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Série As Bem-Aventuranças

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O Estandarte de Cristo
Editora
Conselho editorial: Pr. Fernando Angelim 
Pr. Jorge Rodríguez 
Pr. Josué Meninel 
Pr. Marcus Paixão
Editor: William Teixeira
_________________________________________
Título original
The Beatitudes 
Por Thomas Watson
■
IMPORTANTE!
A obra supracitada, The Beatitudes, será publicada em português como uma
série de eBooks. O presente eBook contém o sexto livro da série Bem-
Aventurados os Misericordiosos (e não íntegra da obra supracitada). Os outros
eBooks da série serão publicados nos próximos dias, se nosso Deus quiser. Para
mais informações, veja o título Sobre a Série, no sumário.
■
Copyright © 2024 Editora O Estandarte de Cristo |  Francisco Morato, SP, Brasil
1ª Edição em português: 2024.
■
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por Editora 
O Estandarte de Cristo. 
Proibida a reprodução por quaisquer meios, salvo em breves citações, com
indicação da fonte.
■
Salvo indicação em contrário e leves modificações, as citações usadas nesta
tradução são da versão Nova Almeida Atualizada
©
 | NAA — Copyright © 2017
Sociedade Bíblica do Brasil.
■
Tradução e edição: William Teixeira
Revisão: Camila Rebeca Teixeira
Capista: William Teixeira
_________________________________________
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
_________________________________________
Watson, Thomas.
W342b As bem-aventuranças [livro eletrônico] : Bem-Aventurados os Misericordiosos / Thomas
Watson; tradução William Teixeira. – Francisco Morato, SP: O Estandarte de Cristo, 2024. –
(As Bem-Aventuranças; v. 6)
Formato: Mobi
Requisitos de sistema: Adobe Acrobat Reader
Modo de acesso: World Wide Web
Inclui bibliografia
Título original: The Beatitudes
ISBN 978-65-00-96672-5
1. Bem-aventuranças. 2. Jesus Cristo – Ensinamentos. 3. Bíblia. I. Teixeira, William. II.
Título. III. Série.
CDD 226.93
_________________________________________
Elaborado por Maurício Amormino Júnior – CRB6/2422
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Sumário
Sobre a Série As Bem-Aventuranças
Bem-Aventurados os Misericordiosos
1. O que se entende por misericórdia?
2. Os vários tipos de misericórdia ou de quantas maneiras uma
pessoa pode ser considerada misericordiosa.
2.1. Devemos ser misericordiosos para com as almas das outras pessoas.
2.2. Devemos ser misericordiosos para com os nomes das outras pessoas.
2.3. Devemos ser misericordiosos para com os bens das outras pessoas.
2.4. Devemos ser misericordiosos com as ofensas das outras pessoas.
2.5. Devemos ser misericordiosos para com as necessidades das outras
pessoas.
3. Uma exortação à profunda compaixão.
4. Objeções à misericórdia.
5. Exortação à misericórdia.
5.1. Ser generosamente bondoso é o grande fim de nossa criação.
5.2. Pela misericórdia, nos assemelhamos a Deus, que é um Deus de
misericórdia.
5.3. As esmolas são um sacrifício a Deus.
5.4. Nós mesmos vivemos de esmolas.
5.5. Devemos estender nossa liberalidade em virtude de pertencermos a
uma comunidade.
5.6. Não somos senhores de nossos bens, mas sim mordomos.
5.7. Exemplos de pessoas que foram famosas por atos de misericórdia e
generosidade.
5.8. O pecado da falta de misericórdia.
5.9. Por fim, usarei apenas mais um argumento para persuadir as pessoas
às obras de misericórdia, a saber, a recompensa que serão recebidas por
quem dá esmolas.
6. Regras breves sobre as obras de misericórdia.
6.1. A caridade deve ser livre.
6.2. Devemos dar o que é nosso.
6.3. Faça tudo em Cristo e para Cristo.
6.4. As obras de misericórdia devem ser feitas com humildade.
6.5. Distribua suas esmolas com prudência.
6.6. Doe com gratidão.
Quem Foi Thomas Watson
Sobre a Série 
As Bem-Aventuranças
Thomas Watson publicou o livro, “As Bem-Aventuranças”
(The Beatitudes), em 1660. Esta obra é um verdadeiro
clássico da literatura cristã e puritana. Como um teólogo
habilidoso, um poeta da verdade e um pastor amoroso,
Watson descreve as características da pessoa que
verdadeiramente é bem-aventurada.
Agora essa obra começa a ser publicada em português
como uma série que conterá 10 livros. São eles:
Livro 1: Sermão do Monte: Introdução
Livro 2:
Bem-Aventurados os Pobres em
Espírito
Livro 3:
Bem-Aventurados os que
Choram
Livro 4: Bem-Aventurados os Mansos
Livro 5:
Bem-Aventurados os que Têm
Fome e Sede de Justiça
Livro 6:
Bem-Aventurados os
Misericordiosos
Livro 7:
Bem-Aventurados os Puros de
Coração
Livro 8:
Bem-Aventurados os
Pacificadores
Livro 9:
Bem-Aventurados os
Perseguidos por Causa da Justiça
Livro 10:
Os Mandamentos de Deus Não
são Difíceis de Guardar
O presente eBook contém o livro 6, Bem-Aventurados
os Misericordiosos.
Rogamos ao nosso “Deus” que “possui toda a vida,
glória, bondade e bem-aventurança” (CFB16892.2) que use
esta exposição da sua Palavra para conduzir muitos dos
seus eleitos a Jesus Cristo, por meio do seu Espírito Santo.
Ao único Deus verdadeiro, 
Pai, Filho e Espírito, 
Seja a glória para sempre, 
Amém e amém!
Bem-Aventurados os
Misericordiosos
“Bem-aventurados os misericordiosos, 
porque alcançarão misericórdia.” (Mateus 5:7)
Esses versículos, como os degraus do templo de Salomão,
nos fazem subir ao santo dos santos. Estamos agora
subindo para um degrau mais alto: “Bem-aventurados os
misericordiosos”. Nunca houve tanta necessidade de pregar
sobre a misericórdia como nos tempos impiedosos em que
vivemos. Dizem a respeito da vida de Crisóstomo que ele
pregava continuamente sobre esse tema da misericórdia e,
por insistir muito com os cristãos que fossem
misericordiosos, ele foi chamado por muitos de “o pregador
das esmolas” ou “o pregador da misericórdia”. Nossos
tempos precisam de muitos Crisóstomos.
O nosso texto diz: “Bem-aventurados os
misericordiosos”. A misericórdia está tanto no início quanto
no final do texto. No início do texto, ela se apresenta como
um dever. No final do texto, ela se apresenta como uma
recompensa. A palavra hebraica para “piedoso” significa
“misericordioso”. Quanto mais uma pessoa é piedosa, mais
misericordiosa ela é. A doutrina que extrairei dessas
palavras, e que abrangerá e incluirá o todo, é a seguinte: A
pessoa misericordiosa é bem-aventurada.
Da mesma forma, há uma maldição que paira sobre a
cabeça da pessoa que não é misericordiosa, como lemos no
Salmo 109:6-19:
Quando o julgarem, que ele seja condenado; e que a oração
dele seja tida como pecado. Sejam poucos os seus dias, e outro
tome o seu encargo. Fiquem órfãos os seus filhos, e viúva, a sua
esposa. Andem errantes os seus filhos e mendiguem; e sejam
expulsos das ruínas de suas casas. Que um credor se aposse de
tudo o que ele tem; que estranhos saqueiem o fruto do seu
trabalho. Ninguém tenha misericórdia dele, nem haja quem se
compadeça dos seus filhos órfãos. Desapareça a sua
posteridade…
Por que isso, qual é o crime dessa pessoa? “Porque ele
não se lembrou de usar de misericórdia” (v. 16). Veja como
uma grande taça cheia das pragas da parte de Deus é
derramada sobre a pessoa sem misericórdia! Assim, pela
regra dos contrários, as bênçãos do Todo-Poderoso coroam e
cercam a pessoa misericordiosa: “A pessoa misericordiosa é
abençoada” (2 Samuel 22:26; Salmos 37:26; Salmos 41:1).
Para ilustrar isso, mostrarei, em primeiro lugar, o que se
entende por misericórdia e, em segundo lugar, os vários
tipos de misericórdia.
1. O que se entende por misericórdia?
Respondo que é uma disposição de compaixão, na qual
consideramos as misérias das outras pessoas e estamos
prontos em todas as ocasiões para sermos instrumentos
para o benefício delas.
Como a misericórdia e o amor diferem? Em algumas
coisas, concordam, mas em outras, eles diferem; são como
águas que podem ter duas nascentes diferentes,
mas se
encontram no mesmo rio. Amor e misericórdia diferem no
seguinte: o amor é mais extensivo. A diocese que o amor
percorre e visita é maior. A misericórdia se refere
propriamente àqueles que estão miseráveis. O amor possui
uma consideração mais ampla. O amor é como um amigo
que visita aqueles que estão bem. A misericórdia é como
um médico que visita apenas os doentes. Além disso, o
amor age mais por afeição. A misericórdia age por um
princípio de consciência. A misericórdia estende a mão ao
outro. O amor dá o coração ao outro. É nisso que ambos
diferem. Entretanto, o amor e a misericórdia concordam
nisto: ambos estão prontos para realizar boas ações e
trazem cura sob suas asas.
De onde vem a misericórdia? Sua nascente se eleva
mais alto do que a natureza. A misericórdia, quanto
entendida em sua plena amplitude, procede de uma obra de
graça no coração. Naturalmente, estamos longe de ser
misericordiosos. O pecador é um espinheiro, não uma
figueira que produz frutos doces. A característica de uma
pessoa natural é ser alguém “sem misericórdia” e que faz “o
seu coração duro como diamante” (Romanos 1:31; Zacarias
1:12). Seu coração não se derrete em misericórdia.
Antes da conversão, o pecador é comparado a um lobo
por sua ferocidade (Mateus 7:15), a um leão por sua
selvageria (Isaías 11:6), a uma abelha por seu ferrão
(Salmos 118:12) e a uma víbora por seu veneno (Salmos
140:3). Por natureza, não expelimos azeite, mas veneno;
não produzimos o azeite da misericórdia, mas o veneno da
malícia.
Além dessa falta inata de misericórdia que está em
nós, há também algo que Satanás nos infunde, como lemos
em Efésios 2:2 sobre “o príncipe da potestade do ar, do
espírito que agora atua nos filhos da desobediência”. Ele é
um espírito feroz, por isso é chamado de “dragão vermelho”
(Apocalipse 12:3). E se ele possui as pessoas, então não é
surpresa se elas forem implacáveis e sem misericórdia.
Que misericórdia podemos esperar haver no inferno?
Portanto, se o coração está sintonizado com a misericórdia,
é devido à mudança que a graça realizou (Colossenses
3:12). Quando o sol brilha, o gelo derrete. Quando o Sol da
Justiça brilha com raios de graça na alma, então ela se
derrete em misericórdia e ternura. Você deve
primeiramente ser uma nova pessoa antes de poder ser
uma pessoa misericordiosa. Você não pode ajudar um
membro de Cristo até que você mesmo seja um membro de
Cristo.
2. Os vários tipos de misericórdia ou
de quantas maneiras uma pessoa
pode ser considerada misericordiosa.
A misericórdia é uma fonte que corre através de cinco
fluxos: devemos ser misericordiosos para com as almas, os
nomes, os bens, as ofensas e as necessidades dos outros.
2.1. Devemos ser misericordiosos para com as
almas das outras pessoas.
A misericórdia é uma esmola espiritual. Na verdade, a
misericórdia para com a alma é a principal das
misericórdias. A alma é a coisa mais preciosa. Ela é um vaso
de honra, um botão da eternidade, é uma centelha acesa
pelo sopro de Deus e é um precioso diamante inserido em
um anel de barro. A alma tem o sangue de Deus para
redimi-la e a imagem de Deus para adorná-la. Portanto,
visto que a alma possui uma ascendência nobre, pois
descende do Ancião dos dias, a misericórdia mostrada à
alma deve ser a maior. Essa misericórdia para com as almas
das outras pessoas consiste em quatro coisas.
A. Em ter compaixão delas.
Agostinho disse: “Se eu choro por aquele corpo do qual
a alma se separou, quanto mais eu devo chorar por aquela
alma da qual Deus se separou!”. Se tivéssemos visto aquele
homem que o Evangelho descreve como ferindo a si mesmo
com pedras, isso teria nos convido à compaixão (Marcos
5:5). Ver um pecador ferindo a si mesmo a ponto de sujar
suas mãos com seu próprio sangue é algo que deveria
comover nossas afeições. Nossos olhos deveriam afetar
nosso coração. Deus ficou irado com Edom porque ele
“aniquilou as suas misericórdias” (Amós 1:11).
B. A misericórdia para com a alma é demostrada em
aconselhar e exortar os pecadores.
Diga aos pecadores em que condição triste estão, a
saber, “em fel de amargura” (Atos 8:23, ACF). Mostre-lhes o
perigo a que estão expostos. Eles pisam nas margens do
abismo sem fundo. Se a morte lhes der um empurrão, eles
caem. Devemos mergulhar nossas palavras no mel e usar
toda a brandura que pudermos: “Instruindo com mansidão
os que resistem, a ver se porventura Deus lhes dará
arrependimento para conhecerem a verdade” (2 Timóteo
2:25). O fogo derrete e o unguento amolece. Palavras de
amor podem derreter corações duros e conduzi-los ao
arrependimento. Isso é exercer misericórdia para com a
alma.
Deus fez uma lei que diz: “Se você vir prostrado
debaixo da sua carga o jumento daquele que odeia você,
não o abandone, mas ajude o dono a erguer o animal”
(Êxodo 23:5). Crisóstomo disse: “Devemos ajudar um
jumento que está lutando debaixo de uma carga pesada e
não devemos buscar aliviar aqueles pecadores que estão
caídos sob o pior fardo do pecado?”.
C. A misericórdia para com a alma é demostrada em
repreender os pecadores que retrocedem.
Demostramos uma misericórdia cruel quando vemos
pessoas vivendo no pecado e as deixamos em paz. Por
outro lado, há uma crueldade misericordiosa quando somos
incisivos contra os pecados das pessoas e não as deixamos
ir para o inferno sem dizermos uma palavra. Como está
escrito: “Não guarde ódio no coração contra o seu próximo,
mas repreenda-o e não incorra em pecado por causa dele”
(Levítico 19:17).
O sentimentalismo tolo não é melhor do que a
crueldade. Por isso o apóstolo Paulo deu o seguinte
mandamento a Tito: “Repreenda-os severamente”, ou seja,
de maneira cortante (Tito 1:13). O cirurgião corta e perfura
a carne, mas faz isso para curá-la. Ele faz feridas curativas.
Assim, ao fazer uma repreensão cortante, perfurarmos a
consciência das pessoas e deixamos sair o sangue do
pecado, nós realizamos uma cirurgia espiritual. Isso é
mostrar misericórdia.
Judas nos ordena: “Salvem outros, arrebatando-os do
fogo” (v. 23). Se uma pessoa tivesse caído no fogo e você a
tirasse de lá, mesmo que a machucasse ao fazer isso, ela
ficaria agradecida e consideraria isso como um ato de
bondade. Quando falamos sobre o pecado para algumas
pessoas, elas dizem: “Ah, você está sendo insensível!”. Não,
isso é mostrar misericórdia. Se a casa de uma pessoa
estivesse pegando fogo e outra pessoa visse isso e não a
alertasse com medo de acordá-la, será que isso não seria
uma crueldade? Quando vemos outras pessoas dormindo
em seu pecado e o fogo da ira de Deus prestes a queimá-las
e consumi-las, mas ficamos em silêncio, será que isso não
nos faria sermos cúmplices da condenação dela?
D. A misericórdia da alma é demostrada ao orar pelas
outras pessoas.
A oração é o remédio usado em casos que estão além
da esperança e, frequentemente, ela recupera o paciente
doente: “A oração de um justo é poderosa e eficaz” (Tiago
5:16, NVI). Assim como o remédio cura o corpo doente, a
oração cura a alma enferma de pecado.
Há uma história de alguém que entregou sua alma ao
Diabo e foi salvo pelas orações de Lutero. Quando Êutico foi
dominado pelo sono, caiu do terceiro andar e morreu, foi
recolhido morto, porém, Paulo “inclinou-se sobre ele”, ou
seja, ele orou eficazmente sobre ele, e então o trouxe de
volta à vida (Atos 20:9-12). Pelo pecado, a alma cai de um
lugar alto, a saber, um estado de inocência. Entretanto, a
oração fervorosa muitas vezes traz vida a uma alma morta.
Veja que trabalho abençoado é a obra do ministério! A
pregação da Palavra não é nada além de uma
demonstração de misericórdia às almas. A pregação é um
instrumento poderoso e glorioso nas mãos do Senhor Todo-
Poderoso para derrubar as fortalezas do Diabo. O ministério
da Palavra não apenas traz luz consigo, mas também colírio,
para ungir os olhos das pessoas para que vejam essa luz. A
pregação da Palavra de Deus é uma ordenança que mata o
pecado e vivifica a alma. Ela
é o “poder de Deus para a
salvação” (Romanos 1:16).
Por outro lado, que inimigos terríveis são aqueles que
questionam o ministério! Dizem que as pessoas que vivem
no Equador amaldiçoam o sol e se alegram quando ele se
põe, por causa do calor abrasador. Pecadores insensatos
amaldiçoam o nascer do sol do ministério e se ofendem com
a sua luz, porque ele expõe seus pecados e queima suas
consciências, embora, no final, salve suas almas!
Isso repreende aqueles que não têm misericórdia para
com as almas, a saber, magistrados e ministros maus.
Magistrados maus são aqueles que “tiram a chave do
conhecimento” ou toleram a maldade e criam licenças para
que as pessoas pequem (Lucas 11:52). O significado da sua
tolerância é este: Se as pessoas quiserem ir para o inferno
ninguém as impedirá. Será que a natureza já não está
envenenada o suficiente? Será que as pessoas já não
pecam o suficiente, mas precisam de favores políticos para
que aumentem sua maldade? Será que elas precisam dos
ventos favoráveis dos magistrados para que possam seguir
mais velozmente para o Diabo? Isso está longe de ser uma
demonstração de misericórdia para com as almas. Que
terrível prestação de contas esses magistrados terão no dia
do Senhor!
Ministros maus são aqueles que não têm afeição pelas
almas do povo que está sob sua responsabilidade. Eles não
têm piedade e nem oram pelas pessoas. Tais ministros não
buscam ganhar as almas se seu povo, mas apenas o
dinheiro dele; eles não pregam por amor, mas por uma
ganância sórdida. Esses ministros maus estão preocupados
mais com dízimos do que com almas. Como podem ser
chamados de pais espirituais, aqueles que estão destituídos
de afeições? Eles são mercenários, não ministros.
Tais homens não alimentam as almas de seu povo com
verdades sólidas. Quando Cristo enviou seus apóstolos, deu-
lhes o texto e o que eles deveriam pregar: “Pelo caminho,
preguem que está próximo o Reino dos Céus” (Mateus
10:7). A respeito disso, Lutero declarou: “Este texto diz que
os ministros de Cristo devem pregar coisas que dizem
respeito ao Reino de Deus: perdão de pecados, santificação
e viver pela fé”. Aqueles que, em vez de partir o pão da
vida, enchem as mentes de seu povo com especulações e
noções vazias são ministros sem misericórdia, os quais
acariciam as suas imaginações, em vez de tocar a
consciência e dão música às almas preciosas, em vez de
alimento.
Alguns obscurecem o conhecimento com palavras e
pregam como se estivessem falando em “uma língua
desconhecida” (1 Coríntios 14:2, KJF). Alguns ministros
adoram voar alto como a águia e pairar acima da
capacidade de seu povo, buscando mais serem admirados
do que entendidos. É uma falta de misericórdia para com as
almas pregar de uma forma que não seja compreensível. Os
ministros devem ser estrelas para iluminar e não nuvens
para obscurecer a verdade. Paulo era erudito, contudo, era
simples. Clareza e perspicuidade constituem a graça da
fala. Agimos com crueldade para com as almas quando
tentamos transformar coisas fáceis em algo difícil. Muitos
são culpados disso em nosso tempo, os quais vão ao púlpito
apenas para criar complicações e acham que é uma glória
deixar as pessoas confusas. Isso cheira mais a orgulho do
que a misericórdia.
Há também aqueles que veem outros pecando, mas
não os advertem. Quando as pessoas declaram seu pecado
como Sodoma, então é dever do ministro “erguer a voz
como a trombeta e anunciar ao povo de Deus a sua
transgressão e à casa de Jacó, os seus pecados” (Isaías
58:1). O zelo no ministro é tão apropriado quanto o fogo no
altar. Aquele que permite que outra pessoa peque enquanto
permanece calado é um assassino. A sentinela que vê o
inimigo se aproximando e não avisa merece a morte
(Ezequiel 3:20).
Alguns ministros envenenam as almas das pessoas
com erros. Como é perigosa a lepra da cabeça! Um frenesi é
pior do que uma febre. O que diremos sobre ministros que
dão veneno ao povo em um cálice de ouro? Será que tais
ministros não estão destituídos de misericórdia? Há ainda
outros (que são indignos de serem chamados pelo nome de
ministros) itinerantes, embaixadores do Diabo, que
percorrem a terra para enganar e devorar as almas! É
lamentável ver pessoas miseráveis e instáveis sendo
guiadas por homens ignorantes, que alimentam o povo com
blasfêmia e tolices, as quais os tornam mais adequados
para Bedlam[1] do que para a Nova Jerusalém. Todos esses
são destituídos de misericórdia para com as almas.
Rogo a todos que temem a Deus que mostrem
misericórdia para com as almas. Fortaleçam os fracos;
tragam de volta os errantes e levantem aqueles que caíram.
Como diz a Escritura: “Aquele que converte o pecador do
seu caminho errado salvará da morte a alma dele e cobrirá
uma multidão de pecados” (Tiago 5:20).
2.2. Devemos ser misericordiosos para com os
nomes das outras pessoas.
Um bom nome é uma das maiores bênçãos da Terra.
Nenhum colar de pérolas enfeita tanto quanto esse. Sendo
assim, devemos ser muito misericordiosos para com as
reputações das outras pessoas. As pessoas que não se
importam quando prejudicam o bom nome seus irmãos são
consideradas altamente destituídas de misericórdia. Suas
gargantas são sepulcros abertos, para enterrar a fama e o
renome de outras pessoas (Romanos 3:13). Assassinar uma
pessoa em seu nome é uma grande crueldade: “Os guardas,
que rondavam a cidade, me encontraram; eles me
espancaram e me feriram; os guardas das muralhas
tomaram o meu manto” (Cânticos 5:7). Alguns exegetas
interpretam esse versículo como uma referência à sua
honra e fama, que a cobriam como um belo manto.
A. Os fundamentos dessa falta de misericórdia para
com os nomes das pessoas são os seguintes.
Orgulho. A pessoa orgulhosa não suporta ser ofuscada.
Ela não pode suportar se ver superada em habilidades e
eminência por outros; portanto, ela será capaz de decapitar
outra pessoa em seu bom nome, para que ela pareça um
pouco menor. A pessoa orgulhosa buscará diminuir a
reputação de outras pessoas, pois ela pensa que, assim, ela
mesma brilhará mais intensamente. A língua de uma pessoa
orgulhosa ataca as reputações de outras pessoas.
Inveja (1 Pedro 2:1). Uma pessoa invejosa prejudica a
dignidade de outra e, portanto, procura atacá-la em seu
nome. A piedade nos ensina a nos alegrarmos com a estima
e a fama das outras pessoas: “Dou graças ao meu Deus por
todos vocês, porque a fé que vocês têm é proclamada no
mundo inteiro” (Romanos 1:8). A inveja, ao se aconselhar
com o Diabo, busca fogo do inferno para arruinar o bom
nome de outras pessoas.
B. De quantas maneiras podemos ser destituídos de
misericórdia para com os nomes de outras pessoas?
Podemos fazer isso de diversas maneiras.
Em primeiro lugar, pela difamação, um pecado
proibido. Como está escrito na Lei: “Não espalhe notícias
falsas” (Êxodo 23:1). A eminência é comumente prejudicada
pela difamação. Como o salmista disse: “Eles afiam a língua
como espada e apontam, quais flechas, palavras amargas”
(Salmos 64:3). A língua de um difamador dispara palavras
para ferir a fama de outro e fazer com que ela sangre até a
morte.
Os santos de Deus em todas as eras depararam-se com
homens implacáveis, que atribuíram a eles coisas das quais
não eram culpados. Surius, o jesuíta,[2] relatou sobre Lutero
que ele aprendeu sua teologia a partir do Diabo e que
morreu bêbado; mas Melâncton,[3] que escreveu a biografia
de Lutero, afirma que ele morreu de maneira piedosa e fez
uma excelente oração antes de sua morte. Esta foi a queixa
de Davi: “Falsas testemunhas se levantam e me interrogam
sobre coisas que eu não sei” (Salmos 35:11).
A palavra grega traduzida por “diabo” significa
maldizente (1 Timóteo 3:11). A expressão grega traduzida
por “não maldizentes” poderia ser traduzida literalmente
como “não diabos”. Alguns pensam que não é algo grave
difamar e caluniar outro, mas saiba que isso é agir como um
diabo. Oh, quantas pessoas ímpias existem, que de fato se
passam
por cristãs, mas agem como o demônio ao espalhar
mentiras e calúnias! As Escrituras chamam as pessoas más
de “cães” (Salmos 22:16). Os caluniadores não são como os
cães que lambiam as feridas de Lázaro para curá-las, mas
são como os cães que comeram Jezabel. Eles rasgam e
destroem os preciosos nomes das pessoas. O imperador
Valentiniano[4] decretou que aquele que fosse
flagrantemente condenado por esse crime de calúnia
deveria receber a pena de morte.
Em segundo lugar, não somos misericordiosos com os
nomes das outras pessoas quando damos ouvidos a uma
calúnia e depois a contamos a outras pessoas. Como está
escrito em Levítico 19:16: “Não ande como mexeriqueiro no
meio do seu povo”. Uma pessoa boa é aquela que “não
difama com sua língua, não faz mal ao próximo, nem lança
injúria contra o seu vizinho” (Salmos 15:3). Não devemos
apenas evitar espalhar uma notícia falsa, mas também não
devemos aceitá-la. Divulgar uma notícia antes de falarmos
com a parte envolvida e conhecermos a verdade é uma
falta de misericórdia e pecado. A mesma expressão no
hebraico, “não espalhe notícias falsas”, implica em
primeiramente não dar ouvidos a elas (Êxodo 23:1). Aquele
que recebe algo roubado é tão ruim quando o ladrão. Nesse
sentido, nenhum de nós deve receber mercadorias
roubadas. Ou será que quando outros roubam o bom nome
de seus irmãos, nós recebemos essas mercadorias
roubadas? Não haveria tantas notícias falsas se não vissem
que elas são saborosas ao paladar dos outros.
Em terceiro lugar, agimos sem misericórdia para com
os nomes das outras pessoas quando diminuímos seu valor
e dignidade justos; quando exaltamos as suas fraquezas e
menosprezamos suas virtudes. Como a Palavra nos ordena:
“Não falem mal uns dos outros” (Tiago 4:11). Li uma história
de alguém chamado Idor, que nunca foi ouvido falar mal de
ninguém. Agostinho não suportava que alguém difamasse
ou diminuísse a fama das outras pessoas, por isso escreveu
estes dois versos em sua mesa:
“Quem ama o nome alheio difamar, 
Nesta mesa não deve se assentar.”
As pessoas más difamam seus próximos como um
lenhador corta as árvores de um bosque. Elas cortam tudo o
que é bom e não deixam nada senão aquilo que julgam que
é desprezível. As pessoas sem misericórdia sabem como
ferver um líquido até que metade dele evapore. Elas têm
uma arte diabólica para diminuir o mérito dos outros, como
alguém ferve uma quantidade de água até ela evaporar
completamente e desaparecer. Embora algumas pessoas
não tenham o poder de criar, contudo elas têm o poder de
aniquilar e podem mais facilmente aniquilar o bem que há
nos outros do que imitá-lo.
Em quarto lugar, agimos sem misericórdia para com os
nomes das outras pessoas quando sabemos que elas estão
sendo caluniadas e não as defendemos. Às vezes, uma
pessoa pode prejudicar outra tanto pelo silêncio quanto pela
calúnia. Aquele que é misericordioso para com seu irmão é
um advogado para pleitear em seu favor quando ele é
difamado injustamente. Quando os apóstolos, cheios do
vinho do Espírito, foram acusados de embriaguez, Pedro os
defendeu abertamente (Atos2:15). Uma pessoa
misericordiosa retirará a mosca morta do frasco de
unguento (Eclesiastes 10:1).
Em quinto lugar, agimos sem misericórdia para com os
nomes das outras pessoas quando proferimos falso
testemunho contra elas (Salmos 27:12). Êxodo 23:1 diz:
“Não porás a tua mão com o ímpio, para seres testemunha
falsa” (Êxodo 23:1, ACF). “Pôr a mão” é jurar falsamente,
como quando alguém coloca a mão sobre o livro e jura uma
mentira. Essa “testemunha falsa” é uma espada de dois
gumes. Com um gume, a parte que jura falsamente fere o
nome da outra pessoa e, com o outro gume, ela fere sua
própria alma. Uma testemunha falsa é comparada a um
martelo (Provérbios 25:18). Isso é verdade no sentido de
que, após ficar obstinada em sua falta de pudor, ela não se
envergonha de nada com relação a sua falta de
misericórdia. Não há sensibilidade em um martelo,
tampouco há misericórdia em uma testemunha falsa.
É dessas maneiras que as pessoas agem sem
misericórdia para com os nomes das outras.
C. O Cuidado que Devemos Ter para com a Reputação
das Outras Pessoas.
Permita-me persuadir todos os cristãos, à medida que
eles têm uma consciência piedosa, a serem misericordiosos
para com os nomes das outras pessoas: Sejam muito
vigilantes e cuidadosos para com a boa reputação dos
outros.
Considere que é um pecado difamar qualquer pessoa.
Como está escrito: “Abandonem toda inveja, bem como todo
tipo de maledicência” (Tito 3:2; 1 Pedro 2:1). A inveja e
maledicência são colocadas juntas para que sejam
“abandonadas”, como alguém que se livra de algo com
indignação, como Paulo sacudiu a víbora (Atos 28:5).
Considere também a injúria da difamação. Você, que
tira a boa reputação de outra pessoa, a fere naquilo que é
mais caro para ela. É melhor tirar a vida de uma pessoa do
que sua boa reputação. Ao difamar seu nome, você a
enterra viva. Esse é um dano irreparável, algo que
permanecerá. Uma ferida no nome é como uma falha em
um diamante, que nunca se apaga. Nenhum médico pode
curar as feridas feitas por uma língua!
Considere que Deus responsabilizará os difamadores.
Se as pessoas que proferem palavras ociosas serão
responsabilizadas, será que os insultos difamatórios
também não o serão? Um dia Deus chamará as pessoas
para prestarem contas tanto devidos aos nomes que
difamaram quanto do sangue que derramaram. Que tudo
isso sirva para nos fazer refletir e nos levar ao autoexame.
Você se oporia a que alguém roubasse os bens de outra
pessoa. O nome de uma pessoa vale mais do que os bens
dela e quem tira a boa reputação de outro peca mais do que
se tivesse roubados as mercadorias de sua loja!
Considere, sobretudo, o mal que é difamar os nomes
das pessoas piedosas. Deus colocou uma coroa de honra
sobre a cabeça delas, será que você quer tirá-la? Como
Deus disse para pessoas que haviam difamado seu servo:
“Como, pois, vocês não tiveram medo de falar contra o meu
servo, contra Moisés?” (Números 12:8). Difamar os santos
não é menos do que difamar o próprio Deus, pois eles têm a
imagem de Deus desenhada neles mesmos e são membros
de Cristo.
Oh, pense em quão terrível será a prestação de contas
que Cristo exigirá daqueles que cometeram esse pecado!
Segundo a antiga Lei, era pecado violar uma virgem, mas
será que não é pecado caluniar a esposa de Cristo? Os
nomes dos santos estão escritos no Céu, será que você
deve apagá-los na Terra?
Seja misericordioso para com os nomes das outras
pessoas.
2.3. Devemos ser misericordiosos para com os
bens das outras pessoas.
Se uma pessoa é seu devedor e a providência a tem
desfavorecido, a ponto de ela não ter os meios para lhe
pagar, então não a esmague, mas releve um pouco do rigor
da lei, pois, “bem-aventurados os misericordiosos”. Os
ímpios são comparados a aves de rapina, que vivem de
rapina e roubo. Eles não se importam com o mal que fazem.
O salmista disse:
A sua boca está cheia de maldição, enganos e opressão;
debaixo da língua ele tem insulto e maldade. Põe-se de tocaia
nas aldeias, trucida os inocentes nos lugares ocultos; seus olhos
espreitam o desamparado. Ele se põe de emboscada, como o
leão na sua caverna; está de emboscada para enlaçar o pobre:
apanha-o e o arrasta com a sua rede (10:7-9).
Não agimos com justiça, mas com crueldade, quando
outras pessoas estão em dívida para conosco e agirmos
como aquele credor sem coração que agarrou alguém que
lhe devia pela garganta, dizendo: “Pague-me o que você me
deve” (Mateus 18:28). Deus estabeleceu uma lei: “Não se
tomarão em penhor as duas pedras de moinho, nem apenas
a de cima, porque assim se acabaria penhorando a própria
vida” (Deuteronômio 24:6). Se uma pessoa tivesse pegado
dinheiro emprestado a outra, essa não poderia pegar ambas
as pedras de moinho daquela como penhor, mas deveria
demonstrar misericórdia e deixar algo para que a pessoa
pudesse ganhar a vida.
Devemos
imitar a Deus nisso, a saber, que em meio à
sua ira, ele se lembra da misericórdia. Deus não nos trata
com todo o rigor da lei, mas quando não temos nada para
pagar, se confessarmos a dívida, ele perdoa livremente
(Provérbios 28:13; Mateus 18:27). Não estou dizendo que
não é justo buscarmos o que é nosso, mas se os outros
estão com dificuldades e pedem misericórdia, devemos, por
consciência, perdoar pelo menos uma parte da dívida:
“Bem-aventurados os misericordiosos”.
2.4. Devemos ser misericordiosos com as
ofensas das outras pessoas.
Esteja pronto para mostrar misericórdia àqueles que o
prejudicaram. Assim fez Estêvão, o protomártir: “Então,
ajoelhando-se, gritou bem alto: — Senhor, não os condenes
por causa deste pecado! E, depois que ele disse isso,
morreu” (Atos 7:60). Bernardo diz que quando Estêvão
orava por si mesmo, ele estava em pé; mas quando chegou
a orar por seus inimigos, ele se ajoelhou, para mostrar sua
seriedade na oração e quão grandemente ele desejava que
Deus os perdoasse. Essa é uma rara forma de misericórdia
cuja “glória é perdoar as ofensas” (Provérbios 19:11).
A misericórdia ao perdoar ofensas é tanto a evidência
quanto a coroa do cristianismo. Cranmer[5] tinha uma
disposição misericordiosa. Se alguém que o tivesse
prejudicado viesse pedir um favor, ele faria tudo o que
estivesse ao seu alcance por ele, a ponto de se tornar um
provérbio: “Faça mal a Cranmer e ele será seu amigo
enquanto viver”. “Vencer o mal com o bem” e responder à
malícia com misericórdia é algo verdadeiramente heroico e
torna a piedade gloriosa aos olhos de todos.
2.5. Devemos ser misericordiosos para com as
necessidades das outras pessoas.
Essa é principal coisa intencionada pelo texto. Uma
pessoa boa não se contorce como uma cobra dentro de si
mesma. Seu movimento é reto, não circular. Ela é sempre
misericordiosa e empresta (Salmos 37:26). Essa caridade
misericordiosa para com as necessidades dos outros se
manifesta em três coisas.
A. Uma consideração judiciosa.
Como diz o salmista: “Bem-aventurado é aquele que
ajuda os necessitados” (41:1). Quanto a isso, você deve
considerar o seguinte:
Considere que esse poderia ter sido o seu próprio caso.
Vocês mesmos poderiam ter precisado da caridade de outra
pessoa e então tais correntes de águas teriam sido bem-
vindas e refrescantes para vocês!
Considere quão triste é a condição da pobreza. Embora
Crisóstomo chame a pobreza de o caminho para o Céu, a
pessoa que percorre esse caminho irá andando e chorando.
Considere os pobres; observe suas lágrimas, seus suspiros e
seus gemidos moribundos. Olhe para as rugas profundas em
seus rostos e considere se não há razão para que você
semeie as sementes de sua misericórdia nessas rugas.
Como alguém já disse sobre certos pobres: “Eles têm como
manto um traje esfarrapado e como cama, uma pedra”. O
salmista disse que há pessoas para quem Deus “para
comer, deu pão de lágrimas e, para beber, pranto em
abundância” (Salmos 80:5). Como Jacó, numa noite fria,
eles têm as nuvens como dossel e uma pedra como
travesseiro.
Além disso, considere que muitas vezes a pobreza não
é apenas uma cruz, mas uma armadilha. Ela expõe a muitos
males e foi isso que fez Agur orar: “Não me dês nem a
pobreza…” (Provérbios 30:8). A necessidade leva as
pessoas a caminhos pecaminosos. Os pobres arriscarão
suas almas por dinheiro, coisa que é semelhante a jogar
diamantes ao mar. Se os ricos considerassem isso
sabiamente, suas esmolas poderiam evitar muitos pecados.
Considere por que o Deus sábio permitiu que houvesse
desigualdade no mundo. Ele permitiu isso porque desejava
que a misericórdia fosse exercida. Se todos fossem ricos,
não haveria necessidade de esmolas, nem a pessoa
misericordiosa poderia ser tão bem conhecida. Se o viajante
que foi de Jerusalém a Jericó não tivesse sido ferido e
deixado meio morto, o bom samaritano que derramou
azeite e vinho em suas feridas não teria sido conhecido.
Considere como rapidamente o equilíbrio da
providência pode mudar. Nós mesmos podemos ser levados
à pobreza e então não será um consolo pequeno para nós o
fato de que ajudamos os outros enquanto tínhamos a
capacidade de fazê-lo. Como disse o sábio: “Reparta com
sete e até mesmo com oito, porque você não sabe que mal
sobrevirá à terra” (Eclesiastes 11:2). Não podemos
prometer a nós mesmos que sempre teremos dias
tranquilos. Somente Deus sabe o quão rapidamente muitos
de nós podem mudar de circunstâncias. A taça que agora
transborda de vinho pode em breve estar cheia das águas
de Mara, como aconteceu com Noemi, que disse: “Quando
saí daqui, eu era plena, mas o Senhor me fez voltar vazia”
(Rute 1:21). Quantas pessoas já não vimos que possuíam
muito dinheiro, mas que de repente tiveram suas riquezas
reduzidas a nada?
Portanto, agiremos com sabedoria se considerarmos as
necessidades dos outros. Lembre-se de como as
circunstâncias podem mudar rapidamente. Podemos dar
uma roupa para vestir os pobres e, se a adversidade chegar,
não será um incômodo para nós pensar que, enquanto
tínhamos uma boa condição financeira, usamos nossos
recursos para ajudar os membros necessitados de Cristo.
Essa é a primeira manifestação da misericórdia, uma
consideração judiciosa.
B. Uma simpatia terna.
Como lemos em Isaías 58:10: “Se abrirem o seu
coração aos famintos…”. A bondade começa na piedade.
Cristo primeiramente “teve compaixão da multidão” e então
realizou um milagre para alimentá-la (Mateus 15:32). A
caridade que carece de compaixão é irracional. As criaturas
irracionais podem nos ajudar de muitas maneiras, mas não
podem ter compaixão de nós. Quintiliano[6] disse: “É uma
espécie de crueldade alimentar uma pessoa necessitada e
não ser compadecer dela”. A verdadeira religião gera
ternura. Ela tanto derrete o coração em lágrimas de
contrição para com Deus quando gera afeições de
compaixão para com as outras pessoas. Como diz o profeta:
“Por isso, o meu íntimo vibra por Moabe como se fosse
harpa” (Isaías 16:11). Da mesma forma, quando nossos
corações vibram de simpatia, então nossas esmolas fazem
uma música agradável aos ouvidos de Deus.
C. A misericórdia consiste em uma contribuição
generosa.
Está escrito em Deuteronômio 15:7-8: “Se houver
algum pobre no meio dos seus irmãos, vocês devem abrir
completamente a mão para ele”. A palavra hebraica
traduzida por “distribuir” no Salmo 112:9 significa “uma
grandeza de generosidade”, como as águas de um rio que
sobem a ponto de transbordar as margens. Essa não é uma
distribuição mesquinha. Se Deus enriqueceu as pessoas
com recursos financeiros e, como diz Jó fez “brilhar sua
lâmpada nas suas tendas” (Jó 18:6), então elas não devem
cercar e monopolizar tudo para si mesmas, mas ser como a
Lua que, tendo recebido sua luz do Sol, a deixa brilhar para
o mundo. Os antigos faziam do azeite o emblema da
caridade. O azeite dourado da misericórdia deve, como o
azeite de Arão, escorrer sobre os pobres que são as bordas
inferiores das suas vestes. Deus nos ordena e a graça nos
obriga a fazermos essa distribuição liberal para suprir as
necessidades e carências das outras pessoas.
Deus ordena que distribuamos liberalmente para suprir
as necessidades de outras pessoas. Há um estatuto na Lei
que diz expressamente: “Se alguém do seu povo se tornar
pobre e as suas mãos se enfraquecerem, então você tem o
dever de sustentá-lo” (Levítico 25:35). A palavra hebraico
traduzida aqui como “sustentá-lo” significa: dê-lhe uma
muleta de prata quando ele estiver para cair. Vale a pena
observarmos o grande cuidado que Deus tinha pelos pobres,
além daquilo que lhes era dado em particular. Deus fez
muitas leis para o alívio público e visível dos pobres. Como
lemos em Êxodo 23:11: “Porém, no sétimo ano, deixe a
terra descansar e não a cultive, para que os pobres do seu
povo achem o que comer”. A intenção de Deus nessa lei era
que os pobres fossem providos generosamente. Eles
poderiam comer livremente de qualquer coisa
que
crescesse por si mesma neste sétimo ano, ou seja, da coleta
de frutos, das videiras ou das oliveiras. Se perguntarem
como os pobres poderiam viver apenas desses frutos (visto
que é provável que não havia nenhum cultivo de grãos
nesse período), a resposta de Caetano é que eles viviam
com o dinheiro que obtinham a partir da venda desses
frutos.
Em Levítico 19:9 há outra lei para benefício dos pobres:
“Quando você fizer a colheita da sua terra, não colha
totalmente o canto do seu campo, nem volte para recolher
as espigas caídas”. Veja como Deus foi misericordioso para
com os pobres. Os cantos do campo não deveriam ser
colhidos, mas deixados para os pobres e quando os
proprietários fizessem sua colheita, eles não deveriam
recolher as espigas caídas. A Vulgata Latina traduz assim:
“Não cortem as espigas até os limites de seu campo”. Essas
espigas deveriam ser deixadas para os pobres. Tostado [7]
diz: “As espigas mais curtas e aquelas que se inclinavam
para o chão deveriam ser reservadas para os pobres”.
Há ainda outra lei que Deus fez para favorecer os
pobres:
Ao fim de cada três anos, tirem todos os dízimos do fruto do
terceiro ano e os recolham nas cidades de vocês. Então virão os
levitas porque não têm parte nem herança com vocês, os
estrangeiros, os órfãos e as viúvas que moram nas cidades de
vocês, e comerão e se fartarão, para que o Senhor, o seu Deus,
os abençoe em todas as obras que vocês fizerem
(Deuteronômio 14:28-29).
Os hebreus afirmam que a cada três anos, além do
primeiro dízimo dado a Levi, chamado de dízimo perpétuo
(Números 18:21), os judeus separavam outro dízimo de sua
colheita para ser usado para as viúvas e os órfãos, o que
era chamado de “dízimo dos pobres”. Além disso, os pobres
deveriam ser feitos participantes das coisas boas
preparadas para as festas solenes dos judeus
(Deuteronômio 16:11).
Assim como a Lei ordenava o socorro aos necessitados,
assim também isso permanece em vigor sob o Evangelho.
Como lemos em 1 Timóteo 6:17-18:
Exorte os ricos deste mundo a que não sejam orgulhosos, nem
depositem a sua esperança na instabilidade da riqueza, mas em
Deus, que tudo nos proporciona ricamente para o nosso prazer.
Que eles façam o bem, sejam ricos em boas obras, generosos
em dar e prontos a repartir.
Esse não é apenas um conselho, mas um mandamento,
e a falta de atenção a ele leva as pessoas a prejudicarem o
Evangelho. Assim, vemos qual é a vontade de Deus quanto
a esse aspecto da caridade. Que todos os bons cristãos
implementem isso em sua prática. De que adianta o ouro,
se ele estiver enterrado na mina? E de que serve ter muito
dinheiro, se ele nunca for usado?
Assim como Deus ordena, assim também a graça nos
impele para obras de misericórdia e beneficência. Como
disse o apóstolo: “O amor de Cristo nos constrange” (2
Coríntios 5:14, ACF). A graça vem com majestade sobre o
coração e não levará a alma a cair no sono, mas se
manifestará em atos vigorosos e gloriosos. Como acontece
com o fogo, a graça não pode ser escondida. Como o vinho
novo, ela buscará uma saída. A graça não permanece no
coração como uma pedra no solo, mas como uma semente
na terra. Ela brotará em forma de boas obras.
A Igreja de Roma lança sobre nós a acusação de que
somos contra as boas obras. Na verdade, nós não alegamos
o mérito das boas obras, mas somos a favor da utilidade
delas, como a Escritura nos exorta: “Aprendam também a se
empenhar na prática de boas obras” (Tito 3:14). Pregamos
que as boas obras são necessárias e exigidas pelo preceito,
bem como que são necessárias para o bem geral das
pessoas. Lemos que os anjos tinham asas e mãos sob suas
asas (Ezequiel 1:8). Isso serve para ilustrar a verdade do
que estamos falando. Os cristãos não devem apenas ter as
asas da fé para voar, mas devem ter mãos sob suas asas
para realizar as obras de misericórdia.
Está escrito em Tito 3:8: “Fiel é esta palavra, e quero
que você fale ousadamente a respeito dessas coisas, para
que os que creem em Deus se empenhem na prática de
boas obras” (Tito 3:8). A lâmpada da fé deve ser cheia com
o óleo da caridade. A fé sozinha justifica, mas a fé que
justifica não está sozinha. Você pode tão bem separar o
peso do chumbo ou o calor do fogo quanto separar as boas
obras da fé.
Embora as boas obras não sejam as causas da
salvação, elas são as evidências dela. Apesar de não serem
o alicerce, as boas obras são a superestrutura. A fé não
deve ser construída sobre obras, mas as obras devem ser
construídas sobre a fé. Como está escrito: “Fomos casados
com Cristo, a fim de que frutifiquemos para Deus”
(Romanos 7:4). A fé é a graça que se casa com Cristo e as
boas obras são os filhos que a fé gera. Para a defesa da
doutrina de nossa igreja e em honra às boas obras,
estabelecerei quatro afirmações:
a. As obras são distintas da fé.
É vão imaginar que as obras estão incluídas na fé,
como o diamante está envolto no anel. Não! Elas são
distintas, assim como a seiva na videira é diferente dos
cachos de uvas que crescem nela.
b. As obras são a evidência da fé.
Como diz Tiago: “Mostre-me essa sua fé sem as obras”
(Tiago 2:18). Obras são as credenciais que mostram a fé.
Bernardo diz: “Se você vê uma pessoa cheia de boas obras,
então, pela regra da caridade, você não deve duvidar da fé
dela”. Julgamos a saúde do corpo pela sua pulsação. Ó
cristão, julgue a saúde de sua fé pela pulsação da
misericórdia e da caridade. Acontece com a fé o mesmo que
ocorre com um documento legal: para tornar um documento
válido, são necessárias três coisas: a escrita, a assinatura e
as testemunhas. Da mesma forma, para o teste e
confirmação da fé, devem haver estas três coisas: a escrita,
a Palavra de Deus; a assinatura, o Espírito de Deus; e as
testemunhas, as boas obras. Submeta sua fé a esse teste
da Escritura. A fé justifica as obras e as obras testificam da
fé.
c. As obras honram a fé.
Esses frutos adornam as “árvores da justiça”. Clemente
de Alexandria[8] disse: “Que a liberalidade de sua mão seja o
ornamento de sua fé e que você a use como uma pulseira
santa”. O misericordioso Jó declarou: “Eu era os olhos do
cego e os pés do aleijado” (Jó 29:14-15). O fato de Jó ser o
benfeitor e defensor dos pobres era o estandarte de sua
honra e algo que lhe concedia uma coroa e vestes reais.
Quando as pessoas veem as nossas boas obras como
empregadas servindo a essa rainha, a fé, isso é algo que,
por um lado, evita que elas odeiem e caluniem a piedade e,
por outro, as leva a falar bem dela.
d. Existem dois aspectos em que as boas obras são mais excelentes do
que a fé.
Porque elas possuem uma natureza difusiva mais
nobre. Embora a fé seja mais necessária para nós, as boas
obras são mais benéficas para as outras pessoas. A fé é
uma graça receptiva. Ela é toda voltada para o interesse
próprio. Ela se move dentro de sua própria esfera. As obras
são para o bem das outras pessoas e é bem mais bem-
aventurado dar do que receber.
As boas obras são mais visíveis e evidentes do que a
fé. A fé é uma graça mais oculta. Ela pode ficar escondida
no coração e não ser vista, mas quando as obras estão
unidas a ela, então a fé passa a brilhar em sua beleza
natural. Embora um jardim esteja cheio de flores, elas não
são vistas até que a luz apareça. Da mesma forma, o
coração de um cristão pode estar enriquecido com a fé e ela
não poder ser vista assim como não podemos ver as flores à
noite. A fé não pode ser vista até que as obras venham.
Quando essa luz brilha diante das pessoas, então a fé pode
ser vista em suas cores originais.
Se a característica de uma pessoa piedosa é ter uma
disposição misericordiosa, então isso repreende
severamente aquelas pessoas que estão longe desse
temperamento. Seus corações são como as escamas do
Leviatã, “fechado como por um selo apertado” (Jó 41:15,
KJF). Elas se movem apenas dentro de seu próprio círculo,
mas não auxiliam os outros quanto às suas necessidades; e
possuem uma condição próspera, mas
uma mão ressequida
e não podem estendê-la para praticar boas ações. Tais
pessoas usam tudo o que têm para si mesmas, não para
Cristo; elas são semelhantes ao avarento Nabal, que disse:
“Vocês acham que eu vou pegar o meu pão, a minha água e
a carne dos animais que abati para os meus tosquiadores e
dar a homens que eu não sei de onde vêm?” (1 Samuel
25:11). Diziam a respeito do imperador Pertinax[9] que ele
tinha um grande império, mas um coração pequeno e
mesquinho.
Havia um templo em Atenas chamado de o Templo da
Misericórdia. Ele era dedicado a fins de caridade, e era uma
grande afronta quando alguém era repreendido por nunca
ter estado no Templo da Misericórdia. É uma grande
vergonha para um cristão ser desprovido de misericórdia.
Enquanto enriquecem a si mesmo, os avarentos se
degradam, pois estabelecem um monopólio para si mesmos
e cometem idolatria com Mamom. Em um tempo de peste, é
triste ter suas casas fechadas, mas é pior ter seus corações
fechados. Como é algo miserável ter um mar de pecado e
não ter uma gota de misericórdia! Corações avarentos são
como o Leviatã, “firme como a pedra” (Jó 41:24). Seria mais
fácil extrair azeite de uma pedra do que o precioso azeite da
caridade de seus corações de pedra.
Dizem que a frieza do coração é um presságio da
morte. Quando as afeições das pessoas pelas obras de
misericórdia estão congeladas, essa frieza é um presságio
sinistro e indica tristemente que elas estão mortas no
pecado! Na lei, lemos que o marisco era considerado
imundo. Isso provavelmente se deve ao fato de sua carne
estar fechada na casca e ser difícil de alcançar. Aqueles que
deixam todas as suas riquezas trancadas dentro de seus
próprios cofres e não permitem que outras pessoas se
beneficiem delas, devem ser considerados como impuros.
Quantas pessoas prejudicaram a si mesmas por serem tão
egoístas!
Existem algumas pessoas que talvez cheguem a dar
boas palavras aos pobres, mas não darão nada além disso.
O apóstolo questiona: “Se um irmão ou uma irmã estiverem
com falta de roupa e necessitando do alimento diário, e um
de vocês lhes disser: ‘Vão em paz! Tratem de se aquecer e
de se alimentar bem’, mas não lhes dão o necessário para o
corpo, qual é o proveito disso?” (Tiago 2:15-16). Boas
palavras consistem apenas em uma forma fria de caridade.
Os pobres não podem viver apenas desses sons. Mesmo que
suas palavras sejam suaves como o azeite, elas não curarão
os feridos e mesmo que suas palavras sejam como favos de
mel, elas não alimentarão os famintos.
Em 1 Coríntios 13:1, lemos: “Ainda que eu fale as
línguas das pessoas e dos anjos, se não tiver amor, serei
como o bronze que soa ou como o címbalo que retine”. É
melhor ser amoroso como um santo do que eloquente como
um anjo. Permitam-me dizer que aqueles que são cruéis
para com os pobres são anticristãos! A falta de misericórdia
é o pecado dos pagãos (Romanos 1:31). Quando vocês
renunciam às afeições de misericórdia, estão renunciando
também a um distintivo do cristianismo. Ambrósio disse que
quando não socorremos aquelas pessoas que vemos que
estão prestes a perecer de fome, somos culpados das
mortes delas. Se essa regra for verdadeira, há mais
culpados pela quebra do Sexto Mandamento do que
imaginamos.
Tiago nos fala palavras tristes: “Porque o juízo é sem
misericórdia sobre quem não usou de misericórdia” (Tiago
2:13). Como tais pessoas esperam encontrar a misericórdia
de Cristo, se nunca mostraram misericórdia a Cristo através
de seus membros? O Rico negou uma migalha de pão a
Lázaro e foi negado a ele até mesmo uma gota de água.
Vejam a acusação que será feita aos pecadores no
último dia: “Porque tive fome, e vocês não me deram de
comer; tive sede, e vocês não me deram de beber; sendo
forasteiro, vocês não me hospedaram; estando nu, vocês
não me vestiram; achando-me enfermo e preso, vocês não
foram me ver” (Mateus 25:42-43). Cristo não diz: “Vocês
roubaram minha comida”, mas sim “vocês não me deram
de comer”, não deram de comer aos meus membros. Foi
para esses mesmos pecadores que Cristo disse: “Afastem-se
de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o
diabo e seus anjos” (Mateus 25:41). Quando os pobres de
Cristo vierem às suas portas e vocês os mandarem embora,
pode chegar o momento em que vocês baterão à porta do
Céu e Cristo dirá: “Afastem-se de mim, malditos, para o fogo
eterno, preparado para o diabo e seus anjos”.
Em resumo, a avareza é um pecado tolo. Deus chamou
o homem rico no Evangelho de “insensato!” (Lucas 12:20).
O avarento não desfruta do que possui, mas apenas torna a
sua própria vida amarga. Ele só se preocupa em como obter
mais, aumentar ou assegurar seu patrimônio financeiro. E
qual é o resultado disso? Muitas vezes, como recompensa
justa da sua avareza mesquinha, Deus o maldiz e o faz
murchar em sua condição externa. As palavras de Gregório
de Nazianzo devem ser consideradas seriamente: “Deus
muitas vezes deixa o ladrão roubar e a traça consumir
aquilo que é impiedosamente retido dos pobres”.
Antes de encerrar esse assunto, deixe-me dize que
lamento que algumas pessoas que se dizem cristãs sejam
acusadas de serem culpadas desse pecado de avareza e
falta de misericórdia. Tenho certeza de que os eleitos de
Deus estão revestidos de “profunda compaixão”
(Colossenses 3:12). Digo-lhes que as pessoas que declaram
ser devotas, mas são avarentas são, na verdade, a
vergonha do cristianismo. Elas são manchas na face da
religião verdadeira.
Dizem que na Índia há uma criatura com quatro patas,
asas e um bico de águia. É difícil decidir se ela deve ser
classificada entre os animais ou as aves. Posso dizer o
mesmo a respeito daquelas pessoas avarentas que se dizem
cristãs: elas têm as asas da profissão de fé, com as quais
parecem voar para o Céu, mas possuem os pés de animais,
com os quais caminham pela terra e até mesmo lambem o
pó! É difícil decidir se devemos classificá-las entre os
piedosos ou entre os ímpios. Oh, tenham cuidado para que,
visto que a religião de vocês não é capaz de destruir sua
avareza, finalmente sua avareza venha a destruir sua
religião!
Existe um conto sobre um ouriço que veio até as tocas
dos coelhos durante um clima tempestuoso e pediu abrigo,
prometendo ser um hóspede amigável, porém, uma vez que
foi recebido, eriçou seus espinhos e nunca saiu dali até ter
expulsado os pobres coelhos de suas tocas. Da mesma
forma, embora a avareza tenha muitos argumentos justos
para se recomendar e se estabelecer no coração, assim que
você a deixa entrar, os espinhos dela nunca deixarão de
ferir até sufocar todos os bons princípios e expulsar toda a
piedade de seus corações.
3. Uma exortação à profunda
compaixão.
Prosseguirei agora com a exortação e insistirei com
todos os cristãos a se “revestirem de profunda compaixão”
(Colossenses 3:12). Estejam prontos para aliviar as misérias
e necessidades das outras pessoas. Ambrósio chama a
caridade de “a suma do cristianismo” e o apóstolo a define
como a própria essência da verdadeira religião: “A religião
pura e sem mácula para com o nosso Deus e Pai é esta:
visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições” (Tiago 1:27).
A palavra hebraica traduzida por “pobre” significa
“alguém vazio” ou “esvaziado”. Assim, os pobres são
carentes de sua força, beleza e bens, como um lago que se
seca. Portanto, que eles sejam preenchidos novamente com
os fluxos de prata da caridade. Os pobres estão como que
na sepultura; o consolo de sua vida está enterrado. Oh,
cristãos, ajudem com suas mãos misericordiosas a tirá-los
do sepulcro!
Assim como Deus “faz rebentar fontes no vale” (Salmos
104:10), assim também permitam que as fontes de sua
generosidade fluam entre os vales da pobreza. Suas
preocupações mais ternas e graciosas devem ser dirigidas
aos necessitados. De que adiante uma aparência de
devoção sem que haja generosidade e misericórdia? Basílio
disse: “Eu conheci muitas pessoas que oram e jejuam, mas
não ajudam aqueles que
estão em angústia. Elas são
zelosas em uma devoção que não lhes custa nada. Qual
benefício elas recebem a partir de todas as suas virtudes
aparentes?”.
Lemos que o incenso deveria ser colocado sobre o fogo
(Levítico 16:13). A chama da devoção deve ser perfumada
com o incenso da caridade. Arão deveria ter campainhas
romãs em suas vestes. As romãs, como alguns dos eruditos
observam, era um símbolo de boas obras. Gregório de
Nazianzo diz que “faltam as romãs àqueles que não têm
boas obras”. Os sábios não apenas dobraram os joelhos
diante de Cristo, mas lhe apresentaram ouro, mirra e
incenso (Mateus 2:11). As meras pretensões de zelo são
insuficientes. Não devemos apenas adorar a Cristo, mas dar
algo aos seus membros. Isso é presentear a Cristo com ouro
e incenso.
Isaque não abençoaria Jacó apenas por ouvir sua voz,
mas ele quis sentir suas mãos e, ao supor que eram as
mãos de Esaú, então o abençoou. Deus não abençoará as
pessoas por sua voz, por suas orações altas ou por seus
discursos piedosos, mas sim se ele sentir as mãos de Esaú,
ou seja, se suas mãos tiverem realizado boas obras, então
Deus os abençoará.
Permitam-me, portanto, exortá-los a atos de
misericórdia. Deixem que seus dedos gotejem com a mirra
da liberalidade. Semeiem suas sementes de ouro. Lembrem-
se da excelente declaração de Agostinho: “Dê aos pobres
aquelas coisas que você não pode reter para que você
receba aquelas coisas que não pode perder”. Há muitas
ocasiões para exercitar sua misericórdia. Ouçam o choro dos
órfãos e tenham compaixão das lágrimas das viúvas. Alguns
precisam de emprego. Seria bom colocar o corpo deles em
movimento. Outros são velhos ou doentes demais para
trabalhar, então sejam como olhos para os cegos e pés para
os coxos. Em alguns casos, famílias inteiras estão prestes
parecer, se alguma mão misericordiosa não ajudar a
sustentá-las!
4. Objeções à misericórdia.
Antes de apresentar argumentos em favor da
liberalidade e da generosidade, existem três objeções que
tentarei responder:
Objeção 1: Podemos doar para outras pessoas e com o
passar do tempo nós mesmos chegarmos a nos encontrar
em uma situação de necessidade.
Deixemos que Basílio responda a essa objeção:
“Quando tiramos as águas de um poço, outras águas
brotam de maneira cada vez mais abundante”. Como diz
Provérbios 11:25: “A pessoa generosa prosperará”. Não
perdemos nada ao socorrer os necessitados.
Um patrimônio pode ser compartilhado sem ser
diminuído. As flores produzem mel para a abelha sem
prejudicar seus próprios frutos. Quando a vela da
prosperidade brilha sobre nós, podemos iluminar nossos
próximos que estão na escuridão, sem perder a nossa
própria luz. Tudo o que é distribuído para fins piedosos,
Deus o traz de volta de alguma outra forma; assim como os
pães se multiplicaram ao serem partidos ou como o azeite
da viúva aumentou ao ser derramado (1 Reis 17:10).
Objeção 2: Eu não posso fazer tantas coisas como
outras pessoas podem: construir igrejas, erguer hospitais,
aumentar bibliotecas e manter estudantes da universidade.
Se vocês não podem fazer muitas coisas, façam
alguma coisa. Que haja muita boa vontade, mesmo que não
haja muita riqueza para leva-la à execução. Deus aceitou as
duas moedas que a viúva lançou no tesouro (Lucas 21:14).
Como Crisóstomo observa, Deus não olhou para o pequeno
valor de sua oferta, mas para a grandeza de seu coração.
Segundo a Lei, aquele que não podia trazer um cordeiro
como oferta, poderia trazer duas rolinhas.
Lemos que o povo trouxe “ouro, prata e pelos de cabra”
para a construção do tabernáculo (Êxodo 35:22-24), sobre
isso Orígenes[10] diz: “Eu desejo, Senhor, trazer algo para a
construção de teu templo, se não tiver ouro para fazer o
propiciatório, se não tiver seda para fazer as cortinas, que
eu possa trazer pelos menos um pouco de pelo de cabra,
para que eu não seja contado entre aqueles que não
trouxeram nada para o teu templo”.
Objeção 3: Mas eu não tenho nada para dar a fim de
suprir as necessidades das outras pessoas.
Você tem algo para satisfazer seus desejos? Você tem
dinheiro para alimentar seu orgulho e seu epicurismo?[11]
Então será mesmo que você não tem nada para aliviar os
membros de Cristo que são pobres?
Mesmo que essa desculpa seja válida, que você não
tenha tais condições; contudo, você pode fazer algo através
do qual venha a expressar sua misericórdia aos pobres.
Você pode simpatizar com eles, orar por eles e falar uma
palavra de consolo para eles. Como lemos em Isaías 40:2:
“Falem ao coração de Jerusalém”. Ainda que você não possa
dar ouro, você pode falar uma palavra oportuna que pode
vir a ser como “maçãs de ouro em bandejas de prata”
(Provérbios 25:11).
Além disso, você pode ajudar os pobres incentivando
outros que têm melhores condições de ajudá-los. Isso é
como o vento, se uma pessoa está com fome, o vento não a
alimentará, mas pode soprar as velas do moinho e fazê-lo
moer grãos que serão usados para alimentá-la. Assim,
embora você não tenha recursos para ajudar quem está
necessitado, não obstante, você pode incentivar outros a
ajudá-los. Você pode soprar as velas da compaixão deles e
levá-los a mostrar misericórdia e, assim, você pode ajudar
seu irmão por procuração.
5. Exortação à misericórdia.
Após responder a essas objeções, deixe-me agora
prosseguir exortando vocês a serem misericordiosos. Eu
apresentarei vários argumentos que desejo que sejam
pesados na balança da razão e da consciência.
5.1. Ser generosamente bondoso é o grande
fim de nossa criação.
Como diz Efésios 2:10, somos “criados em Cristo Jesus
para boas obras”. Cada criatura atende ao objetivo de sua
criação. A estrela brilha, o pássaro canta e a planta dá
frutos. O objetivo da vida é o serviço. Aquele que não
atende ao seu objetivo em termos de utilidade, não pode
desfrutar de seu objetivo em termos de felicidade. Muitas
pessoas estiveram por muito tempo no mundo, mas não
viveram. Não fizeram o bem, mas “ocuparam a terra
inutilmente” (Lucas 13:7). Uma pessoa inútil não serve para
nada além de “ocupar espaço” e porque ela é estéril no que
diz respeito a figos, ela será frutífera no que diz respeito a
atrair maldições sobre si mesmas (Hebreus 6:8).
5.2. Pela misericórdia, nos assemelhamos a
Deus, que é um Deus de misericórdia.
Está escrito que ele “tem prazer na misericórdia” e que
“as suas misericórdias permeiam todas as suas obras”
(Miquéias 7:18; Salmos 145:9). Ele retribui o bem pelo mal,
assim como as nuvens que recebem vapores ruins da Terra,
mas os devolvem em forma de chuvas agradáveis. Não há
uma criatura que viva e não prove das misericórdias de
Deus. Cada pássaro entoa hinos de louvor a Deus por sua
generosidade, porém homens e anjos, de maneira muito
particular, experimentam a quintessência das misericórdias
de Deus.
Que misericórdias temporais vocês receberam! Cada
vez que respiram, vocês absorvem a misericórdia divina.
Vocês receberam cada pão que já comeram a partir das
mãos da misericórdia. Todas as vezes que beberam, vocês
estavam usando o cálice de ouro da misericórdia.
Com quão grandes misericórdias espirituais Deus
enriqueceu alguns de vocês: misericórdia perdoadora,
adotiva e salvífica! A descrição da misericórdia de Deus
jamais pode ser completamente expressa. Vocês não podem
abranger a largura de sua misericórdia, pois ela é infinita; e
nem a altura dela, pois “se eleva acima dos céus” (Salmos
108:4), nem o comprimento dela, pois é “de eternidade a
eternidade” (Salmos 103:17).
As obras de misericórdia são a glória da Divindade.
Moisés orou: “Peço que me mostres a tua glória” (Êxodo
33:18). E Deus respondeu: “Farei passar toda a minha
bondade diante de você” (v. 19). Deus se considera mais
glorioso quando vestido nos mantos resplandecentes de sua
misericórdia. Ora, por meio de obras de misericórdia,
assemelhamo-nos ao Deus misericordioso. Somos instruídos
a agir de acordo com este exemplo: “Sejam misericordiosos,
como também é misericordioso
o Pai de vocês” (Lucas
6:36).
5.3. As esmolas são um sacrifício a Deus.
Em Hebreus 13:16, lemos: “Não se esqueçam da
prática do bem e da mútua cooperação, pois de tais
sacrifícios Deus se agrada”. Quando você distribui aos
pobres, é como se você estivesse orando e adorando a
Deus. Existem dois tipos de sacrifícios: o sacrifício expiatório
— o sacrifício do sangue de Cristo; e o sacrifício de ação de
graças — o sacrifício das esmolas. O piedoso Greenham[12]
diz que este sacrifício é mais aceitável a Deus do que
qualquer outro. O anjo disse a Cornélio: “As suas orações e
as suas esmolas subiram para memória diante de Deus”
(Atos 10:4). As costas dos pobres são o altar sobre o qual
esse sacrifício deve ser oferecido.
5.4. Nós mesmos vivemos de esmolas.
Outras criaturas contribuem generosamente para
nossas necessidades. O Sol não reserva sua luz para si
mesmo, mas para nós; ele nos enriquece com seus raios
dourados. A Terra nos proporciona uma colheita frutífera e
para mostrar o como ela se alegra como uma mãe ao dar à
luz, o salmista diz: “Os campos se cobrem de rebanhos, e os
vales se enchem de espigas; exultam de alegria e cantam”
(Salmos 65:13). Uma criatura nos dá lã, outra nos dá azeite
e outra nos dá seda. Estamos felizes em pedirmos o que
precisamos à criação. Cada criatura serve para o bem das
pessoas e será que as outras pessoas não deveriam servir
para o bem umas das outras? Que coisa absurda e irracional
seria isso!
5.5. Devemos estender nossa liberalidade em
virtude de pertencermos a uma comunidade.
Como Deus diz em Isaías 58:7: “Será que não é
também que vocês repartam o seu pão com os famintos,
recolham em casa os pobres desabrigados, vistam os que
encontrarem nus e não voltem as costas ao seu
semelhante?”. Os pobres são “do mesmo barro” que nós
(Romanos 9:21). Os membros, segundo uma lei de equidade
e simpatia, contribuem uns para os outros. O olho transmite
luz ao corpo, o coração bombeia o sangue e a cabeça,
pensa.
O membro que não contribui com o corpo está morto.
Assim acontece no corpo de Cristo, a igreja. Que ninguém
pense que é demasiado pobre demais para cuidar das
necessidades de outras pessoas. A mão que não serve para
retirar um espinho do pé deve ser cortada. É dito em honra
da renomada princesa, a Imperatriz de Teodósio, o Grande,
[13] que ela mesma visitava os doentes e preparava ajuda
para eles com suas próprias mãos imperiais.
5.6. Não somos senhores de nossos bens, mas
sim mordomos.
Brevemente podemos ouvir estas palavras: “Preste
contas da sua mordomia, porque você não pode mais ser o
meu mordomo” (Lucas 16:2). Uma posse é um talento com
o qual você deve negociar. É tão perigoso esconder nossos
talentos quanto enterrá-los (Mateus 25:25, 30). Se o
avarento mantiver seu ouro por muito tempo, ele começará
a enferrujar, e essa ferrugem testemunhará contra ele
(Tiago 5:3).
5.7. Exemplos de pessoas que foram famosas
por atos de misericórdia e generosidade.
Nosso Senhor Jesus Cristo é um grande exemplo de
caridade. Ele não estava apenas cheio de mérito, mas
também de misericórdia. Trajano, o Imperador,[14] rasgou um
pedaço de sua própria túnica para cobrir as feridas de seus
soldados. Mas Cristo fez mais que isso. Ele rasgou sua carne
e fez um remédio de seu corpo e de sangue para nos curar:
“Pelas suas feridas fomos sarados” (Isaías 53:5). Aqui está
um padrão de amor sem paralelo.
Os judeus são conhecidos nesse aspecto. Fílon,[15]
observou que os judeus devotos distribuem uma décima
parte de seus bens aos pobres e fazem isso da maneira
generosa como se, ao fazerem isso, esperassem receber
alguma grande gratificação. Ora, se os judeus são tão
devotados às obras de misericórdia, embora vivam sem o
Messias, será que nós que professamos nossa fé no bendito
Messias não devemos muito mais professar essa fé!
Deixe-me falar sobre alguns pagãos. Li sobre Tito
Vespasiano,[16] ele estava tão habituado a praticar obras de
misericórdia que, ao lembrar que não tinha feito nenhuma
doação em um certo dia, ele exclamou: “Desperdicei um
dia”.
Eu ouvi sobre alguns muçulmanos que têm servos que
empregam especialmente para descobrir as pessoas pobres
que vivem perto deles e então enviam ajuda a elas. Além
disso, os muçulmanos têm um ditado em seu Alcorão que
diz que se as pessoas soubessem quão abençoado é
distribuir esmolas, elas dariam parte de sua própria carne
para socorrer os pobres. Será que a fé de um cristão não
deve ser melhor do que o Alcorão de um muçulmano?
Que todas essas coisas sirvam para nos persuadir a
praticar obras de misericórdia. Acredite em mim, é uma
ação digna de um rei levantar aquelas pessoas que estão
caídas. Quando vermos pobres e necessitados, como
Moisés, sendo colocados em uma arca de juncos, chorando
e prestes a afundar nas águas da aflição, que possamos ser
salvadores temporais para eles e os tirarmos das águas com
uma corda de ouro. Que os seios de sua misericórdia
amamentem os pobres e que seus remédios espirituais os
revigorem. Que outros vejam as roupas que você fez para
os pobres (Atos 9:39).
5.8. O pecado da falta de misericórdia.
O homem sem misericórdia é uma pessoa ingrata, e o
que pode ser pior do que isso? Quanto a você, a quem o
Senhor deu muitos bens e um cálice que transborda, mas
mesmo assim possui um coração avarento, não doa nada
para causas boas e ainda considera uma morte socorrer as
pessoas que estão prestes a perecer, saiba que você é
ingrato no mais alto grau, você sequer é adequado para
viver em uma sociedade humana. A Escritura cita estas
duas características juntamente: “Sem afeição natural e
sem misericórdia” (2 Timóteo 3:2-3). Deus pode se
arrepender de ter concedido bens a pessoas como essas e
pode dizer a elas como diz em Oséias 2:9: “Portanto, farei
com que, no devido tempo, ela devolva o meu trigo e o meu
vinho. Tirarei dela a minha lã e o meu linho, que deviam
cobrir a sua nudez” (Oséias 2:9).
As pessoas que estão sem misericórdia também
carecem do amor de Deus. Elas ficariam muito zangadas se
outras pessoas questionassem seu amor, mas será que
amam a Cristo aquelas pessoas que deixam os membros de
Cristo passarem fome? Não! Tais pessoas amam mais seu
dinheiro do que a Cristo e caem sob o temível “anátema” de
1 Coríntios 16:22: “Se alguém não ama o Senhor, seja
anátema”.
5.9. Por fim, usarei apenas mais um argumento
para persuadir as pessoas às obras de
misericórdia, a saber, a recompensa que serão
recebidas por quem dá esmolas.
Dar esmolas é uma obra gloriosa e posso garantir que
não é uma obra infrutífera. Tudo o que é distribuído aos
irmãos pobres é dado a Cristo, como lemos em Mateus
25:40: “Em verdade lhes digo que, sempre que o fizeram a
um destes meus pequeninos irmãos, foi a mim que o
fizeram”. A mão do pobre é a tesouraria de Cristo e nada
que é colocado ali é perdido, como alguém já disse: “Tudo o
que você der ao estender a sua mão na Terra é como se
fosse dado no céu”.
O nosso texto diz: “Os misericordiosos alcançarão
misericórdia”. No original em grego, essa expressão pode
ser traduzida literalmente como “eles serão
misericordiados”. Do que mais precisamos, não é de
misericórdia para que sejamos perdoados e salvos? O que
mais desejamos em nosso leito de morte, não é de
misericórdia? Você, que mostra misericórdia, alcançará
misericórdia. Você, que derrama o azeite da compaixão
sobre outras pessoas, Deus derramará o óleo dourado da
salvação sobre você (Mateus 7:2).
A mulher sunamita mostrou misericórdia ao profeta e
recebeu bondade da parte dele de outra maneira (2 Reis
4:8-37). Ela acolheu o profeta em sua casa e ele devolveu a
vida ao filho dela que havia morrido. Aqueles que semeiam
misericórdia colherão a mesma coisa, “eles alcançarão
misericórdia”. Tal é a amabilidade e a misericórdia da
natureza de Deus, que ele não permitirá que nenhuma
pessoa sofra uma perda por exercer misericórdia. Nenhum
favor mostrado a ele será desconsiderado ou deixará de ser
recompensado. Deus não ficará em dívida com nenhuma
pessoa.
Como recompensa de um copo de água fria dado por
alguém, Deus o recompensará com um gole do sangue
quente de Cristo para refrescar sua alma, como diz Hebreus
6:10: “Porque Deus não é injusto para se esquecer do
trabalho que vocês fizeram e do amor que mostraram para
com o seu nome, pois vocês serviram e ainda estão
servindo aos santos”. A misericórdia de Deus é terna, pura e
rica. A misericórdia seguirá e alcançará a pessoa
misericordiosa. Ela será recompensada nesta vida e na vida
futura.
A. A pessoa misericordiosa será recompensada nesta
vida.
Ela será abençoada em sua pessoa: “Bem-aventurado é
aquele que ajuda os necessitados” (Salmos 41:1). Para onde
quer que vá, uma bênção a acompanha. Tal pessoa desfruta
do favor de Deus e ele lança um olhar sorridente sobre ela.
Ela será abençoada em seu nome. Seu nome “será tido
em memória eterna” (Salmos 112:6). Quando o nome do
avarento apodrecer, o nome da pessoa misericordiosa será
embalsamado com honra e exalará seu perfume como o
vinho do Líbano.
Ela será abençoada seus bens. “Ela prosperará em
todas as coisas” e “a pessoa generosa prosperará”
(Provérbios 11:25). Ela terá a gordura da terra e o orvalho
do céu; e não terá apenas a comida, mas a bênção de Deus.
Ela será abençoada em sua descendência. Como diz o
salmista a respeito de tal pessoa: “Ela é sempre compassiva
e empresta, e a sua descendência será uma bênção”
(Salmos 37:26). Ela não deixará apenas uma propriedade,
mas uma bênção para seus filhos, e Deus garantirá que o
direito dessa bênção não seja perdido.
Ela é abençoada em suas negociações: “Por isso, o
Senhor, seu Deus, os abençoará em todas as suas obras e
em tudo o que vocês empreenderem” (Deuteronômio
15:10). A pessoa misericordiosa será abençoada em suas
construções, plantios e viagens. No que quer que ela esteja
envolvida, uma bênção será derramada sobre ela. Como já
foi dito: “Onde quer que ela pise, haverá uma rosa”. Ela
será uma pessoa próspera. O favo de mel das bênçãos
estará continuamente sendo derramado sobre ela.
Ela será abençoada com uma longa vida: “O Senhor o
protege, preserva-lhe a vida” (Salmos 41:2). Ela ajudou a
manter outros vivos e Deus a manterá viva. Então, será que
perderemos por sermos misericordiosos? Não, pois a
misericórdia estica o fio prateado da vida. Muitos são
levados mais cedo por sua falta de misericórdia. Porque
seus corações são estreitos, suas vidas são encurtadas.
Ela é recompensada na vida vindoura. Aristóteles[17]
associa esses dois elementos: liberalidade e utilidade. Deus
recompensará a pessoa misericordiosa no futuro, embora
não por suas obras, mas segundo as suas obras, como
lemos em Apocalipse 20:12: “Vi também os mortos, os
grandes e os pequenos, que estavam em pé diante do
trono. Então foram abertos livros. Ainda outro livro, o Livro
da Vida, foi aberto. E os mortos foram julgados, segundo as
suas obras, conforme o que estava escrito nos livros”. Assim
como Deus tem um odre para colocar nossas lágrimas,
assim também ele tem um livro para registrar nossas
esmolas. Assim como Deus colocará um véu sobre os
pecados de seu povo, assim também ele, por sua livre
graça, colocará uma coroa sobre suas obras! A melhor
forma de acumular é distribuir. Outras partes de nossa
propriedade são deixadas para trás (Eclesiastes 2:18), mas
aquilo que é dado aos pobres de Cristo é acumulado no Céu.
Essa é uma forma abençoada de dar, a qual, embora torne a
bolsa mais leve, torna a coroa mais pesada.
Vocês que têm inclinação para a misericórdia,
lembrem-se do seguinte a respeito de que qualquer esmola
que distribuam:
Vocês terão uma boa garantia. Como está escrito:
“Quem dá aos pobres empresta ao Senhor, e este lhe
retribuirá o seu benefício” (Eclesiastes 11:1; Lucas 6:38;
Provérbios 19:17). Essa é a garantia de Deus. No entanto, a
nossa incredulidade consiste no fato de que nós não
aceitamos a fiança de Deus.
Você será abundantemente recompensado. Por uma
moeda de ouro que você tenha distribuído, você receberá
um peso de glória. Por um copo de água fria, você terá rios
de prazer, que correm à direita de Deus para todo o sempre.
Os juros serão muito maiores do que o montante principal.
Plínio[18] escreve sobre um país na África onde as pessoas,
para cada alqueire de semente que semeiam, recebem uma
colheita de cento e cinquenta vezes. Por cada centavo que
você deposita no tesouro de Cristo, você receberá mais de
mil vezes. Sua colheita futura de glória será tão grande que,
embora continue colhendo, você jamais será capaz de
reunir toda a colheita. Que tudo isso convença as pessoas
ricas a honrarem o Senhor com seus recursos financeiros.
6. Regras breves sobre as obras de
misericórdia.
Antes de concluir este assunto, deixe-me estabelecer
algumas regras breves sobre obras de misericórdia.
6.1. A caridade deve ser livre.
Como lemos em Deuteronômio 15:10: “Vocês devem
dar livremente, sem maldade no coração”. Ou seja, vocês
não devem se incomodar em abrir mão do seu dinheiro.
Quem dá com tristeza, dá com relutância. Isso não é um
presente, mas um imposto. A caridade deve fluir como a
água de uma nascente. O coração deve ser a nascente, a
mão deve ser o cano e os pobres devem ser o reservatório.
Deus ama que dá com alegria. Não seja como a fruta da
qual foi extraído todo o suco. Você não deve dar aos pobres
como se estivesse entregando sua carteira a um ladrão.
Exercer a caridade sem alegria é algo mais semelhante a
pagar uma multa do que a fazer uma oferta. É mais fácil
fazer penitência do que dar esmolas. A caridade deve ser
como a mirra que cai da árvore sem que está esta seja
cortada ou forçada.
6.2. Devemos dar o que é nosso.
O pão que deve ser dado ao faminto é o “seu pão”
(Isaías 58:7). A Escritura coloca essas duas coisas juntas:
“Pratique a justiça, ame a misericórdia” e “Eu, o Senhor,
amo a justiça e odeio a iniquidade do roubo” (Miquéias 6:8;
Isaías 61:8). Aquele que construir um asilo ou hospital com
bens obtidos ilegalmente exibe o estandarte de seu orgulho
e ergue o monumento de sua vergonha!
6.3. Faça tudo em Cristo e para Cristo.
Faça tudo em Cristo. Trabalhe para que você esteja em
Cristo. Somos “aceitos nele” (Efésios 1:6). Orígenes,
Crisóstomo e Pedro Mártir[19] afirmam que mesmo as
melhores obras, se não brotarem da fé, estão perdidas. Os
pelagianos pensavam ter desconcertado Agostinho ao lhe
perguntarem se o pagão cometia um pecado ao vestir
aquele que está nu. Agostinho respondeu corretamente: “O
ato de fazer o bem não é mal em si mesmo, mas quando
esse bem procede da incredulidade, então torna-se em algo
mal”, como lemos em Tito 1:15: “Para os impuros e
descrentes, nada é puro”. O fruto mais doce e genuíno é
aquele que é produzido pela videira (João 15:4). Fora de
Cristo, todas as nossas obras de esmola são como o fruto de
uma oliveira brava. Não são boas obras, mas obras mortas.
Faça tudo para Cristo, ou seja, por amor a ele, para que
você possa testemunhar seu amor por ele. O amor a Cristo
facilita e aprimora nossas obras de caridade. O amor de
Cristo torna as nossas obras um perfume precioso para
Deus. Assim como foi por amor que Maria trouxe seus
perfumes e especiarias aromáticas para ungir o corpo morto
de Cristo, assim também, por amor a Cristo traga seus
perfumes e especiarias aromáticas para ungir seu corpo
vivo, ou seja, os santos, seus membros.
6.4. As obras de misericórdia devem ser feitas
com humildade.
Abandone toda a ostentação! O verme se reproduz na
fruta mais bela e a traça, na roupa mais fina. O orgulho se
infiltrará em nossas melhores coisas. Cuidado com essa
mosca morta no frasco de unguento. Quando o rosto de
Moisés estava brilhando, ele colocou um véu. Assim,
enquanto sua luz brilha diante das pessoas e elas veem
suas boas obras, cubram-se com o véu da humildade. Assim
como a lagarta, quando está tecendo as suas obras
curiosas, se esconde dentro da seda

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