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Programa da Prática Médica Caso 1 Aula Teórica 1 Politraumatismo Introdução Quando se tem um caso de traumatismo ou politraumatismo, é essencial se atentar à cinemática do trauma, isto é, o mecanismo que ocasionou o trauma, para que ele possa ser melhor compreendido e tratado. A cinemática de um atropelamento por carro por exemplo é totalmente diferente da cinemática de uma queda de um edifício, por isso conhecer esses mecanismos do trauma é importante. Conhecer a cinemática permite ao médico supor lesões e tratar o paciente da melhor forma possível, investigando todos os possíveis traumas que determinado mecanismo pode ocasionar em um paciente. Quando se estuda politraumatismo, é recomendada a utilização do ATLS (Suporte Avançado de Vida no Trauma) para que se tenha um conhecimento básico sobre o atendimento do paciente que sofreu um traumatismo. O atendimento do paciente com trauma depende de vários fatores para que seja eficaz, dentre eles pode-se citar os recursos do hospital ao qual ele foi levado, a equipe do hospital, o atendimento pré-hospitalar e a preparação do médico para lidar com esse tipo de situação. UTI móvel/ equipe de suporte avançado de vida tem um médico na equipe, respiradores, permite a realização de punções intraósseas, acesso venoso, intubação e outros procedimentos. A equipe de suporte básico de vida não tem todos esses recursos e geralmente não conta com um médico na equipe. Trauma O trauma é uma condição caracterizada por lesões estruturais ou desequilíbrios fisiológicos. É quando se tem alterações fisiológicas em pacientes que sofreram acidentes e apresentam lesões estruturais. O trauma pode ser causado por uma energia de caráter mecânico, elétrico, térmico, químico e radioativo. Os traumas são mais comuns em pacientes mais jovens pela imprudência . Alguns dados relevantes que se pode lembrar são: traumas são a terceira maior causa de mortes no Brasil, ficando atrás apenas de problemas cardiovasculares e oncológicos. As principais causas de morte por traumas são acidentes de trânsito, seguido por suicídio, homicídio, afogamento, envenenamento, queda e tiro. Politrauma O politrauma é quando se tem duas lesões ou mais em sistemas de órgãos como órgãos torácicos, abdominais, encefálicos ou ossos, sendo que pelo menos uma das lesões represente um risco de vida ao paciente. As mortes por politrauma geralmente acontecem por um atendimento pré- hospitalar ou hospitalar deficiente. Distribuição Trimodal de Mortes Em pacientes que sofreram traumas existem três momentos (distribuição trimodal de mortes) em que se pode ter a morte deles. O primeiro momento acontece entre segundos e minutos depois do evento. Muitas vezes, mesmo tendo acesso a uma boa equipe, o trauma pode ter sido tão intenso que a morte (ou sequelas graves) é inevitável. Esse momento representa 50% das mortes e para ser evitado devem ser tomadas medidas preventivas (como instrução de motoristas durante a autoescola sobre os riscos que determinadas condutas oferecem). Exemplos de condições que causam esse tipo de morte são traumatismos cardíacos, lacerações de aorta e lesões da medula espinal. O segundo momento, chamado de Golden Hour, acontece entre minutos e horas após o trauma e representa 30% das mortes. Os exemplos de causas de morte nesse momento são a hemorragia causada por ruptura esplênica, laceração hepática ou fraturas pélvicas. Vale lembrar que essa é a hora de ouro pois se o paciente receber um atendimento adequado, as chances de ele sobreviver são muito grandes. Por fim, o terceiro momento em que se tem mortes decorrentes de traumas é aquele entre várias horas e semanas depois do acidente. As mortes nesse período são causadas por falta de cuidado durante o atendimento ao paciente, podendo-se mencionar importantes exemplos como sepse, embolia pulmonar, trombose e a disfunção sistêmica de múltiplos órgãos. ‘ . Atender o Paciente Vítima de Trauma O atendimento ao paciente vítima de trauma envolve várias etapas, são elas: preparação, triagem, exame primário (ABCDE), reanimação (quando necessário), medidas auxiliares do exame primário, exame secundário, medidas auxiliares do exame secundário, reavaliação e monitorização contínua do paciente. Preparação O primeiro passo desse atendimento é a preparação, ela envolve o ambiente pré-hospitalar e o ambiente hospitalar. No ambiente pré-hospitalar, é importante que seja comunicada a transferência para uma UTI ou UPA, a sinalização da via pública e o transporte ao hospital (que seja de referência para atendimento a pacientes com traumas, de nível terciário) mais próximo. No ambiente hospitalar, a preparação envolve a determinação de uma equipe (com um líder), a preparação de uma sala de trauma com equipamentos e a proteção da equipe. Triagem A triagem envolve a classificação do paciente, o que vai direcionar o tratamento e os recursos que serão utilizados de acordo com a disponibilidade. É um momento essencial em acidentes com múltiplas vítimas, momento em que se atende primeiro os pacientes com maior risco de vida, e em desastres, quando o número de vítimas e a gravidade dos pacientes ultrapassam a capacidade do hospital. Em desastres, é recomendado atender primeiro pacientes com mais chances de sobreviver. Exame Primário O exame primário realizado em pacientes com traumas segue o ABCDE do trauma. A se refere a checagem de obstrução de vias aéreas, B se observa os movimentos torácicos, se realiza a ausculta para avaliar a respiração e oferece oxigênio ao paciente, C é o momento de controlar hemorragias para prevenir hipovolemias, D se determina o nível de consciência do paciente e E se expõe todo o corpo do paciente, avaliando ele e controlando hipotermia durante esse processo. A É a prioridade no exame primário que se refere à avaliação da abertura das vias aéreas e à imobilização da coluna cervical com o colar cervical rígido e a prancha longa. Esse passo evita o comprometimento fatal da medula espinal alta. Caso necessário, é nesse momento que se realiza a intubação do paciente, para a qual se remove o colar cervical mantendo uma pessoa estabilizando a cabeça do paciente enquanto outra pessoa realiza a intubação. A maioria dos óbitos nessa etapa acontecem por luxação entre atlas e occipital, fratura de C1 e C2, e fratura de Hangman (associada a fraturas de crânio e mandíbula), que corresponde a uma avulsão dos arcos de C2 e uma fratura de C2 sobre C1. No ambiente hospitalar, o colar cervical pode ser retirado caso o paciente apresente Glasgow 15, exame neurológico normal, ausência de dor cervical, ausência de abuso de álcool e drogas. A avaliação radiológica da coluna cervical é necessária em pacientes com mais de 65 anos, em casos de parestesias em extremidades, queda maior que 1 metro, colisão em veículo motorizado e na condição de incapacidade de realizar movimento rotacional do pescoço. Quanto a abertura da via aérea, deve-se lembrar que pacientes sem prejuízo na fonação dificilmente terão obstrução das vias aéreas. Nos casos de paciente sem obstrução das vias aéreas, é protocolo fornecer máscara facial de oxigênio 1 1 L/ min. O comprometimento clínico das vias aéreas pode acontecer de forma súbita ou progressiva, e pode ser expresso na forma de agitação (hipóxia) e letargia (hipercapnia). Manobras As manobras para favorecer a via aérea e melhorar a respiração do paciente são a Chin-lift (elevação do queixo) e a Jaw-thrust (leve tração da mandíbula, isto é, seu deslocamento anteriormente). Ambas as manobras devem ser realizadas em pacientes com nível de consciência rebaixado. A coluna cervical sempre deve estar estabilizada, mesmo durante a realização das manobras. Caso realize as manobras e o paciente continua do mesmo jeito, deve-se avançar para a intubação ou para a realização de uma via aérea cirúrgica (cricotireoidostomia ou traqueostomia). *Deve-se realizar a proteção da via aérea em condiçõesde lesão por inalação, fraturas faciais e convulsões reentrantes. Métodos para acesso da via aérea As vias aéreas que podem ser usadas para garantir acesso definitivo ao paciente são a intubação endotraqueal (envolve a orotraqueal e a nasotraqueal), cricotireoidostomia ou traqueostomia. ● Quanto a intubação orotraqueal, ela deve ser feita tomando cuidado para evitar agravamentos de possíveis lesões presentes na medula cervical, por isso deve ser feita com um auxiliar retificando a coluna cervical. Na cena do trauma, é recomendado realizar a sequência rápida de intubação, que consiste num método anestésico que permite a IOT rápida e não-traumática. A sequência rápida permite um acesso rápido da via aérea mesmo com ‘ . a existência do reflexo do vômito. Inicialmente se realiza uma pré-oxigenação com 100% de oxigênio (geralmente auxiliada pela cânula de Guedel), depois realiza uma pressão sobre a cartilagem cricóide para ocluir o esôfago (manobra de Sellick) e então se utiliza de anestésicos de ação rápida (etomidato 0,3 mg/ kg) e um bloqueador neuromuscular (succinilcolina 1-2 mg/ kg). Uma manobra facilitadora que um auxiliar pode fazer para facilitar a intubação é a manobra BURP, na qual se realiza uma pressão da cartilagem tireóidea para traz, para cima e para a direita sucessivamente. ● A intubação nasotraqueal é menos empregada, é contraindicada em casos de apneia e trauma, além de poder causar necrose tecidual e sinusite. Os dois principais sinais que indicam trauma de base de crânio (e tornam totalmente contraindicado esse tipo de intubação) são o Sinal do Guaxinim (equimose periorbitária) e o Sinal de Battle (equimose retro-auricular) ● O acesso cirúrgico é indicado em traumas maxilofaciais (geralmente envolvendo fragmentos dentários, secreção e sangue), distorção anatômica por traumas no pescoço ou incapacidade de visualização das cordas vocais (por edema de via aérea ou acúmulo de secreções ou sangue). A traqueostomia é uma realizada raramente e é recomendada para menores de 12 anos. A cricotireoidostomia por punção é rápida, feita com agulha, oferece ventilação intermitente a jato e retenção de CO2. Por fim, a cricotireoidostomia cirúrgica é feita através de uma incisão transversa cervical sobre a membrana cricotireóidea, seguida por uma dilatação feita com a Kelly e a inserção da cânula Portex (7-8 mm) até o nível da traqueia, sendo contraindicada relativamente para menores de 12 anos. Classificação de Mallampati e de Cormack Mallampati é a classificação de abertura de orofaringe que auxilia na identificação da dificuldade de intubação de cada paciente. Cormack é a classificação do paciente de acordo com o nível de visualização das cordas vocais que sua anatomia proporciona. Vias aéreas difíceis Exemplos de casos de via aérea de difícil intubação são pacientes com traumas faciais, tumores cervicais, alterações de mandíbula, obesos e pacientes com macroglossia. Em pacientes nessa condição, pode-se utilizar de videolaringoscopia, máscara laríngea, introdutor de tubo traqueal de Eschmann (ou Bougie, é um fio guia passado dentro da cânula) ou um combitubo/ tubo esôfago-traqueal (apresenta um lúmen proximal para a laringe e um distal que oclui o esôfago). *A máscara e o combitubo não são acessos definitivos Conclusão Por fim, é importante a inspeção da via aérea, buscando corpos estranhos (como próteses dentárias e piercings), vômito, acúmulo de saliva e sangue. No caso de presença de corpos estranhos, deve-se utilizar a laringoscopia direta para confirmação e seguir com a sucção do objeto. *É essencial proteger a via aérea da aspiração de conteúdo gástrico (síndrome de Mendelson). B Todas as vítimas de traumas devem receber O2, seja por máscara facial ou tubo endotraqueal. É necessária a oximetria de pulso e eletrocardiografia contínua. A ventilação mecânica é realizada em casos de lesão grave de parede torácica, diminuição do drive respiratório ou casos de hipoxemia com infiltrado no parênquima. C Nesse momento se realiza avaliação hemodinâmica e a coleta de amostras de sangue para avaliação laboratorial como BHCG (principalmente em mulheres na menacme, que são aquelas capazes de engravidar), gasometria venosa, dosagem de lactato e teste toxicológico. Após a avaliação, para pacientes instáveis, deve-se realizar reposição volêmica com acessos periféricos e, na ausência deles, usar acessos centrais como a dissecção da veia safena ou a técnica de Seldinger (utiliza da veia femoral, jugular interna ou subclávia). *Veia subclávia exige cuidado para evitar pneumotórax Deve-se ter em mente que todo politraumatizado em choque é portador, até a segunda ordem, de choque hipovolêmico hemorrágico. Em crianças, a reposição volêmica deve ser feita com agulha intraóssea (caso não dê certo aí tenta o acesso central), num ponto a três dedos da tuberosidade da tíbia. Não deve ser realizada em locais de fratura e infecção pelo risco de osteomielite. ‘ . Agora, no atendimento pré-hospitalar, em pacientes com hemorragia externa, deve-se realizar controle da perda de sangue através da compressão da ferida, podendo se utilizar o torniquete, ou curativos compressivos. O sangramento continuado deve ser abordado somente em centro cirúrgico, o que evita abordagens às cegas na emergência. Os mecanismos usados para evitar perdas sanguíneas por hemorragia interna são a MAST (roupa pneumática antichoque), lençol (passado pelos trocanteres com um nó apertado para estabilizar a pelve em caso de lesão em livro aberto) e Prefabricated Pelvic Binder (estabiliza a pelve em casos de lesão em livro aberto). D Esse momento é rápido e se refere ao exame neurológico, que inclui a aplicação da escala de coma de Glasgow, a observação das pupilas e das extremidades. Condições de hipoxemia, hipotensão, uso de álcool ou drogas podem rebaixar o nível de consciência. E Esse é o momento de expor a vítima, isto é, despir ela totalmente e examina-la rapidamente dos pés à cabeça em busca de lesões não identificadas. Lesões em região dorsal, na região perineal e traumas penetrantes podem ser revelados dessa forma. O paciente deve ser aquecido com cobertores térmicos e a temperatura da sala deve estar adequada. Reanimação A qualquer momento durante o exame primário, a reanimação pode ser necessária, ela envolve o acesso às vias aéreas, a garantia de uma ventilação adequada (seja por meio do ambu apenas ou por meio da intubação) e a infusão de fluídos no combate a hipovolemia e o choque. Medidas Auxiliares Deve realizar a monitoração eletrocardiográfica, realizar a sondagem vesical, introdução de cateter gástrico (descomprime o estômago, evita broncoaspiração e, em suspeita de fratura de base de crânio, usar o cateter orogástrico), e realizar a monitoração de frequência respiratória, da satO2, da gasometria arterial, da PA e do débito urinário. Se o paciente possui um trauma fechado, é recomendado realizar exames radiológicos, como raio X anteroposterior (AP) de tórax e pelve, o lavado peritoneal diagnóstico ou uma ultrassonografia abdominal (FAST) que podem indicar uma laparotomia exploradora. Exame Secundário + História Nesse exame se avalia o paciente para identificar se ele tem tendência a normalização de suas funções vitais. A história clínica deve ser colhida junto de um exame físico detalhado, avaliação neurológica detalhada e pode-se realizar radiografias e exames complementares quando necessários e somente em paciente estáveis. Os exames que se pode realizar são tomografias computadorizadas, urografia excretora, ecocardiograma transesofágico, broncoscopia e esofagoscopia. No exame secundário deve-se avaliar o AMPLA: Alergias (medicamentosas e alimentares), Medicações em uso (uso contínuo ou recente de alguma medicação), Passado médico ou Prenhez (busca comorbidades, procedimentos prévios e gravidez), Líquidos e alimentos (saber quanto tempo desde a última refeição) e Ambiente(questione o mecanismo e as circunstâncias em que o trauma aconteceu). Sempre deve-se realizar a reavaliação constante dos sinais vitais e da diurese horária do paciente. Tendo feito todos os passos descritos até agora e estabilizado o paciente, é necessário um encaminhamento do paciente para hospitais de referência para seu tratamento definitivo, caso ele precise de correção de fraturas, craniotomia com drenagem de hematomas ou reconstruções intestinais por exemplo. Observações TCE O Trauma Cranioencefálico (TCE) é responsável por pelo menos 50% dos casos de morte no trauma, sendo o grupo mais acometido as pessoas entre 15 e 24 anos, principalmente do sexo masculino. ‘ . Os TCEs relacionados com atividades de transporte (motocicletas, automóveis e atropelamentos) representam mais da metade das lesões graves, que deixam os pacientes com Glasgow 3-8, ou que levam a óbito. Outras causas de TCE são a violência interpessoal e atividades esportivas. Cirurgia para controle de danos Em alguns casos, pode ser necessária a cirurgia para controle de danos (Damage Control) onde se realiza uma laparotomia abreviada para ressecção ou sutura de lesões orgânicas e controle vascular rápido por meio de ligaduras, tamponamentos com compressas e embolização angiográfica. Pode-se também fechar temporariamente o abdome ou realizar uma peritoneostomia. Essa cirurgia para controle de danos serve apenas para atrasar complicações, isto é, dar mais um tempo de vida ao paciente até que ele se estabilize para que seja encaminhado para outras cirurgias necessárias. Morte encefálica Ela deve ser inquestionável pois envolve aspectos emocionais, éticos e médico-legais. Para o paciente ser considerado um possível doador de órgãos, alguns aspectos devem estar presentes: a lesão cerebral deve ser conhecida, irreversível e causadora de morte encefálica. Há ausência de condições tratáveis que possam confundir o diagnóstico da ME. O paciente deve ser tratado e observado por pelo menos 6 horas, tendo sua temperatura corporal maior que 35°C, sua SatO2 > 94%, sua PA sistólica maior ou igual a 100 mmHg e sua PA média maior ou igual a 65 mmHg Dois médicos diferentes (que não fazem parte da equipe de transplante), indicados pela direção do hospital, devem realizar o diagnóstico, sendo que 1 realiza o teste de apneia. Para o teste de apneia deve-se realizar uma ventilação com O2 a 100% por 10 minutos, depois desconecta o equipamento do respirador mecânico deixando o cateter traqueal de O2 a um fluxo de 6L/ min, na ausência de movimentos respiratórios por 10 minutos ou PaCO2 > 55 mmHg, o teste do paciente deu sem reação. Outros exames que podem auxiliar no diagnóstico de morte encefálica são a angiografia cerebral, o doppler transcraniano e o EEG.