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"' o ·-""' 'ta o ~ ..., o ""' a.. ""' o e. "' ta "'C ·-N :J "'C o ""' a.. "' ta ui e cu o o Toxoplasmose Sergio G. Coutinho e Tânia Regina Constant Vergara ...,. Introdução O Toxoplasma gondii, agente causal da toxoplasmose, é um protozoário parasito intracelular do filo Apicomplexa, ordem Eucoccidia, capaz de infectar tanto mamíferos como aves, inclusive o homem. Quando transmitido congenitamente pode trazer graves danos, principalmente neurológicos, ao embrião ou ao feto, e também oculares, neste último. Se adquirido após o nascimento origina, na grande maioria das vezes, infecção inaparente ou de curso benigno em indivíduos imunocompe tentes. Pode tornar-se um importante problema nos imuno comprometidos, em virtude das graves lesões que pode causar principalmente no sistema nervoso central (SNC). Tem larga distribuição geográfica, ocorrendo tanto em países desenvol vidos como em desenvolvimento, constituindo um importante problema médico e veterinário. O parasito foi descrito por Nicolle e Manceau, em 1909, ao encontrarem um roedor ( Ctenodactylus gondii) infectado, e, quase simultaneamente, por Splendore, no Brasil, a partir de coelhos mantidos em laboratório. Daí em diante várias outras descrições ocorreram, com isolamentos a partir de tecidos de diferentes animais, criando-se novas espécies dentro do gênero Toxoplasma. Posteriormente, verificou-se que todas elas referiam-se a uma única espécie, o Toxoplasma gondii. Casos da doença humana passaram a ser descritos: Janku, em 1923, observou lesões oculares em um paciente, e Wolf e Cowen, em 1937, relataram casos de crianças em que, prova velmente, a transmissão congênita havia ocorrido. No Brasil, importantes contribuições ao conhecimento foram realizadas, principalmente por Torres, em 1927, quando fez as primeiras descrições anatomopatológicas da doença, e por Delascio, em 1956, com detalhadas informações sobre a forma congênita. Com o desenvolvimento do teste sorológico do corante por Sabin e Feldman, em 1948, foi possível associar as várias apre sentações clínicas da doença à etiologia por T. gondii. ...,. O ciclo biológico O ciclo biológico do parasito apresenta uma fase sexuada, game togônica, descrita há relativamente pouco tempo (Frenkel et al., 1970; Hutchinson et al., 1971; além de outros), que ocorre exclu sivamente nas células epiteliais do intestino do gato e de outros felinos, principalmente os mais jovens. Após uma série de divisões múltiplas assexuadas (esquizogonia) inicia-se o ciclo sexuado, levando à formação de microgametas que fertilizam os macro gametas originando oocistos, sendo estes liberados no lúmen do intestino e assim eliminados nas fezes do felino infectado. Os oocistos (10 X 12 m) têm forma arredondada, sendo encontrados aos milhares, ainda imaturos (Figura 70. lA), nas fezes de gatos, durante a fase aguda da infecção, que dura em geral de 1a3 semanas. Após cerca de 4 dias no solo tornam-se maduros, por um processo chamado esporogonia, passando a conter dois esporocistos, cada um deles com quatro esporozoí tos (Figura 70.lB). Oocistos maduros são infectantes quando ingeridos tanto pelo próprio gato como por outros animais, inclusive o homem. Constituem importante forma de transmis são da toxoplasmose, principalmente para animais herbívoros, roedores, aves e grupos humanos vegetarianos, ao ingerirem alimentos provenientes de solo contaminado com fezes de gato. Animais carnívoros e onívoros também podem se infectar oral mente por oocistos, por meio de água contaminada ou alimen tos em contato com o solo, em locais onde circulam gatos. Os oocistos ingeridos liberam esporozoítas, que penetram nas células da mucosa intestinal, passando a seguir para um outro estágio, o de taquizoítas. Inicia-se assim o ciclo assexu ado do parasito, levando a uma infecção sistêmica, em que ocorre o parasitismo em vários tecidos do hospedeiro. Os taquizoítas (2 a 4 X 5 a 8 m) têm forma alongada em crescente ou ovalada. Multiplicam-se por um tipo particular de divisão binária (endodiogenia), em vacúolos citoplasmáti cos de todos os tipos de células do hospedeiro, exceto as hemá cias. Quando um indivíduo é infectado pela primeira vez, não tendo ainda imunidade adquirida por infecção anterior, o parasito não encontra resistência específica do hospedeiro, podendo ter uma fase de multiplicação rápida em suas célu las, terminando por destruí-las. A seguir penetra em outras • 1 • , ~\ . - .. --- ~ t ~~ 1 a Figura 70.1 Toxoplasma gondii. A. Oocisto não esporulado recente mente eliminado em fezes de gato. B. Oocisto contendo dois esporo cistos, cada um com quatro esporozoítas, 4 dias após ter sido eliminado em fezes de gato. C. Cisto não corado em cérebro de camundongo. células, expandindo o parasitismo por via hematogênica, ori ginando a chamada fase aguda da infecção pelo T. gondii. Esta fase aguda ocorre, na maioria das vezes, de forma inaparente no hospedeiro humano imunocompetente, originando a toxo plasmose infecção. Menos frequentemente, pode originar a toxoplasmose doença, com sintomatologia em geral benigna. Vários tecidos podem estar infectados, incluindo muscular estriado e cardíaco, linfático, SNC, ocular e placentário. Com o surgimento da resposta imune adaptativa do hospe deiro, 2 a 3 semanas após a primoinfecção, a fase de multiplica ção rápida do parasito vai se extinguindo e, consequentemente, a fase aguda da infecção. O parasito passa a se multiplicar mais lentamente, passando para outro estágio, o bradizoíta. Os bradizoítas têm morfologia similar à dos taquizoítas, diferindo quanto às moléculas estágio-específicas em sua membrana, enzimas e proteínas de choque térmico. Outra diferença fundamental é a resistência dos bradizoítas à diges tão por ácido-pepsina (Lyon et al., 2002). Na célula parasi tada, eles se dividem lentamente em vacúolos citoplasmáticos, levando à perda completa da estrutura da célula do hospedeiro, originando cistos de paredes nítidas, contendo milhares de bradizoítas. O aparecimento dos cistos está relacionado com o estabelecimento de uma resposta imune efetiva, mas que não age sobre os bradizoítas no interior dos cistos (Figura 68.lC). Os cistos (20 a 200 m) têm longevidade mal determinada, podendo eventualmente se romper, liberando bradizoítas, que nos indivíduos imunocompetentes são imediatamente destruídos pela resposta imune adaptativa, impedindo nova disseminação do parasito. Acredita-se, entretanto, que os cis tos possam se reestruturar sob a pressão da resposta imune, representando formas parasitárias dinâmicas, que mantêm o indivíduo, provavelmente para sempre, parasitado após a pri moinfecção, mas protegido contra reinfecções ou reagudiza ções, em virtude da resposta imune adaptativa que a presença dos cistos continua estimulando. Este período é chamado fase latente ou crônica da toxoplasmose, uma vez que os indivíduos estão inteiramente saudáveis, mas tendo cistos contendo para sitos viáveis em vários tecidos, principalmente no muscular estriado e cardíaco e no SNC. Assim sendo, após a primoin fecção seguida da fase latente, o indivíduo imunocompetente estará protegido contra reagudizações ou novas infecções. Nos indivíduos imunocomprometidos a eventual ruptura de um cisto libera bradizoítas que, livres de uma resposta imune competente, podem se transformar novamente em taquizoítas, gerando reagudização do processo. Os cistos representam uma importante forma de transmis são do parasito para animais carnívoros e onívoros, inclusive o homem, quando eles se alimentam de carne de animal que já tivesse sido infectado anteriormente, estando, portanto, na fase latente da infecção, albergando cistos do parasito em seus tecidos. Estas formas, quando ingeridas, liberam bradizoítas no lúmen intestinal, que resistem às enzimas digestivas. Após penetrarem na mucosa, originam taquizoítas intracelulares e infecção aguda disseminada noshospedeiros não imunes (Barragan e Sibley, 2002). Por outro lado, gatos e outros felinos, quando se infec tam pela primeira vez, seja por oocistos presentes no solo, seja por cistos contidos na carne ingerida, são capazes de desenvolver, concomitantemente, tanto o ciclo sexuado ter minando pela eliminação de oocistos nas fezes como o ciclo assexuado, levando a uma fase aguda e posteriormente à fase latente, com formação de cistos nos tecidos. Estes animais são os únicos que podem desenvolver tanto o ciclo sexuado como Capítulo 70 1 Toxoplasmose 869 o assexuado do parasito. Todos os outros animais hospedeiros somente desenvolvem o ciclo assexuado, seja quando infec tados por oocistos provenientes das fezes de gatos, seja por cistos mediante carnivorismo. O T. gondii representa um raro exemplo de parasito cujo ciclo assexuado pode continuar por carnivorismo, independentemente do ciclo sexuado. Se os oocistos e cistos estão associados à transmissão da toxoplasmose após o nascimento, os taquizoítas são os res ponsáveis pelos casos de transmissão congênita. Este fato pode ocorrer quando a gestante, em qualquer fase da gravidez, ou mesmo algumas semanas antes do seu início, adquire a parasi tose pela primeira vez, apresentando infecção aguda. Taquizoí tas, presentes inclusive no sangue, podem originar transmissão intrauterina, levando a maiores ou menores danos ao embrião ou ao feto (Figura 70.2). Em termos de ultraestrutura do parasito, tanto taquizoí tas como bradizoítas e esporozoítos apresentam um complexo apical típico do filo Apicomplexa, constituído por conoide, róptrias e micronemas, importantes no mecanismo de pene tração do parasito nas células do hospedeiro (Figura 70.3). • Cepas de T. gondii Análises isoenzimáticas e genéticas de inúmeros isolados do parasito verificaram a existência de pelo menos três linhagens clonais, denominadas 1, II e Ili, que diferem quanto ao genótipo SAG2, assim como quanto a virulência e locais de ocorrência (Dardé et al., 1992; Sibley e Boothroyd, 1992; Howe e Sibley, 1995; Howe et al., 1997). Todas as três cepas têm ampla distri buição geográfica e podem infectar diferentes espécies animais, inclusive o homem. Enquanto na América do Norte e Europa a linhagem clonal Tipo II é altamente predominante, no Brasil tal linhagem não tem sido em geral identificada, sendo mais comuns as dos Tipos 1 e III. Grande parte das cepas aqui isoladas é do Tipo 1 ou tem genótipos mistos (I/111), a patogenicidade é em geral elevada em humanos e têm sido identificadas em casos graves de toxoplasmose ocular (Vallochi et al., 2005). No Brasil, o estudo de 25 isolados de T. gondii, a partir de galinhas assintomáticas provenientes de áreas rurais em torno da cidade de São Paulo, mostrou predominância da linhagem 1, mas também da III em menor frequência (Dubey et al., 2002b). ...,. Epidemiologia A toxoplasmose em sua forma latente (crônica) tem ampla distribuição mundial, como tem sido demonstrado por vários inquéritos sorológicos entre populações humanas e de outros animais. As menores prevalências têm sido encontradas em regiões muito frias ou muito áridas, onde a baixa densidade de felinos, aliada à menor sobrevida dos oocistos no solo, diminui os índices de parasitismo de herbívoros, roedores e pássaros, e, consequentemente, dos carnívoros que deles se alimentam. Inquérito sorológico entre animais mostrou 26,3% de gatos com anticorpos para T. gondii em São Paulo (Silva et al., 2002), índice este similar aos encontrados em regiões dos EUA (Dubey et al., 2002c). Gatos têm grande importância na epidemiologia da toxoplasmose, principalmente os mais jovens, porque, quando infectados pela primeira vez, eliminam milhões de oocistos, que persistem viáveis no solo por cerca de 1 ano ou mais, na dependência das condições de umidade e temperatura (Frenkel et al., 1975). Oocistos têm sido inclusive isolados do solo, em áreas de ocorrência da doença (Ruiz et al., 1973; Coutinho et al., 870 Parte 2 1 Parte Específica Hospedeiros intermediários albergando cistos de T gondíí nos tecidos (bradizoftas), multiplicação assexuada Cisto nos tecidos (fase latente) Hospedeiros definitivos: gatos e outros felinos Oocisto: muttiplicação sexuada no intestino J Cisto: multiplicação assexuada em tecidos f (fase latente) Fezes de gato à Oocisto ® . . . contato com o solo - via oral ~'t:;:;{;I Oocisto esporulado após 4 a 6 dias em solo contaminado por fezes de gato contato com o solo • via oral .· . o . • transmissão tr11nsplacentária (congénita) duran te a fase aguda da infecção - t11q11izort a.<1 •• . . o • " Cisto nos tecidos (fase latente) Figura 70.2 Principais formas de transmissão do Toxoplasma gondii. Oocistos são eliminados em fezes de gatos e outros felinos, sendo infec tantes para numerosas espécies de animais, inclusive o homem e o próprio gato. Cistos presentes nos tecidos são infectantes para animais carnívoros, incluindo o gato e também o homem. O gato é o hospedeiro definitivo por albergar a fase sexuada do ciclo, na mucosa de seu intestino, mas também é suscetível à fase assexuada, tendo cistos em seus tecidos. Transmissão transplacentária pode ocorrer durante a fase aguda da infecção por intermédio de taquizoítas. Aparelho de Golgi Conoide Grânulos _.-1,M densos Núcleo -- \ \ \ M't • d. _,..,.,..-- 1ocon na / Figura 70.3 Esquema mostrando a u ltraestrutura do taquizoít a de Toxop/asma gondii. O complexo a pica i é importante na penetração na célula do hospedeiro. 1982). Entre cães, a proporção de soropositivos encontrada por Coutinho et al. (1968) foi de 79% no Rio de Janeiro e por Salata et al. (1985) de 64% em Botucatu. Por outro lado, animais cuja carne é habitualmente consumida pelo homem também são importantes na epidemiologia da toxoplasmose, pois ao se con taminarem com oocistos presentes no solo, passam a apresentar cistos em seus tecidos. A carne consumida pelo homem, princi palmente se houver preferência por mal cozida ou crua, repre senta importante fonte de infecção. No Brasil, como em outros países, porcentagens variáveis de animais soropositivos para T. gondii são encontradas em rebanhos de bovinos, suínos, ovinos e caprinos, assim como em criações de galinhas. Como exem plo, Minardi et al. (2003) encontraram 14,5% de caprinos soro positivos em São Paulo. Nos EUA, a soroprevalência de infecção pelo T. gondii em suínos, cuja carne é vendida nos mercados das cidades, é muito baixa, chegando a 0,58%, enquanto em peque nas fazendas as prevalências podem atingir 93% (Dubey et al., 2002a). A proximidade de gatos e o tipo de alimentação devem explicar estas diferenças. Surtos epidêmicos de toxoplasmose têm sido relatados com certa frequência em várias regiões do mundo, sempre relacio nados com a presença de gatos (Teutsch et al., 1979; Stagno et al., 1980) ou ingestão de carne mal cozida (Kean et al., 1969), ou provavelmente à combinação de ambos os fatores (Magaldi et al., 1967; Coutinho et al., 1982). Surtos associa dos à água para beber em algumas municipalidades também têm sido relatados (Bowie et al., 1997). No Brasil, áreas de alta endemicidade têm sido descritas, uma delas na região de Erechim no Rio Grande do Sul, onde o manuseio da carne crua para a confecção de linguiça e similares tem sido respon sabilizado pela elevada prevalência da doença, incluindo casos de retinocoroidites (Glasner et al., 1992). A presença de gatos e roedores em cerca de 90% das propriedades de criação de suí nos nesta região (Araújo et al., 2000) parece ter importância nos elevados índices da doença. Outra área de maior ende micidade encontra-se no norte do estado de Rio de Janeiro, onde a água oferecida à população, provavelmente poluída por fezes de gato, vem sendo incriminada como fonte de infecção (Bahia-Oliveira, 2003). Populações humanas em centros urbanos de países desen volvidos, ou em desenvolvimento,apresentam índices de infec ção que variam entre 20 e 80% entre adultos. Walton (1971) estima que a prevalência na América Latina de indivíduos com anticorpos para T. gondii situa-se entre 50 e 70%. Nos EUA a prevalência de soropositivos é em geral mais baixa, enquanto na França as taxas são similares às encontradas na América Latina, provavelmente pelo hábito dos franceses de consumir carne crua ou mal cozida. Inquéritos sorológicos, realizados nas cidades de Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro, demonstraram pro porções de soropositivos para T. gondii de 50,3, 54,8 e 78,7% respectivamente (Araujo, 1970; Camargo et al., 1976; Coutinho et al., 1981). Estes índices de infecção estão relacionados tanto à ingestão de carne crua ou mal passada, já que os cistos resistem a temperaturas de cocção de até 60ºC, ao congelamento (para a conservação dos alimentos), como à presença de gatos conta minando domicílios e logradouros públicos com suas fezes. Em áreas com características rurais tais índices podem ser mais ele vados, havendo relatos que associam a transmissão da infecção à maior presença de gatos nestas áreas, sem descartar a importân cia da ingestão de carne mal cozida (Frenkel e Ruiz, 1981; Souza et al., 1987). Inquéritos entre tribos indígenas no Brasil mostram elevadas prevalências da infecção pelo T. gondii (Baruzzi, 1970; Amendoeira et al., 2003), evidenciando a ocorrência do parasito Capítulo 70 1 Toxoplasmose 871 entre animais no ambiente silvestre, com a provável importante participação de felinos selvagens, eliminando oocistos. Em crianças, as proporções de soropositivos para T. gondii crescem com a idade, atingindo os patamares dos adultos no final da puberdade, sugerindo que elas são precocemente infectadas (Frenkel e Ruiz, 1981). Resultados semelhantes foram encon trados no Rio de Janeiro, indicando que a primoinfecção pelo T. gondii é adquirida com maior frequência na primeira década da vida, quando foram demonstrados títulos de anticorpos mais ele vados contra antígenos do parasito, sugerindo infecção recente (Figura 70.4). Este dado não é surpreendente, uma vez que é nesta fase da vida que as crianças passam a ter maior exposição ao ambiente externo, alimentando-se com carne e tendo contato com terra. Entretanto, é possível que, ao menos entre crianças, uma única exposição ao parasito não seja suficiente para o desen volvimento de uma imunidade protetora e sustentada para o resto da vida (Frenkel e Ruiz, 1980), havendo necessidade de outros episódios de exposição, que teriam então um efeito de reforço da resposta imune. Nesse sentido, existe relato de crianças imuno competentes, em que a resposta imune após a primeira infecção não foi aparentemente suficiente para protegê-las contra infecção subsequente (Coutinho et al., 1982). Outras possibilidades que explicariam a ocorrência de infecções múltiplas estariam relacio nadas com a existência de cepas de T. gondii de maior virulência, ou formas de contaminação diferentes, por cistos ou oocistos, influindo na resposta imune. De qualquer forma, a grande maio ria dos adultos, inclusive gestantes, encontra-se protegida contra reinfecções, em virtude da imunidade induzida em exposições anteriores ao parasito. Desta forma, caso viessem a se contaminar novamente não resultaria em doença e muito menos em trans missão congênita (Montoya e Liesenfeld, 2004). Trabalho recente (Aspinall et al., 2003) evidencia que pacien tes de toxoplasmose podem ter sofrido múltiplas infecções, já que cerca de um terço de 32 pacientes submetidos à genotipagem para SAG2 apresentavam infecção concomitante pelas linhagens 1 e II. Os possíveis mecanismos que levariam a estas infecções mistas incluem contaminações subsequentes por T. gondii de linhagens diferentes, principalmente em indivíduos imunocomprometidos. Outra possibilidade seria a ocorrência de mais de uma infecção 5 10 15 20 Grupos etários Figura 70.4 Anticorpos lgG para Toxoplasma gondii pela imunofluores cência indireta no soro de 280 pacientes que procuraram ambulatório por diversas causas não relacionadas com a toxoplasmose. Curvas mos trando: +, porcentagens de indivíduos soroposit ivos (reagentes) em diluições do soro acima de 1 :16; e •, porcentagens de soropositivos (reagentes) em diluições iguais ou superiores a 1 :4.096 (níveis elevados), de acordo com os grupos etários. 872 Parte 2 1 Parte Específica adquirida em dias próximos, por indivíduos imunocompetentes, com parasitos de linhagens diferentes, por meio de oocistos no meio ambiente e/ ou cistos em carne mal cozida. Assim sendo, em ambientes frequentados por gatos é grande a possibilidade de o solo estar contaminado por oocistos de diversas procedências, possibilitando ao homem adquirir em sua primoinfecção mais de uma linhagem do parasito concomitantemente. Por outro lado, animais infectados dessa mesma forma podem albergar cistos de procedências diferentes, originando no homem primoinfecções mistas, caso sua carne fosse consumida. A forma de transmissão congênita pode originar tanto casos graves como inaparentes, ocorrendo quando a gestante adquire a primoinfecção durante a gestação, ou mesmo poucas sema nas antes de engravidar, quando ainda no curso da fase aguda da infecção. Nestes casos, taquizoítas atingem a circulação fetal após infectarem a placenta por via hematogênica. Entretanto, mesmo na vigência da fase aguda durante a gestação pode haver ou não transmissão materno-fetal, sendo variável a frequência de sua ocorrência, na dependência do período da gravidez em que a gestante se contaminou. Conhecer este momento em que está havendo parasitemia, em virtude de uma fase aguda quase sem pre subclínica na gestante, é fundamental para se avaliar primeiro o risco de transmissão ao feto e a seguir o risco de dano fetal grave. Os testes sorológicos representam a principal ferramenta para se avaliar tais situações. Várias publicações (Hohlfeld et al., 1994; Dunn et al., 1999) têm demonstrado que o risco de trans missão fetal é menor nas primeiras semanas da gravidez, aumen tando com a idade gestacional, atingindo o máximo no último trimestre, quando pode chegar a cerca de 60%. Inversamente, o risco de maior dano fetal ocorre no primeiro e segundo trimes tres, levando em geral à morte do embrião ou do feto e aborto espontâneo, enquanto a transmissão no terceiro trimestre leva frequentemente a formas subclínicas neonatais. Neste último caso é menor a possibilidade de sequelas graves. Assim sendo, a grande maioria dos casos de recém-natos com toxoplasmose con gênita apresenta a forma subclínica, sendo fundamental que seja diagnosticada e imediatamente tratada, para que não continue a evoluir de maneira inaparente, causando futuramente retinoco roidite e retardo no desenvolvimento (Wilson et al., 1980). Por outro lado, gestantes na fase latente da infecção, já tendo tido a primoinfecção na infância ou muitos meses antes de engravidar, não apresentam risco de transmissão materno fetal, já que estão imunologicamente protegidas contra a fase aguda. A exceção seriam gestantes imunocomprometidas, seja pelo HIV ou outras causas. As taxas de toxoplasmose congênita nos EUA e na Europa variam de 0,1 a 2 nascimentos por 1.000 (Alford et al., 1974; Stray-Pedersen, 1980; Lebech et al., 1999). O risco de trans missão congênita na França tem sido maior, estimado em 10 entre 1.000 gestações (Desmonts e Couvreur, 1974), enquanto no Rio de Janeiro foram encontrados 4 casos de transmissão congênita entre 1.034 nascidos vivos (Coutinho et al., 1983). Transmissão pós-natal durante a fase aguda, por aleitamento materno, deve ser excepcional. ~ Ação patogênica e resposta imune do hospedeiro Fatores relacionados com a virulência do parasito (Su et al., 2002) e à resistência do hospedeiro (Suzuki, 2002) influenciam o curso da infecção. Taquizoítas penetram ativamente ou são fagocitados por células do hospedeiro, multiplicando-seem vacúolos parasitóforos, onde impedem a fusão de lisossomos, conseguindo assim sobreviver e destruir a célula parasitada durante a fase aguda. Em poucos dias vai surgindo a resposta imune adaptativa do hospedeiro, que em cerca de 2 semanas atinge sua maior eficácia, tornando-se duradoura daí em diante. A principal resposta imune celular é do tipo Thl, havendo libe ração de citocinas, entre elas interferona gama ( Gazzinelli et al., 1991) e fator de necrose tum oral alfa, capazes de ativar macrófa gos para a destruição do parasito, limitando assim a fase aguda e as alterações patológicas (Denkers e Gazzinelli, 1998). Células dendríticas têm importante papel na resposta imune celular, por serem eficazes apresentadoras de antígenos parasitários, além de produzirem interleucina-12, importante para induzir à resposta Thl e estimular linfócitos T dos subtipos CD4+ e CDS+, especí ficos anti-T. gondii (Fischer et al., 2000; Gazzinelli et al., 1992 ). Estas células podem ainda apresentar nítida atividade citotóxica específica contra células parasitadas, contribuindo para a con tenção do parasitismo (Montoya et al., 1996). Linfócitos B devem ter um importante papel, já que são capazes de prevenir a encefalite toxoplasma em camundongos, mediante a produção de anticorpos específicos (Suzuki, 2002). No soro dos indivíduos infectados são detectados anticorpos das classes IgM, logo nos quatro a seis primeiros dias pós-infecção, surgindo em cerca de 2 semanas anticorpos IgG, IgA e IgE. Anticorpos IgA produzidos na mucosa intestinal devem ter algum papel na pro teção contra novas infecções VO (Chardes et al., 1990). Cistos nos tecidos não têm maior importância na patogenia da toxoplasmose, já que no caso de se romperem, originarão reação inflamatória localizada, e os bradizoítos porventura libe rados serão rapidamente destruídos pela resposta imune do hospedeiro. Uma exceção seria no caso de o cisto rompido estar localizado na retina, onde pequena reação inflamatória pode ter repercussão sobre a visão. Outra exceção seria a eventual rup tura de um cisto em indivíduo imunocomprometido, acarre tando reagudização da toxoplasmose, como já mencionado. ~Patologia A patologia mais conhecida da toxoplasmose pós-natal nos indivíduos imunocompetentes é a linfadenopatia, que tem sido estudada por meio de material obtido por biopsia gan glionar. São encontrados aspectos sugestivos da etiologia por T. gondii, como hiperplasia folicular, assim como grumos irre gulares de histiócitos infiltrando e ultrapassando as margens dos centros germinativos, tornando-as imprecisas (Dorfman e Remington, 1973). Granulomas, células gigantes ou focos de necrose não são normalmente visualizados. Taquizoítas são raramente detectáveis, também não sendo frequente a eviden ciação de fragmentos de DNA do parasito pela reação de poli merase em cadeia (PCR) em material ganglionar examinado (Weiss et al., 1992). Raramente a toxoplasmose aguda pós natal pode agravar-se, apresentando quadros de miocardite ou polimiosite, entre outros (Montoya et ai., 1997). A principal lesão ocular no paciente imunocompetente é a retinocoroidite, havendo importante reação inflamatória e focos de necrose, seguida de infiltrado granulomatoso na coroide. A uveíte posterior, causada pelo T. gondii, pode eventualmente estender-se, ocasionando uveíte anterior concomitante. A partir de material de necropsia, têm sido estudadas as gra ves sequelas da toxoplasmose congênita encontradas no SNC de recém-natos, assim como as lesões de fase aguda da toxoplasmose Figura 70.5 Cistos em formação no tecido pulmonar em caso de toxoplasmose congênita (original da Dra. Aparecida Garcia, Instituto Fernandes Figueira - Fiocruz, RJ). no SNC, em pacientes imunocomprometidos, principalmente em virtude da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). No primeiro caso vasculites e lesões necróticas são encontradas junto ao aqueduto de Sylvius e ventrículos cerebrais. Taquizoí tas ou cistos são visualizados junto às áreas de necrose ou de reação inflamatória no tecido cerebral. Hidrocefalia e dilatações ventriculares são causadas por obstruções à passagem do liquor cefalorraquidiano pelo aqueduto de Sylvius ou pelo forame de Monro. Áreas de necrose podem, a seguir, calcificar-se, origi nando imagens radiográficas características, embora não patog nomônicas de toxoplasmose. A encefalite por T. gondii em pacientes com AIDS é carac terizada pela presença frequente de abscessos cerebrais, onde intenso infiltrado inflamatório contendo taquizoítas em focos de necrose circunda uma área central não vascularizada (Conley et al., 1981). A encefalite por Toxoplasma com envol vimento difuso do tecido cerebral é um frequente achado de necropsia em pacientes com AIDS. A toxoplasmose pulmonar, como recentemente revisto por Pomeroy e Filice (1992), pode apresentar-se como uma pneu monite intersticial ou necrosante, podendo ser encontrados cistos ou taquizoítas no parênquima (Figura 70.5). Outros achados de necropsia em pacientes com AIDS são miocardi tes, miosites e gastrenterites, além de envolvimento do fígado, pâncreas e outras vísceras. ~Formas clínicas Como já entendido, o termo toxoplamose se refere à doença com seus aspectos clínicos e patológicos, enquanto infecção pelo T. gondii refere-se à primoinfecção assintomática ou à persis tência de cistos do parasito nos tecidos de pessoas sadias. Neste último caso é denominanda infecção crônica ou latente. Na dependência do momento da transmissão, se após o nas cimento "toxoplasmose pós-natal", ou ainda em vida intraute rina "toxoplasmose congênitâ: a doença apresenta aspectos clínicos bem diferentes. • Toxoplasmose aguda pós-natal no paciente imunocompetente No Brasil, a primoinfecção, na maioria das vezes, ocorre na primeira década da vida, sendo assintomática nos indiví- Capítulo 70 1 Toxoplasmose 873 duos imunocompetentes em 80 a 90% dos casos (Remington, 1974). Quando a fase aguda da toxoplasmose pós-natal apre senta repercussões clínicas, a forma de apresentação mais fre quente é a febril, com ou sem linfadenopatias. Nestes casos, a febre costuma não ser elevada e o estado geral do paciente se mantém conservado, podendo haver sensação de fadiga e desânimo. Tem duração de 1 a 2 semanas, às vezes estenden do-se um pouco mais. No hemograma aparece linfocitose com mononucleares atípicos, assemelhando-se à mononucleose. O aparecimento de linfadenopatias ocorre com maior frequência nas cadeias cervicais e occipitais, estando os gânglios aumen tados de volume, com diâmetro em geral não maior que 3 cm, tendo consistência firme, sem tendência à supuração (McCabe et al., 1987). O diagnóstico diferencial com linfomas e doença de Hodgkin se impõe, sendo a histopatologia, a partir de biop sia ganglionar, a PCR e os testes sorológicos para toxoplasmose bastante úteis para o esclarecimento. A doença é em geral autolimitada, com duração de pou cas semanas a 2 meses, estando a cura clínica relacionada com uma resposta imune apropriada. Em alguns casos gânglios lin fáticos podem permanecer aumentados por 6 a 12 meses. A ocorrência de doença grave no adulto imunocompetente é rara, mas têm sido relatados casos de febre acompanhada de rash cutâneo, queda do estado geral, hepatoesplenomegalia discreta, podendo ainda surgir pneumonite, miocardite, ence falite, de prognóstico reservado neste último caso. Após a cura clínica ou o término de uma fase aguda subclí nica (toxoplasmose infecção), inicia-se a fase latente (crônica) assintomática, associada a importante imunidade protetora contra novas infecções ou reagudizações. As exceções, como já referido, seriam a toxoplasmose ocular, que pode surgir mesmo em imunocompetentes, e episódios de reagudizações em indivíduos imunocomprometidos. • Toxoplasmose ocular A retinocoroidite é a lesão mais frequente da toxoplasmose ocular, sendo que nos EUA e na Europa estima-se quecerca de 35% das retinocoroidites sejam causadas pelo T. gondii. Portela et al. (2004) mostraram que em uma população rural de Minas Gerais, 12,5% dos indivíduos infectados pelo T. gondii (sororre agentes) desenvolveram lesões oculares, sendo a maioria deles com idade superior a 50 anos. No Rio de Janeiro, Neves et al. (2009) encontraram 10,8% de retinocoroidite entre 37 pacien tes com toxoplasmose aguda adquirida. Resultados semelhantes têm sido encontrados em outras regiões, tanto na Europa como nos EUA. A transmissão congênita é responsável pela grande mai?ria dos casos, embora os primeiros sintomas de compro metimento ocular apareçam em geral mais tardiamente. Bosch Driessen et al. (2002), em estudo retrospectivo, referem que, na Holanda, a idade média da primeira consulta ao oftalmologista foi aos 29,5 anos. Acredita-se que cistos do parasito localizados na retina e originários de uma infecção congênita possam vir a se romper muitos anos depois, na vida adulta, levando a uma rea ção inflamatória e dano ocular, sem causar maiores repercussões sistêmicas. Outras vezes, uma toxoplasmose ocular quiescente pode ser descoberta acidentalmente ou quando uma criança nota dificuldade de visão, em virtude de uma lesão macular ocorrida no período perinatal. A toxoplasmose aguda pós-natal pode também originar retinocoroidite, surgindo na vigência ou logo após a ocorrência da fase aguda. No primeiro caso, esta ria possivelmente relacionada com a presença de taquizoítas na retina e, no segundo, pela ruptura de cistos que foram aí for- 87 4 Parte 2 1 Parte Específica mados ao final da fase aguda. Prevalências mais elevadas de retinocoroidite têm sido encontradas em determinadas regiões geográficas, como é o caso de Erechim (RS), onde cerca de 95% da população é sororreagente para T. gondii, devido a condições epidemiológicas particulares que favorecem sua maior trans missão (Glasner et al., 1992). O genótipo de cepas de T. gondii isoladas em São Paulo e em Erechim tem sido altamente atípico, em comparação aos clássicos Tipos 1, li, III (Khan et al., 2006). Casos de retinocoroidite também têm sido descritos durante surtos epidêmicos de toxoplasmose aguda (Masur et al., 1978) não relacionados com a transmissão congênita. Pacientes imu nocomprometidos pelo HIV ou por outras causas podem apre sentar retinocoroidite, por ruptura de cistos preexistentes na retina ou na vigência da fase aguda da toxoplasmose. O diagnóstico clínico é baseado na presença de lesão reti niana focal ativa, branco-amarelada, sugerindo área de necrose, com margens pouco distintas, eventualmente associada a áreas de cicatrizes de lesões agudas anteriores de aspecto hiperpig mentado (Figura 70.6). Uma retinocoroidite primária difere dos casos de episódios de recorrência, pela presença, nestes últimos, de lesões antigas cicatrizadas, ao lado das lesões ati vas. As recorrências levam a lesões progressivas, comprome timento da visão e finalmente cegueira, que ocorre quando as lesões predominam na mácula e pelo descolamento da retina. Comprometimento do nervo óptico (papilite) pode estar pre sente. A provável causa das recorrências seria a ruptura de cisto produzindo reação inflamatória e necrose, seguida pela formação de novo cisto e sua ruptura alguns anos após. Outra explicação seria uma hipersensibilidade local, sem que se conhecesse o porquê dos episódios repetitivos. Sintomas frequentes da retinocoroidite aguda são visão turva, fotofobia, escotomas, dor, que regridem com a resolu ção da inflamação, permanecendo, entretanto, algum compro metimento da visão. Dos 154 pacientes de retinocoroidite por Toxoplasma acom panhados por Bosch-Driessen et al. (2002), observaram recor rências em 60% deles, tendo os episódios variado no intervalo de 2 meses a 25 anos. Lesões retinianas centrais ocorreram em 53% dos casos e lesões periféricas em 40%. Embora o envol vimento ocular unilateral seja o mais frequente, lesões bila terais, mais agressivas, podem estar presentes principalmente em idosos ou imunocomprometidos. A duração, intensidade e recorrência das lesões estão relacionadas com fatores do hospedeiro e do parasito, cujo genótipo, neste último caso, parece ser determinante na intensidade da retinocoroidite (Commodaro et al., 2009; Vallochi et al., 2008). • Toxoplasmose aguda pós-natal no paciente imunocomprometido A infecção por T. gondii é amplamente disseminada na população, sendo a reativação um evento frequente entre indi víduos imunocomprometidos. Ao contrário do curso favo rável da infecção entre os imunocompetentes, naqueles cuja imunidade está deprimida, a toxoplasmose, em geral, evolui de forma grave (Israelski e Remington, 1993). Estão sob ele vado risco de desenvolver toxoplasmose os portadores de neo plasias hematológicas, em especial os portadores de linfomas, transplantados de medula óssea e receptores de transplante de órgãos sólidos e portadores de AIDS, com CD4 + inferior a 200 células/mm3 • Com exceção dos transplantados cardía cos e poucos outros imunocomprometidos soronegativos para Figura 70.6 Toxoplasmose ocular. A. Retinocoroidite por provável to xoplasmose congênita de surgimento tard io. Paciente de 9 anos com perda visual há mais de 30 dias no OD. B. Retinocoroidite exsudativa por provável toxoplasmose, tratada com esquema específico e melhora da inflamação. Uma das características das recaídas é a proximidade de lesões ativas e cicatrizadas, formando lesões coalescentes (genti leza do Dr. Eliezer Benchimol, Instituto de Pesquisas Clínicas Evandro Chagas - Fiocruz, RJ). T. gondii que adquirem a infecção a partir do órgão recebido (Luft et al., 1983; 1986), a toxoplasmose nos demais imuno comprometidos se deve à reativação. A encefalite por T. gondii é a apresentação mais comum da toxoplasmose em hospedeiros imunocomprometidos (Israelski e Remington, 1993), sendo a causa mais frequente de lesão focal do SNC entre os pacientes com AIDS (Luft e Remington, 1992). O maior risco ocorre quando as células CD4+ no sangue estão em número inferior a 50/mm3 • A reativação preferen cial da infecção crônica pelo T. gondii no SNC já foi demons trada por vários autores (revisto por Ferreira e Borges, 2002). Algumas hipóteses já foram formuladas para explicar este fato: baixa imunidade local, déficit dos mecanismos que inibem a multiplicação do parasito, como anticorpos específicos e inter ferona gama, que não atravessam a barreira hematencefálica, e maior facilidade de o T. gondii penetrar no cérebro do que em outros órgãos (Ambroise-Thomas e Pelloux, 1993; Montoya e Remington, 1997). Por ser o SNC o principal foco de reativa- ção de toxoplasmose entre imunocomprometidos, não tratare mos, neste capítulo, de outros órgãos que também podem ser atingidos, como coração, pulmão e olhos. O início da epidemia da AIDS provocou um aumento na incidência de encefalite por T. gondii (Vergara et al., 1986; Luft e Remington, 1988). No Brasil, desde a identificação do pri meiro caso em 1980 até junho de 2008, já foram diagnosti cados, aproximadamente, 506.000 casos da doença. Do total de notificações, cerca de 80% estão concentrados nas regiões Sudeste e Sul do país (Boletim Epidemiológico DST AIDS, 12, 2008). A incidência e a mortalidade da toxoplasmose reduzi ram bastante após o início do tratamento antirretroviral de alta potência - TARV - e de ações profiláticas efetivas. A neurotoxoplasmose ocorre em aproximadamente um terço dos casos de AIDS, variando o número de casos com a soro prevalência da região (Grant et al., 1990). Segundo dados do Ministério da Saúde relativos aos anos de 1980 a 2000, de um total de 893.691 doenças notificadas no período, 26.897 delas (3%) eram casos de neurotoxoplasmose associados à AIDS. Em imunocomprometidos, os preditores de risco de ence falite por T. gondii incluem status sorológico, grau de imunos supressão e quimioprofilaxia (Grant et al., 1990). Em pacientescom AIDS, mais de 95% das encefalites por toxoplasmas são relacionadas com a reativação de foco primário, e mais de 90% destes pacientes têm o número de linfócitos T CD4 + abaixo de 200 células/mm3 , estando sob maior risco aqueles com contagem de T CD4+ inferior a 100 células/mm3 (Luft e Remington, 1988; Porter e Sande, 1992). Em presença de sorologia positiva para T. gondii, os pacientes com níveis de linfócitos T CD4 + abaixo de 200 células/mm3 e que não fazem quimioprofilaxia com sul fametoxazol-trimetoprima têm um risco de, aproximadamente, 35% de desenvolver toxoplasmose do SNC em 2 anos (Clough et al., 1997). Por este motivo, o status sorológico do paciente deve fazer parte dos exames iniciais de todos os imunocomprometi dos. Os soronegativos deverão ser orientados quanto às medidas preventivas para evitar a infecção (ver profilaxia). Clinicamente, a toxoplasmose do SNC pode se apresentar sob a forma de encefalite, meningoencefalite ou de absces sos cerebrais. Não é raro o achado simultâneo de mais de um padrão no mesmo paciente (Vergara et al., 1986). Devido à variedade de formas de agressão neurológica pelo T. gondii, não existem sinais e sintomas específicos da infecção do SNC (Vietze et al., 1968; Vergara et al., 1986; Gluckstein, 1992), havendo semelhança clínica com outras entidades nosoló gicas, como criptococose, tuberculose, linfoma primário do SNC, metástases de sarcoma de Kaposi, infecções piogênicas e até doença de Chagas do SNC. Os sintomas são, em geral, ines pecíficos, como cefaleia, alterações motoras, paralisia facial, afasia, alterações do estado mental, com flutuações do nível de consciência, distúrbios da função cognitiva, convulsões e coma (Pedrol et al., 1990; Luft e Remington, 1992; Montoya, 2002). A febre pode estar ausente. Sinais de irritação meníngea ocorrem em menos de 10% dos casos. Por outro lado, déficits neurológicos focais ocorrem em cerca de 80 a 90% dos casos (Parmley et al., 1992; Clough et al., 1997), mas seu início pode ser precedido por letargia ou confusão mental por dias e até semanas (Vergara et al., 1986). Uma vez instalada, a toxoplas mose do SNC evolui, em geral, em menos de 2 semanas, e seu prognóstico relaciona-se com o grau de comprometimento imunológico, sendo mais grave quando o número dos linfó citos CD4+ está inferior a 100 células/mm3 (Porter e Sande, 1992). A não evidência de sinais e sintomas claramente relacio nados com o envolvimento do SNC não exclui, por completo, Capítulo 70 1 Toxoplasmose 87 S a possibilidade de infecção pelo T. gondii. A lesão neurológica poderá manter-se em silêncio até por meses, em especial na ausência de comprometimento difuso do SNC. A chamada síndrome de reconstituição imune (SRI) pode ocorrer no início do tratamento antirretroviral (TARV), quando a consequente proliferação de células CD4 + pode desencadear resposta inflamatória exagerada, levando a uma piora para doxal transitória de infecções oportunistas (Dhasmana et al., 2008). Aproximadamente 1 O a 30% dos pacientes que iniciam TARV desenvolvem SRI. Pacientes com neurotoxoplasmose podem ter seu quadro clínico exacerbado. • Toxoplasmose congênita A transmissão intrauterina do T. gondii ocorre quando a gestante adquire a infecção aguda em qualquer momento da gestação ou mesmo umas poucas semanas antes. Como ela transcorre no organismo materno, quase sempre de forma subclínica, os testes sorológicos de anticorpos das classes IgM e IgG prestam grande ajuda quando sugestivos de infec ção recente, permitindo a instituição precoce de terapêutica específica da gestante, o que diminui o risco de repercussões para o feto. Quando a gestante adquire a infecção aguda no primeiro trimestre da gravidez, a transmissão materno-fetal é menos frequente em 1 O a 20% dos casos, mas quando ocorre pode produzir sérias repercussões como aborto espontâneo, natimortos ou sequelas graves da infecção aguda intrauterina. Episódios de abortos repetidos não devem estar associados à toxoplasmose. A probabilidade de transmissão congênita vai aumentando do segundo para o terceiro trimestre de gestação, quando pode chegar acerca de 60 a 70%. Entretanto, o trata mento da gestante com espiramicina pode reduzir até em 60% a possibilidade de transmissão. Gestantes soronegativas para T. gondii estão sob risco de adquirir a primoinfecção, devendo ter cuidados especiais para evitá-la (veja Profilaxia). Os nascidos a termo, mesmo se infectados, são na grande maioria das vezes aparentemente normais, embora havendo necessidade de serem acompanhados clínica e laboratorial mente. Isto porque é grande a probabilidade de virem a apresen tar sintomas e sinais clínicos de toxoplasmose congênita ainda na primeira ou segunda década de vida, sendo a retinocoroi dite a mais frequente ocorrência, levando à perda da visão em cerca de um quarto dos casos (Bosch-Driessen, 2002). Outras sequelas podem surgir, inclusive neurológicas, como retardo no desenvolvimento mental e psicomotor, epilepsia e microcefalia. Recentemente, tem-se discutido a possibilidade de a toxo plasmose poder estar associada a esquizofrenia e a outros dis túrbios relacionados (Brown et al., 2009). Em uma minoria de casos os sinais clínicos de toxoplasmose congênita no recém-nato são aparentes, às vezes com evidências de doença aguda como febre ou hipotermia, hepatoesplenome galia, ascite, icterícia, linfadenopatia, trombocitopenia e peté quias, rash cutâneo, encefalite, pneumonite, diarreia, anemia. A placenta está frequentemente com sua espessura aumentada. O diagnóstico diferencial deve ser feito com outras doenças infec ciosas comuns a recém-nascidos, como rubéola, citomegaloví rus, sífilis, herpes-vírus simples. Recomenda-se sempre pensar no diagnóstico de toxoplasmose congênita, no evento de doença infecciosa aguda neonatal, uma vez que, se confirmado o diag nóstico, a terapêutica específica precoce pode melhorar em muito o prognóstico e diminuir a incidência de sequelas poste riores. Nascimento de prematuros ou de baixo peso pode ocor rer, vindo posteriormente a surgir sequelas da doença. Outras 876 Parte 2 1 Parte Específica Figura 70.7 Toxoplasmose congênita. Macrocefa lia por hidrocefalia (gentileza de Dr. Manoel de Carvalho, Instituto Fernandes Figueira - Fiocruz, RJ). vezes o recém-nato já apresenta sequelas de uma infecção aguda ocorrida intraútero, como calcificações cerebrais, microcefalia, macrocefalia em virtude de hidrocefalia e dilatação dos ven trículos (Figura 70.7). O exame radiológico e a ultrassonografia ajudam a diagnosticar tais eventos. ...,. Diagnóstico laboratorial Como a infecção pós-natal pelo T. gondii em indivíduos imunocompetentes origina, na imensa maioria das vezes, a chamada forma latente (crônica) subclínica, o diagnóstico laboratorial é pouco utilizado nestes casos. Entretanto, ele passa a ter grande valor, quando for necessário avaliar se uma fase aguda ocorreu recentemente ou há mais tempo. Três si tuações são então mais importantes: • Nas gestantes, pois no caso de uma fase aguda recente há risco de transmissão materno-fetal, enquanto uma infecção antiga assegura uma gravidez destituída de risco, já que está protegida contra reinfecções • Em recém-natos de mães suspeitas de terem tido a pri moinfecção (fase aguda) durante a gestação ou mesmo poucas semanas antes de engravidarem, no sentido de con firmar ou afastar a ocorrência de transmissão congênita • No caso de indivíduos imunocomprometidos, seja pelo HIV ou por outras causas, quando existe o risco de re agudização por eventual ruptura de cisto preexistente ou de reinfecção por queda da imunidade. O diagnóstico laboratorial ainda pode ser utilizado nos casos de toxo plasmose ocular, sem ter a mesma eficácia. O diagnóstico laboratorial se baseia, principalmente, na detecção de anticorpos específicos contra o parasito, nas clas ses IgG, IgM e IgA de imunoglobulinas e na evidenciação do DNA parasitário,pela amplificação de sequências específicas de seus ácidos nucleicos pela PCR. Outros métodos de diag nóstico de certeza são baseados na demonstração de taquizoí tos e/ ou cistos em material biológico. Os vários aspectos do diagnóstico laboratorial da toxo plasmose foram recentemente revistos por Montoya (2002), Bastien (2002) e Remington et al. (2004). .,.. Exames sorológicos. O primeiro teste surgido para a detec ção de anticorpos contra T. gondii foi a reação de Sabin e Feldman (1948) ou teste do corante, mas que hoje é raramente utilizada, em virtude do inconveniente de se ter que usar para sitos vivos. No sentido de determinar o momento da fase aguda, se em provável passado recente ou distante, é necessário mais de um único teste sorológico. De início a pesquisa de anticorpos espe cíficos para T. gondii nas classes IgG e IgM de imunoglobulinas dá as primeiras informações. Os métodos mais utilizados para a pesquisa de anticorpos IgG são ELISA, imunofluorescência indireta (IFA), hemaglutinação indireta e aglutinação direta, enquanto para IgM são mais utilizados os de imunocaptura de IgM por ELISA, o ensaio immunosorbent IgM (IgM-ISAGA) e hemaglutinação reversa. O teste IFA para anticorpos IgM tem o inconveniente de possíveis resultados falso-positivos, pela presença no soro de anticorpos IgM anti-IgG (fator reuma toide) ou falso-negativos, pela competição de anticorpos IgG com os IgM, pelos mesmos sítios antigênicos. Esses testes permitem evidenciar que os anticorpos IgG sur gem no soro geralmente durante a segunda semana pós-primoin fecção, atingem níveis máximos no primeiro ou segundo mês, declinando daí em diante, mas permanecendo presentes em níveis baixos para o resto da vida. Os exames sorológicos de duas amos tras coletadas com 2 a 3 semanas de intervalo podem ser úteis na diferenciação entre infecção recente ou em passado distante. Em infecções recentes, o título de anticorpos da segunda amostra deve apresentar elevação significativa em relação à primeira amostra ou mesmo soroconversão de negativo para positivo, enquanto em infecções antigas os títulos devem permanecer estáveis. Anticorpos específicos IgM surgem mais precocemente, ainda na primeira semana pós-primoinfecção, atingem o pico no final do primeiro mês, desaparecendo em geral seis a doze meses após. Desta forma, um caso típico de toxoplasmose aguda pós-natal adquirida em passado distante, estando portanto o indivíduo na fase latente (crônica), teria anticorpos IgG espe cíficos em níveis baixos e IgM específicos ausentes. Em contra partida, uma toxoplasmose aguda recente ou atual se apresen taria com níveis elevados de anticorpos IgG, além da presença de anticorpos IgM. Entretanto, nem sempre a interpretação dos dados sorológicos é tão simples, havendo a possibilidade de testes de anticorpos IgM duvidosos, já que alguns kits disponí veis no mercado têm baixa especificidade, além da ocorrência, em alguns casos, de IgM persistentemente positiva por mais de 1 ano, quando o indivíduo já estaria em plena fase latente (crônica) da infecção. A persistência destes anticorpos IgM na fase latente não tem maior significado clínico, confundindo a interpretação do teste IgM. Assim, um teste de anticorpos IgM positivo deve ser interpretado com muito cuidado, devendo ser solicitados outros exames confirmatórios, antes de considerá-lo indicativo de fase aguda. O maior valor do teste para anticorpos específicos IgM reside no fato de que um teste negativo pratica mente afasta a possibilidade de infecção recente. Por outro lado, um teste IgM positivo levanta a questão sobre uma toxoplasmose recentemente adquirida e, assim, necessita de exames confirmatórios (Montoya e Remington, 2008). Estas controvérsias em torno do teste para anticorpos IgM, quando positivo, devem ser levadas em conta no diagnóstico de recém-natos suspeitos de toxoplasmose congênita, embora sua presença possa sugerir, a princípio, infecção intrauterina. Isto porque tais anticorpos devem ter sido produzidos pelo feto, já que não são normalmente transferidos passivamente pela mãe, uma vez que não ultrapassam a placenta quando íntegra. Entretanto, como em todos os casos de teste anticor pos IgM positivo, outros testes confirmatórios de infecção recente devem ser utilizados. Buscando maior confiabilidade nos testes sorológicos para toxoplasmose foi introduzido o teste de avidez de anticorpos IgG para T. gondii (Hedman et al., 1989). Este teste vem tendo papel importante na discriminação entre infecção aguda adquirida recentemente ou há mais tempo, devendo ser utili zado ao lado dos testes para anticorpos IgG e IgM. É baseado no fato de que anticorpos IgG específicos têm no início baixa avidez funcional, quando produzidos logo após as primeiras exposições ao respectivo antígeno. A seguir, durante o curso da resposta imune ocorre um aumento progressivo, por sema nas ou meses, da avidez de IgG, consequência de um processo de seleção dos linfócitos B induzido pelos próprios antígenos, levando a um aumento da complementaridade entre anti corpos IgG e seus respectivos sítios antigênicos. Testes com formato ELISA têm sido usados para determinar a avidez de anticorpos IgG para T. gondii, em que a ureia ou outro agente desnaturante é utilizado para dissociar o complexo antígeno anticorpo. O resultado do teste reflete a resistência a tal dis sociação ao utilizar amostras tratadas ou não tratadas pela ureia. Assim sendo, um teste demonstrando baixa avidez de IgG reflete infecção recente ou atual, embora a avidez possa permanecer baixa além de 3 meses até 1 ano da primoinfecção (Montoya et al., 2002; Montoya e Remington, 2008). Por outro lado, uma alta avidez de anticorpos IgG sugere primoinfecção há mais tempo, de 4 a 5 meses atrás (Remington et al., 2004). O teste de avidez de anticorpos IgG não deve ser interpretado isoladamente, mas sim ao lado dos testes para anticorpos IgG e IgM, já que pode também apresentar resultados duvidosos, nos limites entre alta e baixa avidez. A maior limitação do teste de avidez de IgG é não poder ser utilizado quando os anticorpos IgG estão ausentes. Entretanto, na suspeita de uma fase aguda muito recente na qual anti corpos IgG ainda não tivessem surgido, a repetição do teste IgG realizado em nova amostra de soro 1 a 2 semanas após demonstraria soroconversão do primeiro teste negativo para o segundo positivo. O teste de avidez poderia ser realizado nesta segunda amostra, evidenciando baixa avidez neste caso. A tendência atual é para que os testes de anticorpos IgG, IgM e avidez de IgG para o sorodiagnóstico da toxoplasmose sejam automatizados, utilizando máquinas que fazem a leitura final por quimioluminescência ou imunofluorimetria. Testes tipo ELISA ou ISAGA para anticorpos IgA têm sido utilizados nos EUA e Europa, e com menor frequência no Brasil, como indicativos de fase aguda. Entretanto, de maneira similar aos anticorpos IgM, podem persistir no soro por mais de 1 ano, acrescentando pouco para o diagnóstico de fase aguda, na infec ção pós-natal pelo T. gondii. Entretanto, seu valor aumenta no diagnóstico de recém-natos com toxoplasmose congênita, uma vez que sua sensibilidade nestes casos é maior do que os testes para anticorpos IgM (Stepick-Biek et al., 1990). ... Métodos com base na demonstração do parasito ou seu DNA. A PCR permite um diagnóstico de certeza, já que o DNA do parasito é detectado. Tem sido utilizada no diagnóstico pré natal da toxoplasmose congênita, por meio do exame do líquido amniótico, da toxoplasmose ocular pelo exame do humor vítreo ou aquoso e da toxoplasmose em pacientes imu nocomprometidos nos casos de envolvimento do SNC ou da forma disseminada. As técnicas para a PCR podem variar, não havendo um consenso sobre o melhor protocolo (Montoya e Remington, 2008). Capítulo 70 1 Toxoplasmose 877 Para evitar contaminações e falsos resultados positivos são necessárias sérias precauções,como salas e equipamentos separados. Controles negativos e positivos para detectar, res pectivamente, contaminação por DNA ou inibição da reação devem estar presentes em todos os testes. É importante repetir o teste, principalmente quando o resultado for positivo. Mais recentemente, foi desenvolvida a PCR em tempo real (Costa et al., 2001), em que os estágios de amplificação e detecção do produto são realizados em uma única fase, diminuindo bas tante o tempo de realização do teste e aumentando sua segurança. O exame de cortes histológicos para demonstrar a presença de taquizoítos usando técnicas convencionais é sempre difícil, mas quando positivo define a existência de fase aguda. Taquizoí tos podem ser encontrados em esfregaços de lavado brônquico, liquor cefalorraquidiano e outros fluidos, confirmando a etio logia pelo T. gondii, da patologia em causa. A demonstração de antígenos parasitários por imunoperoxidase em cortes histoló gicos de material de biopsia costuma apresentar resultados mais favoráveis, tendo a técnica elevada especificidade. Também a PCR pode ser útil para demonstrar o DNA do parasito em teci dos, inclusive fetal e placentário (Flicker-Hidalgo et al., 2007). O isolamento do T. gondii pode ser feito a partir de material biológico infectado, por meio de inoculação em camundongos ou em cultura de células in vitro. • Diagnóstico laboratorial no paciente imunocompetente Poucos indivíduos, quando infectados pela primeira vez pelo T. gondii, apresentam alguma sintomatologia. Caso apre sentem, geralmente regride espontaneamente em alguns dias. Desta forma, não é frequente a utilização de exames laborato riais para o diagnóstico, a não ser nos poucos casos em que a forma linfoganglionar se estenda por mais tempo ou nos raros casos de doença mais grave, em que pode haver comprometi mento do miocárdio ou de outros tecidos. Os testes para anticorpos IgG e IgM são os inicialmente empregados para a detecção de uma fase aguda recente ou atual, que pudesse estar relacionada com o quadro clínico apresentado. A presença de anticorpos IgG em níveis baixos e anticorpos IgM negativos afasta o diagnóstico de fase aguda, sugerindo forte mente uma infecção adquirida em passado distante, não rela cionada com o quadro clínico atual. Este é o perfil sorológico da maioria da população adulta, que geralmente já teve sua primoin fecção na infância. Por outro lado, a presença de anticorpos IgG e IgM sugere uma fase aguda recente ou atual, que poderia estar associada ao presente quadro clínico. Entretanto, seria necessário um exame confirmatório demonstrando baixa avidez de anticor pos IgG, para que o diagnóstico ficasse mais seguro. Raramente, naqueles casos em que os exames tivessem sido realizados bem precocemente, nas duas primeiras semanas pós-infecção, quando ainda não tivessem surgido anticorpos IgG, pode acontecer de o teste para IgG ainda estar negativo e o teste para IgM já positivo . A conduta então seria fazer novos exames, 1 a 2 semanas depois, para verificar se houve soroconversão do teste para IgG e se os anticorpos IgG, agora presentes, teriam baixa avidez, o que con firmaria o diagnóstico de fase aguda. O teste de anticorpos IgG ou IgM, se realizado isolada mente, não permite o diagnóstico de fase aguda, já que títu los de anticorpos IgG podem permanecer elevados por vários anos e anticorpos IgM podem permanecer presentes no soro por mais de 12 meses. 878 Parte 2 1 Parte Específica Em pacientes imunocompetentes raramente são necessá rios outros exames mais invasivos, como o histopatológico em material de biopsia. • Diagnóstico laboratorial da retinocoroidite Os episódios de retinocoroidite surgem em geral em adul tos, na fase latente (crônica) da infecção, muitos anos após terem se infectado pelo T. gondii, seja de forma congênita, seja na infância, resultante de uma infecção pós-natal. Desta forma, os exames sorológicos ajudam pouco, uma vez que irão apresentar um perfil de infecção em passado distante, similar ao da maioria da população adulta, que já se infectou há muito tempo e não apresenta lesões oculares. Mesmo na vigência de uma retinocoroidite em atividade o teste IgM é negativo e os níveis de anticorpos IgG não se alteram, permanecendo baixos como é comum na fase latente da infecção. Em duas situações os testes sorológicos são de grande uti lidade: a) quando a lesão ocular surge logo a seguir ou mesmo durante a primoinfecção pós-natal, como tem sido descrito em surtos epidêmicos e em regiões de maior endemicidade da doença. Nestes casos, as lesões oculares estão associadas à fase aguda da toxoplasmose, estando os exames sorológicos com patíveis com um perfil de infecção recente, isto é, anticorpos IgG elevados, anticorpos IgM presentes e baixa avidez de IgG. Bosch-Driessen et al. (2000), em um estudo retrospectivo de retinocoroidite por T. gondii, encontraram um perfil soroló gico de infecção aguda em 11 % dos casos; b) quando os exa mes sorológicos são negativos, inclusive o IgG, significando que o paciente nunca foi infectado pelo T. gondii e, portanto, a patologia ocular presente não tem relação com o parasito. Neste caso, o diagnóstico é de exclusão. Na grande maioria das vezes, o diagnóstico de retinocoroi dite por T. gondii é feito pelo oftalmologista, de acordo com o aspecto morfológico da lesão retiniana. Nos casos de lesões pouco sugestivas da etiologia por T. gondii ou de falha tera pêutica, pode-se tentar outros métodos diagnósticos, como a coleta de humor aquoso para PCR. Como citado por Bastien (2002), a sensibilidade do método varia de 15 a 53%. Exame do humor vítreo usando PCR em casos atípicos de toxo plasmose ocular pode ser de grande ajuda diagnóstica. Mais recentemente, a PCR em tempo real tem demonstrado ser uma técnica mais rápida e sensível, para uma avaliação quan titativa da presença do parasito em fluidos ou tecidos coleta dos (Commodaro et al., 2009). Tem sido também tentada a demonstração de anticorpos, principalmente IgA, no humor aquoso com resultados satisfatórios (Ronday et al., 1999). • Diagnóstico laboratorial no paciente imunocomprometido Nestes pacientes, os exames sorológicos para detecção de anticorpos específicos têm pouco valor, a não ser para levan tar suspeita de reativação de foco latente de T. gondii em imu nocomprometidos que já apresentassem testes com anticor pos IgG positivos e sinais de comprometimento neurológico. Aumento dos títulos de IgG podem, às vezes, ser encontrados nestes casos de reativação. Ao contrário dos imunocompeten tes, o aparecimento de IgM específica positiva é inesperado, embora possa ocorrer. A ausência de testes sorológicos posi tivos não afasta o diagnóstico. Assim, em imunocomprometi dos outros métodos diagnósticos são necessários. Figura 70.8 Toxoplasmose do sistema nervoso central em paciente com AIDS. Ressonância magnética mostrando lesão anelar (genti leza do Dr. Marcelo Simão Ferreira, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Uberlândia, MG). O exame do liquor é normal em 20 a 30% dos casos, sendo que a PCR pode ser positiva nos casos de comprometimento do SN C (Holliman et al., 1990; Parmley et al., 1992). Recentemente, nested PCR tem demonstrado ser sensível e altamente específica (Afonso et al., 2009). O diagnóstico definitivo se faz por biopsia e identificação do T. gondii, com técnicas como imunoperoxi dase em fragmentos de tecido. Os estudos de imagem devem ser considerados mesmo na ausência de déficits focais. O diagnós tico presuntivo pode ser feito por tomografia computadorizada (TC) ou ressonância nuclear magnética (RNM). Em geral, as lesões são múltiplas, mas podem ser isoladas (Navia et al., 1986; Dina, 1991). O aspecto da imagem na TC parece estar menos relacionado com o agente infeccioso do que a reação do hos pedeiro ao mesmo. Deste modo, a patologia produzida pelo T. gondii pode ter diferentes apresentações, dependendo do grau decomprometimento da imunidade do hospedeiro. A imagem da TC reflete a interação entre hospedeiro e patógeno, por meio do padrão de captação do contraste. Se o paciente, mesmo imu nocomprometido, é capaz de conter o processo infeccioso por uma reação inflamatória, a tendência é que ocorra a formação de abscessos, e a aparência tomográfica desta interação é a típica lesão anelar captante (Figura 70.8). A lesão anelar indica que a infecção é localizada e que um abscesso está presente (Dina, 1991). As lesões se localizam, preferencialmente, nos núcleos da base. O edema e o efeito de massa são comuns. Exames de imagem sugestivos de toxoplasmose do SNC autorizam o início de terapêutica empírica e a resposta satisfatória ao tratamento é aceita como prova definitiva do diagnóstico. Quando os testes sorológicos são negativos para T. gondii e os exames de imagem não levantam suspeita suficiente para iniciar a prova terapêutica, a punção lombar está indicada e o liquor deve ser submetido a exame completo, que inclua técni cas de PCR específicas para T. gondii. • Diagnóstico laboratorial na gravidez A transmissão intrauterina do T. gondii pode ocorrer quando a gestante adquire a primoinfecção durante a gestação ou 1 a 2 semanas antes de engravidar. A maioria da população, entre tanto, adquire a primoinfecção na infância, apresentando na vida adulta somente anticorpos específicos nas classes IgG de imunoglobulinas, indicativos de uma infecção latente e prote ção contra reinfecções, não havendo risco de transmissão con gênita. A exceção seriam gestantes imunocomprometidas, nas quais poderia haver reagudização de uma infecção latente. Nestas condições, toda mulher que planeja engravidar ou já gestante deve fazer os exames sorológicos para toxoplasmose, iniciando pelos testes de anticorpos IgG e IgM. Um teste de IgG em baixos níveis e IgM negativo é indicativo de uma gravidez destituída de risco. Entretanto, no último trimestre da gravidez, um resultado negativo para anticorpos IgM, embora altamente sugestivo de infecção antiga (latente), não permite descartar total mente uma infecção adquirida no início da gestação, mormente se os títulos de IgG estiverem elevados. Isto porque títulos de IgM podem às vezes tornar-se negativos em menos de 6 meses. Um teste de anticorpos IgM positivo pode significar infec ção recente e, portanto, possibilidade de transmissão materno fetal. Nestes casos, há necessidade de outros exames confir matórios, porque, como já enfatizado anteriormente, existe a ocorrência de teste IgM falso-positivo e também permanência de anticorpo IgM por mais de 1 ano após a primoinfecção, o que poderia levar a um falso diagnóstico de infecção recente (Gras et al., 2004). Para confirmação, deve ser utilizado o teste de avidez de anticorpos IgG, assim como repetir os testes IgG e IgM, cerca de 2 semanas após o primeiro teste. Neste último caso, testes de anticorpos IgG e IgM significativamente ascen dentes ou principalmente soroconversão de IgG sugerem for temente infecção recente, dentro dos últimos 2 a 3 meses ou últimas semanas. Se os títulos já estiverem significativamente descendentes, também podem estar associados à infecção recente, mas em um período mais à frente, quando os níveis de anticorpos já estivessem caindo. O teste confirmatório pela avidez de anticorpos IgG tem a vantagem de poder ser reali zado logo, juntamente com os primeiros testes IgG e IgM, ou imediatamente após se tomar conhecimento de um resultado IgM positivo, sem necessidade de aguardar 2 semanas. De acordo com Remington et al. (2004), o resultado do teste de avidez de IgG pode variar segundo o método utilizado, mas ... Capítulo 70 1 Toxoplasmose 879 encontra sua melhor aplicação no primeiro trimestre da gesta ção, ao permitir afastar possível ocorrência de primoinfecção nos últimos 4 a 5 meses, no caso de o resultado demonstrar alta avidez. Caso o teste de avidez de IgG tivesse demonstrado baixa avidez, não se poderia estar seguro de ter sido recente a infecção, uma vez que a avidez baixa pode persistir por cerca de 1 ano. A conduta neste caso é repetir os testes de IgG e lgM, para detectar possível curva ascendente dos títulos, sugerindo infecção recente, ou utilizar outros testes sorológicos, como detecção de anticor pos específicos IgA. Desta forma, o teste de avidez de anticor pos IgG não deve ser considerado como definitivo para definir se a infecção pelo T. gondii foi recente ou em passado distante, mas sim interpretada no contexto de outros exames (Ashburn et al., 1998; Remington et al., 2004). A Tabela 70.1 apresenta uma súmula do diagnóstico laboratorial da toxoplasmose. Caso após os testes sorológicos persista dúvida, se a infec ção foi adquirida durante ou anteriormente à gestação, testes adicionais devem ser feitos, como PCR e ultrassonografia. • Diagnóstico laboratorial no feto e recém-nato O diagnóstico de toxoplasmose no feto, durante a gestação, permite o tratamento precoce da mãe e do feto, melhorando o prognóstico da infecção congênita. Deve ser tentado sempre que houver suspeita de infecção aguda materna. A ultrassonografia detecta alterações macroscópicas como hidrocefalia ou calcifi cações cerebrais, enquanto a PCR, a partir do líquido amniótico, é capaz de fazer o diagnóstico mesmo antes de terem surgido lesões mais extensas do SNC. A sensibilidade da PCR não tem sido tão grande, presente em cerca de 70% dos casos (Bastien, 2002 ), sendo, entretanto, maior do que a inoculação de líquido amniótico em camundongos. Uma das razões para estes fatos deve estar relacionada com o geralmente baixo número de parasitos encontrados no líquido amniótico. A PCR no líquido amniótico tem sido realizada após a 18ª semana de gestação, tendo especificidade próxima de 100% (Romand et al., 2001) Tabela 70.1 Súmula do diagnóstico laboratorial da toxoplasmose em diferentes situações médicas. Indivíduos imunocompetentes Fase aguda em passado distante (forma latente-crônica) Fase aguda recente Retinocoroid ite Fase aguda em passado distante Raramente durante a fase aguda Toxoplasmose e gravidez Fase aguda em passado distante (sem risco de transmissão ao feto) Fase aguda recente (risco de transmissão ao feto) Toxoplasmose no recém-nato (toxoplasmose congênita) Paciente imunocomprometido Ac = anticorpos específicos para Toxoplasma gondii nas classes de imunoglobulinas. Exames laboratoriais Ac lgG positivo, avidez de lgG elevada, ac lgM negativo (Perfil de fase latente) Ac lgG e lgM positivos, avidez de lgG baixa (Perfil de fase aguda) Sorologia lgG e lgM negativa afasta o diagnóstico de toxoplasmose Perfil sorológico de fase latente Perfil sorológico de fase aguda Perfil sorológico de fase latente Perfil sorológico de fase aguda, que necessita de confirmação Avidez de lgG elevada afasta fase aguda nos últimos 4 meses PCR para T. gondii no líquido amniótico (após a 18ª semana de gestação) confirma o diagnóstico Ac lgA e lgM posit ivos, Ac lgG iguais na mãe e no filho PCR do sangue, urina, liquor Sorologia pouco esclarecedora, exceto se Ac lgG ascendente PCR do liquor, sangue, para confirmar doença atual 880 Parte 2 1 Parte Específica quando todos os rigorosos cuidados para evitar falso-positivos (contaminação) são seguidos. Romand et al. (2004), utilizando técnicas mais recentes da PCR quantitativa em tempo real no líquido amniótico de gestantes, mostraram sua aplicação no prognóstico precoce da toxoplasmose congênita, ao verificarem que infecções maternas adquiridas antes da 20ª semana de gravi dez, tendo parasitos em número maior do que 100/mf no líquido anmiótico, têm maior probabilidade de prognóstico grave. Assim sendo, a PCR no líquido amniótico tem sido o método de escolha para o diagnóstico laboratorial da toxoplasmose pré-natal, sendo de baixo risco para a gestação, mais rápido do que os métodos baseados na cultura ou inoculação em camundongo do materialcoletado e com razoável sensibilidade. O diagnóstico laboratorial da toxoplasmose em recém natos está indicado sempre que houver suspeita de infecção intrauterina. O diagnóstico sorológico se baseia na detecção de anticorpos específicos produzidos pelo próprio neonato (IgM e IgA), ficando assim caracterizada a exposição dele ao parasito. Deve-se, preferencialmente coletar sangue do próprio neonato e não do cordão, porque este pode conter pequena mistura de sangue materno. Anticorpos IgG são legados pela mãe através do cordão umbilical, passando com facilidade pela placenta, sendo os títulos e a avidez de anticorpos IgG maternos seme lhantes aos encontrados no recém-nato, tendo ou não havido transmissão intrauterina do T. gondii. Na ausência de transmissão, os anticorpos IgG legados pela mãe decrescem com o correr dos meses, desaparecendo no máximo em 1 ano, o que descarta definitivamente uma suposta transmissão congênita. Este é o quadro sorológico de todos os nascimentos de mães com infecção latente (crônica) e portanto sem risco de transmitir congenitamente. Os teste de anticorpos específicos IgA e IgM têm muito maior significado, pois representam anticorpos produzidos pelo neonato, levando à suspeita de infecção congênita. O teste para anticorpos lgA parece ser mais sensível do que o teste para IgM em recém-nascidos, havendo relato de falsos resultados positivos ou negativos no teste IgM (Stepick-Biek et al., 1990). Por segurança, um teste positivo para anticorpos lgA deve ser repetido cerca de 1 O dias após, para se certificar de que os títulos encontrados não representam contaminação com anticorpos lgA maternos (Montoya, 2002). Pode-se ainda tentar evidenciar o próprio parasito, pela inoculação de material coletado por biopsia ou liquor cefa lorrraquidiano em camundongos ou cultura de células, assim como utilizar a PCR no material coletado. O exame da placenta deve ser feito tanto pela PCR, para detectar DNA do parasito, como por cortes histológicos usando imunoperoxidase, para evidenciar o Toxoplasma. Em ambos os casos, o exame posi tivo representa forte indicativo de transmissão materno-fetal. O exame oftalmológico é imprescindível nos casos suspei tos, na tentativa de detectar retinocoroidite. Deve-se procu rar ainda possíveis sequelas de infecção aguda intrauterina, como as pequenas áreas de calcificações no SNC e dilatações dos ventrículos cerebrais, utilizando-se ultrassonografia, raios X e TC. Exame microscópico da celularidade do liquor cefa lorraquidiano e exame bioquímico podem levar à suspeita de envolvimento do SNC, sendo ainda úteis no acompanhamento da evolução da toxoplasmose no recém-nato. ...,. Tratamento O tratamento em geral administrado é a combinação de pirimetamina e sulfadiazina, que agem de maneira sinérgica sobre o metabolismo do ácido fólico, atuando sobre as for mas proliferativas do T. gondii. As doses recomendadas são de 50 a 200 mg por 3 dias, e a seguir, 25 a 100 mg em dose única diária de pirimetamina, e 100 mg/kg/dia (máximo de 6 g/dia) de sulfadiazina, em quatro tomadas, por 3 a 6 sema nas (Tavares, 2001; 2009). É recomendável o uso de ácido folínico 10 a 15 mg/dia, para reduzir os riscos de citopenia. A terapêutica não tem ação sobre os cistos do parasito e nem indicação na toxoplasmose latente (crônica). Sulfonamidas de longa ação não são recomendadas, por não atingirem altas concentrações nos tecidos. A infecção aguda pós-natal nos indivíduos imunocompe tentes é quase sempre subclínica, e, portanto, não é tratada. Quando é feito o diagnóstico, a terapêutica com sulfadiazina e pirimetamina deve ser instituída por 2 a 6 semanas, na depen dência da regressão dos sinais e sintomas, tanto nos raros casos de doença mais grave como nos casos de linfadenopa tia, que ocorrem quase sempre em crianças, tendo geralmente evolução benigna. Ácido folínico deve também ser adminis trado na dose de 10 a 15 mg/dia, já que a pirimetamina pode levar à supressão da mielopoese. Embora o quadro clínico seja normalmente autolimitado nos pacientes imunocompetentes, a terapêutica tem importância por diminuir, possivelmente, a ocorrência de lesões oculares futuras. Vários relatos referem a patogenicidade de cepas de T. gondii isoladas de pacientes no Brasil e outros países fora da Europa, e sua associação com lesões oculares (Vallochi et al., 2005; Dardé, 2008). Nos pacientes imunocomprometidos, a toxoplasmose do SNC é considerada uma das doenças definidoras de AIDS e, por isso, serve como indicação para início de tratamento antirretro viral. O tratamento em pacientes com AIDS deve ser iniciado empiricamente, sempre que houver suspeita elevada de neuro toxoplasmose, não devendo ser postergado se houver qualquer dificuldade para realização dos exames de imagem. Caso outro diagnóstico seja estabelecido suspende-se a terapêutica iniciada. O tratamento de escolha é a associação pirimetamina/sulfadia zina e ácido folínico nas doses já mencionadas (Ministério da Saúde, 2008; Tavares, 2009). No caso de reação de hipersensibili dade à sulfadiazina, esta deve ser substituída por clindamicina na dose de 2.400 a 4.800 mg/dia, divididas em quatro vezes (Vergara et al., 1987; Dannemann et al., 1992). Outros esquemas (Bartlett, 2003) incluem pirimetamina (50 a 100 mg/dia) associada res pectivamente a dapsona (100 mg/dia) ou a azitromicina (1.200 a 1.500 mgldia) ou a claritromicina (2 g/dia) ou a atovaquone (3 g/dia). Em geral, os pacientes com toxoplasmose do SNC res pondem ao tratamento em 1 a 2 semanas, caso contrário, outra possibilidade diagnóstica deve ser considerada (Clough, 1997). A resposta à prova terapêutica, que ocorre poucos dias após o início do tratamento, confirma o diagnóstico. Na ocorrência da chamada síndrome da reconstituição imune (SRI), o uso de altas doses de corticosteroides, a manutenção do tratamento específico e a não interrupção da TARV promovem a regressão dos sintomas (Venkataramana et al., 2006). Após o término do chamado tratamento primário da fase aguda, uma terapêutica de manutenção ou profilática contra a reagudização da toxoplasmose deve ser iniciada, com doses de 2 a 4 g/ dia de sulfadiazina e 25 a 50 mg/ dia de pirimetamina, 3 a 7 vezes/semana. Esta terapia deve ser mantida até que a contagem dos linfócitos T CD4 + se estabilize acima de 200/ mm3 e a carga viral esteja não detectável por 6 meses, quando pode ser interrompida (Mussini et al., 2000; Furrer et al., 2000) devendo ser reiniciada se T CD4 + cair abaixo de 200 células/ mm3• Estudo realizado por Pedrol et al. (1990) demonstrou que o esquema de manutenção feito com sulfadiazina e piri metamina, 2 a 3 vezes/ semana, proporciona resultados seme lhantes ao uso de doses diárias. Para a profilaxia medicamentosa da toxoplasmose em pacientes com AIDS, pode-se também utilizar sulfametoxa zol (SMX) e trimetoprima (TMT) diariamente, nas mesmas doses recomendadas para profilaxia contra P. carinii: 160 mg de TMT e 800 mg de SMX (Carr et al., 1992). Para pacientes que não possam utilizar SMX-TMT, outras alternativas válidas (Tavares, 2001) são: 2 g de sulfadiazina associada a 25 mg de pirimetamina/ dia ou 3 vezes/ semana; 50 mg de dapsona/ dia associada a 50 mg de pirimetamina uma vez/ semana; clinda micina 300 a 600 mg a cada 6 h associada a 25 a 50 mg de pirimetamina/ dia; ou ainda claritromicina ou azitromicina associada a pirimetamina. Em todos os esquemas terapêuticos com pirimetamina deve-se associar ácido folínico. Pacientes transplantados soronegativos para T. gondii podem adquirir toxoplasmose, no caso de o doador estar na fase latente (crônica) da infecção, tendo portanto cistos do parasito em seus tecidos, que poderão se romper originando fase aguda no paciente transplantado. Neste caso de doador com anticorpos IgG positivos para T. gondii e receptor sorone gativo, uma profilaxia medicamentosa com SMX-TMT pode ser eficiente (Montoya e Liesenfeld, 2004).
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