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CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 1 Serviço Social Fundamentos Históricos e Teórico Metodológicas do Serviço Social – Dimensão Histórica Aula 1 Profª. Jussara M. de Medeiros CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 2 Conversa inicial Caras alunas e caros alunos. É com imensa satisfação que iniciaremos a nossa jornada na trajetória histórica do Serviço Social, destacando o processo de consolidação do capitalismo, que se dá na formação do Estado Moderno, que vai dos séculos XVII ao XIX, quando se desenvolve o capitalismo concorrencial, em sua fase mercantil e industrial. Nesta aula, você vai compreender o processo de consolidação do capitalismo, a consequente formação da classe trabalhadora e sua relação com o Serviço Social e com a questão social. Neste início, vamos pensar na influência doutrinária da Igreja Católica no Serviço Social e nas escolas americana e europeia, que vão ter uma grande interlocução com o Serviço Social no Brasil, o que, é claro, veremos mais para frente! Assista à introdução da professora Jussara de Medeiros sobre esse assunto no material online. Contextualizando Bom, sempre nas primeiras aulas de Serviço Social, perguntamos aos estudantes por que procuraram este curso. Qual seria sua resposta? Ajudar os outros? Convicções religiosas? Experiências positivas, com o atendimento de outro profissional, que te levaram a desejar seguir esta profissão? Exemplo de um parente assistente social ou alguém que trabalha na sua empresa? Você trabalha com política pública e convive diariamente com o atendimento deste profissional? Seja qual for, observa-se que estas convicções estão interligadas com a história da nossa profissão, com a identidade do Serviço Social. Para a professora assistente social Maria Lucia Martinelli, os CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 3 modos de produção da identidade profissional, como categoria histórica, social e política, estão profundamente relacionadas com o Movimento da História, de forma geral (MARTINELLI, 1991). Assim, ao pensar nesta trajetória, vamos relacionar estas categorias com as nossas motivações para nos tornarmos profissionais de Serviço Social. Pense nisso e, ao final, voltaremos a essas questões. Assista à contextualização da professora Jussara sobre esse tema no material online. Tema 1: Pensando em Conceitos: do feudalismo ao capitalismo Na apresentação da aula, nos referimos ao capitalismo mercantil. Como vamos tratar da consolidação do capitalismo, é importante compreendermos que este tem diferentes tempos históricos. De acordo com BEHRING e BOSCHETTI (2006) os períodos que se dividem o modo de produção capitalista são: (Clique nas palavras destacadas): Capitalismo concorrencial: século XIX, a partir de 1848 (revolução do vapor); Imperialismo clássico: fins do século XIX até a 2ª Guerra Mundial (monopolização do capital); Capitalismo tardio: pós-45 até dos dias de hoje (automação, aprofundamento da monopolização e intervenção estatal). Para compreendermos a ascensão do capitalismo, tal como ele está organizado, voltamos a pensar na organização da sociedade feudal, que ocorre entre os séculos V e XV, após a queda do Império Romano. Nesta sociedade, as relações de troca eram simples e havia uma estrutura política definida, ou seja, a sociedade feudal era formada pela aristocracia proprietária de terra (alto CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 4 clero e nobreza) e pela massa de camponeses. Há uma forte influência da Igreja Católica que detém várias terras, consideradas como riqueza. O feudo era do domínio do senhor feudal e havia uma relação estabelecida de troca, visto que o trabalhador rural é servo do proprietário (senhor feudal). Para BEHRING e BOSCHETTI (2006), as sociedades pré-capitalistas não privilegiavam as forças de mercado e assumiam algumas responsabilidades sociais, não com o fim de garantir o bem comum, mas com o intuito de garantir a ordem social e punir a vagabundagem. Ao lado da caridade privada e das ações filantrópicas, algumas ações pontuais são identificadas como protoformas de políticas sociais. Assim, havia alguns atendimentos aos mais pauperizados de forma pontual. O termo “protoforma de política social” indica que há uma preocupação na assunção de problemas sociais, mais não de forma organizada pelo Estado. Com o desenvolvimento do capitalismo mercantil, as trocas se tornam mais complexas, pois as relações vão sendo caracterizadas pela questão comercial. A separação entre os camponeses e a terra, entre o produtor e os meios de produção, vai infiltrando-se sorrateiramente, fazendo-se acompanhar de seu habitual corolário, a divisão social do trabalho. Iniciando-se com uma primeira ruptura entre fiação e tecelagem, torna-se a cada momento mais complexa, determinando novas e crescentes divisões. Aquela economia natural da sociedade medieval entra em compasso de descaracterização progressiva, sendo aceleradamente substituídas por novas formas de troca, que acentuam a separação entre o proprietário e o produtor (Martinelli, 1991, p.31). Assim, a autora destaca que as trocas antes mais simples vão tendo CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 5 outras características, pois tem como objetivo a acumulação de lucros e riqueza. Os centros de poder se deslocam dos feudos para os burgos. A burguesia vai acumulando riqueza e aumentando seu poder político, criando uma nova força assalariada e destituída dos meios de produção. De camponês a tecelão agrícola, e em seguida para trabalhador assalariado, esta classe empobrecida de camponeses, pequenos produtores e artesãos não teve como escapar das malhas da oligarquia burguesa, despontando já na segunda metade do século VI como trabalhadores assalariados, portanto, como proletários, no sentido etimológico do termo (MARTINELLI, 1991, p. 32). Nessa fase, há uma crescente necessidade de mão-de obra e os camponeses são expulsos da terra tendo que se subordinar aos donos do capital, protegidos pelas legislações da época. Assim, no período que vai do século XVII ao século XIX, desenvolve-se o capitalismo na sua fase concorrencial. Veja o vídeo sobre a Revolução Industrial e a forma como se dá a criação das máquinas no capitalismo. https://www.youtube.com/watch?v=TtDgBoky3fo A professora Jussara fala mais sobre os conceitos da Assistência Social, principalmente da transição do feudalismo para o capitalismo, no material online. https://www.youtube.com/watch?v=TtDgBoky3fo CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 6 Tema 2: Revolução Industrial e Questão Social Já vimos o processo de expansão do capitalismo, com a comercialização crescente. Vejamos as legislações que regulavam os trabalhadores, desde a época feudal: Estatuto dos Trabalhadores (1349): a atribuição do salário era privativa da autoridade local e independente de qualquer negociação; Estatuto dos Artesãos (1563): impedia qualquer tipo de associação entre os aprendizes de ofício; Lei dos Pobres (1597): declarava indigentes e retirava o direito de cidadania econômica daqueles que fossem atendidos pelo sistema de assistência pública. Eles deviam ficar confinados em Casas de Correção e podiam ser cedidos para suprir escassez de mão de obra. Eram obrigados a realizar todo tipo de trabalho, independente do salário; Lei do Domicílio (1662): determinava que todo indivíduo que mudasse de paróquia poderia ser expulso, privando assim o cidadão do direito de locomoção; Speenhamland Act (1795): estabelecia o pagamento de um abono financeiro, em complementação aos salários, cujo valor se baseava no preço do pão e proibia a mobilidade geográficada mão de obra. Lei Revisora da Lei dos Pobres ou Nova Lei dos Pobres: foram criadas as casas de trabalho e instituídas as Caixas de Pobres, para concessão de auxílio semanal ou mensal. A concessão de auxílio CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 7 dependia de rigoroso inquérito da vida pessoal e familiar. Com a criação das máquinas e a expansão da produção, torna-se necessário a ampliação da mão de obra operária. O trabalhador, porém, não era livre para circular pelo mercado, devido ao Estatuto dos Aprendizes, que impedia a Associação dos Trabalhadores e a Lei do Assentamento, em que o trabalhador ficava subordinado ao senhor feudal e impedido de se deslocar. (MARTINELLI, 1991) A Lei dos Pobres de 1597 era ainda mais rigorosa, determinando que os atendidos pelo sistema de assistência pública vivessem confinados. Clique no botão a seguir e leia o que MARTINELLI diz sobre esse assunto. Nesses locais, denominados Casas de Correção, pois a pobreza era considerada geneticamente um problema de caráter, os indivíduos eram obrigados a realizar todo tipo de trabalho, independentemente de salário, uma vez que o atendimento pela Lei dos Pobres implicava a destituição da cidadania econômica. Sem nenhum domínio sobre sua própria vida, podiam inclusive ser cedidos, independentemente de ônus para os cofres públicos, para suprir a escassez de mão de obra (MARTINELLI, 1991, p. 56). Em relação a estas leis, observe que as mais antigas impedem o direito de ir e vir, o que não era conveniente para a burguesia. Os impostos eram determinados pelos donos do feudo e a locomoção para a comercialização era difícil, pois os preços eram variados e impediam o lucro. Dessa forma, os burgueses vão pressionar o Estado para revogar as leis que impediam o acúmulo do capital, mantendo em contrapartida as leis que os beneficiavam. Por exemplo, eles apoiavam o Estatuto dos Trabalhadores, que excluía o trabalhador de sua vida trabalhista. A atribuição de salário, de acordo com o Estatuto dos Trabalhadores, era privativa da autoridade local e independente de qualquer negociação. Assim, o recrutamento da força de trabalho podia ser feita de forma coercitiva, sendo proibido ao homem ou a mulher de até 60 anos de idade, não inválidos, sem CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 8 meio de sustento próprios recusar trabalho, qualquer que fosse o salário (MARTINELLI, 1991, p.57). A recusa, se denunciada, implicava no recolhimento à Casa de Correção, e a perda da cidadania. Com a mudança da Lei dos Pobres, o trabalhador não ficava mais confinado à Casa de Correção, caso acessasse “novas” Casas de Trabalho para concessão de auxílio mensal ou semanal. Porém, para acessar esses locais, era realizado um inquérito da sua vida familiar e, novamente, o solicitante tinha que assumir-se como dependente do poder público, com uma vida regulada por normas (MARTINELLI, 1991). Apesar do caráter rigoroso da mudança da Lei dos Pobres, a sua abolição foi uma conquista importante e as lutas dos trabalhadores ampliaram- se. Observe o quadro a seguir, que localiza as características da Revolução Industrial, nos séculos XVIII e XIX: Observa-se o destaque das questões relativas ao início da primeira revolução na Inglaterra e posteriormente em outros países. Para ilustrar a questão das máquinas e da produção, assista ao filme “Tempos Modernos” que mostra Chaplin, representando seu personagem Carlitos em uma produção em série numa fábrica, e as consequências que esse método de trabalho acarreta CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 9 para o trabalhador. O filme também retrata a história de uma jovem e suas irmãs, com o pai desempregado. A vida fica ainda mais difícil quando este morre em um conflito. https://www.youtube.com/watch?v=CozWvOb3A6E Pense nas contradições decorrentes deste novo sistema econômico e político. Neste contexto, surge a questão social. Clique no botão a seguir e leia o que IAMAMOTO diz sobre esse assunto. A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do operariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção, além da caridade e da repressão. O Estado passa a intervir diretamente nas relações entre o empresariado e a classe trabalhadora, estabelecendo não só uma regulamentação jurídica no mercado de trabalho, através da legislação social e trabalhista específicas, mas gerindo a organização e prestação de serviços sociais, como um novo tipo de enfrentamento da questão social. (IAMAMOTO, 1983, p 77.) BEHRING e BOSCHETTI (2006) apontam que na segunda metade do século XIX, a força de trabalho reagiu à exploração extenuante e à exploração de trabalho de mulheres, crianças e idosos. A luta de classes irrompeu, impondo a questão social. A exploração do trabalhador trouxe várias consequências, como a pauperização deste e outros fenômenos como a fome, a falta de moradia, o aumento de doenças, a desigualdade social, dentre outras. Assim, o Estado atuava junto com o capital, mas de forma reduzida. A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do operariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual https://www.youtube.com/watch?v=CozWvOb3A6E CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 10 passa a exigir outros tipos de intervenção, além da caridade e da repressão. O Estado passa a intervir diretamente nas relações entre o empresariado e a classe trabalhadora, estabelecendo não só uma regulamentação jurídica no mercado de trabalho, através da legislação social e trabalhista específicas, mas gerindo a organização e prestação de serviços sociais, como um novo tipo de enfrentamento da questão social. (IAMAMOTO, 1983, p 77.) MARTINELLI (1991) afirma que a caminhada histórica dos trabalhadores produz importantes resultados, dentre eles: O trânsito de “condição de classe” para “natureza de classe” da classe trabalhadora, levando-a a discernir com mais clareza a natureza de seu papel revolucionário; A importância da construção de alianças, para consecução dos objetivos buscados pelos trabalhadores; O domínio do capital sobre o trabalho começa a ser contestado e repudiado pelos trabalhadores; Os trabalhadores tinham consciência de que por meio de suas manifestações, podiam pressionar a burguesia e também o poder público para atingir seus objetivos. Para ilustrar a consciência dos trabalhadores em relação a sua condição, vamos realizar uma reflexão sobre o Dia Internacional da Mulher e como foi sua origem. Acesse ao vídeo indicado. https://www.youtube.com/watch?v=oxOD_G5lTCw Historicamente, o trabalho das mulheres e das crianças foi mais desvalorizado em relação ao trabalho masculino. A esfera produtiva era considerada como lócus da produção da riqueza, espaço masculino e a esfera reprodutiva eram as atividades necessárias para garantir a manutenção e reprodução da força de trabalho, portanto espaço feminino. Porém a mulher https://www.youtube.com/watch?v=oxOD_G5lTCw CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 11 sempre foi responsável pelo trabalho produtivo e reprodutivo e ainda é explorada duplamente no capitalismo. Estas questões estabeleceram visivelmente a luta de classes e passou a exigir uma intervenção além da repressão e da caridade. Para IAMAMOTO e CARVALHO (1983), o Serviço Social se desenvolveu como profissãoreconhecida na divisão social do trabalho, tendo por pano de fundo o desenvolvimento do capitalismo industrial e a expansão urbana. Em relação ao mundo precarizado do trabalho, leia o texto de Ricardo Antunes, disponível a seguir. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1516- 37171999000100008&script=sci_arttext Agora é com a professora Jussara! Ela fala mais sobre a revolução industrial e a questão social no material online. Não perca! Tema 3: Questão Social e Serviço Social Vimos que a relação de exploração que se estabeleceu com o capitalismo criou uma nova classe e tem como consequência a questão social. Agora, vamos relacionar este fato com a criação da profissão de Serviço Social. Bem, MARTINELLI cita duas grandes tendências (comentadas por Karl Marx) de economistas para amenizar a questão social: A Escola Humanitária e a Filantrópica. “ A Escola Humanitária é a que lastima o lado mau das relações de produção atuais. Para tranquilidade de sua consciência, esforça-se para amenizar o mais possível os contrastes reais; deplora sinceramente as penúrias do proletariado e a desenfreada concorrência entre os burgueses; aconselha os operários a serem sóbrios, trabalharem bem e terem poucos http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1516-37171999000100008&script=sci_arttext http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1516-37171999000100008&script=sci_arttext CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 12 filhos; recomenda aos burgueses que moderem seu furor na esfera da produção.” (MARX, Karl. Miseria de la filosofia. Trad. Dalmacio Negro Pavon. Madrid, Agiuillar, 1969, citado em Martinelli, 1991, p. 63.). “A Escola Filantrópica é a escola humanitária aperfeiçoada. Nega a necessidade dos antagonismos; quer converter todos os homens em burgueses e aplicar a teoria, desde que esta se diferencie da prática e não contenha antagonismos. É evidente que na teoria é fácil fazer abstrações das contradições que se encontram a cada momento na realidade. Essa teoria equivaleria, então, a realidade idealizada. Em consequência, os filantropos querem conservar as categorias que expressam as relações burguesas, porém, sem o antagonismo que constitui a essência dessas categorias, que é inseparável delas.” (MARX, Karl. Miseria de la filosofia. Trad. Dalmacio Negro Pavon. Madrid, Agiuillar, 1969, citado em Martinelli, 1991, p. 63.). Pense em quais características as escolas têm em comum nesses extratos. Ambas buscam negar os antagonismos. A Escola Humanitária ainda determina o “correto” na forma de se comportar dos proletários, por exemplo, ter poucos filhos, não beber... Em ambas as escolas, busca-se negar as contradições da sociedade capitalista e estabelecer a existência de uma relação democrática, que pode ser apaziguada com o esforço de cada um. As relações de exploração do capital não se evidenciam neste discurso. Assim, para domesticar este trabalhador é necessário utilizar como estratégia a alienação “elemento fundante da existência social no mundo capitalista, de acordo com Martinelli. Clique no botão a seguir e leia a citação da autora sobre esse assunto. Produzida pela dinâmica da própria sociedade burguesa como um mecanismo de autopreservação, a alienação terna-se uma determinação objetiva da vida social no mundo de produção capitalista. Penetrando na consciência das pessoas, leva-as a não mais se reconhecerem nos resultados ou produtos de sua atividade, a se tornarem alheias, estranhas, alienadas, enfim, até mesmo a realidade onde vivem. (MARTINELLI, 1991, p. 62) CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 13 A preocupação com a questão social une Burguesia, Estado e Igreja, para coibir as manifestações políticas e sociais. Na Inglaterra, o resultado dessa união foi o surgimento da Sociedade de Organização da Caridade em Londres que surge, em 1869, congregando os reformistas sociais, que passavam agora a assumir formalmente a responsabilidade pela racionalização e pela normatização da prática de assistência. O Serviço Social já surge no cenário histórico com uma identidade atribuída, que expressava uma síntese das práticas sociais pré-capitalistas repressoras e controladoras e dos mecanismos e estratégias produzidas pela classe dominante para garantir a marcha expansionista e a definitiva consolidação do sistema capitalista. (MARTINELLI, 1991, p.66) Esta questão é de suma importância, pois o Serviço Social tem na sua origem a marca do capitalismo, um instrumento importante da burguesia. Por isso NETTO realiza uma crítica às análises da profissão que veem o Serviço Social como uma “evolução da ajuda”. Para o autor, o Serviço Social é “indivorciável” da ordem monopólica, já que existe uma relação entre o Serviço Social profissional e as formas filantrópicas e assistenciais desenvolvidas pela emergência da sociedade burguesa. “É uma relação complexa, que compreende um universo político e teórico cultural que se apresentam no pensamento conservador, por outro lado, envolvem intervenções características do caritativismo. A influência da Igreja Católica afeta também o Serviço Social. Porém, a profissionalização não é uma continuação da visão da caridade”. (NETTO, 2001, p. 70). Assim, vamos compreender as influências trazidas pela Igreja e pela caridade na formação do Serviço Social, porém, sem afirmar que a profissão seria um mero desenvolvimento da visão de caridade. Isto posto, muitas práticas de repressão, de exploração e dominação política foram realizados sob a dominação da caridade. O Serviço Social tem um significado social na sociedade capitalista, CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 14 como um dos elementos que participa da reprodução das relações de classes e do relacionamento contraditório entre elas. É uma especialização do trabalho coletivo dentro da divisão social do trabalho peculiar a sociedade industrial. Assim, é necessário apreender as implicações sociais que conformam as condições desse exercício profissional na sociedade atual (IAMAMOTO E CARVALHO, 1983). Quer saber mais sobre a questão social e o serviço social? Então confira à explicação da professora Jussara, no material online. Tema 4: Influências no Serviço Social Para compreender como se dá as influências no Serviço Social, vamos pensar nos contextos que influenciaram o início desta profissão. Em relação à sociedade de organização da caridade, esta entendia que só coibindo as práticas da classe dos trabalhadores, impedindo suas manifestações coletivas e mantendo um controle sobre a “questão social”, é que se poderia assegurar o funcionamento social adequado. Assim, de acordo com Martinelli, o Serviço Social sofre as seguintes influências: John Brunnel Davis, em 1816, fundou em Londres um Centro de Proteção à Infância, baseando-se nos ensinamentos do humanista católico espanhol Juán Luiz Vivas. Também organizou um grupo de visitadoras sociais. A influência de Vivés se faz presente também nas iniciativas do pastor Thomas Chalmers, inglês radicado em Glasgow que defendia em sua paróquia a ideia da caridade tornar-se uma ciência. Jeremy Bentham, filantropo inglês propôs em Londres, no final do século XVlll, a criação de um Ministério de Saúde Pública, englobando as áreas de higiene e a educação (atividades CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 15 complementares da assistência). Florence Nightingale, em 1851, membro da mais alta sociedade inglesa, tendo tomado conhecimento dos trabalhos que se desenvolviam na Alemanha pelas diaconistas e na França pelas irmãs de caridade, resolveu estagiar naqueles locais para melhor conhecê-los. Em ambos, estava presente a preocupação com os doentes e com os pobres e a visita domiciliar, como forma de atenuar seus sofrimentos físicos e sociais. A influência de FlorenceNightingale, situando a visita domiciliar como um dos mais eficientes instrumentos para a realização das ações educativas foi marcante no processo de racionalização da assistência e sua organização em bases científicas. Octavia Hill, em 1865, em Londres iniciou um trabalho de educação familiar e social com os moradores de três casas. Os resultados deste trabalho animaram o filantropo Edward Denison a realizá-lo em outro bairro de Londres ampliando-o para as questões de higiene e saúde, já que era médico. Os trabalhos pioneiros de educação familiar e social de Octavia Hill e seus colaboradores constituíram importantes referências para o desenvolvimento da ação social com famílias de operários. A Sociedade de Organização da Caridade adotou e difundiu a ideia de assistência social como “reforma de caráter”. Solidarizando-se com essa ideia, em 1875, Charles Loch retomou as práticas de educação familiar (iniciadas por Octavia Hill) enfatizando o fato de se ter um local destinado ao atendimento da classe trabalhadora ou dos segmentos mais pauperizados da população. Em 1884, o pastor Samuel Barnett e sua esposa Henriette Rouland, colaboradora de Octavia Hill, criaram em Londres um Centro de Ação Social. Este organismo passou a ser divulgado como o mais adequado para a CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 16 realização da prática social: o seettlement inglês, precursor das agências e centros sociais. (MARTINELLI, 1991) Antes mesmo de finalizar a década de 1880, o Estado burguês passou a receber em suas instituições de saúde o assistente social como colaborador de suas equipes. Em 1882, Josephine Shaw Lowell fundou em Nova Iorque a primeira sede americana da sociedade. Na Sociedade de Organização da Caridade havia muitas manifestações contra o uso do inquérito domiciliar com fins coercitivos e repressivos. Octavia Hill, em Londres, e Josephine Shaw Lowell, em Nova Iorque, defenderam em diferentes ocasiões a sua utilização, tanto para regularizar a concessão de auxílios, quanto para promover a reintegração social do indivíduo, conforme proposta de Nightingale. (MARTINELLI, 1991) Edward Devine posicionou-se em 1897 mostrando a importância de se lutar não só pelo uso adequado do inquérito domiciliar, como também pela qualificação dos visitadores sociais. Na fase final do século XIX há uma grande preocupação com a qualificação dos agentes profissionais nas Sociedades de Organização da Caridade. (MARTINELLI, 1991) Pensando no Serviço Social norte americano, conhecemos Mary Richmond (1866- 1928). Ela introduziu a visita domiciliar no Serviço Social com base na influência de Florence Nightingale (fundadora da enfermagem que utilizava como estratégia operacional as “visitadoras de saúde” (health visitors). Na Sociedade de Organização da Caridade de Baltimore, exerceu importante papel no sentido de motivar a criação de escolas de Serviço Social como forma de qualificar os agentes para o exercício profissional e durante a realização da Conferência Nacional de Caridade e Correção, em 1897, em Toronto, propôs que se criasse uma escola para o ensino da Filantropia Aplicada. Mary Richmond considerava o inquérito como um instrumento de fundamental importância para a realização do diagnóstico social e, posteriormente, do tratamento. Acreditava que só através do ensino CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 17 especializado poder-se-ia obter a necessária qualificação para realizá-lo. A força de suas argumentações levou Devine a acolher sua sugestão de organizar um curso destinado à aprendizagem da ação social ou, como o queria Richmond, à aprendizagem da aplicação científica da filantropia. Tal curso realizou-se em Nova Iorque em 1898. Seu desdobramento mais significativo ocorreu no ano seguinte naquele mesmo local, com a criação da primeira Escola de Filantropia Aplicada (Training School in Applied Philantropy). (MARTINELLI, 1991). Sob responsabilidade da Sociedade de Organização da Caridade passaram a ser ministrados cursos regulares destinados à formação de agentes sociais voluntários. A influência de Richmond foi marcante nesse processo, devendo-se a ela a organização e a regência dos primeiros cursos de Filantropia Aplicada. Acolhendo a concepção dominante na sociedade burguesa de que aos problemas sociais estavam associados a problemas de caráter, Richmond concebia a tarefa assistencial como eminentemente reintegradora e reformadora do caráter. Atribuía grande importância ao diagnóstico social como estratégia para promover tal reforma e para reintegrar o indivíduo na sociedade. (MARTINELLI, 1991). Na própria Sociedade de Organização da Caridade havia divergências sobre essa tese que dava à assistência a conotação de uma ação reformadora, de natureza individual. Mary Follet e Jane Adams, companheiras de Richmond, consideravam que a ação social devia voltar-se para a harmonização das relações industriais, para a administração dos conflitos sociais, portanto atuando em um nível mais global. (MARTINELLI, 1991). A tese de Richmond, mais reacionária, sensibilizava muito a burguesia, que entendia que aquele tipo de prática respondia à função econômica da assistência, de modo indireto, urna vez que a ação social individual, seja "reformando o caráter", seja promovendo a melhoria das condições de saúde, contribuía para a recolocação do trabalhador no mercado de trabalho. Antes mesmo de finalizar o século XIX, ainda no ano de 1899, foi CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 18 fundada a primeira escola europeia, em Amsterdã, Holanda. Nesse mesmo ano, Alice Salomon iniciou em Berlim cursos para agentes sociais, que acabaram por dar origem à primeira escola alemã em 1908. Em 1908, fundou- se na Inglaterra a primeira escola de Serviço Social, não ainda com esta denominação, já incorporada à Universidade de Birmingham. Logo em seguida foram fundadas duas escolas em Paris, uma em 1911, de orientação católica, e outra, 1913, de orientação protestante. A forte influência dos ensinamentos de Florence Nightingale, a quem muitas vezes se referiu como uma "pioneira do Trabalho Social", fez com que Richmond atribuísse muita importância à prática individual da assistência, sempre que possível realizada através do inquérito domiciliar. O diagnóstico social ocupava para ela um papel de destaque e o caminho para obtê-lo era o inquérito realizado no próprio domicilio das pessoas, de preferência. A firme convicção quanto à eficácia desse instrumento e à importância da visita domiciliar levou Mary Richmond a estabelecer como objetivo de seus primeiros cursos o preparo de visitadoras domiciliares (home visitors), o que absorvia e ampliava a ideia das "visitadoras de saúde" (health visitors), criadas por Nightingale. (MARTINELLI, 1991) Foi através do trabalho dessas visitadoras sociais domiciliares que o Serviço Social iniciou suas primeiras atividades nas instituições públicas americanas. Boston, Massachussets e Chicago foram as primeiras cidades nos Estados Unidos a instituir a presença do assistente social nos tribunais de justiça para atuar nos casos em que houvesse crianças. (MARTINELLI, 1991) É importante destacar que ao final da II Guerra Mundial, já se encontravam em funcionamento cerca de 200 escolas distribuídas pela Europa, pelos Estados Unidos e pela América latina, onde se instalaram a partir de 1925. As práticas de assistência já não eram vistas como práticas de caridade, mas vinculava-se a objetivos mais amplos, com técnicas. Por isso, não se considerava mais correto usar os termos “bem-estar social”, “assistência social”, “caridade” e “filantropia aplicada”. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 19 A organização profissional não tinha por objetivo imediato a inserção nos quadros da divisão social do trabalho.Sua intenção primeira era marcar de forma inconfundível a ação desses filantropos, ou reformadores sociais, como se denominavam os membros da Sociedade de Organização da Caridade, distanciando-a das práticas feudais e pré-capitalistas e apresentando-a como uma nova forma de abordagem da "questão social”. Dar à prática da assistência social o título de "trabalho social" mostrava- se útil à burguesia, pois a ajudava a ratificar a ideia, na classe trabalhadora, de que era uma prática criada para atender ao trabalhador e à sua família e de que o agente profissional também era um trabalhador. Se você quiser conhecer melhor os chamados pioneiros do Serviço Social, tem um livro disponível que fala mais sobre eles, da perspectiva de Balbina Ottoni Vieira, teórica brasileira de Serviço Social funcionalista. A autora não realiza uma análise da perspectiva da questão social ou da perspectiva marxiana, mas tem registros históricos sobre as influências do Serviço Social. Confira! Entenda melhor as influências no serviço social assistindo à explicação da professora Jussara, no material online. Trocando Ideias Lembra do início do texto, quando foi perguntado sobre as motivações que te levaram a buscar o curso de Serviço Social? Ajudar o outro? Fazer caridade? Motivações com outra prática profissional? Várias questões foram lançadas e possivelmente nenhuma delas pode ter te motivado. Mas depois da análise de uma conjuntura política, social e econômica que irrompem na questão social e na gênese do Serviço Social, construa um wiki com os seus colegas, onde um conta sobre suas motivações e o que mudou em relação a isso com a leitura da aula. Algumas questões norteadoras podem te auxiliar na construção do texto: CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 20 Como é a prática do assistente social hoje? O que tenho a dizer sobre as formas de inquérito social e de visitas domiciliares, que caracterizaram os profissionais na sua gênese? Como penso nas pessoas vulneráveis, que não tem alimentação ou trabalho? Depois dessas aulas, como penso que deve ser a prática do assistencialismo social? Lembre-se: contribua e aprenda na troca com seus colegas. Bom trabalho! Na Prática Você conhece o quadro “Operários” de Tarsila do Amaral? Clique no botão a seguir para acessá-lo. http://artefontedeconhecimento.blogspot.com.br/2010/07/operarios-de- tarsila-do-amaral.html O quadro “Operários” foi pintado em um momento em que Tarsila esteve ligada politicamente ao comunismo. No início dos anos 30 Tarsila esteve na União Soviética e participou de reuniões do Partido Comunista Brasileiro. Nesta época, a política e a temática do trabalho fizeram-se presentes em duas de suas obras: “Operários” e “Segunda Classe” (1933). Ambas as telas ilustram o momento político e social brasileiro do início dos anos 30: industrialização, migração de trabalhadores, consolidação do capitalismo industrial e uma classe de trabalhadores marginalizada e explorada. Embora o quadro retrate uma realidade brasileira, mostra a consolidação do capitalismo industrial. Observe atentamente a figura e dentro deste contexto descreva como a pintora retrata os trabalhadores. Faça uma relação deste quadro com o conteúdo estudado durante as aulas, referente ao capitalismo e http://artefontedeconhecimento.blogspot.com.br/2010/07/operarios-de-tarsila-do-amaral.html http://artefontedeconhecimento.blogspot.com.br/2010/07/operarios-de-tarsila-do-amaral.html CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 21 a questão social. Veja o feedback da professora Jussara sobre esta atividade. O objetivo desta atividade é que você observe os rostos sérios e o trabalho de cada um deles na fábrica, suas diversas etnias (de acordo com a realidade brasileira), com expressões parecidas (mostrando a massificação) e cansadas. Além disso, você pode ter feito uma análise de conjuntura da Era Vargas e a crescente industrialização, ou apresentado o percurso da vida da artista. A relação com a situação do capitalismo, as relações de exploração e o fato dos trabalhadores não terem acesso aos meios de subsistência também podem ser analisados. Síntese Chegamos ao final deste primeiro percurso na história do Serviço Social. Iniciando pela sociedade feudal, estudamos como se davam as relações de trocas e como elas se tornaram relações capitalistas. Em seguida, apresentamos a o percurso da classe trabalhadora, as relações de exploração e a questão social, destacando o conceito de IAMAMOTO. A questão social dá início ao Serviço Social na Europa e nos Estados Unidos, com os agentes inicialmente agindo para domesticação dos trabalhadores, a serviço do capital. Ao final, conhecemos as principais influências que fundamentaram as bases teóricas do Serviço Social. Assista às considerações finais da professora Jussara, no material online. Referências BEHRING, Elaine; BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: fundamentos e história. São Paulo: Cortez, 2006. IAMAMOTO, Marilda V. e CARVALHO, Raul. Relações Sociais e Serviço CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 22 Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 2ª Ed. São Paulo: Cortez, 1983. MARTINELLI, Maria Lúcia. Serviço Social: identidade e alienação. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1991. NETTO, J. Paulo. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 1996. VIEIRA, Balbina Ottoni. Serviço Social: precursores e pioneiros. Agir, 1984.
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