- se neste tema.
Ao organizar este trabalho, minha esperança é de que o
impacto desta iniciativa sobre a qualidade do aten- dimento,
nos programas governamentais e não-governa mentais, seja
positivo.
16
INTRODUÇÃO
O trabalho educativo é — e sempre será — uma
fonte inesgotável de aprendizagem. Basta querer
aprender. O automatismo e a rotina fazem com que
experiências valiosas se percam por falta de
sensibilidade, interesse e sutileza do educador em captá-
las e delas fazer a matéria de seu
crescimento como pessoa, como profissional e como
cidadão. Quando a experiência do dia a dia é valorizada,
a rotina se transmuda em aventura. A relação educador—
educando oferece-se como espaço de desenvolvimento
pessoal e social de seus protagonistas.
Relacionar-se de maneira significativa com
adolescentes em dificuldade é alguma coisa que, a partir
de uma consistente disposição interior, pode ser
aprendida. Esse aprendizado nasce do entendimento e do
treino. Esta introdução ao trabalho sócio-educativo junto
a adolescentes em dificuldade procura articular estas
duas dimensões da aprendizagem, de modo a propiciar
que, ao seu final, cada participante realmente incorpore
novas maneiras de entender e agir.
O educador que atua junto a jovens em
dificuldade situa-se no fim de uma corrente de omissões
e transgressóes. Sobre seu trabalho recaem as falhas da
família, da sociedade e do Estado. Sua atuação,
freqüentemente, é a última linha de defesa pessoal e
social do seu educando. Não pode o educador, no
entanto, refugiar-se na sinalização pura e simples do
caráter disfuncional dos mecanismos impessoais da lei,
das instituições e da sociedade às exigências do processo
educativo. A elê cabe, por imposição de sua consciência
ética e política, o dever de perseguir a
17
eficácia na ação, não se deixando reter nos
momentos do testemunho e da denúncia.
Um primeiro passo neste sentido é
reconhecer os requisitos intrínsecos à ação
educativa. O segundo passo é empenhar-se, de
maneira sistemática, em incorporá-los ao seu
modo de compreender e de atuar frente a
situações que variam de um momento para
outro, de educando para educando, de situação
para situação.
Capacidades como aprender com os
próprios erros, aceitar o outro como ele é e
interessar-se pelas potencialidades e limites de
cada jovem são requisitos mais importantes
que a coragem, o heroísmo e o zelo extremo,
que parecem ser a marca de educadores tidos
às vezes como pessoas fora do comum.
Educadores capazes atuar de forma
excepcionalfrente a situações as mais difíceis.
Na verdade, o desempenho que
devemos esperar de um educador emocional e
tecnicamente preparado que ele use o bom
senso, para evitar situações que venham a
requerer mobilizações extremas de
habilidades e sentimentos. Para isso, faz-se
necessário um esforço consciente e sincero de
apegar-se ao cotidiano de forma atenta,
criativa e metódica.
Refletir sobre os acontecimentos
comuns do dia dia nos parece o melhor dos
caminhos. Quando incorporamos este tipo de
atitude, já não somos vítimas do tédio e do
aborrecimento, porque continuamente
estaremos fazendo descobertas sobre nossos
educandos e sobre nós mesmos. Sem isso, nos
de
é
a
ao com as
0'/ucador e
anpocto da
Algumas são
elas,
fovofler os
croscimento
empenhados.
Este
interessados
aquisição
0%truturas o
do novas
0 tudo o
Pierre
presença
ploxidade, balho
protende,
osforço que do
atenção monte
difíceis, pocial,
aos intracional.
Nesta
adaptadas
observações,
idéias básicas
de Jovens de
toda uma
social e
docente na
VOIRIN,
2000, 1972.
à
no
condenamos à rotina, à autocomplacência e
ao desinteresse.
Na ação educativa, a linha que separa
o sucesso do fracasso é fina, quase
imperceptível, e tende a deslocar-
18
oscilações das realidades interna e externa do do
educando. Limitações existem em qualquer
relação entre quem ajuda e quem é ajudado.
superáveis, outras nos convidam a conviver
aprendendo a conhecê-las e a neutralizar ou seus
impactos sobre o processo de mudança e no qual,
por opção e dever, estamos sempre
livro dirige-se a todos aqueles educadores em
melhorar seu desempenho, mediante a de novas
motivações, novas visões, novas de compreensão,
novos valores, novos hábitos atitudes frente a si
mesmos, aos seus educandos que diga respeito ao
seu trabalho.
Voirin nos leva a apreender a dimensão da processo
pedagógico em toda a sua cominteireza e implicações.
Esta introdução ao trabasócio-educativo junto a
adolescentes em dificuldade pois, ser um pequeno
passo na direção do grande se faz necessário para a
melhoria das formas direta aos jovens em
circunstâncias especialde um modo geral, e, de forma
muito esadolescentes a quem se atribua autoria de ato
Pedagogia da Presença estão condensadas ,
realidade brasileira e acrescidas de algumas análises
e formulações de nossa parte — as defendidas por
Pierre Voirin em "A Educação Difíceis" 1 , uma obra
que reflete a experiência vida dedicada a essa
modalidade de trabalho educativo, seja como
educador de linha, seja como formação de outros
educadores.
O autor
Pierre. Educação de Jovens Difíceis. Lisboa, Familia
19
E crescente, entre nós, o número de adolescentes
que necessitam de uma efetiva ajuda pessoal e social
para a superação dos obstáculos ao seu pleno
desenvolvimento como pessoas e como cidadãos.
O primeiro e mais decisivo passo para vencer as
dificuldades pessoais é a reconciliação do jovem consigo
mesmo e com os outros. Esta é uma condição necessária
da mudança de sua forma de inserção na sociedade.
Não se trata, portanto, de ressocializar (expressão
vazia de significado pedagógico) mas de propiciar ao
jovem uma possibilidade de socialização que concretize
um caminho mais digno e humano para a vida. Só assim
ele poderá desenvolver as promessas (as possibilidades)
trazidas consigo ao nascer.
As omissões e transgressões, que violentam a sua
integridade e desviam o curso de sua evolução pessoal e
social, exprimem-se nas mais diversas formas de
conduta divergentes ou mesmo antagônicas à moralidade
e à legalidade da sociedade que o marginalizou.
Essa conduta, mais do que como ameaça a ser
reprimida, segregada e extirpada a qualquer preço —
como parece ser o entendimento prevalecente hoje em
nosso país — deve ser vista e sentida como um modo
peculiar de rei-
21
de nós racionalizamos essa atitude de
auprogramada, refugiando-nos no álibi
estrutural, enfrentamento mais humano e
conseqüente para o depois de mudanças
estruturais, que quando virão — se é que virão.
Nenhuma lei, método ou técnica, nenhum
recurso logístico, dispositivo político-
institucional pode substituir o imediatismo da
presença solidária, aberta e educador diante do
educando.
vindicar uma resposta mais humana aos impasses e
dificuldades que inviabilizam e sufocam sua existência.
Quando esses apelos encontram diante de si a
indiferença, a ignorância e o julgamento prévio dos
preconceitos, o adolescente tranca-se em um mundo
próprio, um mundo que se desenvolve sob o signo de um
luto interior que é a resultante das perdas e danos
infringidos à sua pessoa.
A esta altura, poucos serão capazes de ouvir e de
entender os seus apelos. O seu mundo tornou-se reduzido e
espesso. Sua experiência torna-se cada vez mais dificil de
ser penetrada, compreendida e aceita. Pela contigüidade
que a profissão lhes impõe, os educadores, trabalhadores
sociais e psicólogos seriam as pessoas mais aptas a acolher
e responder de forma construtiva a esses apelos.
Estranhamente, porém, isto dificilmente acontece.
Quando o cotidiano transforma-se em rotina, a
inteligência e a sensibilidade fecham-se para o inédito e o
especifico de cada caso, em cada situação. O manto
dissimulador da "familiaridade" vai aos poucos cobrindo e
igualando pessoas e circunstâncias numa padronização
cuja resposta são as atitudes estudadas, as frases feitas, os
encaminhamentos automatizados pelo hábito.
Este mecanismo — no fundo todos nós o
percebemos — é a maneira encontrada pelo educador de
ausentar-se da exposição direta a esses impactos, da
agitação e intensidade desses sinais, da diversidade desses
apelos, assim como da precariedade de meios, recursos e
Muitos
aÔncia
adiando o
(losta gestão
ninguém sabe
nonhum
nonhum noscor
e o construtiva
do
Fazer-se
fundamental
situação de
conceito
dosta pedagogia.
daquela "ciência
S. Makarenko
Anton S.
Itinta, trabalhou
i•npres-sionaram
entre os educadores
central,
presente na vida do educando é o dado
da ação educativa dirigida ao adolescente
em dificuldade pessoal e social. A presença
é o o instrumento-chave e o objetivo maior
Ela é a força que pulsa no coração árdua e
sutil" à qual homens como Anton l
dedicaram inteiramente as suas vidas.
Makarenko, educador soviético que, nos anos Vinte e
com jovens delinqüentes, obtendo resultados que o
mundo no seu tempo e que repercutem até hoje que
atuam nesta área.
23
21
alternativas colocados ao seu alcance para fazer face a uma realidade
tão dramática.
22
A capacidade de fazer-se presente, de forma
consfrutiva, na realidade do educando não é — como
muitos proferem pensar — um dom, uma
característica pessoal innansferível de certos
indivíduos, algo de profundo e incomunicável. Ao
contrário, esta é uma aptidão possível de gor
aprendida, desde que haja, da parte de quem se
propõe aprender, a disposição interior (abertura,
sensibilidade, compromisso) para tanto.
Efetivamente, a presença não é Olguma coisa que
possa apreender apenas ao nível da pura
exterioridade.
Tarefa de alto nível de exigência, essa
aprendizagem roquer a implicação inteira do
educador no ato de educar. Bom esse envolvimento,
o seu "estar junto do educando" nóo passará de um
rito despido de significação mais profunda,
reduzindo-se à mera obrigação funcional ou a uma
forma qualquer de tolerância e condescendência, de
modo a coexistir mais ou menos pacificamente com
os Impasses e dificuldades do dia a dia dos jovens,
sem empenhar-se, de forma realmente efetiva, numa
ação que 50 pretenda eficaz.
Por outro lado, é importante salientar que,
situado no pólo direcionador da relação, não pode o
educador a 01a entregar-se de uma forma ilimitada,
irrestrita, incondicional e irrefletida, como algumas
vezes costuma ocorrer.
25
Essa maneira extrema de testemunhar solidariedade e
compromisso, freqüentementecostuma redundar em
conseqüências imprevisíveis e danosas, seja para o
educador, seja para o educando.
ohantagem
relação.
Prática em sua essência limitada, como afirma
PauIo Freire, a educação só é eficaz na medida em que
reconhece e respeita seus limites e exercita suas
possibilidades.
No caso da relação educador—educando, esta
maneira de entender e agir implica na adoção de uma
estrita disciplina de contenção e despojamento que
corresponde, no plano conceitual, a uma dialética
proximidade—distanciamento.
Pela proximidade, o educador acerca-se ao
máximo do educando, procurando identificar-se com a
sua problemática, de forma calorosa, empática e
significativa, buscando uma relação realmente de
qualidade.
Pelo distanciamento, o educador afasta-se no
plano da crítica, buscando, a partir do ponto de vista da
totalidade do processo, perceber o modo como seus atos
se encandeiam na concatenação dos acontecimentos que
configuram o desenrolar da ação educativa.
Esta é uma postura que exige de quem educa uma
clara noção do processo e uma ágil inteligência do
instante, implicando a necessidade de combinar, de
forma sensata, uma boa dose de senso prático com uma
apreciável veia teórica.
Diante das manifestações inquietantes do
educando — impulsos agressivos, revoltas, inibições,
intolerância a qualquer tipo de norma, apatia, cinismo,
alheamento e indiferença —, deve o educador situar-se
num ângulo que
26
pormita ver, além dos aspectos negativos, o pedido
de de alguém que, de forma confusa, se procura e se
..porimenta em face de um mundo, a seus olhos, cada
mais hostil e ininteligível.
Há que estar atento, porém, para o uso que, da
parte educando, pode ser feito dos "bons sentimentos e
das bons intenções" de um educador insuficientemente
famiicom situações deste tipo ou que se deixou levar
'lomais pelas emoções, pela dimensão afetiva da relação.
O "jogo" que estabelece nesses casos — manipulações,
afetiva, apego desmesurado, dependência "oscabida —
pode pôr a perder todo o processo se o edunador não se
mostrar capaz de evitar e, quando isto não for possível,
impedir que estas tendências ganhem corpo
Fazer-se presença construtiva na vida de um
adolesconte em dificuldade pessoal e social é, pois, a
primeira e a mais primordial das tarefas de um educador
que aspire assumir um papel realmente emancipador na
existência de sous educandos.
Esta, vale salientar, é aptidão que apenas em parte
pode ser aprendida de forma conceitual "saber de
experiOncias feito", a presença é uma habilidade que se
adquire tundamentalmente pelo exercício do trabalho
social e educativo. Entretanto, sem uma base conceitual
sólida e articulada, fica muito mais difícil para o
educador proceder à leitura, à organização e à
apropriação e domínio do seu aprendizado prático.
27
3
Diante de adolescentes com sérios problemas de
conduta, os educadores seguem, de um modo geral,
um dos seguintes enfoques básicos:
12) AMPUTAÇÃO, por intermédio de
abordagens correcionais e repressivas, daqueles
aspectos da personalidade do educando considerados
nocivos a ele próprio á sociedade.
2) REPOSIÇÃO,mediante práticas
assistencialistas, quanto aos aspectos materiais e
paternalistas, no que se cofere ao lado emocional, de
que lhe foi sonegado nas fases anteriores de sua
existência.
32) AQUISIÇÃO, pelo próprio educando, por
meio uma abordagem autocompreensiva, orientada
para a valorização e fortalecimento dos aspectos
positivos de sua personalidade, do autoconceito, da
auto-estima e da autoconfiança necessários à
superação das suas dificuldades.
O primeiro enfoque (amputação),
historicamente, mostrou-se capaz de produzir dois
tipos de pessoas: os robeldes eos submissos. Os
rebeldes adotam um padrão conduta violentamente
reativo no seu relacionamento consigo mesmo e com
os outros, o que, geralmente, os leva a se
inviabilizarem como pessoas e como cidadãos. os
submissos despersonalizam-se, tornam-se frágeis,
vulneráveis, inseguros, afoitos a serem manipulados
e totalmente incapazes de assumir o próprio destino.
o
do
Já
do
29
O segundo enfoque (reposição), baseado nas
privações e carências encontráveis na vida desses jovens,
procura vê-los pelo ângulo do que eles não são, do que
eles não trazem, do que eles não têm, do que eles não são
capazes. A tentativa de suprir, de forma mecânica, via
programas institucionais, estas carências tem resultado
geralmente na produção de grande número de jovens
dependentes, propensos a se tornarem recorrentes
crônicos de aparato assistencial do Estado ou das
organizações nãogovernamentais.
O terceiro enfoque (aquisição) procura partir do
que o adolescente é, do que ele sabe, do que ele se mostra
capaz, e, baseando-se nisso, busca criar espaços
estruturados a partir dos quais o educando possa ir
empreendendo, ele próprio, a construção do seu ser em
termos pessoais e sociais. Esta linha de atuação está
presente, em maior ou menor medida, nas poucas
experiências bemsucedidas no Brasil voltadas para
adolescentes com problemas mais sérios. Por esta via,
muitos jovens têm recobrado a confiança em si mesmos
e se descoberto capazes de lutar e progredir juntamente
com os outros. Trata-se, como se vê, de uma proposta de
educação emancipadora.
A Pedagogia da Presença, enquanto teoria que
implica os fins e os meios desta modalidade de ação
educativa, propõe-se a viabilizar este paradigma
emancipador mediante uma correta articulação do seu
ferramental teórico, com propostas concretas de
organização das atividades práticas.
A orientação básica desta pedagogia é resgatar o
que há de positivo na conduta dos jovens em dificuldade,
Sem ignorar
o educador
nua função
venha ai ostá.
Ele vai
•»nnitam ao
adolescente ii'0/dade e
de integrando,
14moncontradas de
as
exigências e necessidades de
ordem somente não aceita a
perspectiva de a ser apenas adaptar
o jovem a isso mais longe. Ele quer
abrir espaços que tornar-se fonte de
iniciativa, de compromisso consigo
mesmo e com os de forma positiva,
as manifestações seu querer ser.
sem rotulá-los nem classificá-los em categorias baseadas
apenas nas suas deficiências.
30
AO ENCONTRO
Aquisições utilitárias, como aprendizado de
um Oabalho rentável e socialmente útil e boas
maneiras, que lomem o educando um cidadão
produtivo e bem-aceito, •ao preocupações das
quais nenhum educador sério poderá Obrir mão.
Tais aquisições viabilizam o jovem no mundo em
quo ele é chamado a viver.
Mas, o educador que se dirige ao educando
na porspectiva da Pedagogia da Presença verá que
uma outra ordem de exigências antecede e dá
suporte a essas proocupaçóes. Ele já observou que
muitos destes jovens vivem "amarrados por
dentro", encerrados em um universo Ionso,
reduzido e espesso. Eles freqüentemente anulam
Iniciativas e esforços realizados em seu favor.
Agem como so os problemas que tentamos
resolver com eles não fossom realmente os seus
verdadeiros problemas.
Onde poderemos situar a raiz deste
desencontro? Do ponto de vista da Pedagogia da
Presença, esta desatticulação entre necessidades e
ofertas vem do fato de que. enquanto os
educadores oferecem aos adolescentes meios para
moderar-se e viabilizar-se, eles buscam
prioritariamente as vias que lhes permitirão
encontrar-se.
Explorar a sua situação, compreendê-la e
agir de forma construtiva em relação a ela, a partir
de confrontos progressivamente maduros com a
sua realidade, é tarefa que, na ordem de
importância, antecede a todas as demais.
33
Sua realização é que permite ao educando superar o
isolamento e a solidão. Vista a situação por este ângulo,
os aspectos sociais subordinam-se à perspectiva do
equacionamento da problemática pessoal do jovem a
quem dirigimos nosso trabalho social e educativo.
A Pedagogia da Presença é parte de um esforço
coletivo na direçãode um conceito e de uma prática
menos irreais e mais humanos de educação de
adolescentes em dificuldade.
Contribuir para o resgate da parcela mais
degradada, em termos pessoais e sociais, de nossa
juventude é, sem dúvida alguma — embora apenas um
5
o nos
A presença dos adultos no mundo dos jovens em
dificuldade pessoal e social não deve ser—como é corrente
ontre nos — intervencionista e limitada. O "estar junto do
Oducando" é um ato que envolve consentimento,
reciproCidade e respeito mútuo.
O adolescente espera do educador algo mais do
que um serviço eficiente, em que as tarefas claramente
dofinidas se integrem num conjunto coordenado,
tecnicomente preparado. O serviço que o educador
executa, na divisão de trabalho em equipe, representa
apenas o seu campo de ação, mas não a principal razão
da sua presença junto ao educando. Esta razão maior
será sempre a liberlação do jovem, uma exigência que
se situa sempre além do todas as rotinas, embora não
deixe de passar por elas.
É por esta transcendência dos aspectos rotineiros
do programa sócio-educativo que o adolescente percebe
que, mesmo feita de privações e sofrimentos, a vida é
alguma coisa pela qual vale a pena lutar, e que é preciso
reconCiliar-se com ela a partir do encontro com outras
vidas.
número reduzido de pessoas realmente acredite nisto —
, uma das grandes tarefas do nosso tempo.
34
É por intermédio de pequenos nadas que aquele
oducando arredio manifesta um desejo de aproximação.
Um outro ocupa um tempo considerável do educador
com um problema insignificante. Esta é a sua maneira
de exprimir
35
o chamar à responsabilidade os que têm
nas mãos o poder do decidir, para que se
pudesse romper, de forma radical, com a
incompetência, a organização irracional,
o interesse malformulado e a legislação
inadequada.
Este tipo de questionamento leva o
educador a percober que a sua atuação não
é apenas trabalho; ela é, também e
fundamentalmente, luta. A Pedagogia da
Pregonça implica, de forma ampla, a sua
existência. Ela convoca para a ação a
pessoa humana, o educador e o cidadão. E
é nesta última condição que cabe ao
educador empenharse também no sentido
daquelas mudanças amplas e protundas,
tendo como horizonte de seus esforços a
história de seu povo.
A consciência do educador abre-se,
deste modo, a um amplo aspecto de
problemas. Além de ter uma compreonsão
das grandes questões da sociedade, ele
deve ser basicamente capaz de
compreender, aceitar e lidar com
comportamentos que expressam aquilo
que há de íntimo e oculto na vida de um
jovem em situação de dificuldade pessoal
e social. Este jovem, seu educando, é
destinatário e credor daquilo de melhor
que, em cada momento do seu
a confiança que começa a nascer-lhe em relação àquele
adulto. Não é um conselho o que ele procura agora, mas
reciprocidade, simpatia, amizade. O momento da
orientação virá depois. Um "bom-dia", um "vai com
Deus", um "boanoite", um sorriso, um olhar cúmplice do
educando são sinais velados que indicam ao educador o
avanço do seu trabalho.
Em cada incidente, em cada circunstância, a tarefa
essencial e permanente do educador será sempre
comunicar ao jovem elementos capazes de permitir-lhe
compreender-se e aceitar-se e compreender e aceitar os
demais.
Assim, de maneira quase imperceptível, ele vai
ultrapassando os obstáculos que se interpõem ao seu
querer ser. A sua segurança cresce à medida que ele vai se
sentindo capaz de definir para si mesmo o caminho a
seguir e o comportamento a adotar para a realização
daquilo que pretende.
A esta altura, o educador começa a tomar
consciência de que não existe nenhum método ou técnica
inteiramente eficaz e satisfatória capaz de ser aplicada
com sucesso em todos os casos. As dificuldades a serem
enfrentadas parecem não ter fronteiras muito precisas. Às
vezes, elas esbarram no regulamento e estruturação do
programa sócio-educativo; outras vezes, elas entram em
colisão com o sistema político-institucional e a legislação
vigente; há também aquelas dificuldades cuja superação
põem em causa a própria maneira como está estruturada
nossa sociedade.
Por vezes, o educador interroga-se sobre o sentido
de seus esforços. Sente que, para que uma solução
orgânica e conseqüente para o conjunto desses jovens
fosse encontrada, seria necessário reanimar milhares de
relacionamento, ele for capaz de
transmitir-lhe.
37
consciências adormecidas, sensibilizar a sociedade no seu todo
36
6
A pedagogia moderna, em todas as suas
moda'idades, começa por uma abertura e integração dos
dados que lhe chegam mediante a psicologia, a
sociologia, a antropologia, a psicologia social, as
ciências médicas e o direito. Já passou o tempo em que
se podia negar a importância do uma boa cultura
científica para atuar neste domínio.
É falso que a prática por si só confira ao educador
os elementos necessários ao pleno domínio do seu
ofício. Som a teoria, a prática será sempre limitada.
Quem negligencia o estudo, quando possui meios de
realizá-lo, é um pretensioso ou um inconsciente da
importância real do seu trabalho. Afirmar isto, no
entanto, não implica em negar que só a experiência é
capaz de integrar e de validar aquilo que foi estudado,
na medida em que tudo passa pelo crivo da eficácia na
ação.
Mais importante do que cabeças cheias de
informaçóes, é a aquisição, pelo educador, de atitudes e
habilidades que favoreçam e viabilizem sua atuação
junto ao educando.
A atitude científica diante de um adolescente em
dificuldade não é caracterizar o seu problema ou
inadaptação e rotulá-lo desta ou daquela maneira:
deficiente, epilético, hiperativo, infrator, irresidente,
abandonado, carente, etc. Estes são aspectos
encontráveis em milhares de outras pessoas. Há que
captar o específico, o aspecto individualizado daquele
caso. Um problema, por mais grave que seja, nunca é o
todo de um ser humano. Haverá sempre,
39
especifica, outras dimensões a serem
dificuldade
da
dever de
adolescente,
qual
dificuldades.
considerado
singular,
da
lhe
perdas
atenção,
balanço
Só assim,
para os outros.
presença
educando.
É uma obrigação do educador adquirir uma
informação correta sobre os diversos tipos de
dificuldades que afetam os jovens e, quando sentir que
é necessário, deve encaminhá-los para tratamentos
específicos nos âmbitos psicologia ou até mesmo da
psiquiatria.
Nenhuma providência deste tipo, no entanto, o
litentar uma aproximação mais concreta a fim
de ver nele o que há de mais que não é o seu
problema; antes, poderá ser a se assenta a
busca de uma solução para
Nesse momento, é preciso compreender o
educanem si mesmo e não em relação às
normas que tenha, por ventura, transgredido.
Situá-lo única, que é a sua, para então,
retirácategoria que ameaçava aprisioná-lo.
A observação atenta e metódica dos comportasão
próprios tentará conhecer, entre os de sua
vida, aquilo a que dá mais valor. Enfim, será
necessário desadolescente aptidões e
capacidades que apecriterioso e sensível
permitirá despertar e ele encontrará o
caminho para si E este é o sentido e o
objetivo construtiva e emancipadora do
educador
Existir, para o adolescente, não é um problema
metafísico, é dispor de alguns bens (materiais e
nãomateriais) essenciais. O primeiro deles é ter valor
para
40
ser acompanhado, aceito, estimado num universo
lhe é particular, onde possa desenvolver as capaainda
não (ou insuficientemente) manifestas de sua
O pão, mesmo abundante, é amargo para quem o
na solidão ou no anonimato coletivo de um
atenmassificado e embrutecedor. O preceito evangélico
só de pão vive o homem" assume aqui um valor hude
relevância e concretude irrefutáveis; é mediante
presenças humanas solidárias e atentas, ao seu redor, que
adolescente em dificuldade recebe a prova, para si mesdo
seu valor e da sua unidade.
A consciênciade estar no mundo já é, então, cons-
de aceitação, de acolhimento, de pertinência, de
integração, de aconchego. Viver, agora, é estar junto.
que encaminham
numee a delinqüência,
enconabandono, de(des)
vinculação, de
isolamento, de (in)comu-
dificuldade, à sua
maneira, (iii) protestar. As
manitrês fases do
processo são pelo
observador atento.
a presença que escapa.
cabíveis e descabidas,
tende toda sorte, esforços
de discretas ou
desajeitadas, que
inquietação.
perda parece
consumada. O alimenta-
se dos sentimentos
ruminações obscuras,
rejeição na edificação do
universo enganadora
onde são compensações
de todo tipo.
momento em que o
jovem proencontro dos
que, de refesofrimento, da
mesma solidão.
enfeudados, trancados
dos demais; movido por
7
Na origem das
condições rosos jovens para a
socialização tramos um
sentimento de de (des)encontro,
de solidão, nicabilidade.
Cada adolescente em tenta
(i) dissimular, (ii) compensar,
festações variam, mas essas
possíveis de serem detectadas
A primeira fase visa
É caracterizada por exigências
tativas de selar compromissos
aproximação, apelos, ofertas
testemunham uma profunda
A segunda, quando a
adolescente em dificuldade
engendrados pela privação:
do meio, dissimulações presentes
fechado, base de uma segurança
elaborados simulacros e
A terceira fase é o cura
outras presenças, indo ao
rências, são vítimas do
Encontra-os sempre
aglutinados, num grupo fechado
e isolado
43
reter
impulsos que emergem de sua natureza profunda, o
jove lança-se à procura dos bens perdidos; uma busca
desori entada, errática, que ignora as leis e convenções
morai que já pouco ou nada lhe dizem. A transgressão
da lei contudo, aciona os mecanismos de controle e
defesa social, cujas reações (apreensão, maltrato,
segregação) vê somar-se ao sofrimento de um passado
cujos tormentos longe de serem resolvidos, apossam-
se do seu presente o infernizam cada vez mais.
Quando se chega a este ponto, temos a prova de
que a vida foi perturbada, não em planos superficiais
mas profundos. É então que, geralmente, o educador é
chamado a intervir. Ele sabe que é nesse momento que,
da sua capacidade de fazer-se presente na vida do
educando, dependerá tudo o mais.
A palavra presença, embora não seja de uso
freqüente no domínio da pedagogia, apresenta um
conteúdo relacional que faz dela a mais exigente das
realidades. Após inteirar-se do passado e das condições
de vida e luta pela sobrevivência de numerosos
adolescentes em dificuldade, é possivel constatar que a
maioria não vivenciou (ignora) ou vivenciou de forma
muito precária o continente estável e fiel de um afeto
cotidiano, ou seja, não teve acesso aos bens da
presença. A consciência de que sua vida tem valor para
alguém, faz alguém feliz, está longe de sua
experiência.
O educador, orientado pela consciência dessa
realidade, lerá a peripécia pessoal e social do
adolescente em dificuldade com outros olhos.
Descobrirá, sob os impulsos anárquicos e contraditórios
que parecem caracterizá-lo, uma imensa vontade de ser
aceito, de viver e libertar-se. As dificuldades de uma
vida assim ameaçada reclamam a urgente necessidade de
uma Pedagogia da Presença.
44
8
Os programas sócio-educativos dirigidos a jovens
om situação de especial dificuldade ainda não sabem, em
sua grande maioria, tirar proveito pleno das possibilidades
da presença, embora alguns lhe concedam um certo valor,
considerando-a como um recurso a mais no enfrentamento
dos casos que compottam maior desafio.
São raríssimas as situações em que a perspectiva da
presença é chamada a inter,Jir como primeiro elemento da
dinâmica do atendimento.
A norma geral é a adoçáo de uma conduta
meramente repositiva das necessidades e carências
materiais e não-materiais do educando. Esse caminho,
estamos cada vez mais conscientes, é uma segura maneira
de perder de vista o objetivo fundamental do processo
educativo.
Sobre a palavra socialização pesa, hoje, um grave
equívoco. Geralmente, entende-se por este termo uma
perfeita identidade entre os hábitos de uma pessoa e as leis
e normas que presidem o funcionamento da sociedade.
Uma adesão prática à sua dinâmica, uma submissão ao seu
ritmo, uma incorporação plena de seus valores. Uma
adaptação total, enfim.
O comportamento ajustado, nesta visão, é a única
coisa que realmente impolta. Daí, se deduz que o essencial
45
foi conseguido, quando o jovem já se mostra capaz de atuar
no ambiente em que é chamado a viver, sem causar
nenhum dano apreciável ao corpo social.
Nessa perspectiva, como se percebe, a sociedade
impõe-se como a primeira e principal favorecida. O edu-
cando, considerado em termos de sua realidade pessoal, é de
certo modo indiferente se o objetivo principal, a cessação dos
atos delituosos e das condutas perturbadoras da convivência
coletiva, foi alcançado.
Espera-se do jovem em dificuldade que ele se integre
no corpo social como elemento produtivo e ordeiro, sem
suscitar qualquer forma de reprovação do meio. A essa
altura, então, diz-se que o educando foi "socializado". Na
perspectiva de uma pedagogia crítica, esta não é a
verdadeira socialização, que situa muito além desta
adesão rudimentar à ordem estabelecida. Segundo o
enfoque da Pedagogia da Presença, está socializado o
jovem que dá importância a cada membro da sua
comunidade e a todos os homens, respeitando-os na sua
pessoa, nos seus direitos, nos seus bens. Ele agirá assim
não apenas por uma lei promulgada ou por meio de
sanções, mas por uma ética pessoal que determina o
outro como valor em relação a si próprio.
Este jovem saberá, então, aceitar o peso
inevitável que as outras pessoas do seu mundo farão
recair sobre si. Moderará seus impulsos de sensibilidade
e de orgulho, será capaz de julgar os aspectos positivos
e negativos da sociedade de que é membro. Reconhecerá
os desvios que desfiguram a convivência coletiva e se
empenhará, apesar das dificuldades, na realização de
seus legítimos interesses pessoais e sociais.
Ele terá ainda a liberdade (o direito) de exprimir,
quando isto corresponder à sua vontade e ao seu enten-
46
dimento, a indignação salutar que induz à denúncia e ao
combate da injustiça e da opressão que povoam a vida
dos homens numa sociedade como a nossa. A verdadeira
socialização, portanto, não é uma aceitação dócil, um
compromisso sem exigências, ou uma
assimilação sem grandoza. Ela é uma
possibilidade humana que se desenvolve na
direção da pessoa equilibrada e do cidadão
pleno.
toda
É certo que
adaptação prática
o de francamente
sorão sempre frágeis
oste conceito e de
sua complexidade
9
CONTRADIÇÃO
OS
Quando somente tentamos repor ao
adolescente dificuldade os bens materiais e não-
materiais de que privado — casa, comida, roupa,
remédio, ensino profissionalização, esporte, lazer
e atividades culestamos incidindo apenas na
superfície do prosem alcançar as dimensões mais
profundas e mais de sua atitude básica diante da
vida.
intervenção específica do educador, no que se
impasses e dificuldades existenciais do
educanbaseia-se numa relação pessoal positiva
que o leve a o caminho que o retorne a si mesmo e
aos outros.
De início, é freqüente que o educador depare
com fechada ou aberta apenas para os contatos
estee formais das pessoas que não têm nada a dizer
outra. Será necessário ultrapassar os contatos sue
efêmeros e as intervenções técnicas puramente Só
a presença poderá romper seu isolamento sem
violar seu universo pessoal. O sistema de
entretanto, não foi pensado nem estruturado
satisfazer esta ordem de exigências. A evolução
históeducação dos jovens em dificuldade em
nossO país, perspectiva, ilustra bem este
descaminho, a saber:
a) Numa primeira etapa, o atendimento
caracterizouuma desconfiança a priori, em face do
educando, e,
49
A,
om estava formal,
lurais —, blema,determinantes
A refere
do,
encontrar
a porta reotipados
uma à perficiais
objetivas.
profundo
atendimento, para
rica da nesta
se por
aos
por intervenções do tipo correcional—repressivo, que
preva-
leceram durante muito tempo. O SAM (Serviço de
Assistência ao Menor), ligado ao Ministério da Justiça, foi
sucedido pela FUNABEM (Fundação Nacional do Bem-
Estar do Menor), que passou a adotar um novo enfoque. Esta
fase, contudo, ainda não está tão ultrapassada quanto se
pensa. Seus reflexos prolongaram-se no tempo e aca-
baram por minar os esforços de modernização, terminando
por sobrepor-se a ales, principalmente no que se refere aos
adolescentes a quem se atribua a autoria de ato infracional;
b) Na segunda etapa desta evolução, a visão do
adolescente em dificuldade como elemento hostil e amea-
çador (enfoque criminológico da periculosidade) foi
substituída pelo enfoque da privação, da carência. A adoção
des- sa perspectiva levou à implantação das equipes
interdisciplinares e da ampliação e diversificação do espectro
de atendimento, que passou a cobrir um número maior de
necessidades dos destinatários dos programas sócio-
educativos para adolescentes em dificuldade, melhorando as
condições técnicas e materiais das unidades de atendimento.
A verdade, porém, é que este modelo nunca chegou a vigir
de forma completa. As pessoas, os prédios e a cultura
organizacional do passado fizeram dele uma realidade
superposta às maneiras de entender e agir, herdadas da fase
correcional—repressiva;
c) A terceira etapa desta conturbada e sofrida
trajetória vê o atual sistema como uma massa falida em todos
os níveis e aspectos. O panorama legal revelou-se
inadequado e propiciador de situações as mais desumanas e
arbitrárias. O ordenamento político-institucional da área
mostrou-se, nos últimos 25 anos, parte do "entulho
autoritário" que a sociedade brasileira hoje se vê chamada a
desmontar, como parte do esforço de saneamento e de
reconstrução democrática da vida nacional. E, no que se
50
refere àquilo que mais imediatamente nos diz respeito
neste momento, as formas de atenção direta ao
adolescente em dificuldade, por problema de conduta,
assumiram contornos de ineficácia e de degradação tão
evidentes que o seu descrédito perante os destinatários e
sociedade como um todo tornou-se uma realidade
praticamente impossível de ser revestida sem a
desconstrução total do sistema.
Por tudo isto, sustentamos que um ataque
orgânico e conseqüente a essa questão passa por um
sistemático esforço de transformação profunda do quadro
atual. Este esforço deve desdobrar-se em três frentes
básicas de atuação:
mudanças profundas no panorama legal;
um corajoso e amplo reordenamento institucional;
uma efetiva melhoria das formas de atenção direta aos
adolescentes em dificuldade.
Esta Pedagogia da Presença é parte do esforço que
se vem desenvolvendo na terceira frente. Contudo, ela só
poderá produzir respostas mais efetivas e plenas na
medida em que as mudanças mais amplas se consumam;
não poderemos cruzar os braços. Faz-se necessário,
como diz Paulo Freire, "fazer hoje o possível de hoje,
para fazer amanhã o impossível de hoje".
51
explicitando as
imensas moldura
legal e
políticodificuldade
pessoal podemos
deixar de
praticamente todos
os relação
educador— uma
relação de
investidos e os
alcançarão
resultado ou
ocorrido entre nós,
frágeis.
educador—
educando, do ponto
baseia-se na
reciproqual duas
presenças e
comunicando uma
novo conteúdo,
uma originalidade
inerente a causa.
o fator que
explica
inesperadamente,
quando forem por
terra. Atrás pessoa-
chave, que
Mesmo reconhecendo e
dificuldades que se manifestam na
institucional da educação de jovens em e
social no Brasil nos nossos dias, não
reafirmar aqui, como temos feito em
tópicos, a exigência essencial de que
educando seja uma relação significativa,
qualidade. Sem isso, todos os
esforços desenvolvidos ou não atingirão
apenas, como geralmente resultados
inexpressivos, precários e
A verdade da relação de vista
da Pedagogia da Presença, cidade,
entendida como a interação na se
revelam mutuamente, aceitando-se à
outra, uma nova consistência, um
nova força, sem que, para isto, a cada
uma seja minimamente posta
A reciprocidade é quase
sempre aqueles sucessos que surgem
todas as esperanças razoáveis já
desses resultados, aparece sempre
uma
53
em
tem
recursos
conseguiu manter com o jovem em dificuldade uma
relação pessoal que se mostrou capaz de restituir-lhe um
valor no qual ele próprio já não acreditava. Alguém
compreendeu e acolheu suas vivências, sentimentos e
aspirações, filtrouse a paltir de sua própria experiência e
comunicou-lhe, com clareza, a solidariedade e força para
agir.
Muitos pretendem ver nos educadores que
conseguem isto individualidades raras, pessoas
excepcionais, dotadas de dons muito especiais e, por isso
mesmo, inimitáveis. É mais realista, entretanto, encará-
las como pessoas comuns nas quais certas qualidades
não-excepcionais encontram-se favoravelmente
conjugadas e suficientemente desenvolvidas. Atribuir os
resultados excepcionais a seres privilegiados é, no fundo,
demitir-se da possibilidade de obter de si mesmo e de
outro semelhante desempenho.
A presença aberta e solidária do educador junto ao
educando será efetiva e estará em conformidade com o
papel que dela se espera, na medida em que de si nasça a
reciprocidade quem vem da sua aceitação inicial por parte
do educando; dos convites — claramente expressos ou
não — que ele emite na direção do educador, assim como
da ampliação e do aprofundamento do contato e das
respostas que, ao longo do processo, o jovem for
emitindo. Só a reciprocidade garante o valor da presença
e respeita a liberdade do outro.
O próprio educador modifica-se no curso dessa
relação. Já não põe em prática idéias preconcebidas.
Tenta controlar e criticar os meios de que se utiliza. Entra
num ciclo de invenção e de vida, buscando alcançar em
cada educando o que tem de único e de essencial. A sua
ação ganha em profundidade. Os conhecimentos que
adquiriu são uma luz que ilumina a leitura incessante que
ele faz do conjunto do que acontece à sua volta. Sua
capacidade de
54
entendimento aumentou, e suas intervenções práticas se
tornaram mais tranqüilas e seguras.
O âmago da relação entre duas pessoas, onde uma
se inclina para a outra, onde uma ocupa o seu espaço na
vida da outra, tudo isto constitui um tipo de
reciprocidade.
Outro tipo de reciprocidade é operado pela própria
pessoa na sua relação consigo mesma. Trata-se da
aquisição do autodomínio, mediante as suas virtualidades
físicas, intelectuais e afetivas. O educando é
constantemente chamado a ultrapassar-se a si próprio. De
início, esta experiência é vivida sem uma adesão
específica; depois, ela se torna uma fonte de gratificação.
Esta conquista implica no amor a si mesmo. A
conseqüência é uma interioridade, fruto de esforços
orientados para o que nele nasce e o transforma sem que
a sua identidade se perca.
O terceiro tipo de reciprocidade liga-se de forma
estrita às duas primeiras. É o momento em que o
educando sente-se chamado a fundir seu dinamismo de
base em atitudes socializadas, adaptadas às convivências
de contextos humanos mais amplos (família, escola,
comunidade, trabalho), mas que guardam
correspondência com seu próprio movimento de auto-
edificação. A simpatia é a resultante mais elevada dessa
dimensão da reciprocidade. A simpatia de um grupo
humano representa, para quem é por ela contemplado, o
sinal de que o valor que lhe é próprio foi reconhecido. É
uma forma de homenagem prestada à pessoa. Quando
esta dimensão não existe ou foi excluída da vida de
alguém, provoca sempre uma amarga decepção. É dificil
para alguém suportar uma indiferença pela qual lhe façam
sentir que a sua vida não representa nada.
Éextremamente importante para o adolescente
em dificuldade que essa simpatia, uma vez
desencadeada, tenha continuidade. Ele contribuirá
também à sua maneira
55
para que isto ocorra, ao mesmo tempo que emerge de si mesmo
e vai se libertando de suas dúvidas.
Considerar os adolescentes em dificuldade como
universos fechados e justapostos, negligenciando os
laços que os organizam como pessoas seria como
conceber o meio social na base de simples relações de
coexistência que bastaria moderar, ou seja, fazer da vida
social um agregado de solidões.
Quando se considera a importância da presença
do educador para o adolescente em dificuldade,
tornamonos sensíveis a certas deficiências das pessoas e
instituiçóes sobre as quais vale a pena chamar a atenção:
a) O trabalho educativo, preocupado apenas em
readaptar o adolescente em dificuldade, tende sempre a
ignorar o estado de solidão e abandono a que ele foi
relegado antes de, pela manifestação de condutas não-
aceitas, a sociedade preocupar-se com ele. Insistir, de
forma continuada, em chamar a atenção do jovem para a
gravidade social dos seus atos é um expediente que, além
de inútil, freqüentemente contribui para o fracasso da
ação educativa. O educando centraliza-se todo no mal de
que sofre e procura prioritariamente qualquer coisa que
possa trazerlhe um pouco de alívio e satisfação;
b) Algumas vezes, o jovem em dificuldade
apercebese de que não ocupa um lugar importante nas
preocupações de seu educador. Que possibilidade teria
de comunicar-lhe o que lhe está atormentando? Quando
esta situação se prolonga, o que ocorre é o afastamento e
a incompatibili-
56 57
dade entre o educador e o educando, gerando uma
barreira difícil de se transpor,
c) As intervenções disciplinares
malconduzidas constituem outro problema da maior
gravidade. Há erros que implicam e há erros que não
implicam uma sanção. a utilidade da sanção é evidente,
ela deve ser levada a efeito de tal modo que os
sentimentos íntimos do atingido não sejam lesados. As
sanções que surgem do desejo de dominar o rebelde ou
de servir de exemplo para os demais são particularmente
condenáveis. O educador deve ser exigente. Não deve
nunca, porém, colocar a exigência antes da compreensão;
d) A administração de alguns programas
sócioeducativos oficiais é outra fonte de problemas muito
graves. O atendimento burocrático ao adolescente em
dificuldade faz com que ele se sinta como um papel
tramitando de repartição em repartição, de forma
impessoal e descuidada. Este comportamento reforça o
caráter abstrato da relação educativa e destrói no jovem
qualquer esperança de atenção, de solicitude, de
acolhimento da qual ele pudesse ter sido portador ao
chegar ali;
e) Certas concepções da sua função
impedem o educador de assumir o papel fundamental que
dele se espera na vida do educando: ajudá-lo a encontrar-
se a si mesmo e aos outros. Qualquer idéia demasiado
abstrata e formal de seu papel tende a desmoronar-se
diante dos fatos do dia a dia. A prática está a exigir a todo
instante iniciativas enriquecidas e aperfeiçoadas por
fatores os mais imprevisíveis.
Quando o educador está alerta para esses
problemas, ele se previne contra essas formas de
alienação que ameaçam o seu esforço junto ao jovem em
dificuldade.
58
A resistência por parte do educador a certas
maneiras de entender e agir, entranhadas pelos anos na
rotina institucional, é freqüentemente salutar ao
processo educativo. Nascida, às vezes, apenas da
intuição de que não é por aí o caminho, essa resistência
interior pressiona no sentido da criatividade, da
invenção e da mudança de qualidade do processo.
59
421
O adolescente em dificuldade inclina-se para
aqueles relacionamentos que não lhe peçam contas
daquilo que ele é, não mostrem ressentimento por aquilo
que parece ser e nem lhe tentem impor aquilo que ele
deveria ser. Ele aspira a uma relação verdadeiramente
humana e não uma forma de coexistência com um grupo
de pessoas e com um regulamento.
Infelizmente, é esta segunda hipótese a que se
materializa com mais freqüência no trabalho daqueles
programas dirigidos aos jovens mais difíceis. Os
educadores, por meio de recompensas e sanções,
conseguem evitar certas manifestações consideradas
negativas da parte da maioria dos educandos atendidos.
Este verniz, no entanto, cai facilmente quando a equipe
não consegue produzir e alimentar, nos contatos pessoais
e na ambiência que resulta do conjunto das relações, um
nível de calor humano capaz de propiciar um clima
favorável à aceitação e ao acolhimento mútuo.
Muitos educadores entendem que, encaradas desta
maneira, as relações tornam-se, de fato, um convite ao
abandono das regras de convivência na comunidade
educativa. Esta dúvida não tem razão de existir. Na
verdade, essa introdução da reciprocidade nas relações
educador—
61
educando é que se torna fator capaz de levar o jovem a
integrar normas e autoridades, revestindo a relação
educativa de seu verdadeiro significado.
O educador deve criar no cotidiano do trabalho
dirigido ao jovem em dificuldade oportunidades
concretas, acontecimentos estruturadores que evidenciem
a importância das normas e limites para o bem de cada um
e de todos. Só assim o jovem começa a comprometer-se
consigo e com os outros. É deste compromisso que
nascem as vivências generosas e o calor humano, bases do
dinamismo capaz de enriquecer e de transformar sua vida.
Os acontecimentos estruturadores são aquelas
atividades que se mostram capazes de, na seqüência de
uma preparação psicológica concreta, levar o educando a
assumir compromissos desinteressados, a renúncias no
bem de interesses e objetivos que não são mais
estritamente seus, mas de outra pessoa ou do grupo onde
ele se insere.
Esta libertação não ocorre de maneira súbita,
rápida e irreversível. O processo, além de lento, de um
modo geral, comporta idas e vindas, podendo, em certos
casos, persistir por muito tempo, variando naturalmente
de um jovem para outro.
Essa invenção, pelo educador, de situações
concretas, mediante as quais o adolescente em dificuldade
parte ao encontro e à descoberta dos outros, levam-no a
adquirir a solidez necessária para tolerar as frustrações e
buscar as gratificações sempre entrelaçadas na unidade
dinâmica da vida.
É para a construção e direcionamento dessas
oportunidades educativas que o educador é chamado a
assumirse na dimensão da autoridade. Uma autoridade
que só tem
62
sentido na medida em que se coloca a ser.Jiço da
emancipação do educando.
O seu papel não é, de forma alguma, distanciar o
educador do adolescente, impondo-lhe uma atitude receosa,
submissa e reverencial. AO contrário, a autoridade do
educador é chamada não só a delimitar a conduta do
educando naquilo em que ele tem de ameaçador para si e
para os outros, como também de impulsioná-lo na direção
de outras formas de convivência consigo mesmo e com as
demais pessoas.
Não podemos ter ilusões. Muitos educandos
consideram os educadores representantes da sociedade
que eles, consciente ou inconscientemente,
responsabilizam pelo seu sofrimento. Para estes, todas
as outras violências que sofreram têm seqüência por
intermédio do educador, que se empenha em levá-lo a
aceitar algumas regras básicas de convivência. Regras
de um mundo que ele ainda não reconhece como seu.
A única maneira de enfrentar essa dura realidade
é assegurar aos educandos o direito de participar na
elaboração, discussão e revisão das normas, de maneira
que elas tenham neles próprios a sua origem e a sua
finalidade. Tentar impor-lhes normas "de fora e do
alto", pretendendo com elas orientar seus passos, será
sempre uma atitude recebida com indiferença ou
hostilidade. É como tentar fazer a felicidade das pessoas
contra sua vontade.
Muitas vezes, o educador é enganado pelas suas
intenções mais corretas. Facilmente, lhes conferimos
um valor próprio, independentedas situações e dos
condicionamentos, no seio dos quais elas devem se
expressar. Por isso, um realismo sadio haverá sempre
de levar o educador a procurar, primeiramente em si
mesmo, a causa das suas dificuldades, antes de atribui-
las à instituição, às leis, e, em
63
última análise, à própria estrutura dã sociedade, pois é
certo que, em todos esses níveis, causas existem e serão
encontradas.
A verdadeira autoridade nasce menos do
conhecimento que se tem do educando e de suas
dificuldades, que da capacidade do educador de
(re)conhecê-lo e aceitáIo.
Quem conquistou essa autoridade nascida do (re)
conhecimento pode e deve agir com firmeza sempre que
julgue necessário. O seu sim e o seu não são emitidos com
franqueza e solidez. O educando conhece e reconhece o
quanto aquele educador já trabalhou e agiu no seu
interesse e no de seus companheiros.
O educador que assim entende e pratica a
autoridade liberta-se do medo e da incerteza. Não se
empenha por prestígio ou popularidade. Ele está, agora,
liberto de si próprio, encara o educando de frente e lhe
transmite o melhor de si mesmo. O educando saberá, de
algum modo, perceber que, para lá dos limites e das
restrições, alguma coisa de bom, de essencial para seu
crescimento lhe está sendo passado por aquele adulto
significativo que ele tem diante de si.
64
{3
Quem se proponha a assumir esta modalidade de
trabalho educativo junto a adolescentes em dificuldade
deverá, no exame médico, apresentar, além da solidez
nos aspectos físico e nervoso, uma certa capacidade de
resistência à fadiga, de autodomínio dos impulsos. Estas
são qualidades extremamente necessárias, pré-requisitos
mesmo para se prosseguir no processo de seleção.
À medida que a escolha sai do campo do físico e
passa a examinar outra ordem de qualidade, as coisas
tornam-se mais complexas. Alguns aspectos objetivos,
como deficiências intelectuais e excessos de caráter,
incompatíveis com o trabalho, como agressividade ou
timidez excessiva, são facilmente detectáveis. Há
aspectos, no entanto, que são normalmente incompatíveis
com os processos convencionais de entrevistas, testes e
exames. Faz-se necessário, então, dispor de tempo para
avaliar, de forma mais criteriosa, certas qualidades e
aptidões. Isto implica, naturalmente, num segundo nível
de decisão, que deverá ter uma orientação basicamente
operacional, um estágio probatório efetuado junto aos
próprios jovens.
Nessa fase, três características devem ser
observadas com todo o cuidado. Sua ausência ou definição
pouco nítida devem ser consideradas motivo suficiente
para não
65
recomendar a efetivação de uma pessoa no trabalho
direto com os jovens em dificuldade.
A primeira dessas características é uma inclinação
sadia pelo conhecimento dos aspectos da vida do
adolescente que testemunham as suas dificuldades e o seu
potencial para superá-los. Esta aptidão básica, de forma
nenhuma é intelectual; ela implica simpatia,
compromisso, solidariedade, ou seja, capacidade de
relacionamento positivo com qualquer tipo de jovem
independente do que ele tenha feito ou do que aparente
ser.
A segunda dessas aptidões reside na capacidade de
auto-análise. A função exige muito mesmo neste aspecto.
É a partir de uma consciência de si perspicaz que é
possivel ao educador perceber corretamente que parte de
sua personalidade ele está projetando em qualquer ação.
Com esta abertura para a interioridade, a propensão do
educador é atribuir tudo o que acontece de negativo ao
próprio educando e à suas condições de trabalho,
eximindose de colocar a si mesmo como parte dos
problemas. Esta capacidade de autocrítica, à luz da ação,
condiciona uma honestidade intelectual e uma certa
humildade, sem as quais proliferam os álibis de uma
consciência propensa a se tornar cada vez mais elástica,
mais frouxa, mais acomodada.
Quanto à terceira disposição, ela está
condicionada pelas duas primeiras, presidindo, de fato, o
seu exercício. Trata-se da abertura, a capacidade de
deixar penetrar sua vida pela vida dos outros, de modo a
captar seus apelos e responder a suas dificuldades e
impasses.
Sem a pretensão de comentar esta qualidade,
diremos apenas que ela é essencial. Sem essa disposição
interior, a aceitação não se materializa, e a reciprocidade
torna-se um objetivo inatingível.
66
Tais aptidões devem ser consideradas em
profundidade, para evitar as aparências enganosas e
fraudulentas com que podem manifestar-se, por
exemplo, numa entrevista ou exame escrito. A presença
dessas qualidades equilibra e mesmo releva outras
limitações e insuficiências apresentadas pela pessoa que
se propõe a atuar nesta área. Por isso, consideramos que
é somente no estágio de seleção que é possível aferi-las
com mais segurança e critério. Geralmente, os perfis
exigidos dos educadores constituem uma acumulação
abstrata de todas as qualidades humanas: físicas,
intelectuais, psicológicas, morais. Hoje, já se percebem
que a natureza não gera este tipo de fenômeno e que as
ciências do homem não acumularam ainda recursos
suficientes para produzi-los em quantidade. Melhor,
portanto, basear a escolha de pessoas para o traba-lho em
critérios seletivos fundamentais, aplicáveis a pes-soas
comuns, admitindo sempre uma inevitável margem de
erro e de incerteza com a qual teremos de aprender a
conviver sem angústias e tensões descabidas.
O primeiro instrumento deve ser a entrevista ou
outras formas de contatos despojados de qualquer
tecnicismo, favoráveis à expressão pessoal de quem se
candidata ao trabalho.
O outro instrumento fundamental é o estágio que,
sem excluir outras formas como testes e exames, nos
parece o elemento decisivo de um processo de seleção.
Ele deve ter duração suficiente para que, realmente, se
possa perceber a qualidade do desempenho dos
educadores no "corpo a corpo" com os educandos e suas
dificuldades. Uma preocupação necessária nesta fase do
processo é de não expor excessivamente os jovens à
inexperiência e aos experimentalismos dos estagiários e
de seus supervisores. Tal erro pode ter conseqüências as
mais Iamentáveis.
67
O primeiro erro, quando tratamos a questão da
estagiário é levado
avaliar-se, a descobrir
partir dos conta-
a testemunhar.
o trabalho sele-
trabalho como uma
também e primor-
liberdade, é negar os condicionamentos psicológicos e
sociais ou subestimar a sua importância. O erro inverso é
negar a possibilidade de o homem ser livre por já estar,
tanto em termos pessoais como sociais, determinado.
A ciência não nos impõe nenhuma destas
conclusóes. Somos nós mesmos que, freqüentemente,
polarizamos essas visões fazendo-as assumir formas
opostas, abstratas, extremadas. Esta incompatibilidade
não existe na realidade concreta. Trata-se de algo
idealizado e formal. Na vida, as coisas estão emaranhadas
e não é possível separá-las em nossos esquemas mentais.
Os condicionamentos informam os
comportamentos humanos de modo tão evidente que
parece desnecessário exigir provas. A liberdade, por outro
lado, é a conquista existencial e social básica que passa
necessariamente pela experiência, pela vivência concreta
e intransferível do ato libertador. Ela exige compromisso
consigo mesmo, com os outros e a disposição de correr
riscos e assumir responsabilidades.
A liberdade confunde-se com a aventura humana.
Assusta-nos sempre um pouco. Começa no momento em
que aceitamos, para alcançar algum objetivo que julgamos
relevante, arriscar a segurança biológica, o equilíbrio
psíquico e o bem-estar econômico-social nos quais
fundamos os alicerces da nossa vida.
69
Os condicionamentos que informam nossa
existência independem de nós para atuar. Não temos que
travar qualquer combate para que eles exerçam sobre nós
a sua força. Já a experiência da liberdade só é possível
mediante uma ativa colaboração da vontade. A liberdade
visa conquistar semprealguma coisa para além do que
somos e do que possuímos. Ela é uma conquista contínua
e sempre comportará em escolhas, incertezas e riscos.
A questão da liberdade na atividade educativa
junto a adolescentes em dificuldade é das que mais
requerem do educador clareza e equilíbrio. Os jovens
identificam na liberdade um direito que antecede a tudo
mais. Para conquistá-lo ou alargar suas fronteiras, são, às
vezes, capazes de iniciativas que nos parecem as mais
despropositadas. Caberá ao educador procurar ajudá-lo
no sentido de imprimir uma direção construtiva a esse
irreprimível impulso.
Quando, no entanto, o educando está perdido de si
mesmo, esta procura torna-se a procura de sua própria
identidade. Os fundamentos de sua personalidade
encontramse abalados. Na sua vida, há um vazio de calor
e de presenças humanas, um vazio insuportável que ele
precisa, de alguma forma, preencher.
O papel do educador será facilitar-lhe o acesso a
esses bens perdidos, mediante o confronto com a sua
realidade e com os limites que ela lhe impõe e das
possibilidades que ela comporta. É a partir da
compreensão deste quadro e da descoberta de que é
possível agir diante dele e modificá-lo que o adolescente
em dificuldade vivenciará a experiência intransferível de
sentir-se autor de sua vida, de sentirse livre em face de
si mesmo e da circunstância em que foi chamado a
existir.
70
Quando tiver efetuado essa conquista, o jovem irá
usá-la como base sobre a qual construirá a sua vida.
Agora, já de acordo consigo mesmo e com os outros. Ele
a usará ainda como a sua resposta às exigências que o
convidam a ultrapassar-se e aos obstáculos que encontra
diante de si.
A tarefa do educador é fazer tudo que esteja ao seu
alcance, para que, enfim, o educando descubra e comece
a trilhar o seu caminho. Assim percebida, a liberdade é
muito mais do que a não-restrição. Mais do que condição,
ela é, acima de tudo, o produto de um processo educativo
freqüentemente laborioso e difícil.
71
{5
A presença, como vimos, é uma
exigência constante para o desenvolvimento
da personalidade e a inserção social de todo ser humano.
Do início ao fim, a vida de cada um de nós se traduz num
desejo constante de presença. Quando esses vínculos não
existem, ou são demasiado frágeis e se rompem, todo o
dinamismo se esvai. A vida torna-se absurda e vazia de
sentido, e a conduta deteriorase e degrada cada vez mais.
As manifestações delinqüentes dos jovens
assumem formas inquietantes às quais o Estado e a
sociedade procuram responder com mecanismos caducos
do alerta, da repressão e da segregação e, no Brasil, até
mesmo do extermínio. Esta maneira de relacionar-se com
o problema ignora, em todas as etapas de seu desenrolar,
uma das necessidades mais prementes e íntimas do ser
humano em todas as épocas: a necessidade de encontrar-
se a si mesmo para, então, encontrar os demais.
A compreensão deste fato implica um novo
caminho para a educação dos jovens em dificuldade. Um
caminho que parte do reconhecimento de que, nesta
modalidade de ação educativa, o que varia é apenas o
momento, o tipo de intervenção e a receptividade do
educando. NO educando
73
de que estamos tratando, existem as mesmas
possibilidades do que em qualquer outro. Ele passou,
contudo, pela massacrante experiência da privação e da
brutalidade, fazendo com que sua vida entrasse por um
caminho de agitação e incerteza. Uma educação
verdadeiramente positiva é a que tenta devolver ao
educando o caminho de sua libertação.
Não basta, portanto, apenas preparar um futuro
adulto para inserir-se de forma produtiva e útil na
sociedade. É preciso mais. É preciso encontrar e
desenvolver nele, o quanto possível, aquilo de bom que
ele trouxe consigo ao nascer. Só assim o jovem não será
por nós reduzido às suas deficiências e aos seus atos
contra a moral e as leis.
Diante de jovens seriamente perturbados, um
educador, atuando na linha da Pedagogia da Presença,
pode ser um apoio de relevância decisiva. AO aceitar
assumir a função educativa em toda sua extensão, o
educador percebe claramente a singularidade do seu
lugar e do seu papel na sociedade. Ele visualiza, como
poucos, os fatores de origem social que abalam e, às
vezes, destroem os fundamentos da vida pessoal da
infância e da juventude das camadas mais pobres da
população.
Mas a luta por democracia e justiça social não
deve, de maneira alguma, desviá-lo da necessidade de
compreender e de aceitar o ser humano, para além das
realidades que emergem da sua inserção na sociedade.
AO exercer sua função específica, guiado por
uma consciência transformadora e crítica da realidade,
o educador reconhecerá que os dois pólos de sua
atividade: o desenvolvimento pessoal e o
desenvolvimento social do adolescente em dificuldade
são duas faces de uma mesma moeda. Ele sabe, mais do
que ninguém, que a presença
74
do jovem em si próprio é a condição de sua presença nos
outros, em todos os espaços onde se processa a sua
socializaçáo: família, escola, comunidade, trabalho e
outros,
Mais do que responder a exigências e temores
deste tempo de crise, o educador orientará sua atuaçáo
para as necessidades humanas e materiais dos
adolescentes. Sua ação cotidiana manifesta-se ao nível da
pessoa do educando. Um jovem cujas circunstâncias de
vida estão sempre a mostrar-lhe que, enquanto cidadão,
são muitos os motivos que o impelem a juntar-se aos que
se empenham na mudança da sociedade, para que ela
possa tornar-se um lugar capaz de permitir a todo jovem
encontrar-se a si mesmo, aos outros e a olhar sem medo
para o futuro.
75
Nenhum pre-
compreenden-
O trabalho social e educativo junto a adolescentes
em dificuldade tem como cenário locais e circunstâncias
os mais variados. Existe, porém, um conjunto constante
de elementos que caracterizam a modalidade e a
especificidade da açáo educativa de que estamos
falando: as presenças de um jovem, com dificuldades
pessoais e sociais, que se refletem em sua conduta, e de
um adulto que, com base na sua experiência, procura
ajudá-lo, procura orientáIo, para que ele encontre o seu
caminho na vida.
A moldura dessa relação poderá ser um programa
de educação de rua, um programa comunitário de
orientaçáo sócio-educativa e preparação para o trabalho,
um programa de liberdade assistida institucional ou
comunitária, um centro de defesa jurídico-social, um
estabelecimento para atendimento, em regime de
privação ou de restrição de liberdade, de jovens com
problemas mais graves de conduta.
Em âmbito diverso das açóes programáticas
especificamente voltadas para jovens em circunstâncias
de maior dificuldade, esta relação ocorrerá também em
outros contextos: como a atividade de pessoas
comprometidas junto a jovens, fora de qualquer
programa estruturado para este fim específico, como
ocorre com pais, professores e técnicos em educação,
religiosos, profissionais de saúde, responsáveis por
atividades nas áreas de esporte, cultura, lazer e,
79
de modo muito especial, por qualquer adulto que, diante de um
jovem em circunstância dificil, se decida a fazer alguma coisa.
Falamos muito sobre a Pedagogia da Presença. Vimos na
presença uma necessidade básica, um elemento essencial
para que o jovem possa encontraro caminho para si mesmo e para os
outros. Como, porém, melhorar o desempenho das pessoas que atuam
junto a adolescentes nesta dimensão crucial da ação a eles dirigida?
Sabemos que uma compreensão articulada, ampla e
suficientemente aprofundada da questão da presença é
relevante, imprescindível mesmo, mas que, por si só, não
é o bastante para promover as mudanças que se fazem
necessárias na ação educativa.
A verdade é que as novas maneiras de entender
resultam de pouco ou nenhum proveito, se não se refletirem
de modo nítido nas maneiras de agir dos que atuam
diretamente junto aos jovens em dificuldade pessoal e
social. Esta constatação colocou-nosdiante da necessidade
de buscar caminhos que, no plano operacional, nos
permitissem desenvolver nas pessoas que lidam com esses
educandos no dia a dia, aptidões, hábitos, atitudes e
habilidades favoráveis à presença.
Se acreditávamos, como ainda acreditamos, que a
capacidade de aceitar, compreender e orientar um jovem em
dificuldade pode ser, a partir de certas disposições pessoais
básicas, adquirida ou substancialmente melhorada, fazia-se
necessário encontrar um enfoque com base no que
pudéssemos empreender a capacitação dos educadores e
outros adultos, para assumirem o papel de presenças
significativas na vida dos jovens a quem dirigem ou
pretendem dirigir o seu trabalho social e educativo.
80
Este enfoque fomos encontrá-
lo relação de ajuda desenvolvido por
Robelt de estudos preliminares
desenvolvidos por esforço do qual
também participou Bernard que teve,
como âmbito inicial, o campo peuta-
cliente, estendendo-se posteriormente
social e educativo e a todas as
situações interpessoal entre alguém
que ajuda e certo momento de sua
vida, precisa de
Assim, o modelo de relação de
Carkhuff aplica-se a um amplo
espectro intenção e preocupação
básica é atender sociais de modo a que
os beneficios descobertas, que
resultaram em avanços psicologia,
possam vir em auxilio também de
outras áreas.
A fecundidade e alcance desse
da pedagogia ficou para nós
evidenciado conhecimento que
travamos com o de Orientação
Educacional", da professora Loffredi,
no qual ela estrutura um educacional,
tendo como eixo central do e das
propostas de organização das idéias de
Carkhuff.
Nos anos seguintes, a partir de
fizemos em relação de ajuda,
introduzimos çóes e práticas em
nosso trabalho com Escola FEBEM
"Barão de Camargos", clando toda a
nossa equipe com base ano. Os
resultados foram de mérito, tão
evidentes que, a partir daí, passamos
no modelo do
Carkhuff, a
partir
Carl Rogers,
num G. Bereson
o das relações teraao
trabalho de relacionamento
alguém que, num ajuda.
ajuda proposto
por de relações. A
sua às exigências
das investigações e
no campo da dos
profissionais
enfoque no campo
a partir do trabalho
"Paradigma Laís
Esteves modelo de
orientação
ferramental teórico
atividades práticas as
um treinamento que
essas concepmeninas
difíceis na em Ouro
Preto, recino modelo
carkhuffirelevância e
impacto a acalentar o
um trabalho, tratancom
base nesse impottância
fundamental
projeto, só agora realizado, de produzir do da
educação de jovens em dificuldade enfoque,
que consideramos de para nossa área de
atuaçáo.
81
2
pessoas passam pela nossa vida.
Poucas, capazes de se fazer realmente
presentes Menos ainda são aquelas
cuja influência construtiva que
exerceram sobre significação que o
tempo não foi capaz são as pessoas
significativas de nossas
assumir, diante de alguém ou de
alguma de não-indiferença. Quando
deixamos diante de algo, aquilo
assume para nós poderá ser grande ou
pequeno, positivo ou destrutivo. É
desta valoração, influência de alguém
sobre aquilo que o significado dessa
pessoa para nós. O determinado
momento ou fase, esta vida tem
de comum entre as pessoas que são
influência construtiva sobre outras a
se tornarem para elas pessoas
Muitas no
entanto, são em nossa
existência. presença,
pela nós, assumiram
uma de apagar. Essas
vidas.
Significar é
coisa, uma atitude de
ser indiferentes um
valor. Este valor ou
negativo, construtivo
que fazemos da somos,
que nasce valor que,
em para nossa vida.
O que há
capazes de exercer
pessoas, de modo
cativas? Ao determo-
nos tatamos que elas
lidar com outras
pessoais.
signifina análise dessas pessoas, consconcentram em si
habilidades várias de pessoas, elas possuem habilidades inter-
83
As habilidades interpessoais foram revestidas de
um novo significado para a compreensão e a prática do
processo de ajuda quando se constatou que, independente
do enfoque teórico e dos métodos e técnicas empregados
pelos terapeutas, a melhora ou piora dos clientes se
revelava função de atitudes assumidas pelo responsável
pelo tratamento.
Em "Construindo a Relação de Ajuda", Clara
Feldman e Márcio Lúcio de Miranda (1983) nos
apresentam as seis dimensões básicas (atitudes
construtivas), identificadas por Rogers e Carkhuff na
relação terapêutica, mas que são válidas para o processo de
ajuda como um todo:
a) EMPATIA: capacidade de se colocar no
lugar do outro, de modo a sentir o que sentiria caso estivesse
seu lugar;
b) ACEITAÇÃO INCONDICIONAL ou
RESPEITO: capacidade de acolher o outro integralmente,
sem que lhe sejam colocadas quaisquer condições e sem
julgá-lo que ele é, sente, pensa, fala ou faz;
c) CONGRUÊNCIA: capacidade de ser real,
de mostrar ao outro de maneira autêntica e genuína,
expressando, por meio de suas palavras ou atos, seus
verdadeiros sentimentos;
d) CONFRONTAÇÃO: capacidade de
perceber comunicar ao outro certas discrepâncias ou
incoerências em seu comportamento — distância entre o
que ele fala e o que ele faz, entre o que ele fala e o que ele
é na realidade, entre o que ele fala e o que mostra;
e) IMEDIATICIDADE: capacidade de
trabalhar própria relação terapeuta—cliente , abordando os
sentimen-
84
tos imediatos que um experimenta pelo outro duranto O
f) CONCRETICIDADE: capacidade de
decodificar a experiência de outro em elementos
específicos, objetivos e concretos, para que ele possa
compreender sua experiàs vezes confusa.
O que se passa, ao nível da pessoa ajudada, quando
estas dimensões (empatia, respeito, congruência,
concreticidade, imediaticidade e confrontação) estão
presentes nas daquele que ajuda?
Os mesmos autores nos mostram as mudanças
que a ocorrer na pessoa ajudada:
a) "MUDANÇA NOS CONSTRUTOS
PESSOAIS:
transformações das crenças e valores que orientam o
relacionamento do ajudado consigo mesmo e com o
mundo à sua volta, no sentido de uma flexibilidade
desses valores, inicialmente rígidos";
b) "PROXIMIDADE DA EXPERIÊNCIA:
habilidade de desenvolver autoconhecimento
mediante um cada vez mais próximo com a
sua experiência";
c) "ENTREGA AO RELACIONAMENTO:
confiança terapeuta, de modo a abrir-se a ele
livremente do processo":
d) "MUDANÇA NA EXPRESSÃO DOS
PROBLEmovimento do cliente em relação
ao conteúdo de verbalizações, no sentido de
expressar, cada vez mais, interno (referente a
sua própria pessoa), e meconteúdo externo."
85
A identificação das dimensões que devem estar
presentes naquele que ajuda (empatia, respeito,
congruência, confrontação, imediaticidade e
concretude) e dos seus efeitos sobre a pessoa ajudada
permitiu o conhecimento dos elementos constitutivos
de uma relação de ajuda efetiva e plena.
Como fazer, no entanto, para que esse conteúdo
fosse operacionalizado, ou seja, fosse desenvolvido de
tal maneira que pudesse ser ensinado e aprendido às
pessoas interessadas em adquirir ou desenvolver suas
atividades no campo da ajuda?
A resposta a essa questão foi dada por Carkhuff,
por intermédio do desenvolvimento de seu modelo de
ajuda, que consiste na operacionalização das dimensões
da relação de ajuda e de seus efeitos sobre o ajudado.
Esta operacionalização envolve as habilidades do
ajudador e os comportamentos do ajudado no curso do
processo de mudança.
Assim, tais habilidades tomam-se observáveis,
mensuráveis, transmissíveis e treináveis, contribuindo
decisivamente para que a capacidade de ajudar deixe de
ser uma qualidade pessoal inata, que só pessoas dotadas
de dons especiais são capazes de ter e de exercer
plenamente.
Ainda segundo o modelo apresentado em
"Construindo a Relação de Ajuda" (p. 20 e 21), estas
habilidades básicas são quatro:
ATENDER: comunicar, de maneiras não-verbais,
disponibilidade e interesse pelo ajudado;
RESPONDER: comunicar, corporal e verbalmente,
compreensão pelo ajudado;
86
PERSONALIZAR: mostrar ao ajudado sua parcelade
responsabilidade no problema que está vivendo;
ORIENTAR: avaliar, com o ajudado, as alternativas de
ações possíveis e facilitar a escolha de uma delas.
À medida que o ajudador atende, responde,
personaliza e orienta, o ajudado começa a comportar-se de
modo promover sua própria mudança. Estas são as fases
pelas quais ele passa durante o processo de ajuda:
10) ENVOLVER-SE: capacidade de entregar-se ao
processo de ajuda, iniciando a expressão corporal e verbal
de seus problemas.
24) EXPLORAR: capacidade de avaliar a situação
real em que se encontra no momento do processo de ajuda
seus problemas, déficits, insatisfações — e de definir com
clareza onde está.
32) COMPREENDER: estabelecer ligações de causa
e efeito entre os vários elementos presentes em sua vida —
como se estivesse juntando as peças de um quebra-cabeças
— de modo a definir sua meta: onde quer chegar.
42) AGIR: movimentar-se do ponto onde está para o
ponto onde quer cheqar, escolhendo, para isso, o melhor
caminho ou programa de açáo — como chegar lá.
87
As inter-relações entre as habilidades do
ajudador e os comportamentos do ajudado podem ser
representadas das seguintes maneiras:
AJUDADOR:
AJUDADO:
atende
envolve-se
responde —3 personaliza orienta
explora Compreende age
Esse conjunto de etapas pode ser decomposto
em duas grandes fases, a saber:
fase
iniciativa;
fase
responsiva;
Assim,
temos:
AJUDADOR:
AJUDADO:
Fase responsiva
Fase iniciativa
atende
„.i:. responde
envolve-se explora
personaliza
compreende
Orienta
age
88
3
Em seu "Paradigma de Orientação Educacional", a
professora Laís Esteves Loffredi (1979) apresenta dez
características da relação de ajuda, selecionadas por
Shertzer e Stone (1972). Essas características, adverte ela,
referem-se à relação de ajuda de modo amplo,
ultrapassando, assim, o âmbito das chamadas profissões de
ajuda.
São elas:
P) SENTIMENTO: "A relação de ajuda tem sentido
porque está relacionada com determinada situação para a
qual se busca solução, implicando um compromisso mútuo
onde ocorre uma interação pessoal que exige certo grau de
profundidade."
22) EXPRESSÃO DE AFETO: "Na relação de ajuda
expressa-se afeto, apesar da relevância de fatores
cognitivos. São os fatores efetivos que sustentam o
processo pela sensibilidade mútua dos participantes,
garantia do equilíbrio na relação."
30) TOTALIDADE : "Na relação de ajuda
manifestase a pessoa total. A totalidade é a qualidade
reparadora da relação, no sentido de que os participantes
apresentem-se e aceitem-se tal como são, ou seja,
autenticamente."
40) CONSENTIMENTO MÚTUO: "A relação de
ajuda se dá por consentimento mútuo dos participantes.
89
Embora algumas relações sejam estabelecidas por
força de uma função, como no caso pai—filho,
professor—aluno, está implícito ter havido
consentimento prévio de assumir as responsabilidades
inerentes ao papel, pelo menos por parte de quem
oferece ajuda. No entanto, a relação de ajuda só se
estabelece satisfatoriamente quando ambos — quem
dá e quem recebe ajuda — participam da relação
livremente."
50) EXPECTATIVA: "A relação ocorre porque
a pessoa que pede ajuda precisa de informação,
instrução, conSelho, auxílio, compreensão ou
tratamento, e espera que a outra pessoa possa oferecer-
lhe isto. A confiança no conhecimento e na
competência de quem ajuda é essencial à relação. "
69 COMUNICATIVA E INTERATIVA: "A
relação de ajuda se dá pela comunicação e interação.
Uma e outra são cognitivas e afetivas, de conteúdo
positivo ou negativo, e serão estabelecidas pela
comunicação verbal e nãoverbal."
P) ESTRUTURAÇÃO: "A relação de ajuda é
uma situação estruturada que começa quando, por
consentimento mútuo, os participantes encontram-se
face a face, e a pessoa que pede ajuda percebe que será
um agente do processo e não apenas um paciente que
entrega a outro a responsabilidade pelo que venha a
ocorrer. No entanto, a competência de quem oferece
ajuda é que permite a situação em que a participação se
realiza por meio da experiência vivencial de cada um.
A estrutura pode variar segundo o tipo de relação, mas
será sempre constituída por estímulos e respostas,
resultantes das necessidades dos participantes da
relação."
80) COOPERATIVA: "A relação de ajuda é
caracterizada pelo esforço cooperativo. Essa
característica é decorrência da anterior, pois o esforço
cooperativo começa pela
90
percepção, por parte de quem recebe ajuda, de que o êxito
do processo depende também dele. Esta percepção
intensifica e aprofunda a estrutura da relação. Quem ajuda
se coloca à disposição do outro, dando-lhe a liberdade de
aceitar ou rejeitar o que lhe parece apropriado,
favorecendo assim, pela seleção de recursos, a descoberta
de formas mais adequadas de atuação."
92) ACESSIBILIDADE E SEGURANÇA: "A
pessoa que ajuda é acessível e se mostra segura. Na
verdade, & acessível porque se sente segura e, portanto,
aberta ao outro, sendo capaz de apresentar-se
constantemente estável, atuando como apoio daquele que
se sente, pelo menos temporariamente, inseguro e
instável."
100) ORIENTAÇÃO PARA A MUDANÇA: "0
objeto da relação de ajuda é a mudança. A pessoa
modifica-se pela aprendizagem, mediante uma nova
percepção de si mesma, da sua situação e do ambiente,
expressa numa mudança de atitudes."
91
SÓCIO-EDUC&TIVOS
Definidos, do ponto de vista conceitual, os
pressupostos e caracteristicas básicas da relação de ajuda,
passaremos a nos dedicar, até o final do curso, à
formulação de uma estratégia específica para atuação das
pessoas que atuam nos programas sócio-educativos
dirigidos a adolescentes em dificuldade, entendendo a
relação educador—educando como o esforço cooperativo
desenvolvido portodos os membros da equipe do
programa, os quais têm nos educandos seus interlocutores
e parceiros básicos e primordiais.
Para implementar a estruturação e o funcionamento
das oportunidades educativas nesta linha, faz-se necessário
enfatizar, na atuação da equipe, os aspectos relacionados
às habilidades interpessoais, por meio da adoção de um
paradigma comum de ação que possibilite a criação de uma
ambiência favorável ao desenvolvimento pleno das
relações interpessoais. Isso implica em mobilizar e integrar
os esforços da equipe no sentido de tornar o programa,
como um todo, um contexto facilitador do crescimento do
adolescente, no sentido da superação de seus impasses e
dificuldades,
93
por intermédio de relações que lhe possibilitem a
aprendizagem significativa de novas atitudes e
habilidades.
O modelo de relacionamento a ser
operacionalizado deve ser, portanto, compartilhado por
todos e se basear nas seguintes proposições básicas:
a) O conjunto das relações interpessoais
desenvolvidas no programa pode ter sobre o
crescimento do adolescente uma influência positiva ou
negativa;
b) Esses resultados dependem do nivel de
qualidade que a equipe conseguiu imprimir ao exercício
cotidiano das dimensões facilitadoras da relação de ajuda:
empatia, respeito, autenticidade, confronto, concretude e
imediaticidade);
c) O processo de ajuda realiza-se mediante
duas grandes fases:
i. INTERNA: envolvendo a compreensão e a
exploracão;
ii. EXTERNA: envolvendo a orientação, por parte do
ajudador, e a acão por parte do ajudado;
d) Enquanto componente infra-
estrutural do processo educativo, a relação de
ajuda poderá valer-se de diferentes enfoques de
aconselhamento;
e) Enquanto processo de
aprendizagem mútua, a relação de ajuda terá
sempre o formato de um processo aberto e
experiencial;
O O modelo de relação de ajuda fornecerá a cada
membro da equipe o "sustento" teórico e operacional
capaz de somar-se à sua disponibilidade interior, de
modo a
94
tornar significativas as relações que estabelece com o
educando;
g) Na implantação do paradigma da relação de
ajuda, ao nível da estruturaçãoe funcionamento geral
de um programa sócio-educativo dirigido a jovens em
situação de dificuldade pessoal e social, deve-se
respeitar as seguintes etapas:
i. conhecimento da realidade: programa e
extraprograma; ii. envolvimento da comunidade
inclusiva;
iii. formulação dos objetivos e metas a serem
perseguidos; iv. programação das açóes necessárias à
consecução dos
do modelo de rela-
pessoal e social,
equipe, das técnicas
propostas possa ser
desencada membro da
equipe
de suas fases e da forna
concatenação geral do
relaSão etapas deste
processo:
preparação do ambiente fisico
ii. acolhimento iii. atendimento
fisico iv. observação
v. escuta Vi. resposta ao
conteúdo vii. resposta ao sentimento viii.
resposta ao sentimento e conteúdo ix.
resposta com imagens
x. resposta com comportamento xi.
resposta a perguntas xii. resposta
com os próprios sentimentos xiii.
personalização xiv. orientação
A incorporação deste conjunto de habilidades e
posturas permitirá ao educador:
perceber e sentircom nitidez as principais dificuldades
pessoais e sociais do educando;
atender e, quando for o caso, encaminhar o educando a
outros serviços especializados;
desenvolver as capacidades de observação, síntese,
interpretação e levantamento de hipóteses;
melhorar seus próprios níveis de funcionamento
pessoal. de modo a elevar a qualidade de seu
relacionamento com o educando, tomando-o
efetivamente significativo;
analisar e, quando necessário, rever seus próprios valores
em face das questões e exigências que lhe chegam no
processo educativo;
avaliar a qualidade das interaçóes humanas nos diversos
níveis e ambientes do dia a dia de seus educandos;
expressar valores, em uma forma de comunicação
(exemplos concretos, criação de acontecimentos), que
facilite ao educando na aquisição e construção de seus
próprios valores:
descobrir permanentemente formas e meios de fortalecer
o autoconceito, a autoconfiança e a auto-estima de cada
educando;
favorecer o processo de "escolhas progressivas" na
aquisição e desenvolvimento de um projeto de vida por
parte do adolescente em dificuldade;
identificar, avaliar e utilizar novas idéias e formas de
ação para assegurar qualidade crescente ao trabalho
desenvolvido.
97
5
As instalações e o material existentes em um programa
sócio-educativo constituem a sua base material, a sua infra-
estrutura. É importante, portanto, que as coisas sejam dispostas e
mantidas de tal forma que essa disposição, esse arranjo cuidadoso,
seja, em si mesmo, urna mensagem para o educando. A mensagem
de que ele é importante, de que alguém se preocupa com o que
ele sente, de que alguém quer que ele se sinta bem naquele lugar.
Ainda que muito simples, as instalações hão de revelar
sempre gosto e cuidado. Cada ambiente deve transmitir, sob a
forma de pequenos sinais, a mensagem pedagógica do
programa. Por exemplo: o chão limpo e bem cuidado de
determinada instalação fala ao educando do valor da higiene e
da limpeza. Já aquele tapete de retalho na entrada de
determinada sala nos está dizendo do compromisso e do respeito
que nos suscita o trabalho de quem faz aquela limpeza. A lata
pintada ou envolta em papel, colocada num ponto estratégico
para a coleta do lixo, junto com tantas outras coisas, também
exerce sua dose de influência construtiva sobre os educandos,
educadores e demais pessoas que freqüentam aquele lugar.
Cartazes, latas de flores, jardins, cantos de pátio, banheiros,
paredes, avisos, móveis, corredores, os lugares
6
99
de comer, dormir (quando for o caso), tomar banho, fazer necessidades fisiológicas, tudo deve transmitir uma atmosfera de
respeito pela dignidade das pessoas. Uma atmosfera de acolhida, de
gosto, de cuidado e preocupação com o bem do outro.
Especial atenção devem merecer os aspectos de atendimento individual ou em pequenos grupos. Ali, deve o
educador estruturar o ambiente de forma particularmenteUma das características mais comuns dos adoacolhedora: o
equilíbrio das cores, a disposição dos móveis,lescentes em dificuldade vem do fato de eles não se sentia decoração, a
limpeza e a conservação do local, a sua rem aceitos pelas pessoas. Daí, a enorme dificuldade que capacidade de garantir
sossego e privacidade para as têm estes jovens na formação de um bom autoconceito, pessoas que conversam. base da auto-
estima e da autoconfiança, sem as quais a tarefa de construir um projeto de vida torna-se muito difícil.
O ambiente assim estruturado é um educador ob- É como tentar assentar um alicerce sólido sobre uma base jetivo. Ele
exerce sobre o educando uma influência de areia movediça.
construtiva que o faz sentir-se respeitado e valorizado naquele espaço. O adolescente, diante de um chão limpo, de É nos primeiros
contatos com o educador que se banheiros onde se pode respirar sem medo, de parede bem forma no educando a imagem de
atitude básica daquele cuidadas, de cartazes bonitos e significativos, de plantas adulto em relação à sua pessoa. Esta imagem
poderá ser que revelam trato e carinho cuidadosamente distribuídas, de aceitação, de indiferença ou de rejeição. Essa impressão
respirará dignidade e se sentirá respeitado e aceito. As coi- inicial vai influenciar fortemente as posturas e atitudes sas estão lhe
dizendo isto. assumidas pelo jovem nas etapas seguintes da relação. Por isto, a adoção de determinados cuidados por parte do
Certa vez, um educador de rua me disse que, após educador, nesses contatos iniciais, é extremamente imporos primeiros contatos
com os meninos, uma providência tante para que o adolescente sinta-se verdadeiramente acoimportante se torna encontrar, junto
com os adolescentes, Ihido e aceito. um lugar mais sossegado, tranqüilo onde "o papo possa rolar mais solto, sem muito agito" .
Vê-se, por esse exemplo, Algumas atitudes contribuem na comunicação ao que até mesmo quando não existe um espaço pré„
educando da disposição interior do educador em relação à
estruturado para esta finalidade, a relação educador— sua
pessoa, configurando o clima de integração e de educando
impõe um certo nível de preocupação com o que caracteriza
o acolhimento. São atitudes ambiente. facilitadoras da
acolhida:
aconchego
7
100
ii. cumprimentar o educando, voltando-se para ele, indo ao seu encontro, tocando-o fisicamente, dirigindo-lhe palavras amigas,
transmitindo-lhe segurança e apoio e abrindo-se para captar o seu estado emocional naquele
o CORPO preciso momento;
iii. individualizar o educando, mostrando atenção ao que se passa com ele ou demonstrando perceber alguma
educador;tribuem mudança para ocorrida que ele em se seu perceba aspecto. importante Tais atitudes diante con-do
concreta O e corpo ou verdadeira indisposição é uma
que fonte as internas de palavras. mensagens de uma Ele
expressa pessoa muito maisema disposição
iv. nutrir fisicamente o adolescente em dificuldade ou estar relação atento a outras ao pessoas ou situações. que ele
transmita O educador ao deveeduproporcionar-lhe um pouco mais de comodidade são cando a noção verdadeira seu
corpo para do seu interesse e da sua disgestos Pequenos concretos cuidados de acolhida como oferecer que falam água,
por alimento, si mesmos.re- posição de ajudá-lo.
8
de exteriorizam médio, receptividade, agasalho da parte ou de uma aceitação, do educador simples de cadeira a
acolhimento.disposição são sinais interiorqueàs posturas Atender assumidas fisicamente parte pelo do educador um
próprio adolescente corpo na atenção a cada em dificuldadeconstantemomento
implica, assim, da
e na adoção de alguns comportamentos que facilitam sua interação com
o educando:
É muito importante que, durante a conversa,
a distância física entre o educador e o educando seja a expressão
do grau de aproximação entre ambos naquele momento da
relação. Para perceber isto, o educador deve concentrar-se na
atitude corporal do educando quando ele se aproximaou se
afasta, de modo a situar-se na distância correta para aquele
estágio do relacionamento;
ii. Inclinação: A inclinação do tronco do educador em relação ao educando deve estar sintonizada com a mensagem que, a cada
momento, estiver sendo transmitida por um ou por outro. O inclinar-se para a pessoa com que estamos falando funciona como
uma sina-
102
103
lização concreta e imediata do interesse que lhe estamos
dedicando naquele preciso instante;
iii. Contato—ylsual: Educador e educando devem situar- se no campo visual um do outro. A relação
"olho no olho" não deve ser evitada e nem perseguida de forma sistemática. Esta forma de contato deve ocorrer naturalmente
e não de forma forçada, persecutória. A consideração deste aspecto é fundamental para As mensagens não-verbais, que
chegam ao educonfigurar o respeito do educador pelo educando; cador a partir da observação das atitudes e reações corpo-
9
iv. que Ássentir educador lhe com devem a cabeçaestar sintonizados : Os movimentos lhe com de a mensagemcabeça
dorais ele pessoa, mais do educando, devo do que primeiro as permitem suas olhar palavras. entender seu corpo
"Se o que para quero se depois passa entender ouvircoma
que suas chega palavras do educando. estão encontrando Isto dá a sensação eco, estãodesuas meiro." palavras, Essa afirmação
pois a verdade de Clara está, Feldman acima de de Miranda tudo, no nospri-
afetando o educador;dá a dimensão exata da importância da observação na relav• Togar: Há momentos, no decorrer de uma
conversa,ção de ajuda.
físico que nenhuma do palavra é capaz de substituir um toqueA observação é o recurso básico e fundamental do
e momentos manifestação maturidade educador e é pessoal uma dosar no questão educando. do corretamente educador;de
bom Saber senso, identificar este experiênciatipo essesdeeducador. O olhos mum desenvolvimento e o da poder É
cultura ela imediato que organizacional da lhe habilidade permite da visão distanciar-se da de que, sua observar ao área
longo do devolve de senso do atuação.nossoaosco-
vi. Manter a mesma altura dp educando: Sentado ou em"desenvolvimento", intermédio de acaba nossos transferido olhos, ao
enquadrando senso comum, o queque pé, de o altura educador do educando. deve procurar Essa manter-se horizontalidade no
mesmo físicanívelvê temos por diante de nós nos construtos pré-estruturados ersinaliza a disposição de equilibrar a relação em
termosguidos em nossas mentes. sividade de poder, do funcionando como um facilitador da expres-O fundamental na relação
de ajuda é inferir o nível educando.
10
de energia e o tipo de sentimento que o educando, naquele momento,
está experimentando, bem como a sua prontidão para agir e a
qualidade do seu relacionamento com o educador.
O nível de energia diz respeito ao nível geral da
disposição física de uma pessoa. Sua gradação (baixo,
104 105
médio ou alto) pode ser aferida mediante a disposição corporal, a expressão facial e o Olhar da pessoa observada.
A prontidão está ligada à disposição da pessoa observada de assumir as tarefas com que se depara. As
expressões corporais e faciais nos revelam essa dimensão
do comportamento do educando.
11
A qualidade do relacionamento do adolescente Escutar, por uma série de motivos, é uma habilidade consigo mesmo e com
os outros pode ser apreendida pouco desenvolvida pelas pessoas. Quantas vezes uma através da observação do modo como ele
estabeleceem dificuldade sente-se melhor, ordena seus penpessoa contato visual com as pessoas e delimita seu
territóriosarnentos e reavalia suas experiências quando alguém a corporal. Suas respostas corporais às pessoas com
quemouve com atenção. Em alguns casos, esse encontro de um interage nos dá o sentido da positividade ou
negatividadeespaço aberto para colocar-se permite à pessoa reavaliar das relações que estabelece. Esta qualidade do relacio-
sua situação e descobrir novas saídas para seus problemas. namento pode ser verificada principalmente pela coerência entre
o corporal e o verbal, onde residem os aspectos maisEstas considerações sobre a habilidade de escutar reveladores em
relação ao desempenho relacional ao edu-são particularmente importantes para o educador que atua
cando.junto a adolescentes em dificuldade. Este é um recurso simples e efetivo, mas, infelizmente, pouco utilizado no
traAssim, vimos que atender fisicamente e observarbalho com os jovens. são atividades por meio das quais o educador
transmite e capta mensagens não-verbais.Se o educador escuta o educando, empenhando-
se de forma sincera em colocar-se no seu lugar e ver a
verbais.Atender fisicamente é TRANSMITIR mensagens não-situação sendo passado, com os seus procurando olhos,
sem compreendê-lo julgar aquilo e que aceitá-lo, lhe estáo
jovem se sentirá envolto num espaço de calor e reci é CAPTAR mensagens não-verbais. procidade
capaz de aliviar a sua tensão e reduzir o seu sofrimento.
Na fala de um jovem em dificuldade, o educador deve
atentar para duas dimensões. Uma é o discurso, as palavras e
frases tomadas em si mesmas. A outra dimensão é formada pela
intensidade, o timbre e o ritmo com que ele pronuncia as
palavras.
106 107
Outro ângulo importante da habilidade de escutar é a identificação
dos temas recorrentes na fala do educando. Por algum motivo, esses
assuntos estão ligados a alguma coisa de relevante para ele. Quando o
jovem fala de coisas que lhe tocam e lhe dizem respeito de forma mais
profunda, sua voz (tom, ritmo, intensidade) se altera. Cabe ao educador, escutando, captar esses sinais e usá-los na compreensão
do educando.
Quando o educando emite mensagens
desordenadas e desconexas, sua fala reflete uma
desordem
A primeira ajuda de que ele necessita é a de alguém que o auxilie a
refazer a sua expressão verbal. A isto chamamos de responder
ao conteúdo.
Responder ao conteúdo é refletir o tema central da fala do
educando. Não se trata, portanto, de reproduzir tudo o que ele disse
anteriormente. Trata-se de refletir aqueles elementos importantes
ligados ao tema central. Essa devoIução do conteúdo ao educando
pode ser expressa em frases pré-estruturadas como:
— Você está me dizendo que...
— Em outras palavras, você...
A resposta ao conteúdo permite ao educador
compreender o educando, ao observar as reaçóes do
educando à sua resposta. O educando, por outro lado,
começa a expiorar a sua própria experiência de modo a
perceber onde está. Quando a resposta do educador não
corresponde exatamente ao conteúdo de sua experiência,
o educando manifestará isso de forma verbal ou não-
verbal. Cabe, então, ao educador ouvir mais e refazer a
sua resposta. Não existem respostas não-válidas. Cada
resposta é um processo de aproximação da verdade do
educando e tem, por isso mesmo, a sua validade.
108 109
Responder aos sentimentos do educando é
percebê-los e expressá-los com clareza. Essa expressão
bilitará ao adolescente em dificuldade conhecer-se
melhor. O autoconhecimento é condição básica para
qualquer mudança construtiva na vida.
A resposta aos sentimentos do educando deve
começar quando o educador percebe que ele já está
pronto para encontrar-se com seus sentimentos.
Responder ao sentimento é a habilidade de captar o que
o educando está sentindo a cada momento da relação e
repassar-lhe essa percepção.
Alguns passos permitem ao educador desenvolver e exercitar
a habilidade de responder aos sentimentos do
10) Identificar a categoria do sentimento.
22) Identificar a intensidade do sentimento.
39) Escolher a "palavra-sentimento" apropriada.
42) Responder ao educando usando o formato:
1 1 1
Categorias de sentimentos
Para efeitos didáticos, os sentimentos podem ser
agrupados em algumas categorias básicas:
alegria;
tristeza;
raiva;
medo;
culpa;
confusão.
A intensidade do sentimento expressa a maneira
como ele se manifesta:
forte;
fraco;
moderado.
A palavra-sentimentoé aquela
expressão que mais se encaixa ao que a pessoa
está sentindo no momento.
Exemplos:
a) um sentimento forte de raiva:
palavra-sentimento: enfurecido;
b) um sentimento moderado de raiva:
palavra-sentimento: irritado;
c) um sentimento fraco de raiva:
palavra-sentimento: aborrecido.
1 13
{2
Responder ao sentimento e ao conteúdo do
educando é comunicar-lhe a compreensão de ele se sente
e do por que ele se sente assim. A resposta de sentimento
ou de conteúdo isoladamente não é capaz de captar o todo
da experiência do educando.
A resposta ao sentimento e ao conteúdo é,
portanto, a mais completa. Ela possibilita fazer a ligação
entre o mu.nd.Q-jn-te.L!IQ e o mundo externo do
adolescente em dificuldade, ou seja:
i. mundo interno: seus sentimentos;
ii. mundo externo: as pessoas, fatos e situações que
desencadeiam seus sentimentos.
Passos para se formular a resposta de sentimento e
conteúdo:
1 Q) Identificar o sentimento.
29) Identificar a razão para o
sentimento. 39) Responder usando o formato:
— Você está se sentindo... porque...
1 15
ou
— Diante de. .. você se sente...
ou
— Quando... acontece, você se sente...
ou
— Você se sente... toda vez que...
Quando o educador não consegue comunicar sua
compreensão, o educando manifestará isso de maneira
verbal ou não-verbal. Cabe ao educador continuar
tentando até acertar. O educando, por meio de suas
respostas, irá corrigindo a rota do educador. Muitas
vezes, é neste processo de correção que ele se depara
com a compreensão do seu verdadeiro sentimento.
1 16
{3
Muitas vezes, a resposta ao conteúdo e ao
sentimento não se mostra capaz de captar a inteira
verdade da experiência de um jovem em dificuldade.
Nessas ocasiões, costuma emergir do fundo da mente do
educador uma imagem simbólica que tem o poder de
comunicar a compreensão do educando num nível muito
maior que as respostas do tipo conteúdo/sentimento.
O surgimento dessa imagem reflete um alto grau
de empatia na relação educador—educando. É como se,
de repente, ele captasse a totalidade da experiência do
educando, passando-a pelo fundo de sua própria
experiência, isto é, de forma visceral. Responder ao
educando com imagens dessa natureza é levá-lo ao
encontro profundo de si mesmo.
A força da imagem está no fato de ela tornar
concreta uma experiência até então ainda não
completamente definida, possibilitando ao educando
visualizá-la em toda sua inteireza.
A resposta de imagem pode ser dada ao educando
de diversas formas:
isoladamente; ii. acompanhada de resposta
de sentimento; iii. acompanhada de resposta
de conteúdo;
117
iv. acompanhada de respostas de conteúdo e sentimento.
Assim, os formatos respectivos seriam:
a resposta de imagem:
— É como se...
resposta de imagem e conteúdo:
Responder ao comportamento do educando é
— Quando................ é como se...repassar-lhe dados elou inferências naqueles momentos
(conteúdo)
em que o educador perceber que isto será benéfico para ele. O comportamento é a expressão do educando
pode assumir de três modos básicos. São eles: — Você se diante resposta de imagem e sentimento:do educador. Ele
sente... como se... i. O educando se expressa corporal e verbalmente; resposta de imagem sentimento e
conteúdo:
ii. O educando não se expressa verbalmente, apenas
— Diante de... você se sente... como se...corporalmente, de maneira estática. É o
chamado silêncio parado;
iii. O educando não se expressa verbalmente, apenas
corporalmente, de maneira dinâmica. É o silêncio
movimentado.
Ao responder o comportamento, o educador comunica
ao educando que suas mensagens não-verbais foram captadas.
Por isso, é muito importante para o educador adquirir e
desenvolver a capacidade de apreender os significados do
silêncio do educando. O silêncio do adolescente em dificuldade
poderá estar ligado basicamente à sua relação consigo mesmo
ou à sua relação com o educador.
118 1 19
Quando o silêncio está ligado à relação do
educando consigo mesmo, pode significar que ele:
não sabe o que fazer no primeiro contato;
está inteiramente voltado para si mesmo;
está deprimido;
está confuso;
está organizando seu pensamento;
está sentindo com muita intensidade;
coloca um limite para a própria entrega (ressaca de
entrega).
Quando o silêncio está ligado à relação do
educando com o educador, pode significar que ele:
está com medo do educador;
se sente envergonhado diante do educador;
está com raiva do educador;
está testando o educador.
O educador poderá lidar com o silêncio do educando:
ficando em silêncio também;
120
respondendo verbalmente ao comportamento do educando.
O importante, neste caso, é que as respostas
tenham a dimensão da imediaticidade, ou seja,
respondam ao que está acontecendo "aqui agora" entre o
educador e o educando. Um tom interrogativo significa
disposição de compreender e aceitar. Expressa também
o reconhecimento por parte do educador de que só o
educando saÊe a verdade sobre si mesmo.
121
{5
Por que as pessoas perguntam?
{6
Ninguém indaga nada à-toa. As motivações que levam as
pessoas a perguntar podem ser agrupadas em quatro tipos básicos:
A pessoa pergunta porque precisa de uma resposta para tomar uma
decisão ou iniciar uma ação. São perguntas objetivas, que visam
obter uma informação e nada mais;
ii. A pessoa pergunta visando manter (iniciar) um contato com a
outra. A resposta não é o mais importante para quem indaga. O
importante é o pretexto para início de uma conversação;
iii. A pessoa pergunta porque quer expressar alguma coisa e não
consegue;
iv. A pessoa quer saber alguma outra coisa e não tem coragem de
perguntar diretamente.
Ao lidar com perguntas do educando, é fundamental ao
educador estar atento à mensagem subjacente. Por baixo de cada
indagação está escondida a verdadeira mensagem ou pedido da
pessoa que pergunta. As palavras objetivas usadas na formulação da
pergunta servem apenas de veículo pelo qual a mensagem real é
transmitida à pessoa que escuta. A ela cabe desvendar essa
mensagem.
123
{7
Assim, responder a perguntas, no contexto de uma
{8
relação de ajuda, implica na exigência de que o educador
adquira e desenvolva algumas habilidades, tais comO:
perceber a mensagem subjacente à pergunta;
comunicar essa percepção ao outro;
responder, se necessário, à parte objetiva da questão
(mensagem aparente).
Quando a pergunta deve vir do educador?
Quando ele não entendeu alguma coisa por não ter
escutado ou por ter escutado e não ter compreendido;
ii. Quando o educando quer mas não consegue se
expressar, por timidez, medo, vergonha. Uma pergunta
pode aliviar a tensão e facilitar a expressão do
educando;
iii. Quando o educando tem dificuldade de explorar seus
sentimentos. As perguntas podem levá-lo a explorar
melhor a própria experiência;
iv. Quando o educando se expressa de maneira abstrata.
O educando, às vezes, se expressa por meio de
divagaçóes e generalidades. O educador deve ajudá-lo'
a tornar-se mais concreto e específico, orientando para
este lado suas perguntas.
124
Não existe ninguém melhor ou pior na relação
de ajuda. O que existe são papéis diferentes a serem
desempenhados. A diferença, portanto, não está na
qualidade das pessoas e, sim, no repertório que elas
desempenham. A genuinidade da parte do educador é
uma forma de quebrar a imagem de superioridade
pessoal do educador em relação ao educando.
Coerência
O educador deve cuidar para que suas
mensagens verbais e não-verbais sejam coerentes
diante do educando. Ele deve transmitir-lhe, com
palavras, aquilo que já lhe transmitiu com o corpo;
Cuidado e empatia
Tão importante quanto ser coerente é ser cuidadoso
com o educando. Nesse sentido, é importante que o
educador saiba discriminar quais sentimentos devem ser
comunicados ao educando e escolhero melhor momento
para fazer isso;
Efetividade
PRÓPRIOS
{9
Antes de expressar seus sentimentos ao
educando, o educador deve perguntar-se:
— Essa comunicação vai ser-lhe útil ou não?
125
{10
— Estou sendo construtivo ou destrutivo?
{11
— Estou sendo efetivo ou inefetivo?
É preciso que 0 educador tenha muita clareza
das razões que o levam a expressar seus sentimentos
ao jovem em dificuldade. Nesse sentido, ele deve
evitar expressar seus sentimentos ao educando quando
perceber que está fazendo isto:
por manipulação: Quer moldar o comportamento
do educando segundo sua vontade; por desabafo:
Quer mudar os papéis e usar os ouvidos do
educando como se fosse ele o seu ajudador.
É importante observar que, numa relação de
ajuda, o ajudador é, antes de mais nada, um modelo
para o ajudado. Isso não se aplica apenas à expressão
de seus
sentimentos, mas a tudo mais.
É procurando colocar-se na posição do
educando (empatia) que o educador pode dimensionar
o que comunicar-lhe ou não comunicar-lhe. Ao
transmitir o que sente ao educando, o educador deve:
identificar, de modo claro, seus sentimentos;
expressá-los ao adolescente por intermédio de um
dos formatos:
— Eu me sinto... quando...
— Eu me sinto... porque...
— Eu me sinto... diante de...
126
Atender e responder são etapas que correspondem
à fase responsiva da relação de ajuda. A personalização e
orientação são as etapas da fase iniciativa.
Pontos importantes a serem enfatizados no
desenvolvimento do processo de ajuda:
As habilidades de atender e responder são as mais
importantes na relação de ajuda. São elas que vão
estabelecer a base de todo o processo;
ii. Com freqüência, quando o ajudador atende e responde
muito bem ao ajudado, não precisa personalizar e
orientar sua experiência, e começa a agir sem
orientação externa;
iii. Isto se torna possível quando as respostas do ajudador
são tão efetivas que levam o ajudado a níveis
profundos de compreensão da sua responsabilidade
em relação a si mesmo;
iv. Quando o ajudado não chega a personalizar para si
mesmo, o ajudador pode fazê-lo, desde que tenha
{12
adquirido esse direito mediante suas habilidades de
atender e responder.
127
{13
A personalização ocorre quando o educando
{14
consegue identificar o seu papel dentro de seu próprio
problema. O educando personaliza-se quando identifica e
assume sua própria parcela de responsabilidade diante da
situação que está vivendo. Personalizar é, portanto, pegar
a vida com as próprias mãos e responder por ela. É
abandonar o papel de vítima e se transformar no autor de
sua própria história.
Personalizando o conteúdo (trocando os pronomes)
Personalizar o conteúdo é dar respostas ADITIVAS
que internalizam cada vez mais os temas da fala do
educando. A essa altura, o educador já se sente capaz de
somar sua percepção à experiência do educando como um
todo, ajudando-o progressivamente a avançar. Duas
questões são fundamentais nesse momento:
— Qual o efeito da situação sobre o educando?
— Como suas vivências o afetam?
Antes, o educador respondia no seguinte formato:
— Você se sente... porque...
Agora, o formato personaliza, implicando
diretamente o educando no centro da questão: — Você se
sente... porque Y.OÇÊ.
129
Personalizando a fala
O passo seguinte é o educando identificar o que
lhe falta, o déficit ou a ausência de alguma coisa de
fundamental para si. Aqui, a questão básica é:
— Como o educando está contribuindo para o seu
problema?
— O que lhe falta e o que o leva a viver o seu
problema?
É nesse momento que o educando assume a
responsabilidade pela própria vida. O mundo deixa de
ser mau para ser apenas o lugar onde ele mesmo se torna
responsável por sua própria experiência.
O formato aqui é de um dos tipos: — Você
se sente... porque VOCÊ não sabe...
— Você se sente... porque VOCÊ não consegue...
— Você se sente... porque VOCÊ não é capaz...
Personalizando o objetivo
Personalizar o objetivo envolve a meta do
ajudado que, em geral, é inversa à falta. A pergunta aqui
é:
— O que o educando pode fazer para resolver o
seu problema?
O formato da resposta agora inclui o sentimento
de falta e o objetivo:
130
— VOCÊ se sente... porque VOCÊ não sabe... e
você gostaria de... (objetivo)
O objetivo é o último elemento do processo cuja
identificação vai possibilitar ao jovem em dificuldade
elaborar seu programa de ação ou determinar a direção
de sua mudança.
A meta lhe diz ONDE QUER CHEGAR.
O como fazer para chegar lá já é o conteúdo da
fase seguinte: a orientação.
131
{9
Nem sempre as mudanças no educando resultam
de orientação do educador. Existem situações específicas
em que a habilidade de orientar é indispensável para que
a ação seja desencadeada e a dificuldade superada. A
decisão última, no entanto, continua do educando: o
educador orienta e ele escolhe seguir ou não a orientação.
Aspectos formais da orientação:
a) O papel do educador é orientar o
adolescente em dificuldade, ou seja, facilitar-lhe a
decisão, elaborar com ele um plano de ação. Nunca o
educador deve decidir pelo educando;
b) Cada pessoa é a maior autoridade em sua
vida. O educando tem o direito de decidir mesmo que a
sua decisão não seja a melhor;
c) Orientar — do ponto de vista formal —
é fornecer ao educando dados que lhe permitam a
obtenção do objetivo que ele mesmo escolheu. Este
objetivo já foi identificado quando o educando
personalizou sua experiência, percebendo o que lhe falta
e estabelecendo a meta a ser alcançada;
d) A análise conjunta dos resultados pelo
educador e educando consiste em novas explorações e
compreensões, suscitando novas açóes rumo a novos
objetivos;
133
e) O fundamental, na fase de orientação, é que o20 educador esteja sempre ao lado do
educando, compartilhando com ele alegrias e fracassos.
A efetividade de um processo de ajuda mede-se pelas
mudanças que ele foi capaz de desencadear no ajudado. E
mudança no sentido positivo e construtivo significa crescimento.
Crescimento físico, emocional, intelectual. Pela exploração, o
educando descobre onde está. Pela compreensão, ele percebe onde
quer chegar. A orientação do educador o ajuda a traçar o caminho
entre esses dois pontos. Chega, então, o momento de agir, de dar
passos concretos na direção da mudança.
A relação de ajuda, enquanto processo formal (no nosso
caso, relação educador—educando) tem princípio, meio e fim. Isto
ocorre quando o educando mostra-se capaz de identificar seus
sentimentos e as razões pelas quais os experimenta. Ele se
compreende e sabe agir segundo essa compreensão.
Por outro lado, enquanto modelo de relacionamento
consigo mesmo e com os outros, as habilidades adquiridas
incorporam-se à pessoa do ajudado e tornam-se uma experiência
que progride e dá seus frutos em cada fase da existência. Nesse
sentido, a relação de ajuda é um processo que tem a duração inteira
da vida de uma pessoa.
134135
I — CARKHUFF, Robert R. O Relacionamento de Ajuda para
Pais, Professores, Psicólogos. CEDERE Editora, 1 ed.
Belo Horizonte, 1979.
2 — LOFFREDI, Laís E. Paradigma de Orientação Educacional. Ed.
Francisco Alves, 3 ed., Rio de Janeiro, 1979.
3 - MIRANDA, Clara F. de & MIRANDA, Márcio L. de.
Construindo a Relação de Ajuda. Ed. Crescer, 5 ed. Belo
Horizonte, 1983.
4 — VOIRIN, Pierre. A Educação de Jovens Difíceis. Ed. Família
2000, 1 ed. Lisboa, 1972.
137
ProfessorAntonio Carlos Gomes da Costa, pedagogo, começou
sua vida de educador lecionando no ensino supletivo e, posteriormente, no
ensino regular de IQ e 20 graus. Em 1982, assumiu a cadeira de pedagogia
terapêutica no CUrso de Psicologia Escolar da FUMEC, em Belo
Horizonte. Como educador, entretanto, sua experiência mais significativa
foi ter dirigido a Escola FEBEM "Barão de Camargos", em Ouro Preto,
junto com sua esposa, Maria José. Aquelesanos de luta e trabalho foram
a base de toda sua atividade social e educativa até os dias de hoje.
Como dirigente técnico, na área das políticas públicas para a
infância e juventude, sua trajetória permitiu-lhe acumular uma
considerável vivência nesse campo. Foi Secretário de Administração em
Ouro Preto, Presidente da FEBEM—MG, Oficial de Projetos do UNICEF,
Diretor Executivo e Presidente do CBIA (Centro Brasileiro para Infância
e Adolescência). Exerce as funções de conselheiro nas Fundações:
ABRINQ, FNLIJ, ANDI, e FUNJOBI e Instituto Ayrton Senna.
Atualmente, é Diretor-Presidente da MODUS FACIENDI, sua empresa de
consultoria, atuando ainda como consultor independente do UNICEF e da
OIT.
No plano internacional, representou o Brasil no Conselho
Interamericano da Criança, organismo da OEA que funciona em
Montevidéu. Atuou também como membro eleito a título pessoal (perito)
no Comitê dos Direitos da Criança, na ONU, em Genebra.
Autor de vários livros e artigos sobre o atendimento, a promoção
e a defesa dos direitos da população infanto-juvenil, publicados no Brasil
e no exterior, considera sua maior realização, enquanto cidadão e
educador, terparticipado do grupo de redação do Estatuto da Criança e do
Adolescente, assim como da atuação política pela sua aprovação no
Congresso Nacional e posterior sanção pelo Presidente da República.
139
Organizações às quais tem prestado serviços: Prefeituras, Secretarias de Estado, UNICEF, OIT e outras entidades
governamentais e nao-governamentais, como as Fundações Odebrecht, Maurício Sirotsky Sobrinho, PREAL/GetúIio Vargas,
Acesita, KeIlogg, Vitae e o Instituto Ayrton Senna.
Atuando como consultor externo do UNICEF, realizou missões de consultoria nos seguintes países: Argentina,
Bolívia, Colômbia, Chile, El Salvador, Guatemala, Honduras e Peru, apoiando tecnicamente processos de adequação de
diversas legislações nacionais à Convenção Internacional do Direito da Criança e de melhoria das ações de atenção direta.
140
Impresso nas Oficinas Gr"ficas da
Editora O Lutador praça
Padre Júlio Maria, 01
Telefax: (031) 441-3622 - CEP: 31740-240
Bairro Planalto — Belo Horizonte - MG