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CENTRO UNIVERSITÁRIO PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO NATALLY PUIATI CENTRO DE APOIO À SAÚDE MENTAL BARBACENA 2022 NATALLY PUIATI CENTRO DE APOIO À SAÚDE MENTAL Monografia apresentada ao curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Presidente Antônio Carlos - UNIPAC, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Arquitetura. Orientador: Prof. MSc. Carlos Magno Herthel de Carvalho BARBACENA 2022 NATALLY PUIATI CENTRO DE APOIO À SAÚDE MENTAL Monografia apresentada ao curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Presidente Antônio Carlos - UNIPAC, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Arquitetura. Aprovada em: ___/___/_____ BANCA EXAMINADORA ____________________________________________________ Prof. Me. Júlia Lima Adário Centro Universitário Presidente Antônio Carlos - UNIPAC _____________________________________________________ Prof. Me. Sarah Gabriela de Carvalho Oliveira Centro Universitário Presidente Antônio Carlos - UNIPAC _____________________________________________________ Prof. Me. Maíra Ramirez Nobre AGRADECIMENTOS "Consagre ao Senhor tudo o que você faz, e os seus planos serão bem sucedidos!" - Provérbios 16:3 Em primeiro lugar, agradeço essa conquista à Deus. Ele que sempre me fortaleceu para prosseguir, me consolou através da Sua Palavra quando a caminhada estava difícil e me mostrou que sou mais forte do que imagino ser. O processo de graduação não foi fácil, mas o amor de Deus e o Seu cuidado me sustentaram até aqui e continuarão me sustentando. Agradeço a minha avó Rosária, por tanto amor, apoio e incentivo. Agradeço a minha avó Glória, que sempre me sustentou com suas orações e palavras de amor. À minha mãe Elisângela, agradeço por acreditar em mim e sempre me fazer enxergar o meu potencial. Ao meu pai Edson, agradeço por todo amor e por me fazer ser sempre mais forte e cada vez mais dedicada. Aos meus irmãos, Analuisa e Jonathan, agradeço por todo apoio, amizade e companheirismo. E também agradeço a todos os meus familiares, que de alguma forma torceram por essa grande conquista. Ao meu melhor amigo e companheiro Stephan, que sempre compreendeu meus estudos e me apoiou em todos os momentos, mesmo que eles custassem nossos momentos juntos, agradeço por todo amor e cuidado comigo. Aos meus amigos, os da faculdade que dividiram o peso da caminhada, aguentaram as lamentações e me ensinaram muito em cada trabalho que realizamos juntos. Aos amigos da vida, agradeço por cada incentivo e torcida, ainda que de longe. Agradeço ao meu orientador e professor Carlos Herthel por embarcar nessa missão e fazer dela uma grande experiência de aprendizado. Agradeço por cada correção e cada conselho, foram fundamentais para a elaboração de todo esse trabalho. Também agradeço às considerações feitas pela banca avaliadora, que contribuíram ainda mais para o enriquecimento desta monografia. À minha professora e hoje amiga, Maíra Dias, ela quem me apresentou o universo da Psicologia Ambiental, me fazendo apaixonar por essa área da arquitetura e foi a responsável por minha escolha de tema, agradeço por ser tão incrível em tudo que faz e assim motivar alunos como eu. Saiba que você tem grande parcela, não apenas nesta etapa, mas em toda a minha formação como arquiteta. E por fim, agradeço a todos os professores que participaram desses cinco anos de graduação, cada aula ministrada, cada conselho dado, cada crítica construtiva foram fundamentais para me tornar quem sou hoje. Levarei todos vocês sempre em meu coração. “Há esperança, mesmo quando seu cérebro diz que não!” John Green RESUMO Mesmo afetando os seres humanos desde o início de sua existência, os transtornos mentais foram por muitos anos um tabu na sociedade, mas com o aumento na recorrência de casos durante os últimos anos, se tornou necessário pensar sobre o tema. Tal aumento é resultado da rotina estressante marcada por responsabilidades e afazeres, pouca importância com a saúde mental – se comparado a outras patologias do corpo humano – além da pandemia da Covid-19, que atuou como agravante de psicopatologias a partir de março de 2020. Diante disso, o presente trabalho tem como objetivo central a análise da necessidade de se implantar um centro de apoio à saúde mental, tendo como base a influência da arquitetura e de espaços pautados em terapias integrativas no processo de reabilitação de pessoas portadoras de transtornos mentais. Para tanto, foi necessário compreender o papel das terapias complementares e dos princípios da Psicologia Ambiental aliados a espaços de saúde mental, bem como identificar os ambientes e as necessidades dos usuários do local. Realizou-se então pesquisas sobre o tema e a relação da cidade de Barbacena com a saúde mental, além de estudos de caso que serviram como base na elaboração da matriz de referência para orientar as futuras decisões projetuais. Diante disso, foi possível concluir que a necessidade de ambientes projetados para o bem-estar mental das pessoas aumenta a cada dia. Palavras-chave: Saúde Mental. Psicologia Ambiental. Arquitetura. Transtornos Mentais. ABSTRACT Even affecting human beings since the beginning of their existence, mental disorders were for many years a taboo in society, but with the increase in the recurrence of cases during the last years, it became necessary to think about the topic. This increase is a result of the stressful routine marked by responsibilities and tasks, little importance with mental health - compared to other pathologies of the human body - in addition to the Covid-19 pandemic, which acted as an aggravating factor of psychopathologies from March 2020. Therefore, the present work has as its central objective the analysis of the need to implement a mental health support center, based on the influence of architecture and spaces based on integrative therapies in the rehabilitation process of people with mental disorders. Therefore, it was necessary to understand the role of complementary therapies and the principles of Environmental Psychology allied to mental health spaces, as well as to identify the environments and needs of the users of the place. Research was then carried out on the subject and the relationship between the city of Barbacena and mental health, as well as case studies that served as a basis for the elaboration of the reference matrix to guide future design decisions. Given this, it was possible to conclude that the need for environments designed for people's mental well-being increases every day. Keywords: Mental Health. Environmental Psychology. Architecture. Mental Disorders. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Prevalência de transtornos mentais. ....................................................... 14 Figura 2 - Taxa de suicídio global (ajustada à idade) por 100.000 habitantes, em 2016. ................................................................................................................................. 15 Figura 3 - Saúde mental dos alunos. ....................................................................... 16 Figura 4 - Saúde mental dos professores. ............................................................... 17 Figura 5 - Bem-estar pós pandemia. ....................................................................... 19 Figura 6 - O Holocausto Brasileiro. ..........................................................................20 Figura 7 - CAPS III de Barbacena. .......................................................................... 20 Figura 8 - CAPS infanto juvenil de Barbacena. ........................................................ 21 Figura 9 - Psiquiatria na Mesopotâmia. ................................................................... 25 Figura 10 - A história da saúde mental. ................................................................... 26 Figura 11 - Saúde mental na Idade Média. .............................................................. 26 Figura 12 - As quatro ondas da pandemia. .............................................................. 30 Figura 13 - Buscas pelos termos no Google. ........................................................... 31 Figura 14 - Piora nos índices de depressão e ansiedade durante a pandemia. ....... 32 Figura 15 - Arteterapia. ........................................................................................... 34 Figura 16 - Biodança. .............................................................................................. 35 Figura 17 - Cromoterapia. ....................................................................................... 36 Figura 18 - Musicoterapia. ....................................................................................... 37 Figura 19 - Reiki. ..................................................................................................... 38 Figura 20 - Crenoterapia. ........................................................................................ 39 Figura 21 - Yoga. .................................................................................................... 39 Figura 22 - Mapa de Bishopsgate. ........................................................................... 40 Figura 23 - Planta Baixa e Fachada do segundo prédio do Bethlem Royal Hospital. ................................................................................................................................. 41 Figura 24 - Fachada do Bethlem Royal Hospital – em destaque em vermelho as janelas das celas. .................................................................................................... 42 Figura 25 - Hospício Pedro II - Implantação do complexo. ...................................... 44 Figura 26 - Hospício Pedro II - Planta Baixa 1° Pavimento. ..................................... 45 Figura 27 - Hospício Pedro II - Planta Baixa 2 ° Pavimento. .................................... 46 Figura 28 - Hospício Pedro II - Fachada. ................................................................. 47 Figura 29 - Hospício Pedro II - Recepção. ............................................................... 47 Figura 30 - Hospício Pedro II - Pátio interno. ........................................................... 48 Figura 31 - Hospital Psiquiátrico São Pedro – Implantação. .................................... 50 Figura 32 - Hospital Psiquiátrico São Pedro – Porão. .............................................. 51 Figura 33 - Hospital Psiquiátrico São Pedro - 1 Pavimento. .................................... 51 Figura 34 - Hospital Psiquiátrico São Pedro - 2° Pavimento. ................................... 52 Figura 35 - Hospital Psiquiátrico São Pedro - Pátio interno. .................................... 52 Figura 36 - Hospital Psiquiátrico São Pedro - Frontão. ............................................ 53 Figura 37 - CAPS Itapeva........................................................................................ 54 Figura 38 - CAPS Itapeva - Fachada ....................................................................... 55 Figura 39 - CAPS ITAPEVA – Implantação. ............................................................ 55 Figura 40 - O "Trem de Doido". ............................................................................... 56 Figura 41 - Pátio onde os pacientes passavam o dia no Hospital Colônia. .............. 57 Figura 42 - Espaço interno do Hospital Colônia. ...................................................... 58 Figura 43 - Corredor do pavilhão Dr. Joaquim Dutra ............................................... 59 Figura 44 - Crianças no Hospital Colônia. ............................................................... 59 Figura 45 - Germânio Eustáquio - ex paciente do hospital Colônia, agora em residência terapêutica. ............................................................................................. 60 Figura 46 - Residências Terapêuticas em Barbacena. ............................................ 62 Figura 47 - Localização das instituições de tratamento mental em Barbacena. ....... 64 Figura 48 - Espaço interno do Hospital Sarah Kubitschek em Salvador. ................. 66 Figura 49 - Jardim interno do hospital da Rede Sarah em Salvador. ....................... 66 Figura 50 - Quarto do Hospital Phoenix (EUA). ....................................................... 67 Figura 51 - Área comum do Hospital Phoenix (EUA). .............................................. 67 Figura 52 - Quarto da ala SUS - Santa Casa de Epitácio. ....................................... 68 Figura 53 - Átrio no Hospital Moriah. ....................................................................... 69 Figura 54 - Cores na arquitetura.............................................................................. 70 Figura 55 - Uso das cores na Cromoterapia. ........................................................... 72 Figura 56 - Jardim Terapêutico do Kaufman Câncer Center. ................................... 74 Figura 57 - Hospital Psiquiátrico Kronstad. .............................................................. 75 Figura 58 - Entorno do hospital. .............................................................................. 76 Figura 59 - Estudo de insolação e ventilação do hospital. ....................................... 78 Figura 60 - Acessos do Kronstad. ........................................................................... 79 Figura 61 - Fachada do Hospital Psiquiátrico Kronstad. .......................................... 80 Figura 62 - Praça pública. ....................................................................................... 80 Figura 63 - Cobertura do hospital. ........................................................................... 81 Figura 64 - Setorização Planta Baixa do 4° Pavimento. .......................................... 82 Figura 65 - Corte AA da edificação. ......................................................................... 82 Figura 66 - Recepção. ............................................................................................. 83 Figura 67 - Sala de Refeições. ................................................................................ 83 Figura 68 - Sala de Reunião. ................................................................................... 83 Figura 69 - Sala de música. ..................................................................................... 83 Figura 70 - Quarto. .................................................................................................. 84 Figura 71 - Sala de terapia artística. ........................................................................ 84 Figura 72 - Fachada do Maggie's Manchester. ........................................................ 85 Figura 73 - Entorno do Maggie's. ............................................................................ 86 Figura 74 - Estudo de insolação e ventilação do Maggie's. ..................................... 87 Figura 75 - Análise dos acessos do Centro Maggie’s. ............................................. 88 Figura 76 - Processo de construção das vigas de treliça. ........................................ 89 Figura 77 - Desenho da viga. ..................................................................................89 Figura 78 - Móveis desenhados por Norman Foster para o Maggie's. ..................... 90 Figura 79 - Estufa do Centro Maggie's. ................................................................... 91 Figura 80 - Setorização térreo. ................................................................................ 92 Figura 81 - Setorização mezanino. .......................................................................... 92 Figura 82: Área de convivência externa. ................................................................. 93 Figura 83: Área de convivência interna. .................................................................. 93 Figura 84: Entrada do Maggie's. ............................................................................. 93 Figura 85: Cozinha. ................................................................................................. 93 Figura 86 - Inserção do terreno escolhido em Barbacena - MG. ........................... 103 Figura 87 - Tipologia das edificações próximas ao terreno. ................................... 104 Figura 88 - Gabarito do entorno imediato do terreno escolhido. ............................ 104 Figura 89 - Perfil topográfico do terreno escolhido. ............................................... 105 Figura 90 - Estudos de insolação do terreno. ........................................................ 105 Figura 91 - Estudos de ventilação do terreno. ....................................................... 106 Figura 92 - Mapa de sensibilidade sonora. ............................................................ 106 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Efeito das cores no ambiente. .............................................................. 70 Quadro 2 - Análise dos Estudos de Caso. ............................................................... 95 Quadro 3 - Programa de necessidades preliminar e pré-dimensionamento mínimo - Setor Administrativo. ................................................................................................ 99 Quadro 4 - Programa de necessidades preliminar e pré-dimensionamento mínimo - Setor de Serviços. .................................................................................................. 100 Quadro 5 - Programa de necessidades preliminar e pré-dimensionamento mínimo - Setor de Terapias. ................................................................................................. 101 Quadro 6 - Programa de necessidades preliminar e pré-dimensionamento mínimo - Setor Comercial. .................................................................................................... 102 Quadro 7 - Programa de necessidades preliminar e pré-dimensionamento mínimo - Setor Externo. ........................................................................................................ 102 Quadro 8 - Quadro geral de área mínima. ............................................................. 103 LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS APAE Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais CAPS CHPB Centro de Apoio Psicossocial Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena COVID 19 Corona Vírus Disease DSM 5 EUA FIOCRUZ MG MTC Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais Estados Unidos da América Fundação Oswaldo Cruz Minas Gerais Medicina Tradicional Chinesa MTSM Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental OMS Organização Mundial da Saúde OPAS Organização Pan-Americana de Saúde PICS Práticas Integrativas e Complementares em Saúde PNPIC RT SES - MG Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares Residência Terapêutica Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais SPDM SUS TCC Associação Paulista Para o Desenvolvimento da Medicina Sistema Único de Saúde Trabalho de Conclusão de Curso UFJF UFMG UNICAMP Universidade Federal de Juiz de Fora Universidade Federal de Minas Gerais Universidade Estadual de Campinas SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 14 1.1 Justificativa ...................................................................................................... 19 1.2 Objetivos .......................................................................................................... 22 1.2.1 Objetivo geral ............................................................................................... 22 1.2.2 Objetivos específicos .................................................................................. 22 1.3 Metodologia ..................................................................................................... 23 2 REFERENCIAL TEÓRICO .................................................................................. 24 2.1 A história dos transtornos mentais ................................................................ 24 2.1.1 A relação com a pandemia da Covid – 19 .................................................. 29 2.1.2 O papel das terapias complementares no tratamento .............................. 33 2.2 Evolução da arquitetura dos locais de tratamento ....................................... 40 2.2.1 Histórico de Barbacena: O Holocausto Brasileiro .................................... 55 2.2.1.1 O contexto atual de Barbacena – MG .......................................................... 61 2.3 A arquitetura como facilitadora no processo de reabilitação ...................... 64 3 ESTUDOS DE CASO .......................................................................................... 75 3.1 Estudo de caso 1 – Hospital Psiquiátrico Kronstad ...................................... 75 3.2 Estudo de caso 2 – Centro de Tratamento de Câncer Maggie – Manchester 84 3.3 Matriz de Referência ........................................................................................ 94 4 DIRETRIZES PROJETUAIS ................................................................................ 96 4.1 Diretrizes e intenções projetuais .................................................................... 96 4.2 Programa de necessidades e pré-dimensionamento .................................... 98 4.3 Escolha do terreno para a implantação ....................................................... 103 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 107 REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 109 14 1 INTRODUÇÃO A alta no número de casos de transtornos mentais é fruto principalmente da rotina estressante que a população mundial vem desenvolvendo ano após ano e com isso, a tendência dos seres humanos a desenvolver algum tipo de transtorno mental aumentou drasticamente. Segundo pesquisa realizada em 2020 pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), que atua como um escritório regional da Organização Mundial da Saúde (OMS), 1 bilhão de pessoas no mundo vivem com pelo menos uma tipologia de transtorno mental (Figura 1). A pesquisa aponta ainda que cerca de 3 milhões de pessoas morrem em decorrência do uso excessivo do álcool como uma estratégia de fuga interior e a cada 40 segundos alguém morre por suicídio no globo (DIA..., 2020), (Figura 2). Figura 1 - Prevalência de transtornos mentais. Fonte: Nexo (2018) 15 Figura 2 - Taxa de suicídio global (ajustada à idade) por 100.000 habitantes, em 2016. Fonte: Novais (2019). Pesquisas realizadas em 2019 pela OMS apontam que o Brasil já atingiu a marca de 86% da população diagnosticada com algum transtorno mental, sendo que 59% desse índice sofre de depressão. Segundo pesquisas feitas pela plataforma Vittude, entre outubro de 2016 a abril de 2019 63% dos 492.790 entrevistados apresentaram sintomas de ansiedade;vale ressaltar que o Brasil é o país com mais pessoas ansiosas no mundo (PASSOS, 2019). A população jovem é a mais afetada pelos transtornos, sendo o suicídio a terceira maior causa de morte na faixa etária de 15 a 19 anos (OPAS, 2021). O livro “Saúde Mental na Escola: o que os educadores devem saber” publicado em 2014 tendo como autor Rodrigo Bressan – fundador do Y-Mind – compilou uma pesquisa em escolas brasileiras indicando que em uma classe de 30 alunos, 3 a 5 estudantes terão sua saúde mental afetada. A pressão imposta pela família e professores a esses adolescentes e jovens estudantes é a principal responsável pelos índices elevados. Outros fatores que contribuem para esse índice são a comparação existente entre os estudantes e o bullying praticado por colegas e até mesmo professores (FORLIM et al., 2014). As figuras 3 e 4 apresentam dados que afirmam a realidade vivida dentro das salas de aula. 16 Figura 3 - Saúde mental dos alunos. Fonte: Oliveira (2019). 17 Figura 4 - Saúde mental dos professores. Fonte: Oliveira (2019). A população adulta e idosa também não escapa dessa realidade, sendo essa última a mais atingida pela depressão que muitas vezes é imperceptível para familiares. Segundo o Dr. Aier Adriano Costa, médico e coordenador da clínica Docway, isso ocorre porque os transtornos mentais não são patologias visíveis e por isso, as pessoas sintomáticas não os veem com a seriedade na qual devem ser tratados (MEDICINASA, 2019). A maior incidência de casos tem ocorrido nas áreas urbanas, visto que a distribuição espacial das cidades e principalmente dos ambientes de moradia tem contribuído diretamente para essa ocorrência nos últimos anos, pois são locais pensados de forma estritamente mecânicas e não humanizadas (BAHIA e COSTA, 2022). Como o arquiteto e escritor Jan Gehl aponta, a “Síndrome de Brasília” tem ditado a urbanização dos espaços, na qual a escala humana não é levada em 18 consideração ao se planejar cidades, tendo como consequência a sensação de imensidão e vazio, além do baixo percentual de áreas verdes (GEHL, 2013). Adentrando no contexto local, surge o histórico de Barbacena frente aos transtornos mentais, que é marcado de forma negativa pelos diversos maus tratos sofridos pelos pacientes do então Hospital Colônia. No período em que essa infeliz realidade acontecia, seres humanos eram rotulados como “loucos”1 e incapazes de conviverem em sociedade. Com a evolução de estudos sobre o tema, entendeu-se que os transtornos mentais devem ser tratados como qualquer outra patologia, porém, ainda hoje o preconceito com os indivíduos que apresentam psicopatologias ainda é muito presente, o que causa um bloqueio nos mesmos, impedindo a busca por tratamento adequado. Com base no exposto, a implantação de espaços especializados no tratamento de transtornos mentais torna-se cada vez mais necessária, para que se possa oferecer tratamento adequado aos pacientes e suporte emocional e psicológico aos mesmos e à suas famílias. Nesse sentido, a arquitetura deve ser vista como uma aliada para esse fim, contribuindo para transmitir segurança e bem-estar e, consequentemente, auxiliando a eliminar barreiras pré concebidas sobre o assunto. Com isso, parte-se da hipótese de que a adequação do espaço, apoiado nos princípios da Psicologia Ambiental2, contribui para uma recuperação tranquila, bem como para a promoção de um novo olhar sobre os transtornos mentais pela sociedade barbacenense e de seus arredores, uma vez que facilita no processo de tratamento de transtornos de grau leve a moderado, como depressão, ansiedade, síndrome de Burnout, estresse pós-traumático e síndrome do pânico. Com isto, a problemática a ser discorrida ao longo do trabalho é: Como a arquitetura pode colaborar no processo de tratamento de pessoas portadoras de transtornos mentais em grau leve a moderado? 1 O termo encontra-se entre aspas pois representa um pensamento errôneo e de cunho preconceituoso. 2 Psicologia Ambiental: estudo das inter-relações entre o ser humano e o espaço físico que ele frequenta, ou seja, o estudo aborda como as pessoas alteram o ambiente e ao mesmo tempo como o ambiente influencia no comportamento e nas experiências humanas. 19 1.1 Justificativa A pandemia causada pela Covid 19 foi um dos principais fatores para o aumento percentual de transtornos mentais no Brasil e no mundo. Esse crescimento é consequência do estresse pelo contexto vivido, além da influência genética e até mesmo deficiência de nutrientes no organismo (OPAS, 2020). Segundo pesquisa realizada pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), desenvolvida entre maio e junho de 2020 e denominada “Saúde mental na pandemia do Coronavírus Disease 2019 (COVID 19): um estudo brasileiro”, 92,2% dos entrevistados apresentaram sintomas de depressão, 51% de ansiedade e 52% de estresse pós-traumático” (ÍNDICE..., 2021). O que mais chama a atenção nos relatos da pesquisa é que a maior parte desse percentual não se encontra em acompanhamento médico ou psicológico. A figura 5 demonstra através de esquemas como a população entrevistada descreve o bem-estar no período pós pandemia. Figura 5 - Bem-estar pós pandemia. Fonte: Pimenta (2021). Além do contexto de aumento nos índices de transtorno mental na pandemia, Barbacena-MG é uma cidade com histórico no tratamento de pessoas portadoras de transtorno mental (Figura 6), configurando assim mais uma justificativa para a implantação de um espaço voltado ao cuidado e à valorização dessas pessoas. Não 20 é possível apagar um passado que contempla relatos de tortura e sofrimento, mas é perfeitamente possível reescrever um novo futuro em um lugar que possui grande potencial geográfico, devido à localização central entre o Rio de Janeiro e Belo Horizonte, cidades de grande importância para a região. Figura 6 - O Holocausto Brasileiro. Fonte: Prefeitura Municipal de Barbacena (2016). Atualmente, a cidade dispõe de um Centro de Atenção Psicossocial para atendimento de transtornos mentais com foco em usuários de droga e álcool (CAPS III) (Figura 7), um CAPS infanto-juvenil com foco em transtornos mentais graves e recorrentes (Figura 8) e uma Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), sendo que nenhum deles conta com uma arquitetura especialmente projetada para melhor atender aos seus usuários. Figura 7 - CAPS III de Barbacena. Fonte: Adaptado de Google Maps (2022a). 21 Figura 8 - CAPS infanto juvenil de Barbacena. Fonte: Prefeitura Municipal de Barbacena (2021). O Centro de Apoio à Saúde Mental busca acolher pessoas com transtornos leves e moderados, com objetivo de transmitir maior conforto e segurança durante o período de tratamento. O local visa o atendimento psicológico e psiquiátrico, bem como o acesso a terapias complementares, em um espaço que priorize o contato com a natureza e implementação dos princípios da Psicologia Ambiental, a fim de promover uma recuperação natural e a sensação de bem-estar a todos que por ventura buscarem por tratamento. A ideia de criar um espaço arquitetonicamente pensado para pessoas portadoras de transtornos mentais surge do fato que grande parte da população atualmente apresenta sintomas de pelo menos uma psicopatologia e a maior parte delas se recusa a procurar tratamento por medo de serem taxadas como “loucas”. 22 1.2 Objetivos Este subcapitulo visa apresentar o objetivo central do trabalho, bem como os objetivos específicos a serem alcançados durante todo o processo de estudo do tema e elaboração do referencial teórico, dos estudos de caso e das diretrizes projetuais. 1.2.1 Objetivo geral Verificar a necessidade de se implantar um espaço destinado ao tratamento detranstornos mentais em Barbacena-MG, pautado nos princípios da Psicologia Ambiental, a fim de auxiliar na recuperação e na promoção do bem-estar dos pacientes. Busca-se ainda contribuir para a redução dos índices de patologia mental na cidade e região, bem como incentivar as pessoas que sofrem de algum transtorno a procurar ajuda e garantir um tratamento adequado. 1.2.2 Objetivos específicos • Expor um breve histórico sobre os transtornos mentais, considerando o contexto atual da COVID-19; • Compreender o papel das terapias complementares associadas à medicina convencional para promoção da saúde mental e do bem-estar; • Compreender como os princípios da Psicologia Ambiental aplicados na arquitetura podem contribuir no processo de reabilitação; • Compreender a história da cidade de Barbacena frente ao tratamento de doenças mentais; • Identificar os ambientes e necessidades dos usuários nos locais de tratamento e compreender o funcionamento do espaço através de estudos de caso; • Analisar as condicionantes da cidade de Barbacena - MG e definir o terreno apropriado para a implantação do espaço. 23 1.3 Metodologia No presente trabalho são abordados aspectos metodológicos de pesquisa qualitativa, distribuídos em procedimentos julgados importantes para o reforço do objetivo da necessidade de se implantar um espaço destinado ao tratamento de transtornos mentais em Barbacena-MG, pautado nos princípios da Psicologia Ambiental, para auxiliar na recuperação e na promoção do bem-estar dos pacientes. Em primeira instância foram realizadas pesquisas sobre a temática escolhida em artigos científicos, teses, dissertações, monografias, livros e trabalhos análogos para melhor entendimento sobre o histórico de transtornos mentais, as novas formas de terapia, a evolução arquitetônica dos espaços destinados ao tratamento e como a Psicologia Ambiental tem transformado o olhar sobre os tratamentos e todo o processo de recuperação. Foi feito também um adendo sobre a história da cidade de Barbacena – MG, analisando como os pacientes foram tratados e como o hospital psiquiátrico local contribuía de forma direta para o estado mental dos pacientes que frequentavam o mesmo. Em segunda instância, foram feitos estudos de casos de projetos utilizados como referência, para que haja compreensão de como acontecem os fluxos, a definição do programa de necessidades, a disposição dos ambientes e as normativas que regem esse tipo de edificação. Por fim foi feito um diagnóstico das possíveis áreas em Barbacena – MG que possuem potencial para a implantação do espaço a ser desenvolvido no TCC II e analisadas as diretrizes projetuais, visando nortear a próxima etapa de desenvolvimento. 24 2 REFERENCIAL TEÓRICO O referencial teórico do presente trabalho tem como objetivo o estudo dos pontos essenciais para melhor compreensão do espaço de saúde mental. Ele foi dividido em três capítulos: os transtornos mentais; a arquitetura e os locais de tratamento e a arquitetura como facilitadora no processo de recuperação. O primeiro capítulo traz o histórico e as definições dos transtornos mentais que serão o foco do trabalho, sendo eles a depressão, a ansiedade, a síndrome do pânico, a síndrome de Burnout e o estresse pós-traumático. Além disso, é feita uma análise de como o período de pandemia da Covid-19 vivenciado pelo mundo impactou a saúde mental da população. O segundo capítulo traz o histórico da arquitetura destinada aos locais de tratamento de pessoas portadoras de transtornos mentais, demonstrando como os pacientes eram tratados de forma enclausurada no princípio e a evolução até os dias atuais, nos quais busca-se implementar terapias complementares para uma melhor recuperação. O capítulo também aponta o histórico de Barbacena no tratamento de transtornos psicológicos, visto que a cidade foi referência nesse assunto e é onde o espaço de saúde mental será implantado. Por fim, o terceiro capítulo traz os estudos feitos na área da Psicologia Ambiental para melhorar os espaços onde as pessoas portadoras de algum transtorno são tratadas e aponta como a arquitetura é um elemento fundamental nesse processo. 2.1 A história dos transtornos mentais Os transtornos mentais acompanham o ser humano desde os princípios de sua existência e com a evolução dos estudos foi possível estabelecer uma melhor compreensão de como eles afetam a sociedade. Segundo o pesquisador e mestre em Psicologia Clínica A.M. Foerschner em seu artigo “The History of Mental Illness”, as primeiras informações sobre transtornos mentais datam do período Neolítico e Mesopotâmico, em que se acreditava que pessoas portadoras de alguma patologia mental estavam possuídas por espíritos malignos e a forma de cura era fazer um recorte no crânio, pois assim esses espíritos poderiam sair (Figura 9) (FOERSCHNER, 2010). 25 Figura 9 - Psiquiatria na Mesopotâmia. Fonte: Costa (2014). No período do Egito Antigo, em 3.100 a.C, os curandeiros evoluíram no processo de tratamento, se aproximando inclusive de algumas técnicas realizadas atualmente. Eles aconselhavam aos pacientes a se envolverem em trabalho artístico, como dança, música e pintura, acreditando assim, que o processo curativo se daria com maior eficácia (FOERSCHNER, 2010). Na Grécia Antiga e durante a Idade Média, a crença de que os transtornos mentais estavam ligados com o agir dos deuses persistia. Uma linha de pensadores filósofos contrapunha esse pensar mitológico e acreditavam que os transtornos mentais derivavam de uma ocorrência natural do próprio corpo. Os tratamentos também eram baseados na ideia de expulsar o “mal” do corpo dos pacientes e isso era feito através de ervas e tabaco que causavam vômito, uso de sanguessugas e extração de sangue pela testa, como ilustra a figura 10 (VALENTE, 2022). 26 Figura 10 - A história da saúde mental. Fonte: Valente (2022). As famílias cujo algum membro apresentasse debilidades mentais eram vistas com motivo de humilhação e preconceito, fazendo com que os deficientes fossem trancafiados em porões, vítimas de prisão perpétua e até mesmo abandono nas ruas. A partir do século XV, surgem as casas de trabalho, uma moradia que a igreja católica oferecia aos portadores de transtorno mental em troca da prestação de serviços. Com o aumento de casos, a responsabilidade de cuidados para essas pessoas se transferiu para os asilos da época (Figura 11), porém, os pacientes eram tratados de forma desumana, com uso de camisa de força, cadeira giratória e sofrendo até mesmo algum tipo de abuso (FOERSCHNER, 2010). Figura 11 - Saúde mental na Idade Média. Fonte: Valente (2022). 27 Foi na virada para o século XIX que as melhorias começaram a surgir a partir de reformas políticas e sociais, tendo como precursor o médico francês Philippe Pinel, que afirmou que a doença mental era uma patologia que necessitava de tratamento condizente, abolindo assim os tratamentos feitos com sangria, vômitos e purgações (BRASIL, 2008). Pinel ainda exigiu que os locais onde pacientes sob seu cuidado estavam internados fossem limpos, arejados e com iluminação natural e as pessoas desencadeadas e livres para praticar exercícios pelos corredores do hospital La Salpêtrière. A partir do século XX, com as contribuições do renomado psicanalista Sigmund Freud, o entendimento sobre as psicopatologias se fundamentou, descobrindo-se que as ligações químicas e biológicas no corpo humano causam mudanças comportamentais no indivíduo. De acordo com Alberti e Fulco (2005, p.729): Desde 1890, em tratamento psíquico ou anímico, Freud já estava a par de que a química produzia mudanças comportamentais. Essa verdade é irrefutável, mas valer-se dela para explicar toda e qualquer causa para os fenômenos que assolam ossujeitos com transtornos psíquicos significa não só excluir a existência do que, em psicanálise, nomeamos de efeito sujeito, para além do corpo orgânico, como também excluir a possibilidade inversa: de que os transtornos psíquicos podem assolar o organismo. Freud defendia que os pacientes deveriam ser livres para externar seus pensamentos, sonhos e até mesmo traumas, visto que através da conversa o inconsciente seria aberto, concedendo a ele o acesso aos sentimentos que provavelmente seriam a causa da instabilidade psicológica sofrida pelo indivíduo (BRASIL, 2008). Já no início da década de 1960, a Reforma Psiquiátrica – movimento que teve como precursor o psiquiatra italiano Franco Basaglia - abriu espaço para novas formas de tratamento de patologias mentais, visando agora o ser humano em si e não somente nos motivos os quais levaram o desenvolvimento do transtorno. A partir de então, a humanização ganhou forma nos ambientes onde essas pessoas eram tratadas, transformando as técnicas invasivas em tratamentos mais sensíveis e humanitários (20 ANOS..., 2021). No Brasil, a reforma tomou proporções em 1978 com a denúncia dos maus tratos que a população manicomial sofria, criando no ano seguinte o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM). No ano de 1989 o projeto de reforma foi apresentado ao Legislativo pelo então deputado Paulo Delgado, sendo aprovado e 28 sancionado somente em 2001, dando origem a Lei n° 10.216/2001, conhecida atualmente como Lei da Reforma Psiquiátrica. A Reforma no país teve como objetivo entre outros, o fechamento de manicômios, sendo indicada a internação do paciente apenas quando o tratamento externo for ineficaz. De acordo com o Art. 2° da Lei 10.216/2001: Art. 2o Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados no parágrafo único deste artigo. Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental: I - Ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades; II - Ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade; III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração; IV - Ter garantia de sigilo nas informações prestadas; V - Ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária; VI - Ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis; VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento; VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis; IX - Ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental. A partir do ano de 2002, os antigos hospitais psiquiátricos deram lugar aos CAPS, proporcionando a integração dos pacientes com a sociedade através de acolhimento e tratamento de forma humanitária. Para melhor diagnóstico das patologias relacionadas à mente, foi editada a mais recente versão do Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais (DSM-5) (ASSOCIAÇÃO AMERICANA PSIQUIÁTRICA, 2013). Ao todo, o manual cataloga mais de 300 tipologias de transtornos divididos em 20 grupos, porém, o presente trabalho visa aprofundar somente em seis deles, que são: transtorno de ansiedade, transtornos depressivos, síndrome de Burnout, síndrome do pânico, estresse pós traumático e transtorno bipolar. Segundo o DSM-V, transtorno de ansiedade apresenta como característica o medo e a ansiedade excessiva, culminando em perturbações comportamentais. O medo é a resposta que o organismo dá quando percebe uma ameaça real ou percebida e a ansiedade é quando essa ameaça é antecipada. Já os transtornos depressivos consistem na constante presença de humor triste, sentimento de vazio e 29 alterações no sistema cognitivo afetando a rotina da pessoa que sofre com o problema (JESTE, 2014). A Síndrome de Burnout caracteriza-se pelo surgimento de esgotamento mental devido à constante pressão no ambiente profissional. Ainda segundo a classificação do DSM-V, a síndrome do pânico consiste em ataques periódicos de medo ou desconforto intenso, com presença de sudorese, taquicardia e tremores, entre outros sintomas. O estresse pós-traumático é a presença de sintomas de medo e horror após presenciar, de forma direta ou indireta, alguma situação traumática, como assalto, abuso sexual, assassinato, dentre outros. E por fim, o transtorno bipolar é a alteração de forma geralmente abrupta de episódios de depressão e euforia, denominados de episódios maníaco e hipomaníaco, respectivamente (JESTE, 2014). 2.1.1 A relação com a pandemia da Covid – 19 Nas primeiras semanas do ano de 2020 foi identificada uma nova variante do vírus do tipo coronavírus, que rapidamente se espalhou pela região em torno de Wuhan – China, cidade onde foi detectado primeiramente. Em março do mesmo ano, a OMS declarou que se tratava de uma pandemia, ou seja, uma epidemia com proporções mundiais. O isolamento social imposto pelos órgãos responsáveis, o adoecimento e a morte de pessoas próximas se tornaram gatilhos para o aparecimento e até mesmo o agravamento de transtornos mentais na sociedade. Além disso, o pânico causado pela mídia ao divulgar os primeiros dados sobre a pandemia incitou sentimentos de desespero, ansiedade e estresse. Segundo o Guia de Saúde Mental Pós Pandemia no Brasil, 2020, foi realizada uma divisão do período pandêmico em quatro ondas (Figura 12): sendo a primeira onda referente às complicações de saúde em decorrência do vírus; a segunda onda caracterizada pela falta de recursos nos hospitais para o tratamento de outras patologias devido à sobrecarga que as complicações da Covid-19 causaram; a terceira onda reflete a interrupção nos cuidados de outras doenças crônicas e por fim, a quarta onda aponta o aumento dos problemas mentais. 30 Figura 12 - As quatro ondas da pandemia. Fonte: Duarte (2020). Como já mencionado, o isolamento social foi uma das consequências vividas pela humanidade no decorrer da pandemia e isso fez com que as pessoas passassem mais tempo em suas residências, chamando a atenção para a arquitetura e a sua capacidade de influenciar diretamente no psicológico das pessoas. Segundo a arquiteta Nathalia Antunes, autora do projeto InstaCasa, habitações com pouca incidência de luz e ventilação natural tendem a causar desconforto e incômodos em seus habitantes e quando a situação é inversa, ou seja, os espaços são pensados para gerar bem-estar e conforto, automaticamente os habitantes sentem felicidade e prazer em estar em casa (ANTUNES, 2020). Além dos problemas enfrentados com relação aos ambientes com falhas projetuais, o período de quarentena dificultou a busca por tratamento psicológico, visto que as pessoas enfrentavam o medo de sair de suas residências e contrair a doença. Como solução, os atendimentos de forma remota apresentaram crescimento e segundo matéria feita pela aluna de jornalismo da Universidade de São Paulo, Maria Laura López, as pesquisas no Google por atendimento psicológico online (Figura 13) aumentaram 41% nas primeiras semanas de pandemia (LÓPEZ, 2020). 31 Figura 13 - Buscas pelos termos no Google. Fonte: Teixeira (2021). Mas apesar da implementação da Telepsicologia, psicólogos e pacientes encontraram dificuldades nesse tipo de tratamento, visto que os profissionais não são capacitados durante o processo de formação para atendimentos via online e muitos pacientes não dominam os equipamentos tecnológicos ou nem mesmo possuem acesso a eles em suas residências (COSENZA, et al., 2021). Além do mais, a ausência de contato social contribuiu para o crescimentode patologias ligadas à mente, já que os seres humanos são seres sociais. Um estudo feito pela Universidade Brigham Young (EUA), aponta que o isolamento social pode elevar as taxas de mortalidade em até 29%, dado que a solidão não afeta somente o bem-estar emocional, mas também o físico (HOLT-LUNSTAD, et al., 2015). Outro ponto que a quarta onda da pandemia afetou e que possui relação direta com a saúde mental dos indivíduos é o convívio familiar. Segundo notícia divulgada pelo jornal Estadão, as crianças e adolescentes representam a faixa etária que mais sofreu diante desse contexto, visto que além de terem suas atividades de lazer e a ida à escola interrompidas, também lidaram com conflitos entre os pais e até mesmo presenciaram a separação dos mesmos (DINO, 2021). Os fatores supramencionados acabaram por desencadear no primeiro ano da pandemia um aumento de 25% de pessoas sofrendo com ansiedade e depressão, segundo pesquisa divulgada pela OPAS em março de 2022. Esse aumento incitou 90% dos 204 países – incluindo o Brasil - onde a pesquisa foi realizada a incluir a saúde mental e espaços de apoio psicossocial nos planos em resposta à Covid 19, o chamado Plano de Ação Integral de Saúde Mental 2013-2030 (SANTOMAURO et al., 2021). 32 Uma pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com abrangência apenas do território nacional, demonstrou que mais da metade dos 44 mil entrevistados se encontram entristecidos e 70% dos jovens estão ansiosos (Figura 14). A pesquisa também apontou uma alta no consumo de álcool e tabacos – 30% passaram a fumar pelo menos 10 cigarros por dia (MOTA, 2020). Figura 14 - Piora nos índices de depressão e ansiedade durante a pandemia. Fonte: Gonçalves (2020). A pandemia também trouxe à tona o déficit que os países possuem em relação ao investimento destinado à saúde mental, visto que alguns relataram ter menos de 1 profissional especializado em saúde mental para uma população de 100 mil habitantes (OPAS, 2022). Segundo a Diretora do Departamento de Saúde Mental e Uso de Substancias da OMS, Dévora Kestel: “Embora a pandemia tenha gerado interesse e 33 preocupação pela saúde mental, também revelou um subinvestimento histórico nos serviços. Os países devem agir com urgência para garantir que o apoio à saúde mental esteja disponível para todos” KESTEL (apud OPAS, 2022). 2.1.2 O papel das terapias complementares no tratamento Atualmente a Medicina tem avançado em formas de tratamento menos invasivas e com recursos naturais e dentre elas estão as práticas integrativas e complementares (PICS), que utilizam de recursos terapêuticos tendo como base a medicina tradicional como forma de prevenir e tratar doenças crônicas (PRÁTICAS..., 2020). No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferta de forma gratuita à população 29 procedimentos de PICS, sendo destaque mundial nessa área de tratamento. Vale ressaltar que esses procedimentos são complementares, como o nome propriamente já deduz, não dispensando a avalição médica. A discussão sobre o método no país teve início na década de 1980, logo após a 8° Conferência Nacional de Saúde, que já buscava por métodos terapêuticos diferenciados para implementar no sistema básico de saúde. Essa discussão culminou com a sanção da Portaria GM/MS n° 971, de 3 de maio de 2006, sobre a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC). Na atualidade, segundo dados do Ministério da Saúde, são 3.024 municípios ofertando as PICS, o que representa 54% do total nacional, sendo que a distribuição acontece pelo seguinte nível de complexidade: 78% dos tratamentos feitos na Atenção Básica, 18% em nível Médio e 4% em nível Alto (PRÁTICAS..., 2020). No contexto local, a Câmara Municipal de Barbacena aprovou em 2018 o projeto de Lei nº 4907/2018, que garante a utilização dos procedimentos das terapias complementares na rede SUS (DIARIO OFICIAL DE BARBACENA, 2018). Como outrora mencionado, são 29 procedimentos reconhecidos e ofertados pelo Ministério da Saúde e são eles: apiterapia; aromaterapia; arteterapia; ayurveda; biodança; bioenergética; constelação familiar; cromoterapia; dança circular; geoterapia; hipnoterapia; homeopatia; imposição de mãos; antroposofia; Medicina Tradicional Chinesa (MTC); meditação; musicoterapia; naturopatia; osteopatia; ozonioterapia; plantas medicinais (fitoterapia); quiropraxia; reflexoterapia; reiki; shantala; terapia comunitária integrativa; terapia de florais; crenoterapia e yoga. 34 Como o presente trabalho possui como objetivo o cuidado e reabilitação de psicopatologias, serão explicitadas abaixo as terapias cujo foco é o tratamento mental, bem como aquelas que possuem a arquitetura como aliada, de acordo com informações fornecidas pelo Ministério da Saúde (PRÁTICAS..., 2020). A aromaterapia é o tratamento realizado com o aroma de flores, frutos e vegetais agindo de forma a contribuir para a saúde mental e equilíbrio físico e espiritual. A técnica é feita utilizando óleos essenciais, sendo indicado um tipo de óleo diferenciado para cada patologia, incluindo transtornos de ansiedade e depressão. Com relação a arteterapia são realizadas técnicas de pintura, colagem, costura, dança, poesia, desenho e outras formas de manifestação artística para o tratamento de depressão, síndrome do pânico, autismo e transtorno resultante de algum abuso. Essa técnica auxilia na expressão de sentimentos e na queda dos sintomas do estresse e da ansiedade, podendo ser utilizada em qualquer idade, como mostrado na figura 15. Figura 15 - Arteterapia. Fonte: Albuquerque (2020). Biodança ou psicodança corresponde a realizações de movimentos de dança e tem como fundamento a vivência dos indivíduos, promovendo a união de dança e psicologia. As aulas são realizadas em grupos (Figura 16), a fim de que os praticantes troquem experiências e assim atenuem patologias, sobretudo psicológicas. 35 Figura 16 - Biodança. Fonte: Alves (2016). A bioenergética é a utilização de movimentos em conjunto com a respiração para trabalhar o emocional do paciente, auxiliando na liberação das tensões e sentimentos aprisionados. O procedimento de análise bioenergética visa estimular o conteúdo emocional com a verbalização e educação emocional, aliviando os sintomas dos variados transtornos mentais. No que tange a constelação familiar, é uma técnica sistêmica que visa entender a origem dos problemas e inquietações que estão por detrás das relações familiares e amorosas e assim encontrar a ordem, o pertencimento e o equilíbrio do paciente, para que o mesmo consiga caminhar em direção à cura de seus problemas psicológicos. É um tratamento rápido, podendo ser realizado em workshops e atendimentos individuais. A cromoterapia é o aproveitamento das cores que compõem o espectro solar, sendo elas o vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e violeta, como recurso terapêutico de patologias físicas e mentais, como mostrado na figura 17. Cada coloração é indicada para um tratamento especifico, atuando na melhora da condição física e psíquica e na energização do corpo. 36 Figura 17 - Cromoterapia. Fonte: Rodrigues (2019). A hipnoterapia é uma derivação da técnica de hipnose, levando o indivíduo a um estado intenso de consciência aumentado e assim permitindo que o terapeuta altere os sentimentos indesejados que desencadeiam os transtornos psíquicos. A acupuntura ou MTC se fundamenta no conhecimento milenar chinês denominado yin-yang e nos cinco elementos da natureza. Através de um estudo dos pontos terapêuticos espelhados pelo corpo, nos chamados meridianos, é feita a aplicação de micro agulhamento para melhorar o bem-estar e tratar doenças. Considerada umaterapia milenar, a meditação nada mais é que o treinamento da mente para potencializar a atenção de forma analítica ou discriminativa, contribuindo para a reorientação cognitiva e melhora no humor. Além dos benefícios já citados, a meditação também aprimora relações interpessoais, sociais e com o ambiente em que o indivíduo está inserido. Atuando também como um processo artístico está a musicoterapia, no qual a música é utilizada para o tratamento de comunicação, aprendizagem e expressão, contribuindo expressamente para o desenvolvimento psíquico, motor, espiritual e social, como representado na figura 18. 37 Figura 18 - Musicoterapia. Fonte: Algo Sobre (2022). A ozonioterapia se caracteriza pelo uso dos gases oxigênio e ozônio para fins terapêuticos, sendo indicado para tratamento de diversas patologias físicas e neurológicas devido ao seu poder de estimular naturalmente o organismo tanto humano quanto animal. O uso das plantas medicinais ou fitoterapia tem como objetivo proporcionar um tratamento de forma mais natural se comparada à medicação tradicional. Consiste na administração de plantas medicinais por meio de qualquer via e em diversas formas, porém, sem a utilização de substâncias ativas isoladas. Bem próxima da técnica de imposição de mãos está o reiki, em que a troca de energia é feita para estabelecer o equilíbrio energético e fortalecer os locais do corpo e mente que se encontram em estado de bloqueio, como mostra a figura 19. É uma pratica considerada pelo Ministério da Saúde como uma resposta aos novos anseios por tratamento que incluam a consciência, o corpo e as emoções. 38 Figura 19 - Reiki. Fonte: Tua Saúde (2021). O procedimento da terapia comunitária integrativa acontece ao ar livre envolvendo integrantes de uma comunidade, com o objetivo de trabalhar o serviço social e formação de redes solidárias, contribuindo para a saúde e o bem-estar dos participantes. A terapia de florais se assemelha à aromaterapia, utilizando essências presentes nas flores para o tratamento da mente e das emoções. A crenoterapia ou termalismo social se vale do uso da água com aplicações físicas, térmicas e radioativas como forma de terapia e prevenção de doenças, como mostra a figura 20, e sua origem está nos povos nômades, que observavam como os animais se banhavam na água quando estavam feridos. 39 Figura 20 - Crenoterapia. Fonte: Chá Dao (2021). E por fim, o yoga também tem suas raízes nos povos orientais e é considerada uma prática corporal e mental, visto que sua intenção é exercer domínio sobre o corpo e a mente (Figura 21). O yoga possui como benefícios a redução do estresse, da ansiedade, regulação do sistema nervoso, equilíbrio do sono e dos hormônios, dentre outros. Figura 21 - Yoga. Fonte: Pimenta (2020). 40 2.2 Evolução da arquitetura dos locais de tratamento Como já contextualizado, os transtornos mentais foram por muito tempo julgados sob o olhar de crenças e costumes de acordo com a época e local e com isso, a forma de tratamento utilizada era precária e ineficaz, sendo os pacientes atendidos pelas ruas (VELENTE, 2022). Essa situação perdurou até 1247, quando foi inaugurado o primeiro hospital psiquiátrico do mundo, o Bethlem Royal Hospital, em Bishopsgate, Londres. O hospital estava situado em uma das antigas alas de Londres, onde outrora fora o convento da Igreja de Santa Maria de Belém (Figura 22). Por se tratar de uma edificação muito antiga, não há muitas informações a respeito da arquitetura do local. Segundo relato de Daniel Hack Tuke, presidente da associação médico-psicológica de Londres em 1882: “Havia abaixo das escadas uma sala de estar, uma cozinha, duas despensas, uma longa entrada [corredor] por toda a casa e vinte e um quartos onde as pobres pessoas distraídas se deitam; e acima as escadas mais oito quartos para os criados e os pobres para se deitarem”. Figura 22 - Mapa de Bishopsgate. Fonte: Adaptado de Londres (1882, p.60). 41 Como o Bethlem Royal Hospital já não comportava o crescente aumento no número de pacientes, foi erguido um novo prédio projetado pelo cientista, filósofo e inspetor da cidade Londres, Robert Hooke, que foi inaugurado em 1676 e abrigava cerca de 120 pacientes (CIBRÃO, 2019). Semelhante às construções do período, a fachada do novo prédio seguia o estilo renascentista (Figura 23), podendo ser observada a presença de frontão com arco de volta perfeita, verticalidade e monumentalidade, simetria e as colunas que remetem à arquitetura clássica. Pensando na contenção dos pacientes que apresentavam comportamentos agressivos, Robert Hooke criou dois blocos blindados que possuíam simetria entre si, como apresentado na figura 23. O hall de entrada localizado no eixo central do prédio dava acesso aos corredores largos e extensos que levavam aos escritórios, à sala de exame dos pacientes e aos armazéns. No lado posterior ao hall existia um conjunto de escadas que conduzia ao salão principal, característico das construções desse padrão na época. O lado esquerdo ao hall era destinado ao alojamento feminino, com área externa exclusiva para as mulheres, enquanto que o lado direito era para os homens, também contando com área externa exclusiva (CIBRÃO, 2019). Figura 23 - Planta Baixa e Fachada do segundo prédio do Bethlem Royal Hospital. Fonte: Richardson (2016). 42 Segundo estudos feitos por Edite Rute dos Santos Soares Cibrão em sua dissertação de mestrado intitulada Janela da Mente: A influência da arquitetura na saúde mental, os pacientes eram trancados em celas que contavam com pouca ou quase nenhuma iluminação natural, visto que as janelas além de pequenas eram voltadas para a face sul do terreno (Figura 24), já que na época a crença determinava que o frio e a escuridão trariam resultados benéficos para o quadro clínico dos internos (CIBRÃO, 2019). Figura 24 - Fachada do Bethlem Royal Hospital – em destaque em vermelho as janelas das celas. Fonte: Adaptado de Previdelli (2020). No Brasil, o primeiro local destinado ao tratamento de pessoas portadoras de transtornos mentais foi o Hospício Pedro II, localizado no Rio de Janeiro, inaugurado pelo então Imperador Dom Pedro II, em 18 de julho de 1841, para abrigar os “alienados” que perambulavam pelas ruas, estavam presos em celas ou trancados em pequenas salas na Santa Casa de Misericórdia do império (VELLOSO e FONSECA, 2012). A motivação pela implantação de um local apropriado para receber os doentes tomou maiores proporções após denúncias de Antônio Luís da Silva Peixoto em sua tese na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, datada de 1837. Ao comparar os tratamentos realizados no país com os da Europa, Peixoto constatou que os enfermos eram afastados do convívio social e alocados em ambientes escuros, sem higiene e livres de qualquer humanização (VELLOSO e FONSECA, 2012). Com isto, Peixoto a seguinte observação: 43 Um tal estabelecimento deve ser construído fora das grandes povoações e cidades, num local plano e elevado, e disposto de modo que o ar possa renovar-se facilmente. Deve oferecer separações distintas e suficientes para que os doentes turbulentos e furiosos estejam separados dos tranquilos, os que se acham em tratamento dos insanáveis, os convalescentes de todos os outros; e finalmente os epilépticos, ou os que padecem de alguma moléstia acidental que possa ser danosa aos outros, devem ser separados cuidadosamente. (ELIA, p. 8, 1996 apud VELLOSO e FONSECA, 2012).3 Diante disto, o engenheiro José Domingos Monteiro assumiu o projeto do hospício tendo como inspiração a Maison Nationale de Charênton, localizada na França. Posteriormente a fachada do hospício foi modificada pelos arquitetos Joaquim Candido Guilhobel e José Maria Jacinto Rebelo. O terreno escolhidopara a implantação estava localizado na Praia de Santa Cecilia – Baía de Botafogo, local com grande presença de paisagens naturais (VELLOSO e FONSECA, 2012). O projeto foi fruto de algumas viagens realizadas pelo engenheiro e os arquitetos responsáveis pela obra, a fim de adequar os espaços com a norma de higiene da época, que separava os pacientes por gênero e grau da doença, e ao período arquitetônico vigente, o neoclássico. O prédio contava com uma arquitetura imponente e sua planta baixa (Figuras 25 a 27) seguia os preceitos renascentistas: formato cruciforme, base retangular, simetria, um grande pátio central e longas áreas de circulação. A parte central correspondia a um conjunto de escadas que levava a uma capela posicionada estrategicamente no andar superior - visto que na época a igreja exercia supremacia sobre as ciências-, às salas de visita e ao salão do fundador e as laterais eram compostas pelos alojamentos e enfermarias (VIECELI, 2014). 3 ELIA, Francisco Carlos da Fonseca. Doença mental e cidade: o hospício de Pedro II. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1996. 24 p. (Papéis avulsos). 44 Figura 25 - Hospício Pedro II - Implantação do complexo. Fonte: Hospício de Pedro II – Mapas (2022). Legenda: 1 - Pavilhão de observação; 2 - Sala de ginastica / pavilhão Bourneville; 3 - Pavilhão das imundas / ateliê de costura; 4 - Pátio feminino externo; 5 - Fachada para a av. Pasteur; 6 - Pátio masculino externo; 7 - Usina elétrica e casa dos acumuladores. http://www.ccms.saude.gov.br/hospicio/text/foto-casas.php http://www.ccms.saude.gov.br/hospicio/text/foto-ginastica.php http://www.ccms.saude.gov.br/hospicio/text/foto-costura.php http://www.ccms.saude.gov.br/hospicio/text/foto-pefem1.php http://www.ccms.saude.gov.br/hospicio/text/foto-entrada.php http://www.ccms.saude.gov.br/hospicio/text/foto-patiom.php http://www.ccms.saude.gov.br/hospicio/text/foto-gerador.php 45 Figura 26 - Hospício Pedro II - Planta Baixa 1° Pavimento. Fonte: Hospício de Pedro II – Mapas (2022). Legenda: 1 - Pátio feminino externo; 2 - Pátio feminino interno; 3 - Refeitório; 4 - Corredor da ala feminina (auge e degradação); 5 - Pátio feminino interno com torre central; 6 - Sala de cirurgia / maca de cristal; 7 - Laboratório / Farmácia; 8 - Pátio masculino interno; 9 - Pátio masculino externo; http://www.ccms.saude.gov.br/hospicio/text/foto-pefem2.php http://www.ccms.saude.gov.br/hospicio/text/foto-patio4.php http://www.ccms.saude.gov.br/hospicio/text/foto-refeitorio.php http://www.ccms.saude.gov.br/hospicio/text/foto-corredor1.php http://www.ccms.saude.gov.br/hospicio/text/foto-corredorFeminino.php http://www.ccms.saude.gov.br/hospicio/text/foto-patio7.php http://www.ccms.saude.gov.br/hospicio/text/foto-cirurgia.php http://www.ccms.saude.gov.br/hospicio/text/foto-maca.php http://www.ccms.saude.gov.br/hospicio/text/foto-laboratorio.php http://www.ccms.saude.gov.br/hospicio/text/foto-patio1.php http://www.ccms.saude.gov.br/hospicio/text/foto-patioem.php 46 Figura 27 - Hospício Pedro II - Planta Baixa 2 ° Pavimento. Fonte: Hospício de Pedro II – Mapas (2022). Legenda: 1 - Sala de administração 2 - Capela A partir de análises de imagens, constatou-se que a fachada (Figura 28) era composta por vinte janelas, do tipo veneziana com a parte superior arqueada de cada lado, sendo esse estilo característico neoclássico. O pórtico central era dividido em dois andares, com o primeiro pavimento no estilo da ordem dórica e o segundo da ordem jônica, feitos em granito e pedras nobres. O telhado era encoberto por uma platibanda também ornamentada. Quanto aos espaços internos (Figura 29 e 30), os grandes pátios seguiam o preceito de que os internos deveriam estar em atividade durante todo o dia, ao menos caminhando pelos pátios, pois acreditava-se que o ócio era prejudicial para o processo de tratamento. Os corredores eram revestidos com azulejos brancos e azuis para criar ilusão de profundidade, limpeza e a sensação de ambiente arejado (VIECELI, 2014). http://www.ccms.saude.gov.br/hospicio/text/foto-adm2.php http://www.ccms.saude.gov.br/hospicio/text/foto-capela.php 47 Figura 28 - Hospício Pedro II - Fachada. Fonte: Leuzinger (1866). Figura 29 - Hospício Pedro II - Recepção. Fonte: Centro Cultural Ministério Da Saúde (2022). 48 Figura 30 - Hospício Pedro II - Pátio interno. Fonte: Centro Cultural Ministério Da Saúde (2022). O hospício foi projetado para a ocupação de 350 pessoas, sendo dividido em primeiro pavimento para homens e segundo pavimento para as mulheres. A divisão era feita ainda de acordo com as condições financeiras do interno, intensificando o preconceito social. Eram subdivididos da 1ª à 3ª classe, sendo os de primeira classe destinados a quartos individuais, classe mediana a um quarto para dois alienados e por fim, os de terceira classe ficavam nas enfermarias que comportavam 15 pessoas (VIECELI, 2014). O tratamento diferenciado acontecia também na forma de trabalho. Os de terceira classe e os considerados indigentes eram obrigados a trabalhar nas lavouras, chamadas colônias, já os internos das duas primeiras classes eram apenas recomendados a frequentarem a biblioteca do prédio (MACHADO et al., 1978). No Hospício Pedro II já era possível notar uma preocupação com o bem-estar humano, visto que foram criadas salas de hidroterapia, sala de ginástica e também as salas onde se aprendiam corte e costura, contribuindo para a ocupação mental dos pacientes e, consequentemente, melhora no quadro clínico. Porém, a arquitetura do 49 isolamento permanecia sendo praticada, implantando o hospício longe dos centros urbanos onde os ocupantes teriam maior contato com outras pessoas. Um outro marco na arquitetura manicomial brasileira foi o Hospital Psiquiátrico São Pedro situado em Porto Alegre – RS. Inaugurado em 1874 como Hospício São Pedro, recebeu a titularidade de hospital psiquiátrico em 1961. Antes da criação do Hospital, os alienados eram alocados em quartos na Santa Casa ou levados para celas na cadeia pública quando não se conseguia a transferência para o até então novo Hospício Pedro II. Como o número de pessoas portadoras de transtornos mentais começou a aumentar consideravelmente na província de São Pedro, foi declarada a necessidade de se criar um espaço destinado exclusivamente para a internação dessas pessoas. O projeto do hospital foi então solicitado e foi considerado o maior complexo em área edificada da província no século XIX, fazendo parte do processo de saneamento e regulamentação social de São Pedro (VIECELI, 2014). Ainda segundo Ana Paula Vieceli em sua dissertação de mestrado intitulada Lugares da Loucura: Arquitetura e Cidade no Encontro com a Diferença: O processo de busca de um terreno para a implantação do hospício deveria ser necessariamente fora da cidade, não somente por um isolamento com fins de exclusão, mas também pelo fato de que na época, as teorias médicas prescreviam ao louco o isolamento em contato com a natureza, justificado na certeza de que, no isolamento seria possível rearmonizar a percepção desordenada do alienado. (VIECELI, 2014, p.72). O projeto do complexo foi elaborado pelo engenheiro Álvaro Nunes Pereira em conjunto com José Antônio Soares de Azevedo, antes mesmo de se ter conhecimento do terreno, ou seja, não houve o interesse de estudar o entorno para melhor adequação projetual (VIECELI, 2014). Inicialmente foram previstos doze pavilhões, mas apenas seis foram concretizados (Figura 31), sendo uma das obras mais notáveis do Período Imperial (VIECELI, 2014). A planta (Figuras 32, 33 e 34) segue o estilo de pavilhões concretizado na Europa no século XVIII, sendo que cada um deles contava com dois pavimentos. Os quartos, a parte administrativa, área médica e de serviços foramalocados na parte sul do terreno, podendo-se inferir que pouca iluminação natural entrava nos ambientes. 50 Figura 31 - Hospital Psiquiátrico São Pedro – Implantação. Fonte: Vieceli (2014). 51 Os pavilhões eram ligados verticalmente por um grande corredor, formando quatro pátios internos. Era uma construção de grandes proporções para o período, com a cobertura e as escadarias em trabalho de serralheria, arcos característicos do neoclássico presentes ao longo dos pátios internos e uma linha de bonde de tração animal que permitia o acesso ao complexo (VIECELI, 2014). Figura 32 - Hospital Psiquiátrico São Pedro – Porão. Fonte: Ana Paula Vieceli (2014). Figura 33 - Hospital Psiquiátrico São Pedro - 1 Pavimento. Fonte: Vieceli (2014). 52 Figura 34 - Hospital Psiquiátrico São Pedro - 2° Pavimento. Fonte: Vieceli (2014). Os pátios internos (Figura 35) foram objetos de conflito entre o comitê médico, os chamados alienistas, e os administradores do hospital. De um lado, os médicos defendiam o acesso ao pátio pelos pacientes, pois acreditavam que o contato com a natureza através da iluminação e ventilação naturais influenciava positivamente no processo de reabilitação. Já a equipe administrativa enxergava o local apenas como um vazio e que os alienados deveriam permanecer trancados em seus alojamentos (COSTA, 2007). Figura 35 - Hospital Psiquiátrico São Pedro - Pátio interno. Fonte: IPatrimônio (2022). 53 Após tanto conflito, com o povoamento ao redor do hospital e com a reformulação urbanística da cidade com o Plano Moreira Maciel, os pátios foram cercados por paredes e a praça que circundava a fachada (Figura 36) se transformou em muros que isolavam ainda mais o complexo da área urbana, segregando os pacientes da sociedade de forma mais agressiva (IPATRIMÔNIO, 2022). Figura 36 - Hospital Psiquiátrico São Pedro - Frontão. Fonte: IPatrimônio (2022). Anos após a inauguração das edificações mencionadas, surge no Brasil um novo espaço dedicado ao cuidado e reabilitação de pessoas portadoras de transtornos mentais, o chamado Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). O CAPS Professor Luiz da Rocha Cerqueira (Figura 37) foi o primeiro do país, fundado no dia 12 de março de 1987, na Rua Itapeva em São Paulo. Devido ao seu local de implantação também recebe o nome de CAPS Itapeva (PISTELLI, 2008). 54 Figura 37 - CAPS Itapeva. Fonte: Brisola (2021). Como se tratava de um espaço inovador, não existiam normas e diretrizes projetuais para a execução, de modo que um único grupo de profissionais projetou e executou o local (PISTELLI, 2008). Diferente dos hospitais psiquiátricos, o CAPS Itapeva surge do aproveitamento de uma edificação já existente - um casarão do período de 1920 - trazendo uma nova roupagem arquitetônica longe dos modelos hospitalares imponentes e pouco humanizados (BRISOLA, 2021). A maneira como o tratamento começou a ser visto também se diferencia dos hospitais, que outrora acreditavam no isolamento e em alguns casos, o aprisionamento dos pacientes nos dormitórios. Os funcionários do CAPS por sua vez, acreditam na reinserção social dos usuários, promovendo acesso ao trabalho, lazer e fortalecimento dos laços familiares (BARBOSA, 2019), necessitando que a arquitetura ofereça condições para tais atividades. O CAPS Itapeva está implantado em via com considerável presença de área verde (Figuras 38 e 39), o que contribui para o bem-estar mental dos usuários, sejam pacientes ou funcionários do local. O programa de necessidades4 conta com refeitório, sala de atividades, oficinas, sala com acesso à internet, anfiteatro, sala de reuniões, 4 Não foram encontradas imagens referentes às plantas de projeto para melhor análise do local. 55 auditório e sala de acolhimento para atendimento aos pacientes e à família (SPDM, 2017). Figura 38 - CAPS Itapeva - Fachada Fonte: Adaptado de Google Maps (2022b). Figura 39 - CAPS ITAPEVA – Implantação. Fonte: Adaptado do Google Maps (2022c). 2.2.1 Histórico de Barbacena: O Holocausto Brasileiro A cidade de Barbacena – MG foi um marco na história do país no que diz respeito aos transtornos mentais, com o conhecido Hospital Colônia. Como um prêmio de consolação para a cidade pela perda da disputa pela capital, o hospital foi fundado em 1903 na antiga Fazenda Caveira, que tempos antes funcionava como um sanatório para pessoas com tuberculose (BARBACENA..., 2022). 56 Segundo a jornalista Daniela Arbex, autora do livro Holocausto Brasileiro, 70% das pessoas ali internadas não apresentavam nenhum tipo de doença mental, mas acabam desenvolvendo quadros clínicos de psicopatologia devido aos tratamentos, aos espaços feitos para enclausurar e a forma como viviam (ARBEX, 2013). De acordo com Arbex (2013, P.14): Eram epiléticos, alcoolistas, homossexuais, prostitutas, gente que se rebelava, gente que se tornara incômoda para alguém com mais poder. Eram meninas grávidas, violentadas por seus patrões, eram esposas confinadas para que o marido pudesse morar com a amante, eram filhas de fazendeiros as quais perderam a virgindade antes do casamento. Eram homens e mulheres que haviam extraviado seus documentos. Alguns eram apenas tímidos. Pelo menos trinta e três eram crianças. Os internos vinham de toda a parte do Brasil e chegavam até o hospital pelo transporte ferroviário (Figura 40), também conhecido como “Trem de Doido”, e assim que desembarcavam eram levados para o setor de triagem, onde tinham os cabelos raspados, eram despidos e os documentos confiscados. Passavam por um banho gelado coletivo, vestiam os uniformes e então eram separados por gênero, idade e características físicas e levados aos pavilhões (BORDIGNON, 2015). Figura 40 - O "Trem de Doido". Fonte: Rede Noticiando (2020). O complexo seguia o estilo “pavilhonar” característico dos hospitais do século XIX, sendo dezesseis pavilhões divididos ao longo de 8 milhões de metros quadrados. 57 O local não possuía saneamento básico adequado e a falta de alimentação adequada fazia com que os pacientes bebessem da água do esgoto que passava pelos pavilhões (BORDIGNON, 2015). Além da insalubridade, os pavilhões inicialmente projetados para 200 pessoas passaram a abrigar 5 mil (Figura 41), o que aumentava o caos instaurado no local. Conforme descreve Gabriel Granado e Sá em seu artigo Espaço da loucura: discurso biopolítico e manicomial, no portal ArchDaily: As condições eram as piores possíveis, o excedente de internos fazia com que espaços projetados para duzentas pessoas abrigassem cerca de cinco mil. Os recursos eram escassos, os prisioneiros desse campo de concentração por vezes comiam ratos, bebiam esgoto e urina, dormiam em amontoados de capim. Eram mantidos sem roupas mesmo com temperaturas abaixo de 8ºC e, para se aquecer, dormiam em rodas e alternando entre o lado de fora e de dentro, mas muitos não chegavam vivos ao dia seguinte. (SÁ, 2021). Figura 41 - Pátio onde os pacientes passavam o dia no Hospital Colônia. Fonte: Godoy (2021). Os espaços internos (Figuras 42 e 43) eram escuros e sombrios, visto que todas as janelas possuíam grades de contenção e na maior parte do tempo permaneciam fechadas. O piso cerâmico tornava o espaço ainda mais frio, sobretudo 58 no período de inverno da cidade, época que ocorriam mais mortes devido hipotermia. Os poucos leitos que existiam foram retirados, a fim de abrigar um maior número de pacientes que eram destinados aos fenos jogados diretamente no chão – conhecido como leito único. (BORDIGNON, 2015). Figura 42 - Espaço interno do Hospital Colônia. Fonte: Vivimetaliun (2015). 59 Figura 43 - Corredor do pavilhão Dr. Joaquim Dutra Fonte: Fotografia da autora (2021). As crianças dividiam
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