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Complicações Cirúrgicas 1 Complicações Cirúrgicas PREVALÊNCIA 5 REVISÃO Complicações da Ferida Operatória O seroma é uma coleção de gordura liquefeita, soro e líquido linfático que se forma sob a incisão cirúrgica. O líquido geralmente é claro, amarelado e um pouco viscoso, sendo encontrado na camada subcutânea. No geral, apresenta- se como edema localizado e bem circunscrito, com desconforto à pressão e ocasional drenagem de líquido claro pela ferida imatura. A prevenção pode ser feita pela colocação de drenos de sucção sob os retalhos de pele ou no potencial espaço morto criado pela linfadenectomia, de modo que a retirada prematura desses drenos resulta, no geral, em grandes seromas, que requerem aspirações repetidas, sob condições estéreis, seguidas pela colocação de curativos compressivos. O seroma que reacumula após, pelo menos, duas aspirações deve ser evacuado pela abertura da incisão, feita a limpeza e permitir a cicatrização por segunda intenção. O seroma infectado também é tratado por drenagem aberta. O hematoma é uma coleção anormal de sangue, geralmente no SC de uma incisão recente ou em um espaço potencial na cavidade abdominal após exérese de um órgão. Possui maior potencial para infecções secundárias. As manifestações clínicas vraiam de acordo com o tamanho e a localização do hematoma, podendo se manifestar como uma tumefação expansiva ou como dor rna área da incisão cirúrgica — ou como ambas. Quanto aos locais de surgimento, temos diferentes manifestações: Pescoço: comprometimento de via aérea. Retroperitôneo: íleo paralítico, anemia e outros. Extremidades e cavidade abdominal: síndrome compartimental. Para a prevenção, deve-se corrigir no pré-operatório qualquer anormalidade da coagulação e descontinuar medicamentos que a alterem. Complicações Cirúrgicas 2 Hematomas pequenos são reabsorvidos, mas hematomas maiores ou que possam comprometer funções vitais (como obstrução de vias aéreas) podem ser drenados. A infecção de ferida operatória é definida como a infecção que ocorre em até 30 dias após a cirurgia (ou 1 ano, se houver uso de implantes e próteses). Geralmente tem etiologia de germes da pele, como o S. aureus e outros gram- positivos. Pode ser vista como um espectro de complicações que vão variar de acordo com a camada de acometimento da infecção, variando em gravidade e tratamento. A infecção superficial envolve apenas a pele e o SC. Apresenta-se com hiperemia local, dor, edema ou drenagem purulenta. O tratamento deve ser feito com abertura dos pontos para facilitar a drenagem e curativos diários. Antibióticos só devem ser utilizados caso o paciente apresente sinais de celulite (hiperemia além da ferida operatória) e comprometimento sistêmico. A infecção profunda envolve os planos profundos (músculo e fásci), mas não atinge órgãos internos. Abscessos ou deiscência da sutura podem estar presentes. Deve ser feita exploração da ferida para avaliar a extensão e, caso haja tecido desvitalizado, o desbridamento pode ser indicado. Antibioticoterapia semelhante à infecção superficial. Cultura é pouco útil devido à alta taxa de contaminação. A infecção de órgãos ou cavidades envolve qualquer parte que foi abera e manipulada durante o procedimento cirúrgico. O diagnóstico se dá pela presença de drenagem purulenta, abscesso ou cultura positiva de secreção intracavitária. O antibiótico sempre será necessário, associado a alguma técnica de drenagem da secreção (cirúrgica ou punção). Deiscência de Ferida Operatória A deiscência de ferida operatória é a separação das camadas musculoaponeuróticas no início do curso pós-operatório. Está entre as complicações mais temidas pois há a possibilidade de evisceração e necessidade de intervenção imediata, além de haver possibilidade de deiscência repetida, infecção da ferida e formação de hérnia incisional. No geral, está relacionada com erros técnicos de suturas muito próximas à margem, muito distantes ou sob grande tensão. Complicações Cirúrgicas 3 A infecção profunda é uma das causas mais comuns de separação localizada da ferida. Outros fatores que podem contribuir são: pressão intra-abdominal aumentada e fatores que influenciam adversamente a cicatrização da ferida. Para a prevenção, pode-se lançar mão de sutura com pontos separados. Uma vez diagnosticada, o tratamento depende da extensão da separação da fáscia e da presença de evisceração ou contaminação intra-abodminal significativa. Uma deiscência pequena pode ser tratada de forma conservadora, cobrindo a ferida com gaze umedecida e uma bandagem abdominal. Em caso de evisceração, os intestinos devem ser cobertos com uma compressa estéril umedecida com solução salina e o paciente deve ser preparado para retornar à sala de operação com ugência. Durante a reabordagem, realiza-se uma exploração completa da cavidade abdominal para exclusão de foco séptico ou deiscência ansatomótica que possa ter predisposto à deiscência da incisão cirúrgica. O tratamento da infecção tem importância crítica antes de se tentar o fechamento da parede abdominal. Se a fáscia estiver infectada ou necrótica, realiza-se o seu desbridamento. Se, após isso, as margens da fáscia não puderem ser aproximadas sem tensão indievida, deve-se considerar o fechamento com tela absorvível ou com as próteses biológicas. Na eventração, ocorre deiscência apenas da aponeurose, deixando íntegra a sutura da pele. O paciente evolui com hérnia incisional e o tratamento é a ressutura da parede, da aponeurose, em caráter eletivo precoce. Na evisceração há uma deiscência completa, tanto da aponeurose quanto da pele, de forma que as vísceram assumem contato com o meio externo. É uma situação grave e deve ser prontamente resolvida com ressutura de padde em caráter urgente. O paciente se queixa de grande vazamento de líquido pela ferida cirúrgica, correspondendo à saída de líquido peritoneal. Comumente, as alças intestinais são visíveis através da ferida. As feridas crônicas são as que não cicatrizam completamente em um período de 30 a 90 dias após o procedimento cirúrgico. São mais frequentes em pacientes que fazem uso de altas doses de corticóide, nos imunossuprimidos com câncer que estejam em QT ou RT, pacientes desnutridos, pacientes com deiscência de sutura, com uma grande base de granulação e pacientes com SIDA. A prevenção geralmente é difícil, mas pode-se evitar operações sobre Complicações Cirúrgicas 4 locais irradiados, orientar a perda de peso ou melhora do estado nutricional e cessação do tabagismo. Febre no Pós-Operatório Devido ao extenso número de condições que podem levar ao aumento da temperatura corpórea, os sintomas associados e, principalmente, o dia de pós- operatório de início do quadro febril são de extrema importância para o diagnóstico definitivo. No intraoperatório ou pós-operatório imediato duas hipóteses são mais prováveis: infecção preexistente ou reações transfusionais. Vale lembrar que um dos principais diagnósticos diferenciais é a hipertermia maligna, que é uma crise hipermetabólica potencialmente fatal que se manifesta durante ou após a exposição a um anestésico geral em indivíduos suscetíveis. A manifestação da hipertermia maligna pode ser variada e o tratamento é baseado na descontinuição da droga deflagradora, hiperventilação do paciente com O2 a 100%, administração de anestesia alternativa, concluir a operação, administrar dantrolene (relaxante muscular) 2,5 mg/kg em boulos e repetir a cada 5 minutos, depis 1 a 2mg/kg/h até a normalização ou desaparecimento dos sintomas, checar e monitorizar o paciente (gasometria arterial, creatina cinase, eletrólitos, lactato e mioglobina), além de eletrocardiograma, sinais vitais e débito urinário. Entre o segundo e o quarto dia de pós-operatório destacam-se as condições inflamatórias não infecciosas, como a REMIT ou atelectasia. Outras complicações como TVP, embolia gordurosa, hematoma e seroma também podem ser responsáveis. Nesses casos, o pacientenão apresenta alterações sistêmicas associadas e o tratamento é de suporte. A fasceíte necrotizante é uma infecção profunda da ferida operatória que, devido à sua rápida evolução, pode se manifestar nos primeiros dias. Hiperemia além das bordas da ferida com progressão em horas e presença de gás, podem ser sinais. A antibioticoterapia e a intervenção cirúrgica com desbridamento extenso da área acometida devem ser imediatas. A atelectasia normalmente evolui com febre baixa. Após o terceiro dia de pós-operatório as causas infecciosas passam a ser mais prevalentes. As infecções urinárias vêm em primeiro lugar, seguidas de Complicações Cirúrgicas 5 pneumonias, infecções associadas a cateteres e ferida operatória. O tratamento deve ser direcionado para o foco infeccioso suspeito. Os pacientes com anostomose do sistema digestivo devem ter atenção especial entre o 5º e o 7º dia, quando há maior preocupaçao em relação à deiscência dessa anastomose e extravasamento do conteúdo entérico. Tromboembolismo Venoso O TEP é uma complicação do TVP. O melhor tratamento para essas condições é a profilaxia, seja mecânica ou química/medicamentosa. Complicações Pulmonares As alterações pulmonares após procedimentos cirúrgicos são muito comuns — a capacidade pulmonar pode reduzir em até 50% nos primeiros dois dias do pós-operatórios sem haver nenhuma patologia associada. A atelectasia é a complicação mais comum. A ação dos anestésicos, da incisão abdominal e dos narcóticos pós-operatórios faz com que os alvéolos periféricos entrem em colapso, podendo ocorrer uma derivação pulmonar. Diante disso, caso não haja uma intervenção imediada, esses alvéolos podem permanecer colapsados, levando ao acúmulo de secreções que podem se infectar por bactérias. A pneumonia pode se desenvolver de forma precoce ou tardiamente. Em relação ao quadro clínico, sabe-se que a atelectasia é a causa mais comum de febre pós-operatória nas primeiras 48h, com os pacientes apresentando febre baixa, mal-estar, diminuição do MV nos campos pulmonas inferiores, podendo evoluir para pneumonia. Com o estabelecimento da pneumonia, o paciente apresenta febre alta, ocasionalmente, confusão mental e a tosse produtiva com secreção espessa, leucocitose e RX de tórax revelando infiltrados. O paciente pode evoluir para insuficiência respiratória e necessitar de intubação. A prevenção está associada ao controle da dor, o que permite que o paceinte respire profundamente e consiga tossir. A abordagem de tratamento isolada mais valiosa na resolução da atelectasia e da pneumonia consiste em encorajar o paciente a respirar profundamente e tossir com a aplicação de um travesseiro sobre o local da incisão abdominal. Complicações Cirúrgicas 6 A aspiração de conteúdos orofaríngeos ou gástricos para o trato respiratório é uma complicação grave das cirurgias, podendo evoluir com pneumonia e pneumonite pós-aspiração. A pneumonite porr aspiração/síndrome de Mendelson está relacionada com o contato do conteúdo gástrico com a mucosa pulmonar, ocorrendo uma lesão pulmonar aguda. A pneumonia por aspiração decorre da inalação de secreções orofaríngeas que são colonizadas por bactérias patogênicas. Dentre os fatores de risco para regurgitação e aspiração temos: lesão dos esfíncteres esofágicos e reflexos laríngeos, motilidade GI alterada e ausência de jejum pré-operatório. Os fatores de risco para aspiração orofaríngea inclui: idosos, pacientes com tubo nasogástrico ou debilidade de deglutir e limpar as vias aéreas. Em relação à clínica, o paciente com aspiração aparesenta história de vômitos associado à aspiração, manifestando-se com sibilos e respiração ruidosa, enquanto os pacientes que aspiram conteúdo gástrico cursam com tosse e sibilos. Alguns pacientes apresentam aspirações silenciosas, sugeridas pela presença de infiltrado no RX de tórax ou PaO2 reduzida. Outros pacientes podem ter manifestações mais graves, com apneia e sibilo que progressivamente evoluem para edema pulmonar e SARA. A prevenção da aspiração é obtida com medidas que reduzem o conteúdo gástrico, minizem a regurgitação e protejam a via aérea. Com a suspeita de aspiração, o paciente deve ser prontamente monitorado e, se necessário, deve ser intubado, seguido de aspiração agressiva da árvore brônquica. Os pacientes devem receber antibioticoterapia empírica. Complicações Gastrointestinais A obstrução intestinal pós-operatória precoce é considerada como aquel que ocorre em 30 dias após a operação. Essa obstrução pode ser funcional (íleo), decorrente da inibição da atividade intestinal propulsiva, ou mecânica, resultado de uma barreira física. Complicações Cirúrgicas 7 O íleo que ocorre imediatamente após a cirurgia na ausência de fatores precipitantes dura, em média, 2 a 4 dias, sendo denominado de íleo primário ou pós-operatório. O íleo que ocorre devido a um fator precipitante e se associa em atraso no retorno da função intestinal é chamado de íleo secundário, adinâmico ou paralítico. A obstrução mecânica pode ter como causa uma barreira luminal, mural ou extramural — a obstrução mecânica precoce é comumente causada por aderências. O íleo pós-operatório afeta primariamente o estômago e o cólon. O íleo paralítico afeta o estômago, o intestino delgado e o cólon. O íleo paralítico cursa com dor e distensão abdominal, parada/redução da eliminação de fezes e flatos, náuseas, vômitos, desidratação e queda do estado geral. O diagnóstico é baseado nos achados clínicos e radiográficos. As radiografias abdominais revelam alça intestinal difusamente dilatada por todo o trato intestinal, com ar no cólon e reto, além de níveis hidroaéreos. As medidas preventivas devem ser iniciadas no período intraoperatório e continuadas no pós-operatório imediato. Em relação ao tratamento, o íleo paralítico deve ser tratado mediante a resolução de algumas das anormalidades (possíveis etiologias) e, esperando-se a cura, geralmente não sendo exigida intervenção cirúrgica. A obstrução mecânica parcial inicialmente é tratada de forma expectante, caso o paciente se mantenha de forma estável e com melhora clínica e radiológica. Caso sejam detectados sinais de deterioração, ou se não ocorrer a melhora, a cirurgia está indicada. As anastomoses GI podem, por vários motivos, evoluir desfavoravelmente, com deiscências e consequente extravasamento de conteúdo GI para dentro da cavidade abdominal. Os fatores de risco para deiscência de anastomotose GI incluem: Técnica cirúrgica: Tensão na linha de sutura. Perfusão sanguínea na anastomose. Localização da anastomose: Complicações Cirúrgicas 8 Pâncreas. Duodeno. Esôfago. Colorretais. Fatores locais: Sepse. Processo inflamatório. Coleção de líquido próximo à anastomose. Preparação mecânica do intestino. Drenos. Malignidade avançada. Radioterapia ou quimioterapia. Cirurgia de emergência. Choque circulatório. Desnutrição e deficiência de vitaminas. Obesidade. Uso de glicocorticóides. Tabagismo. O quadro clínico cursa com febre, dor abdominal, sintomas de peritonite, leucocitose e saída de secreção purulenta/fecaloide pela ferida. Uma estratégia que não reduz a taxa de complicação, porém reduz a gravidade da situação é a atitude de deixar um dreno de vigilância perto da anastomose. Ao mínimo sinal de saída de secreção fecaloide pelo dreno, pode-se fazer o diagnóstico. O tratamento varia de acordo com a evolução do doente. Se a contaminação se espalhar na cavidade, caso o paciente esteja com sepse ou comprometimento do estado geral, será necessária nova abordagem cirúrgica para drenagem da coleção acumulada, lavagem da cavidade, desvio do trânsito intestinal com ileostomia ou colostomia. Complicações Cirúrgicas 9 A tentativa de fechamento da deiscência com sutura cirúrgica é pouco efeicaz devido ao processo inflamatório. Caso a contaminação fique localizada, pode-se realizar uma drenagem percutânea ou, quando já com drenos abdominais, prosseguir com jejum,hidratação, suporte nutricional parenteral e observação. Em um segundo momento, após reduzido o débito da fístula, pode-se reintroduzir a dieta. As fístulas gastrointestinais podem surgir de complicações de anastomoses cirúrgicas que evoluem para deiscência, processos inflamatórios (doença de Crohn) ou, até mesmo, de forma intencional (colostomia, ileostomia e cistostomia). A depender do conteúdo da fístula, desnutrição e diferentes distúrbios hidroeletrolíticos podem aparecer. Fístulas altas (gástricas e entéricas) podem levar à desidratação importante pelo alto débito e hipocalemia. Fístulas pancreáticas ou duodenais podem levar à acidose metabólica pela perda de bicarbonato. A suspeita deve ocorrer a partir do 5º dia de pós-operatório, quando o paciente apresenta algum desses sintomas: Taquicardia. Febre. Dor abdominal. Mudança na quantidade e/ou aspecto do dreno de vigilância — dá pistas sobre a origem da fístula. Leucocitose. O tratamento baseia-se em suporte nutricional e suporte infeccioso. A fístula bem drenagda, com adequado suporte nutricional e infeccioso, se fecha sozinha. No entanto, se o paciente evoluir com instabilidade clínica ou se a fístula for de uma enteroenteroanastomose, a reabordagem cirúrgica para ressecção do seguimento fistulizado e nova confecção de anastomose é factível com altas chances de sucesso.
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