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ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL APRESENTAÇÃO 3 1. ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL 5 Introdução 5 Anatomia Renal 6 Regulação da Excreção de Água e Eletrólitos: Concentração e Diluição Urinária 11 2. EPIDEMIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA DA DOENÇA RENAL 14 Introdução 14 Definição de DRC 15 Hemodiálise, Diálise Peritoneal e Transplante Renal 18 3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 26 3 ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL APRESENTAÇÃO Objetivo da disciplina: Abordar aspectos relacionados à anatomia e à fisiologia renal, bem como discutir a doença renal. Objetivos específicos: Descrever a anatomia e a fisiologia renal. Discutir sobre a doença renal. Habilidades e competências a serem alcançadas: Compreender a anatomia e a fisiologia renal, bem como a fisiopatologia da doença renal. Ementa da disciplina: A disciplina aborda a anatomia e a fisiologia renal, bem como a fisiopatologia da doença renal. As informações incluídas são baseadas em evidências científicas bem consolidadas e em órgãos de renome na área. 5 ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL 1. ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL Introdução Os rins são órgãos de extrema importância para a manutenção da homeostase do organismo, visto que são responsáveis pela filtração sanguínea e excreção de toxinas e substâncias dispensáveis ao organismo. Não obstante, os rins apresentam ainda outras funções, como ativação do calcitriol (1,25 dihidroxivitamina D), que é a forma ativa da vitamina D, e síntese de eritropoetina. Os rins também efetuam o processo de gliconeogênese, contribuindo com a manutenção da glicemia e com o fornecimento de energia ao próprio órgão (fração significativa da glutamina corporal é convertida à glicose nos rins). Estes são apenas alguns exemplos das muitas funções realizadas pelos rins. Neste contexto, é possível compreender que as funções renais vão muito além de filtração e excreção, incluindo também metabolismo ósseo (via regulação do cálcio orgânico), produção de 6 ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL eritrócitos, consequentemente, influenciando no transporte de oxigênio ao organismo e manutenção da glicemia, contribuindo com o fornecimento de energia para todo o organismo, incluindo para o próprio rim. Explorar aspectos da anatomia e fisiologia renal é o objetivo da presente seção. Anatomia Renal O sistema urinário, na sua totalidade, é responsável por manter a composição e, consequentemente, a funcionalidade dos líquidos corporais. O produto final deste sistema é a urina, a qual é eliminada do corpo durante o processo de micção. A excreção de substâncias do corpo não é um processo exclusivo dos rins, sendo também realizado pelos sistemas respiratório, digestório e tegumentar. Neste contexto, é possível compreender que o processo de excreção de substâncias do corpo é compartilhado por todos estes sistemas. Exemplificando, determinados nutrientes podem ser excretados por diversas vias diferentes, como renal, fecal e por meio do suor, evidenciando a cooperação destes sistemas no processo de excreção. No que se refere ao equilíbrio hídrico e eletrolítico, o sistema urinário é o principal responsável. Entende-se por equilíbrio eletrolítico o estado em que o número de eletrólitos que entra no organismo é equivalente ao número que é eliminado, estando, portanto, equilibrados. Como exemplo, podemos citar os íons hidrogênio, os quais devem ser mantidos em concentrações precisas no organismo a fim de manter o equilíbrio ácido-básico (pH), visto que a alteração deste pode trazer repercussões desastrosas ao organismo, como desnaturação proteica e inativação enzimática. Outra função relevante dos rins é a excreção de derivados nitrogenados tóxicos, como ureia e creatinina, bem como a remoção de metabólitos tóxicos derivados da ação microbiana e drogas/fármacos que adentraram o corpo. Os dois rins, os dois ureteres, a bexiga urinária e a uretra compreendem o sistema urinário. Os rins apresentam túbulos entrelaçados com vasos sanguíneos, de modo a permitir a formação de urina, a qual, após formada, é conduzida pelos ureteres para ser armazenada na bexiga urinária. Por fim, a 7 ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL micção é feita através da uretra. O sangue adentra o rim pela artéria renal e, após ser filtrado, sai do rim por meio da veia renal. Para se ter ideia da relevância dos rins no processo de filtração, estima-se que, em condições de repouso, os rins recebam de 20% a 25% de todo o débito cardíaco, sendo que, a cada minuto, os rins processam cerca de 1.200 ml de sangue. A Figura 1 apresenta o sistema urinário: Figura 1. Retirada de Van de Graaff, 6ª Ed., 2003. O rim compreende um córtex renal externo e uma medula renal interna, a qual contempla as pirâmides renais (~ 8 a 15 pirâmides renais cônicas). O sangue é filtrado nos néfrons, o que leva a formação de urina, a qual é coletada pelos cálices e pelve renal antes de ser transportada pelo ureter. Os rins apresentam cor marrom avermelhada, formato de feijão, e se posicionam contra a parede posterior da cavidade abdominal entre os níveis das vértebras 12ª torácica e 3ª lombar. Interessantemente, a posição dos rins direito e esquerdo não é totalmente similar e nivelada, visto que o rim direito normalmente é 1,5 a 2,0 cm mais baixo que o esquerdo, em razão da grande área ocupada pelo fígado no lado direito. Cada rim de um humano adulto apresenta aproximadamente 11,25 8 ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL cm de comprimento, de 5,5 a 7,7 cm de largura e 2,5 cm de espessura. A margem lateral do rim é convexa, ao passo que a margem medial é côncava. A depressão presente ao longo da margem medial denomina-se hilo renal, onde a artéria renal entra e a veia renal e o ureter saem. O hilo renal é, também, onde ocorre a drenagem de vasos linfáticos e a inervação do rim. A glândula suprarrenal recobre o polo superior de cada rim. O rim, ainda, é recoberto por uma bolsa fibroadiposa que apresenta três camadas: (i) a cápsula renal, que é a cápsula fibrosa, é a camada mais interna, com característica forte e fibrosa, fornecendo proteção contra traumas e infecções; (ii) a cápsula adiposa renal é aquela que envolve a cápsula renal, fornecendo firmeza e sustentação; (iii) finalmente, a camada mais externa é composta pela fáscia renal, a qual compreende um tecido conjuntivo denso e irregular, e tem a função de proteger e ancorar o rim ao peritônio e à parede abdominal. Como previamente mencionado, a medula renal é composta de pirâmides renais, sendo que os ápices das pirâmides são denominados de papilas renais. A papila de uma pirâmide renal projeta-se em uma depressão pequena denominada cálice menor, sendo que estes (cálices menores) unem-se formando cálices maiores, os quais, por sua vez, unem-se para formar a pelve renal, que apresenta forma de funil e recolhe a urina dos cálices, a transportando para o ureter. A Figura 2 apresenta as estruturas previamente mencionadas: Figura 2. Retirada de Van de Graaff, 6ª Ed., 2003. 9 ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL A menor unidade funcional do rim é o néfron, o qual é responsável pela formação de urina, sendo que cada rim tem mais de um milhão de néfrons, cercados por pequenos vasos sanguíneos. Ressalta-se que os rins têm vasta rede circulatória, o que permite a filtração de grandes volumes de sangue. O sangue arterial adentra o rim por meio da artéria renal, a qual divide-se em artérias interlobares, que passam pelas pirâmides renais. As arteríolas glomerulares aferentes transportam o sangue para a rede capilar em formato de bola, a qual denomina-seglomérulo, que produz um filtrado de sangue que adentra os túbulos renais. O sangue que permanece no glomérulo sai através de arteríolas glomerulares eferentes. Em suma, a pressão sanguínea no glomérulo é forte o suficiente para permitir a passagem da água e de resíduos sanguíneos para a fração tubular urinária do néfron, formando o filtrado. Não obstante, uma rede capilar secundária ainda envolve uma série de porções tubulares do néfron, sendo esta adaptada para a absorção, onde ocorre, inclusive, reabsorção de água, eletrólitos e nutrientes, de forma a recuperar a maioria do filtrado formado no glomérulo. Néfron: O néfron tubular contempla vários componentes: (i) cápsula glomerular, (ii) túbulo contorcido proximal, (iii) ramo descendente da alça do néfron (também chamado de alça de Henle), (iv) ramo ascendente da alça do néfron e (v) túbulo contorcido distal. A cápsula glomerular envolve o glomérulo, sendo que juntos eles constituem o corpúsculo renal. Salienta-se que a cápsula contém uma camada visceral interna e uma camada parietal externa, sendo que o espaço entre estas duas camadas, por onde o filtrado glomerular é coletado, denomina-se espaço capsular. O epitélio glomerular contém poros denominados de janelas, por onde o filtrado passa do sangue para o interior do espaço da cápsula glomerular. Aventa-se que estas fendas são pequenas para evitar a passagem de células sanguíneas, plaquetas e a maior parte das proteínas plasmáticas. O filtrado da cápsula glomerular passa para o túbulo contorcido proximal, o qual contém milhões de microvilos, que aumentam a área de superfície para otimizar o processo de reabsorção. O líquido passa, então, do túbulo contorcido proximal para a alça de Henle, sendo levado para a medula renal 10 ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL pelo ramo descendente da alça do néfron e retornando ao córtex renal pelo ramo ascendente da alça. No córtex renal, o túbulo torna-se, mais uma vez, contorcido, sendo chamado de túbulo contorcido distal. O último (túbulo contorcido distal) é menor e apresenta menos microvilos quando comparado com o túbulo contorcido proximal. Ureteres: Cada ureter tem aproximadamente 25 cm de comprimento, se inicia na pelve renal e segue inferiormente para entrar na bexiga urinária. A parede do ureter contém três camadas: mucosa, muscular e adventícia. A camada mucosa é a mais interna e consiste em um epitélio de transição, sendo que as células dessa camada secretam um muco, que cobre e protege as paredes do ureter. A camada intermediária é a muscular, sendo que ondas peristálticas musculares movimentam a urina através do ureter. Estas (ondas peristálticas musculares) são estimuladas pela presença de urina na pelve renal e a sua frequência é ditada pelo volume de urina. As ondas empurram a urina do ureter para a bexiga urinária. Finalmente, a camada mais externa do ureter é a adventícia, a qual é composta de tecido conjuntivo frouxo, que recobre e protege as demais camadas. Bexiga Urinária: A bexiga urinária funciona como um armazenamento de urina. Em mulheres, a bexiga está em contato como útero e a vagina, ao passo que, em homens, está posicionada acima da próstata. Salienta-se que o formato da bexiga urinária é determinado pelo volume de urina contido nela, sendo que, quando vazia, sua forma é piramidal, porém, quando cheia, se torna ovoide. A base da bexiga urinária recebe os ureteres, ao passo que a uretra sai no ângulo inferior, sendo que a região que circunda a abertura uretral é denominada de colo da bexiga urinária. Quatro camadas compõem a bexiga urinária: túnica mucosa, tela submucosa, túnica muscular e camada adventícia. A túnica mucosa é a camada mais interna, sendo que esta fica mais fina conforme a bexiga urinária vai se expandindo. Essa distensão se mantém graças à presença de pregas da mucosa, as quais denominam-se rugas. Retalhos da 11 ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL mucosa, por sua vez, localizam-se onde os ureteres atravessam a parede da bexiga urinária, e atuam como válvulas, de modo a evitar o refluxo da urina para os rins. A tela submucosa atua como um suporte da túnica mucosa, enquanto a túnica muscular contempla três camadas musculares que se entrelaçam e, juntas, são denominadas de músculo detrusor da bexiga. Finalmente, a camada mais externa da bexiga urinária é a adventícia, sendo considerada como uma continuação do peritônio parietal. Uretra: A uretra é responsável pela condução da urina da bexiga urinária até o lado de fora do corpo. A parede da uretra é composta por uma camada de músculo liso, sendo que glândulas uretrais presentes na parede da uretra secretam muco, cuja função é de proteger a parede uretral. Dois esfíncteres musculares estão presentes na uretra – um deles é involuntário, o qual é chamado de esfíncter interno da uretra, enquanto o outro é voluntário, denominado esfíncter externo da uretra. A uretra feminina tem cerca de 4 cm de extensão e apresenta a única função de transportar urina para o exterior do corpo. Já a uretra masculina serve ao sistema urinário, mas também ao sistema genital, tem aproximadamente 20 cm de comprimento e formato de S, visto que segue a forma do pênis. Regulação da Excreção de Água e Eletrólitos: Concentração e Diluição Urinária Conforme pontuado anteriormente, os rins são responsáveis pela excreção e, também, quando necessário, pela reabsorção de substâncias. Neste sentido, é possível compreender que os rins são capazes de regular a concentração de água e eletrólitos no organismo, de modo a manter a homeostase. Exemplificando, no quadro de desidratação, os rins atuarão de modo a reduzir a excreção de água e aumentar a sua reabsorção, com intuito de atenuar a gravidade da condição. O oposto ocorre quando a ingestão de água é excessiva – neste caso, haveria maior excreção renal de água e menor reabsorção. Similarmente, caso a concentração de sódio orgânica fosse baixa, sua excreção seria reduzida, ao passo que a reabsorção seria aumentada – o oposto também é verdadeiro. 12 ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL Neste cenário, é possível perceber a importância da função renal no controle da pressão sanguínea. Vale salientar que o uso de diuréticos leva ao aumento da diurese, isto é, da formação e eliminação de urina. Considerando tudo o que foi exposto ao longo dessa seção, é possível compreender que esta classe de medicamentos deve ser devidamente prescrita pelo médico, caso contrário, o indivíduo pode presenciar repercussões graves, como desidratação e perda excessiva de eletrólitos, afetando o controle da pressão sanguínea, o que pode levar, até mesmo, ao óbito. QUESTÃO 01. Qual destas não é uma das camadas da bexiga urinária? a) Túnica mucosa; b) Tela submucosa; c) Túnica muscular; d) Camada adventícia; e) Camada gelatinosa. 14 ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL 2. EPIDEMIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA DA DOENÇA RENAL Introdução A doença renal crônica (DRC) é considerada como um importante problema de saúde pública a nível mundial. Grande parte da incidência crescente de DRC se deve à elevada prevalência de hipertensão arterial sistêmica (HAS) e diabetes melito (DM), condições que aumentam o risco de DRC. Estima-se que a prevalência de DRC seja de 7,2% em indivíduos acima de 30 anos de idade e de 23 a 36% em indivíduos acima de 64 anos (achados a partir de estudos populacionais em diversos países). Possivelmente, estes dados poderiam ser explicados pelo fato de a DRC ser silenciosa, com manifestação dos sintomas apenas quando o prejuízoà função renal já é significativo. Vale salientar que não há dados suficientes que ilustrem a prevalência de DRC no Brasil, porém, sabe-se que a incidência é crescente. Neste cenário, é 15 ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL imprescindível que o profissional de saúde compreenda questões acerca da epidemiologia e da fisiopatologia da DRC. Explorar estes tópicos é o objetivo da presente seção. Definição de DRC Para ser considerado como um paciente com DRC, o indivíduo precisa apresentar as seguintes condições: (i) ter acima de 18 anos de idade e (ii) apresentar filtração glomerular inferior a 60 ml /min/ 1,73 m2 por mais de três meses. Indivíduos que apresentem evidência de lesão na estrutura renal, mesmo que apresentem filtração glomerular superior a 60 ml /min/ 1,73 m2, também são considerados como pacientes com DRC. A DRC pode ser categorizada em estágios de 1 a 5. O estágio 1 é quando o indivíduo apresenta lesão, mas a função renal permanece normal. Nesta fase, a filtração glomerular é igual ou superior a 90 ml /min/ 1,73 m2, porém já é possível observar alteração nos exames, por exemplo microalbuminúria ou proteinúria e/ou hematúria. No estágio 2, o indivíduo apresenta insuficiência renal leve em virtude da lesão, e a filtração glomerular permanece entre 60 a 89 ml /min/ 1,73 m2. O estágio 3 envolve insuficiência renal moderada decorrente da lesão e, nesta fase, o paciente pode apresentar sintomas leves e inespecíficos. A filtração glomerular permanece entre 30 e 59 ml /min/ 1,73 m2 e os exames laboratoriais, além de estarem alterados em parâmetros vinculados à função renal, também demonstram alterações secundárias à DRC, como anemia. No estágio 4, a insuficiência renal é considerada grave, com filtração glomerular entre 15 e 29 ml /min/ 1,73 m2, e o paciente apresenta sinais e sintomas graves de uremia, como náuseas, vômito, perda do apetite, emagrecimento, falta de ar, edema, palidez etc. Finalmente, no estágio 5, o paciente apresenta insuficiência renal terminal, evidenciando a incapacidade dos rins em manter funções vitais para a sobrevivência do indivíduo. Os sinais e sintomas são intensos e a depuração artificial do sangue, por meio de hemodiálise ou diálise peritoneal, se torna necessária, caso o transplante renal não seja possível. A lesão renal aguda ocorre de forma abrupta, 16 ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL sendo entendida como o prejuízo súbito da capacidade renal, com implicações perigosas à saúde do indivíduo. As causas podem ser as mais diversas, sendo que o tratamento destina-se a solucionar o fator que está causando a lesão. Em virtude da diversidade das possíveis causas e tratamentos da doença renal aguda, essa seção objetivará abordar com mais afinco a DRC. Prevalência, etiologia e fatores de risco da DRC: De acordo com dados fornecidos pelo Ministério da Saúde, dos adultos brasileiros (~120 milhões), 46,6% apresentam sobrepeso, 24,4% são hipertensos, 16,9% apresentam dislipidemia, 13,9% são obesos e 5,8% são diabéticos. Todas estas condições, em especial a HAS e o DM, aumentam o risco de desenvolvimento de DRC, sendo possível observar um aumento crescente no número de pacientes em diálise no Brasil. Não obstante, indivíduos acima de 60 anos de idade, portadores de doenças cardiovasculares ou de doenças associadas à perda da função renal (como glomerulopatias, nefropatia crônica do enxerto renal, doença renal policística, infecções urinárias de repetição, uropatias obstrutivas e neoplasias) também estão sob um maior risco de desenvolver DRC. Em contrapartida, indivíduos portadores de DRC também apresentam maior disposição de desenvolver inúmeras doenças, como doenças cardiovasculares, sendo esta a principal causa de morbidade e mortalidade nestes indivíduos. Considerando que os principais fatores de risco da DRC estão associados à nutrição, compreende- se esta ciência como uma importante estratégia na prevenção de DRC. Além disso, a nutrição também desempenha papel de destaque como coadjuvante no tratamento da DRC. Fisiopatologia da DRC: Antes de discutir a fisiopatologia da DRC, é de suma importância relembrar as funções renais, das quais destacam-se: (i) eliminação de substâncias indesejáveis ao organismo, (ii) manutenção do equilíbrio eletrolítico e acidobásico, (iii) regulação da osmolaridade e do volume de líquido corporal e (iv) síntese de hormônios, como 17 ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL eritropoetina, renina, calcitriol, cininas e prostaglandinas. Considerando as importantes funções do rim, é possível compreender o quanto a DRC é lesiva ao organismo. A DRC é iniciada a partir de uma lesão renal irreversível com consequente perda de glomérulos e prejuízo à função renal. Mesmo com o dano, o rim é capaz de manter as suas funções principais em virtude da reserva funcional, isto é, os néfrons remanescentes têm o seu trabalho aumentado, há alteração na dinâmica renal, bem como há adaptação tubular. Como resultado destes processos, o dano renal progride sem sinais e sintomas, até que, quando se percebe a doença, ela já está demasiadamente avançada. Na DRC avançada, é possível notar a presença de rins contraídos e a substituição do tecido renal normal por tecido fibroso, indicando uma esclerose progressiva dos glomérulos. Como consequência da função glomerular prejudicada, há aumento da fração de excreção de sódio e aumento da expansão do volume extracelular, o que resulta em hipertensão arterial e edema. Já com o potássio, apesar do rim conseguir manter o balanço deste nutriente mesmo nos estágios avançados da DRC, a resposta renal à uma carga de potássio é mais lenta, o que pode resultar em quadros de hiperpotassemia após a ingestão de alimentos ricos em potássio. Não obstante, com a diminuição da função renal, há aumento da concentração plasmática de fósforo. Além destes eventos, o rim também perde a capacidade de concentrar e diluir a urina, sendo que nos estágios mais avançados da DRC, o volume urinário diminui. Assim, se a ingestão de água for excessiva, há um risco de hiponatremia. A filtração glomerular prejudicada também resulta em uma menor reabsorção do bicarbonato filtrado, reduzindo as concentrações de bicarbonato sérico e comprometendo o balanço acido-básico. Em razão do aumento do estresse mecânico na parede dos capilares glomerulares e o aumento do diâmetro destes, pode ocorrer o desprendimento das células do epitélio glomerular, de forma a gerar espaços, os quais permitem o influxo de água e solutos. Moléculas de tamanho maior, como o fibrinogênio, depositam-se no espaço subendotelial, obstruindo a luz do capilar e diminuindo a perfusão e a filtração glomerular. O 18 ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL aumento da tensão sobre as células mesangiais induz a síntese de citocinas pro-inflamatórias, estimulando a inflamação. Estudos sugerem, ainda, que a hipercolesterolemia seria um fator importante para favorecer a injúria glomerular, sendo que a reversão deste quadro poderia amenizar a taxa de progressão do dano renal. Vale salientar que os mecanismos pelos quais a hipercolesterolemia seria lesiva na DRC ainda são pouco claros. Finalmente, a proteinúria contribui com a lesão renal, visto que a excreção elevada de proteínas causa toxicidade mesangial, hiperplasia e sobrecarga tubular, e ativação de citocinas inflamatórias, induzindo mecanismos de toxicidade e inflamação. Neste sentido, a proteinúria é, também, um importante marcador de lesão renal, sendo que níveis elevados de proteinúria estão vinculados com declínio mais rápido dafiltração glomerular. Hemodiálise, Diálise Peritoneal e Transplante Renal As terapias renais substitutivas devem ser utilizadas por pacientes cujas as funções renais já não são capazes de executar as tarefas principais para a sobrevivência. Os métodos utilizados são hemodiálise, diálise peritoneal ou transplante renal. As características do paciente que são indicativas da necessidade de terapia renal substitutiva são hiperpotassemia, hipovolemia, pericardite, encefalopatia urêmica ou outras condições que propiciem um risco significativo de morte. No Quadro 1 são apresentadas as principais causas indicativas do início da terapia dialítica. Quadro 1. Situações indicativas do início da terapia dialítica. Pericardite Hipervolemia refratária aos diuréticos Hipertensão arterial refratária às medicações hipotensoras Sinais e sintomas de encefalopatia Sangramentos atribuíveis à uremia Náuseas e vômitos persistentes Hiperpotassemia não controlada Acidose metabólica não controlada Fonte: Adaptado de Gonçalves et al. (2013). 19 ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL A avaliação da função renal pode ser feita por meio da análise das concentrações séricas e urinárias de ureia e creatinina, bem como por meio da estimativa da taxa de filtração glomerular. Caso a taxa de filtração glomerular seja inferior ou igual a 10 ml /min/ 1,73 m2 ou o paciente apresente complicações crônicas e agravadas da uremia, há necessidade de se iniciar o tratamento dialítico, pois, nestes casos, o tratamento conservador já não é capaz de manter o estado nutricional e a qualidade de vida. É importante salientar que algumas condições são contraindicações à terapia dialítica crônica, como doença de Alzheimer, demência por multi-infartos, síndrome hepatorrenal, cirrose avançada com encefalopatia e doenças malignas avançadas. Quanto à escolha do método – hemodiálise ou diálise peritoneal – caso não haja contraindicações, a escolha fica a critério do paciente, considerando questões clínicas, psíquicas e socioeconômicas. Hemodiálise: A hemodiálise é um processo em que há transferência de massa entre o sangue e o líquido de diálise. O sangue que é obtido por meio de um acesso vascular é impulsionado por uma bomba para um sistema de circulação extracorpórea, onde está presente um filtro, denominado de dialisador. Neste último (dialisador), ocorrem as trocas entre o sangue do indivíduo e o dialisato (que é a solução de diálise). O processo de hemodiálise necessita de um acesso vascular que forneça um fluxo de sangue adequado (~ 300 a 500 ml por minuto). Existem três principais tipos de acesso vascular, os cateteres, a fistula arteriovenosa e o enxerto vascular. Vale ressaltar que a fistula arteriovenosa normalmente é o método escolhido, em virtude da menor incidência de trombose e de infecção. Este acesso ocorre por meio de anastomose entre artéria e veia (laterolateral ou terminolateral), o mais distal possível, para que, em caso de falência, a fístula arteriovenosa possa ser reconstruída mais acima. Salienta-se, ainda, que a fístula arteriovenosa deve ser realizada no membro superior não dominante. Referente ao dialisato, este normalmente apresenta a seguinte composição: 135 a 145 mEq/L de sódio; 1 a 3 mEq/L de potássio; 20 ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL 30 a 38 mEq/L de bicarbonato; 2,5 a 3,5 mEq/L de cálcio; 0,5 a 1 mEq/L de magnésio; 100 a 124 mEq/L de cloro; 2 a 4 mEq/L de acetato; 100 a 200 mg/L de glicose. Para que o sangue do paciente não coagule durante o processo de hemodiálise, utiliza-se anticoagulante, que normalmente é a heparina sódica, cuja dose administrada no início da diálise deve ser de 100 U/kg. A infusão do anticoagulante pode ser contínua durante a diálise e deve ser descontinuada uma hora antes do término da sessão para evitar sangramento. Para os pacientes com alto risco de sangramento, a hemodiálise deve ser feita sem heparina. Normalmente, a hemodiálise é realizada três vezes por semana, durante quatro horas, de modo que a remoção de líquido seja suficiente para que o paciente atinja o peso seco (menor peso no qual o paciente apresenta-se clinicamente estável) ao findar de cada sessão. Se o ganho de peso entre as sessões de hemodiálise for excessivo, isto é, acima de 4%, é possível que a sessão de hemodiálise subsequente resulte em um peso superior ao peso seco. Assim, uma sessão adicional deve ser agendada e o paciente deve ser instruído quanto ao controle do ganho de peso entre as sessões. Algumas complicações podem ocorrer durante a hemodiálise, dentre elas, destaca-se a hipotensão arterial, que é a complicação mais frequente, ocorrendo em cerca de 20 a 30% dos procedimentos realizados. Associados a este quadro, inúmeros sinais e sintomas são relatados, como náuseas, vômitos, cãibras, sudorese, taquicardia, dor precordial e confusão mental. Para corrigir a hipotensão arterial, coloca-se o paciente na posição horizontal e infunde-se solução salina (a 0,9% - 100 mL ou mais) até a estabilização da pressão arterial. Não obstante, a ocorrência de cãibra, cefaleia, reação pirogênica (febre, tremor, mialgia e instabilidade hemodinâmica) também pode acontecer durante ou após a hemodiálise. Diálise Peritoneal: Este método é indicado para pacientes que não toleram a hemodiálise ou aqueles em que o 21 ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL acesso vascular adequado não é possível. Não obstante, este é o método preferencial para crianças. Existem algumas contraindicações à diálise peritoneal, as quais estão listadas no Quadro 2. Caso o paciente apresente estas contraindicações, sugere-se a hemodiálise. Quadro 2. Contraindicações à diálise peritoneal. Absolutas Perda da função peritoneal ou múltiplas adesões peritoneais Incapacidade física ou mental para executar o método Condições cirúrgicas não corrigíveis, como hérnias, onfalocele, gastrósquise e extrofia vesical Relativas Presença de próteses vasculares abdominais há menos de 4 meses Presença de derivações ventrículo-peritoneais recentes Episódios frequentes de diverticulite Doença inflamatória ou isquêmica intestinal Vazamentos peritoneais Intolerância à infusão de volume necessário para a diálise peritoneal Obesidade mórbida Adaptado de Gonçalves et al. (2013). A diálise peritoneal consiste na troca de solutos e fluido entre o sangue (presente nos capilares peritoneais) e o dialisato instalado na cavidade abdominal por meio de um cateter. Uma das grandes vantagens desse método é a maior liberdade e independência da clínica de hemodiálise que o paciente tem, pois ele mesmo ou o seu cuidador que realizam o procedimento. Não obstante, por ser uma técnica continua (diariamente), há maior possibilidade de a dieta ser flexível. Salienta-se, entretanto, a importância do ambiente ser estéril e dos procedimentos serem realizados de maneira adequada a fim de evitar contaminação e possíveis infecções. Existem alguns tipos de diálise peritoneal, sendo que a mais comum é a diálise peritoneal 22 ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL ambulatorial contínua (DPAC), na qual são realizadas de 4 a 5 trocas diariamente, de forma manual, com 2 a 2,5 L em cada troca, sendo que cada troca deve permanecer de 4 a 8 horas na cavidade peritoneal. Outro tipo de diálise peritoneal é a automatizada (diálise peritoneal automatizada – DPA), na qual 3 a 6 trocas são realizadas por meio de uma cicladora automática apenas durante à noite. Embora este último método seja mais vantajoso, ele é muito mais caro e, portanto, para a maior parte dos pacientes com DRC ele não é viável. Quanto àscaracterísticas do dialisato, este apresenta pH baixo (~ 5,5) de forma a evitar a caramelização da glicose. No entanto, alguns pacientes podem sentir dor durante a infusão em virtude desta característica (pH baixo). A concentração de glicose no dialisato é normalmente elevada, pois esta atua como agente osmótico, o que pode resultar em hiperglicemia, dislipidemia, obesidade e lesão do peritônio com o uso crônico da diálise peritoneal. No que se refere às complicações da diálise peritoneal, destacam-se: vazamento pericateter, falências de drenagem, dor na infusão do dialisato, edema, hérnias, hipoalbuminemia (em virtude das perdas significativas desta proteína através da membrana peritoneal), ganho de peso, hiperglicemia e hipertrigliceridemia, complicações infecciosas (como peritonite, que é a complicação mais grave em pacientes que realizam a diálise peritoneal, sendo que dor abdominal, líquido de diálise turvo e febre denunciam o problema), falência da técnica etc. Transplante Renal Os pacientes que são submetidos a transplantes renais bem-sucedidos apresentam menor taxa de mortalidade e melhor qualidade de vida quando em comparação com os pacientes em tratamento dialítico.Os transplantes renais podem ser categorizados segundo o tipo de doador em: doador vivo (podendo o doador ser familiar ou não do paciente) ou doador falecido (em morte encefálica). Quando na possibilidade de transplante, o doador precisa ser submetido a alguns testes de compatibilidade, como avaliação imunológica (avaliação do tipo sanguíneo, prova cruzada e tipagem HLA), avaliação clínica geral e triagem de doenças infecciosas, triagem de comorbidades, avaliação da anatomia dos vasos e do trato 23 ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL urinário etc. Os exames que devem ser realizados nos possíveis doadores são apresentados no Quadro 3. Quadro 3. Exames para avaliação de possível doador. Tipagem do grupo sanguíneo ABO Tipagem dos antígenos HLA-A, B e DR Hemograma completo, glicemia de jejum, creatinina, TGO, TGP, colesterol total e frações, triglicérides, urina I, determinação de proteinúria de 24 horas, clearance de creatinina, teste de tolerância oral à glicose (em indivíduos com histórico familiar de diabete melito) Sorologias para hepatites B e C, doença de Chagas, HIV, HTLV I e II, sífilis, toxoplasmose, CMV e EBV Radiografia simples de tórax, eletrocardiograma e ultrassonografia de abdome total Avaliação urológica (triagem para câncer de próstata) nos homens acima de 45 anos Avaliação ginecológica (triagem para câncer de mama e de colo de útero) nas mulheres acima de 40 anos Ecocardiograma e fundo de olho em indivíduos com histórico familiar de hipertensão arterial sistêmica Urografia excretora Aortografia abdominal (artérias renais) ou angiorressonância Adaptado de Moura & Canziani (2013). Ressalta-se que o doador deve apresentar no mínimo 18 anos e, normalmente, no máximo 80 anos (porém depende das condições do doador). Vale salientar, ainda, que nem todos os pacientes com DRC são elegíveis para o transplante, sendo que as situações contraindicadas ao transplante renal são: História recente de câncer (2 a 5 anos dependendo do tipo de tumor); Infecção em atividade; Doença extrarrenal intratável ou grave, como doença cardiovascular e pulmonar sem a possibilidade de transplante combinado; Uso de drogas ilícitas; 24 ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL História recidivante de má adesão a tratamento clínico. Além destes, existem ainda critérios de exclusão relativos ou temporários, como anomalias urológicas ou vesicais graves, crianças com peso inferior a 15 kg, obesidade grave, ausência de suporte familiar ou social para adesão ao tratamento, doenças neuropsiquiátricas etc. É importante ressaltar que idade avançada e infecção por HIV não são mais condições consideradas como contrárias ao transplante de órgãos. Não obstante, salienta-se que, conforme legislação brasileira, os pacientes só podem ser submetidos ao transplante quando apresentarem clearance de creatinina menor que 10 ml por minuto ou menor que 15 ml por minuto, desde que o receptor seja diabético ou menor de 18 anos de idade. Referente às complicações após o transplante renal, destacam- se: necrose tubular aguda (especialmente associada ao elevado período em que o rim permanece fora do corpo em doadores falecidos) e a rejeição ao enxerto. Podem ocorrem também complicações durante a cirurgia, por exemplo: fistula urinária, trombose vascular e hematoma perirrenal. Questões de múltipla escolha: QUESTÃO 02. Qual destes não é um fator de risco para o desenvolvimento de DRC? f) Eutrofia; g) Sobrepeso; h) Obesidade; i) HAS; j) DM. Comentário: Dos fatores listados, a eutrofia (peso corporal saudável) é o único que não é um fator de risco para o desenvolvimento de DRC. 26 ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL 3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Abreu, P.F. Epidemiologia. Em: Cuppari, L.; Avesani, C.M.; Kamimura, M.A. Nutrição na doença renal crônica. 1ª ed. Manole: São Paulo, 2013. Ammirati, A.L. Fisiopatologia da doença renal crônica. Em: Cuppari, L.; Avesani, C.M.; Kamimura, M.A. Nutrição na doença renal crônica. 1ª ed. Manole: São Paulo, 2013. Gonçalves, E.A.P. Terapia renal substitutiva – diálise. Em: Cuppari, L.; Avesani, C.M.; Kamimura, M.A. Nutrição na doença renal crônica. 1ª ed. Manole: São Paulo, 2013. Moura, L.R.R.; Canziani, M.E.F. Terapia renal substitutiva – transplante renal. Em: Cuppari, L.; Avesani, C.M.; Kamimura, M.A. Nutrição na doença renal crônica. 1ª ed. Manole: São Paulo, 2013. Cuppari, L.; Avesani, C.M.; Kamimura, M.A. Nutrição na doença renal crônica. 1ª ed. Manole: São Paulo, 2013. Cuppari, L. Guias de medicina ambulatorial e hospitalar da EPM- UNIFESP: Nutrição clínica no adulto. 3ª ed. Manole: São Paulo, 2014. Cuppari, L.; Avesani, C.M.; Kamimura, M.A. Nutrição na doença renal crônica. 1ª ed. Manole: São Paulo, 2013. Cuppari, L. Guias de medicina ambulatorial e hospitalar da EPM- UNIFESP: Nutrição clínica no adulto. 3ª ed. Manole: São Paulo, 2014. Cuppari, L. Nutrição nas doenças crônicas não-transmissíveis. 1ª ed. Manole: São Paulo, 2009. Cozzolino, SMF; Cominetti, C. Livro: Bases bioquímicas e fisiológicas da nutrição, nas diferentes fases da vida, na saúde e na doença. Ed. Manole, 1ª edição, 2013. Guyton, A.C.; Hall, J.E. Tratado de fisiologia médica. 13ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2017. Van de Graaff. Anatomia humana. 6ª Ed. São Paulo: Manole. 2013. 02 7
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