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O Estandarte de Cristo Editora Conselho editorial: Pr. Fernando Angelim Pr. Jorge Rodríguez Pr. Josué Meninel Pr. Marcus Paixão Editor: William Teixeira _________________________________________ Título original The Beatitudes Por Thomas Watson ■ IMPORTANTE! A obra supracitada, The Beatitudes, será publicada em português como uma série de eBooks. O presente eBook contém o sexto livro da série Bem- Aventurados os Misericordiosos (e não íntegra da obra supracitada). Os outros eBooks da série serão publicados nos próximos dias, se nosso Deus quiser. Para mais informações, veja o título Sobre a Série, no sumário. ■ Copyright © 2024 Editora O Estandarte de Cristo | Francisco Morato, SP, Brasil 1ª Edição em português: 2024. ■ Todos os direitos em língua portuguesa reservados por Editora O Estandarte de Cristo. Proibida a reprodução por quaisquer meios, salvo em breves citações, com indicação da fonte. ■ Salvo indicação em contrário e leves modificações, as citações usadas nesta tradução são da versão Nova Almeida Atualizada © | NAA — Copyright © 2017 Sociedade Bíblica do Brasil. ■ Tradução e edição: William Teixeira Revisão: Camila Rebeca Teixeira Capista: William Teixeira _________________________________________ Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) _________________________________________ Watson, Thomas. W342b As bem-aventuranças [livro eletrônico] : Bem-Aventurados os Misericordiosos / Thomas Watson; tradução William Teixeira. – Francisco Morato, SP: O Estandarte de Cristo, 2024. – (As Bem-Aventuranças; v. 6) Formato: Mobi Requisitos de sistema: Adobe Acrobat Reader Modo de acesso: World Wide Web Inclui bibliografia Título original: The Beatitudes ISBN 978-65-00-96672-5 1. Bem-aventuranças. 2. Jesus Cristo – Ensinamentos. 3. Bíblia. I. Teixeira, William. II. Título. III. Série. CDD 226.93 _________________________________________ Elaborado por Maurício Amormino Júnior – CRB6/2422 Conheça outros livros por Thomas Watson publicados pela Editora O Estandarte de Cristo https://amzn.to/48pZCll https://amzn.to/3vsho90 https://amzn.to/48rBcb8 https://amzn.to/3vBFkqo https://amzn.to/3vsho90 https://amzn.to/49VTXUP Conheça os outros livros da Série As Bem-Aventuranças Sumário Sobre a Série As Bem-Aventuranças Bem-Aventurados os Misericordiosos 1. O que se entende por misericórdia? 2. Os vários tipos de misericórdia ou de quantas maneiras uma pessoa pode ser considerada misericordiosa. 2.1. Devemos ser misericordiosos para com as almas das outras pessoas. 2.2. Devemos ser misericordiosos para com os nomes das outras pessoas. 2.3. Devemos ser misericordiosos para com os bens das outras pessoas. 2.4. Devemos ser misericordiosos com as ofensas das outras pessoas. 2.5. Devemos ser misericordiosos para com as necessidades das outras pessoas. 3. Uma exortação à profunda compaixão. 4. Objeções à misericórdia. 5. Exortação à misericórdia. 5.1. Ser generosamente bondoso é o grande fim de nossa criação. 5.2. Pela misericórdia, nos assemelhamos a Deus, que é um Deus de misericórdia. 5.3. As esmolas são um sacrifício a Deus. 5.4. Nós mesmos vivemos de esmolas. 5.5. Devemos estender nossa liberalidade em virtude de pertencermos a uma comunidade. 5.6. Não somos senhores de nossos bens, mas sim mordomos. 5.7. Exemplos de pessoas que foram famosas por atos de misericórdia e generosidade. 5.8. O pecado da falta de misericórdia. 5.9. Por fim, usarei apenas mais um argumento para persuadir as pessoas às obras de misericórdia, a saber, a recompensa que serão recebidas por quem dá esmolas. 6. Regras breves sobre as obras de misericórdia. 6.1. A caridade deve ser livre. 6.2. Devemos dar o que é nosso. 6.3. Faça tudo em Cristo e para Cristo. 6.4. As obras de misericórdia devem ser feitas com humildade. 6.5. Distribua suas esmolas com prudência. 6.6. Doe com gratidão. Quem Foi Thomas Watson Sobre a Série As Bem-Aventuranças Thomas Watson publicou o livro, “As Bem-Aventuranças” (The Beatitudes), em 1660. Esta obra é um verdadeiro clássico da literatura cristã e puritana. Como um teólogo habilidoso, um poeta da verdade e um pastor amoroso, Watson descreve as características da pessoa que verdadeiramente é bem-aventurada. Agora essa obra começa a ser publicada em português como uma série que conterá 10 livros. São eles: Livro 1: Sermão do Monte: Introdução Livro 2: Bem-Aventurados os Pobres em Espírito Livro 3: Bem-Aventurados os que Choram Livro 4: Bem-Aventurados os Mansos Livro 5: Bem-Aventurados os que Têm Fome e Sede de Justiça Livro 6: Bem-Aventurados os Misericordiosos Livro 7: Bem-Aventurados os Puros de Coração Livro 8: Bem-Aventurados os Pacificadores Livro 9: Bem-Aventurados os Perseguidos por Causa da Justiça Livro 10: Os Mandamentos de Deus Não são Difíceis de Guardar O presente eBook contém o livro 6, Bem-Aventurados os Misericordiosos. Rogamos ao nosso “Deus” que “possui toda a vida, glória, bondade e bem-aventurança” (CFB16892.2) que use esta exposição da sua Palavra para conduzir muitos dos seus eleitos a Jesus Cristo, por meio do seu Espírito Santo. Ao único Deus verdadeiro, Pai, Filho e Espírito, Seja a glória para sempre, Amém e amém! Bem-Aventurados os Misericordiosos “Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.” (Mateus 5:7) Esses versículos, como os degraus do templo de Salomão, nos fazem subir ao santo dos santos. Estamos agora subindo para um degrau mais alto: “Bem-aventurados os misericordiosos”. Nunca houve tanta necessidade de pregar sobre a misericórdia como nos tempos impiedosos em que vivemos. Dizem a respeito da vida de Crisóstomo que ele pregava continuamente sobre esse tema da misericórdia e, por insistir muito com os cristãos que fossem misericordiosos, ele foi chamado por muitos de “o pregador das esmolas” ou “o pregador da misericórdia”. Nossos tempos precisam de muitos Crisóstomos. O nosso texto diz: “Bem-aventurados os misericordiosos”. A misericórdia está tanto no início quanto no final do texto. No início do texto, ela se apresenta como um dever. No final do texto, ela se apresenta como uma recompensa. A palavra hebraica para “piedoso” significa “misericordioso”. Quanto mais uma pessoa é piedosa, mais misericordiosa ela é. A doutrina que extrairei dessas palavras, e que abrangerá e incluirá o todo, é a seguinte: A pessoa misericordiosa é bem-aventurada. Da mesma forma, há uma maldição que paira sobre a cabeça da pessoa que não é misericordiosa, como lemos no Salmo 109:6-19: Quando o julgarem, que ele seja condenado; e que a oração dele seja tida como pecado. Sejam poucos os seus dias, e outro tome o seu encargo. Fiquem órfãos os seus filhos, e viúva, a sua esposa. Andem errantes os seus filhos e mendiguem; e sejam expulsos das ruínas de suas casas. Que um credor se aposse de tudo o que ele tem; que estranhos saqueiem o fruto do seu trabalho. Ninguém tenha misericórdia dele, nem haja quem se compadeça dos seus filhos órfãos. Desapareça a sua posteridade… Por que isso, qual é o crime dessa pessoa? “Porque ele não se lembrou de usar de misericórdia” (v. 16). Veja como uma grande taça cheia das pragas da parte de Deus é derramada sobre a pessoa sem misericórdia! Assim, pela regra dos contrários, as bênçãos do Todo-Poderoso coroam e cercam a pessoa misericordiosa: “A pessoa misericordiosa é abençoada” (2 Samuel 22:26; Salmos 37:26; Salmos 41:1). Para ilustrar isso, mostrarei, em primeiro lugar, o que se entende por misericórdia e, em segundo lugar, os vários tipos de misericórdia. 1. O que se entende por misericórdia? Respondo que é uma disposição de compaixão, na qual consideramos as misérias das outras pessoas e estamos prontos em todas as ocasiões para sermos instrumentos para o benefício delas. Como a misericórdia e o amor diferem? Em algumas coisas, concordam, mas em outras, eles diferem; são como águas que podem ter duas nascentes diferentes, mas se encontram no mesmo rio. Amor e misericórdia diferem no seguinte: o amor é mais extensivo. A diocese que o amor percorre e visita é maior. A misericórdia se refere propriamente àqueles que estão miseráveis. O amor possui uma consideração mais ampla. O amor é como um amigo que visita aqueles que estão bem. A misericórdia é como um médico que visita apenas os doentes. Além disso, o amor age mais por afeição. A misericórdia age por um princípio de consciência. A misericórdia estende a mão ao outro. O amor dá o coração ao outro. É nisso que ambos diferem. Entretanto, o amor e a misericórdia concordam nisto: ambos estão prontos para realizar boas ações e trazem cura sob suas asas. De onde vem a misericórdia? Sua nascente se eleva mais alto do que a natureza. A misericórdia, quanto entendida em sua plena amplitude, procede de uma obra de graça no coração. Naturalmente, estamos longe de ser misericordiosos. O pecador é um espinheiro, não uma figueira que produz frutos doces. A característica de uma pessoa natural é ser alguém “sem misericórdia” e que faz “o seu coração duro como diamante” (Romanos 1:31; Zacarias 1:12). Seu coração não se derrete em misericórdia. Antes da conversão, o pecador é comparado a um lobo por sua ferocidade (Mateus 7:15), a um leão por sua selvageria (Isaías 11:6), a uma abelha por seu ferrão (Salmos 118:12) e a uma víbora por seu veneno (Salmos 140:3). Por natureza, não expelimos azeite, mas veneno; não produzimos o azeite da misericórdia, mas o veneno da malícia. Além dessa falta inata de misericórdia que está em nós, há também algo que Satanás nos infunde, como lemos em Efésios 2:2 sobre “o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência”. Ele é um espírito feroz, por isso é chamado de “dragão vermelho” (Apocalipse 12:3). E se ele possui as pessoas, então não é surpresa se elas forem implacáveis e sem misericórdia. Que misericórdia podemos esperar haver no inferno? Portanto, se o coração está sintonizado com a misericórdia, é devido à mudança que a graça realizou (Colossenses 3:12). Quando o sol brilha, o gelo derrete. Quando o Sol da Justiça brilha com raios de graça na alma, então ela se derrete em misericórdia e ternura. Você deve primeiramente ser uma nova pessoa antes de poder ser uma pessoa misericordiosa. Você não pode ajudar um membro de Cristo até que você mesmo seja um membro de Cristo. 2. Os vários tipos de misericórdia ou de quantas maneiras uma pessoa pode ser considerada misericordiosa. A misericórdia é uma fonte que corre através de cinco fluxos: devemos ser misericordiosos para com as almas, os nomes, os bens, as ofensas e as necessidades dos outros. 2.1. Devemos ser misericordiosos para com as almas das outras pessoas. A misericórdia é uma esmola espiritual. Na verdade, a misericórdia para com a alma é a principal das misericórdias. A alma é a coisa mais preciosa. Ela é um vaso de honra, um botão da eternidade, é uma centelha acesa pelo sopro de Deus e é um precioso diamante inserido em um anel de barro. A alma tem o sangue de Deus para redimi-la e a imagem de Deus para adorná-la. Portanto, visto que a alma possui uma ascendência nobre, pois descende do Ancião dos dias, a misericórdia mostrada à alma deve ser a maior. Essa misericórdia para com as almas das outras pessoas consiste em quatro coisas. A. Em ter compaixão delas. Agostinho disse: “Se eu choro por aquele corpo do qual a alma se separou, quanto mais eu devo chorar por aquela alma da qual Deus se separou!”. Se tivéssemos visto aquele homem que o Evangelho descreve como ferindo a si mesmo com pedras, isso teria nos convido à compaixão (Marcos 5:5). Ver um pecador ferindo a si mesmo a ponto de sujar suas mãos com seu próprio sangue é algo que deveria comover nossas afeições. Nossos olhos deveriam afetar nosso coração. Deus ficou irado com Edom porque ele “aniquilou as suas misericórdias” (Amós 1:11). B. A misericórdia para com a alma é demostrada em aconselhar e exortar os pecadores. Diga aos pecadores em que condição triste estão, a saber, “em fel de amargura” (Atos 8:23, ACF). Mostre-lhes o perigo a que estão expostos. Eles pisam nas margens do abismo sem fundo. Se a morte lhes der um empurrão, eles caem. Devemos mergulhar nossas palavras no mel e usar toda a brandura que pudermos: “Instruindo com mansidão os que resistem, a ver se porventura Deus lhes dará arrependimento para conhecerem a verdade” (2 Timóteo 2:25). O fogo derrete e o unguento amolece. Palavras de amor podem derreter corações duros e conduzi-los ao arrependimento. Isso é exercer misericórdia para com a alma. Deus fez uma lei que diz: “Se você vir prostrado debaixo da sua carga o jumento daquele que odeia você, não o abandone, mas ajude o dono a erguer o animal” (Êxodo 23:5). Crisóstomo disse: “Devemos ajudar um jumento que está lutando debaixo de uma carga pesada e não devemos buscar aliviar aqueles pecadores que estão caídos sob o pior fardo do pecado?”. C. A misericórdia para com a alma é demostrada em repreender os pecadores que retrocedem. Demostramos uma misericórdia cruel quando vemos pessoas vivendo no pecado e as deixamos em paz. Por outro lado, há uma crueldade misericordiosa quando somos incisivos contra os pecados das pessoas e não as deixamos ir para o inferno sem dizermos uma palavra. Como está escrito: “Não guarde ódio no coração contra o seu próximo, mas repreenda-o e não incorra em pecado por causa dele” (Levítico 19:17). O sentimentalismo tolo não é melhor do que a crueldade. Por isso o apóstolo Paulo deu o seguinte mandamento a Tito: “Repreenda-os severamente”, ou seja, de maneira cortante (Tito 1:13). O cirurgião corta e perfura a carne, mas faz isso para curá-la. Ele faz feridas curativas. Assim, ao fazer uma repreensão cortante, perfurarmos a consciência das pessoas e deixamos sair o sangue do pecado, nós realizamos uma cirurgia espiritual. Isso é mostrar misericórdia. Judas nos ordena: “Salvem outros, arrebatando-os do fogo” (v. 23). Se uma pessoa tivesse caído no fogo e você a tirasse de lá, mesmo que a machucasse ao fazer isso, ela ficaria agradecida e consideraria isso como um ato de bondade. Quando falamos sobre o pecado para algumas pessoas, elas dizem: “Ah, você está sendo insensível!”. Não, isso é mostrar misericórdia. Se a casa de uma pessoa estivesse pegando fogo e outra pessoa visse isso e não a alertasse com medo de acordá-la, será que isso não seria uma crueldade? Quando vemos outras pessoas dormindo em seu pecado e o fogo da ira de Deus prestes a queimá-las e consumi-las, mas ficamos em silêncio, será que isso não nos faria sermos cúmplices da condenação dela? D. A misericórdia da alma é demostrada ao orar pelas outras pessoas. A oração é o remédio usado em casos que estão além da esperança e, frequentemente, ela recupera o paciente doente: “A oração de um justo é poderosa e eficaz” (Tiago 5:16, NVI). Assim como o remédio cura o corpo doente, a oração cura a alma enferma de pecado. Há uma história de alguém que entregou sua alma ao Diabo e foi salvo pelas orações de Lutero. Quando Êutico foi dominado pelo sono, caiu do terceiro andar e morreu, foi recolhido morto, porém, Paulo “inclinou-se sobre ele”, ou seja, ele orou eficazmente sobre ele, e então o trouxe de volta à vida (Atos 20:9-12). Pelo pecado, a alma cai de um lugar alto, a saber, um estado de inocência. Entretanto, a oração fervorosa muitas vezes traz vida a uma alma morta. Veja que trabalho abençoado é a obra do ministério! A pregação da Palavra não é nada além de uma demonstração de misericórdia às almas. A pregação é um instrumento poderoso e glorioso nas mãos do Senhor Todo- Poderoso para derrubar as fortalezas do Diabo. O ministério da Palavra não apenas traz luz consigo, mas também colírio, para ungir os olhos das pessoas para que vejam essa luz. A pregação da Palavra de Deus é uma ordenança que mata o pecado e vivifica a alma. Ela é o “poder de Deus para a salvação” (Romanos 1:16). Por outro lado, que inimigos terríveis são aqueles que questionam o ministério! Dizem que as pessoas que vivem no Equador amaldiçoam o sol e se alegram quando ele se põe, por causa do calor abrasador. Pecadores insensatos amaldiçoam o nascer do sol do ministério e se ofendem com a sua luz, porque ele expõe seus pecados e queima suas consciências, embora, no final, salve suas almas! Isso repreende aqueles que não têm misericórdia para com as almas, a saber, magistrados e ministros maus. Magistrados maus são aqueles que “tiram a chave do conhecimento” ou toleram a maldade e criam licenças para que as pessoas pequem (Lucas 11:52). O significado da sua tolerância é este: Se as pessoas quiserem ir para o inferno ninguém as impedirá. Será que a natureza já não está envenenada o suficiente? Será que as pessoas já não pecam o suficiente, mas precisam de favores políticos para que aumentem sua maldade? Será que elas precisam dos ventos favoráveis dos magistrados para que possam seguir mais velozmente para o Diabo? Isso está longe de ser uma demonstração de misericórdia para com as almas. Que terrível prestação de contas esses magistrados terão no dia do Senhor! Ministros maus são aqueles que não têm afeição pelas almas do povo que está sob sua responsabilidade. Eles não têm piedade e nem oram pelas pessoas. Tais ministros não buscam ganhar as almas se seu povo, mas apenas o dinheiro dele; eles não pregam por amor, mas por uma ganância sórdida. Esses ministros maus estão preocupados mais com dízimos do que com almas. Como podem ser chamados de pais espirituais, aqueles que estão destituídos de afeições? Eles são mercenários, não ministros. Tais homens não alimentam as almas de seu povo com verdades sólidas. Quando Cristo enviou seus apóstolos, deu- lhes o texto e o que eles deveriam pregar: “Pelo caminho, preguem que está próximo o Reino dos Céus” (Mateus 10:7). A respeito disso, Lutero declarou: “Este texto diz que os ministros de Cristo devem pregar coisas que dizem respeito ao Reino de Deus: perdão de pecados, santificação e viver pela fé”. Aqueles que, em vez de partir o pão da vida, enchem as mentes de seu povo com especulações e noções vazias são ministros sem misericórdia, os quais acariciam as suas imaginações, em vez de tocar a consciência e dão música às almas preciosas, em vez de alimento. Alguns obscurecem o conhecimento com palavras e pregam como se estivessem falando em “uma língua desconhecida” (1 Coríntios 14:2, KJF). Alguns ministros adoram voar alto como a águia e pairar acima da capacidade de seu povo, buscando mais serem admirados do que entendidos. É uma falta de misericórdia para com as almas pregar de uma forma que não seja compreensível. Os ministros devem ser estrelas para iluminar e não nuvens para obscurecer a verdade. Paulo era erudito, contudo, era simples. Clareza e perspicuidade constituem a graça da fala. Agimos com crueldade para com as almas quando tentamos transformar coisas fáceis em algo difícil. Muitos são culpados disso em nosso tempo, os quais vão ao púlpito apenas para criar complicações e acham que é uma glória deixar as pessoas confusas. Isso cheira mais a orgulho do que a misericórdia. Há também aqueles que veem outros pecando, mas não os advertem. Quando as pessoas declaram seu pecado como Sodoma, então é dever do ministro “erguer a voz como a trombeta e anunciar ao povo de Deus a sua transgressão e à casa de Jacó, os seus pecados” (Isaías 58:1). O zelo no ministro é tão apropriado quanto o fogo no altar. Aquele que permite que outra pessoa peque enquanto permanece calado é um assassino. A sentinela que vê o inimigo se aproximando e não avisa merece a morte (Ezequiel 3:20). Alguns ministros envenenam as almas das pessoas com erros. Como é perigosa a lepra da cabeça! Um frenesi é pior do que uma febre. O que diremos sobre ministros que dão veneno ao povo em um cálice de ouro? Será que tais ministros não estão destituídos de misericórdia? Há ainda outros (que são indignos de serem chamados pelo nome de ministros) itinerantes, embaixadores do Diabo, que percorrem a terra para enganar e devorar as almas! É lamentável ver pessoas miseráveis e instáveis sendo guiadas por homens ignorantes, que alimentam o povo com blasfêmia e tolices, as quais os tornam mais adequados para Bedlam[1] do que para a Nova Jerusalém. Todos esses são destituídos de misericórdia para com as almas. Rogo a todos que temem a Deus que mostrem misericórdia para com as almas. Fortaleçam os fracos; tragam de volta os errantes e levantem aqueles que caíram. Como diz a Escritura: “Aquele que converte o pecador do seu caminho errado salvará da morte a alma dele e cobrirá uma multidão de pecados” (Tiago 5:20). 2.2. Devemos ser misericordiosos para com os nomes das outras pessoas. Um bom nome é uma das maiores bênçãos da Terra. Nenhum colar de pérolas enfeita tanto quanto esse. Sendo assim, devemos ser muito misericordiosos para com as reputações das outras pessoas. As pessoas que não se importam quando prejudicam o bom nome seus irmãos são consideradas altamente destituídas de misericórdia. Suas gargantas são sepulcros abertos, para enterrar a fama e o renome de outras pessoas (Romanos 3:13). Assassinar uma pessoa em seu nome é uma grande crueldade: “Os guardas, que rondavam a cidade, me encontraram; eles me espancaram e me feriram; os guardas das muralhas tomaram o meu manto” (Cânticos 5:7). Alguns exegetas interpretam esse versículo como uma referência à sua honra e fama, que a cobriam como um belo manto. A. Os fundamentos dessa falta de misericórdia para com os nomes das pessoas são os seguintes. Orgulho. A pessoa orgulhosa não suporta ser ofuscada. Ela não pode suportar se ver superada em habilidades e eminência por outros; portanto, ela será capaz de decapitar outra pessoa em seu bom nome, para que ela pareça um pouco menor. A pessoa orgulhosa buscará diminuir a reputação de outras pessoas, pois ela pensa que, assim, ela mesma brilhará mais intensamente. A língua de uma pessoa orgulhosa ataca as reputações de outras pessoas. Inveja (1 Pedro 2:1). Uma pessoa invejosa prejudica a dignidade de outra e, portanto, procura atacá-la em seu nome. A piedade nos ensina a nos alegrarmos com a estima e a fama das outras pessoas: “Dou graças ao meu Deus por todos vocês, porque a fé que vocês têm é proclamada no mundo inteiro” (Romanos 1:8). A inveja, ao se aconselhar com o Diabo, busca fogo do inferno para arruinar o bom nome de outras pessoas. B. De quantas maneiras podemos ser destituídos de misericórdia para com os nomes de outras pessoas? Podemos fazer isso de diversas maneiras. Em primeiro lugar, pela difamação, um pecado proibido. Como está escrito na Lei: “Não espalhe notícias falsas” (Êxodo 23:1). A eminência é comumente prejudicada pela difamação. Como o salmista disse: “Eles afiam a língua como espada e apontam, quais flechas, palavras amargas” (Salmos 64:3). A língua de um difamador dispara palavras para ferir a fama de outro e fazer com que ela sangre até a morte. Os santos de Deus em todas as eras depararam-se com homens implacáveis, que atribuíram a eles coisas das quais não eram culpados. Surius, o jesuíta,[2] relatou sobre Lutero que ele aprendeu sua teologia a partir do Diabo e que morreu bêbado; mas Melâncton,[3] que escreveu a biografia de Lutero, afirma que ele morreu de maneira piedosa e fez uma excelente oração antes de sua morte. Esta foi a queixa de Davi: “Falsas testemunhas se levantam e me interrogam sobre coisas que eu não sei” (Salmos 35:11). A palavra grega traduzida por “diabo” significa maldizente (1 Timóteo 3:11). A expressão grega traduzida por “não maldizentes” poderia ser traduzida literalmente como “não diabos”. Alguns pensam que não é algo grave difamar e caluniar outro, mas saiba que isso é agir como um diabo. Oh, quantas pessoas ímpias existem, que de fato se passam por cristãs, mas agem como o demônio ao espalhar mentiras e calúnias! As Escrituras chamam as pessoas más de “cães” (Salmos 22:16). Os caluniadores não são como os cães que lambiam as feridas de Lázaro para curá-las, mas são como os cães que comeram Jezabel. Eles rasgam e destroem os preciosos nomes das pessoas. O imperador Valentiniano[4] decretou que aquele que fosse flagrantemente condenado por esse crime de calúnia deveria receber a pena de morte. Em segundo lugar, não somos misericordiosos com os nomes das outras pessoas quando damos ouvidos a uma calúnia e depois a contamos a outras pessoas. Como está escrito em Levítico 19:16: “Não ande como mexeriqueiro no meio do seu povo”. Uma pessoa boa é aquela que “não difama com sua língua, não faz mal ao próximo, nem lança injúria contra o seu vizinho” (Salmos 15:3). Não devemos apenas evitar espalhar uma notícia falsa, mas também não devemos aceitá-la. Divulgar uma notícia antes de falarmos com a parte envolvida e conhecermos a verdade é uma falta de misericórdia e pecado. A mesma expressão no hebraico, “não espalhe notícias falsas”, implica em primeiramente não dar ouvidos a elas (Êxodo 23:1). Aquele que recebe algo roubado é tão ruim quando o ladrão. Nesse sentido, nenhum de nós deve receber mercadorias roubadas. Ou será que quando outros roubam o bom nome de seus irmãos, nós recebemos essas mercadorias roubadas? Não haveria tantas notícias falsas se não vissem que elas são saborosas ao paladar dos outros. Em terceiro lugar, agimos sem misericórdia para com os nomes das outras pessoas quando diminuímos seu valor e dignidade justos; quando exaltamos as suas fraquezas e menosprezamos suas virtudes. Como a Palavra nos ordena: “Não falem mal uns dos outros” (Tiago 4:11). Li uma história de alguém chamado Idor, que nunca foi ouvido falar mal de ninguém. Agostinho não suportava que alguém difamasse ou diminuísse a fama das outras pessoas, por isso escreveu estes dois versos em sua mesa: “Quem ama o nome alheio difamar, Nesta mesa não deve se assentar.” As pessoas más difamam seus próximos como um lenhador corta as árvores de um bosque. Elas cortam tudo o que é bom e não deixam nada senão aquilo que julgam que é desprezível. As pessoas sem misericórdia sabem como ferver um líquido até que metade dele evapore. Elas têm uma arte diabólica para diminuir o mérito dos outros, como alguém ferve uma quantidade de água até ela evaporar completamente e desaparecer. Embora algumas pessoas não tenham o poder de criar, contudo elas têm o poder de aniquilar e podem mais facilmente aniquilar o bem que há nos outros do que imitá-lo. Em quarto lugar, agimos sem misericórdia para com os nomes das outras pessoas quando sabemos que elas estão sendo caluniadas e não as defendemos. Às vezes, uma pessoa pode prejudicar outra tanto pelo silêncio quanto pela calúnia. Aquele que é misericordioso para com seu irmão é um advogado para pleitear em seu favor quando ele é difamado injustamente. Quando os apóstolos, cheios do vinho do Espírito, foram acusados de embriaguez, Pedro os defendeu abertamente (Atos2:15). Uma pessoa misericordiosa retirará a mosca morta do frasco de unguento (Eclesiastes 10:1). Em quinto lugar, agimos sem misericórdia para com os nomes das outras pessoas quando proferimos falso testemunho contra elas (Salmos 27:12). Êxodo 23:1 diz: “Não porás a tua mão com o ímpio, para seres testemunha falsa” (Êxodo 23:1, ACF). “Pôr a mão” é jurar falsamente, como quando alguém coloca a mão sobre o livro e jura uma mentira. Essa “testemunha falsa” é uma espada de dois gumes. Com um gume, a parte que jura falsamente fere o nome da outra pessoa e, com o outro gume, ela fere sua própria alma. Uma testemunha falsa é comparada a um martelo (Provérbios 25:18). Isso é verdade no sentido de que, após ficar obstinada em sua falta de pudor, ela não se envergonha de nada com relação a sua falta de misericórdia. Não há sensibilidade em um martelo, tampouco há misericórdia em uma testemunha falsa. É dessas maneiras que as pessoas agem sem misericórdia para com os nomes das outras. C. O Cuidado que Devemos Ter para com a Reputação das Outras Pessoas. Permita-me persuadir todos os cristãos, à medida que eles têm uma consciência piedosa, a serem misericordiosos para com os nomes das outras pessoas: Sejam muito vigilantes e cuidadosos para com a boa reputação dos outros. Considere que é um pecado difamar qualquer pessoa. Como está escrito: “Abandonem toda inveja, bem como todo tipo de maledicência” (Tito 3:2; 1 Pedro 2:1). A inveja e maledicência são colocadas juntas para que sejam “abandonadas”, como alguém que se livra de algo com indignação, como Paulo sacudiu a víbora (Atos 28:5). Considere também a injúria da difamação. Você, que tira a boa reputação de outra pessoa, a fere naquilo que é mais caro para ela. É melhor tirar a vida de uma pessoa do que sua boa reputação. Ao difamar seu nome, você a enterra viva. Esse é um dano irreparável, algo que permanecerá. Uma ferida no nome é como uma falha em um diamante, que nunca se apaga. Nenhum médico pode curar as feridas feitas por uma língua! Considere que Deus responsabilizará os difamadores. Se as pessoas que proferem palavras ociosas serão responsabilizadas, será que os insultos difamatórios também não o serão? Um dia Deus chamará as pessoas para prestarem contas tanto devidos aos nomes que difamaram quanto do sangue que derramaram. Que tudo isso sirva para nos fazer refletir e nos levar ao autoexame. Você se oporia a que alguém roubasse os bens de outra pessoa. O nome de uma pessoa vale mais do que os bens dela e quem tira a boa reputação de outro peca mais do que se tivesse roubados as mercadorias de sua loja! Considere, sobretudo, o mal que é difamar os nomes das pessoas piedosas. Deus colocou uma coroa de honra sobre a cabeça delas, será que você quer tirá-la? Como Deus disse para pessoas que haviam difamado seu servo: “Como, pois, vocês não tiveram medo de falar contra o meu servo, contra Moisés?” (Números 12:8). Difamar os santos não é menos do que difamar o próprio Deus, pois eles têm a imagem de Deus desenhada neles mesmos e são membros de Cristo. Oh, pense em quão terrível será a prestação de contas que Cristo exigirá daqueles que cometeram esse pecado! Segundo a antiga Lei, era pecado violar uma virgem, mas será que não é pecado caluniar a esposa de Cristo? Os nomes dos santos estão escritos no Céu, será que você deve apagá-los na Terra? Seja misericordioso para com os nomes das outras pessoas. 2.3. Devemos ser misericordiosos para com os bens das outras pessoas. Se uma pessoa é seu devedor e a providência a tem desfavorecido, a ponto de ela não ter os meios para lhe pagar, então não a esmague, mas releve um pouco do rigor da lei, pois, “bem-aventurados os misericordiosos”. Os ímpios são comparados a aves de rapina, que vivem de rapina e roubo. Eles não se importam com o mal que fazem. O salmista disse: A sua boca está cheia de maldição, enganos e opressão; debaixo da língua ele tem insulto e maldade. Põe-se de tocaia nas aldeias, trucida os inocentes nos lugares ocultos; seus olhos espreitam o desamparado. Ele se põe de emboscada, como o leão na sua caverna; está de emboscada para enlaçar o pobre: apanha-o e o arrasta com a sua rede (10:7-9). Não agimos com justiça, mas com crueldade, quando outras pessoas estão em dívida para conosco e agirmos como aquele credor sem coração que agarrou alguém que lhe devia pela garganta, dizendo: “Pague-me o que você me deve” (Mateus 18:28). Deus estabeleceu uma lei: “Não se tomarão em penhor as duas pedras de moinho, nem apenas a de cima, porque assim se acabaria penhorando a própria vida” (Deuteronômio 24:6). Se uma pessoa tivesse pegado dinheiro emprestado a outra, essa não poderia pegar ambas as pedras de moinho daquela como penhor, mas deveria demonstrar misericórdia e deixar algo para que a pessoa pudesse ganhar a vida. Devemos imitar a Deus nisso, a saber, que em meio à sua ira, ele se lembra da misericórdia. Deus não nos trata com todo o rigor da lei, mas quando não temos nada para pagar, se confessarmos a dívida, ele perdoa livremente (Provérbios 28:13; Mateus 18:27). Não estou dizendo que não é justo buscarmos o que é nosso, mas se os outros estão com dificuldades e pedem misericórdia, devemos, por consciência, perdoar pelo menos uma parte da dívida: “Bem-aventurados os misericordiosos”. 2.4. Devemos ser misericordiosos com as ofensas das outras pessoas. Esteja pronto para mostrar misericórdia àqueles que o prejudicaram. Assim fez Estêvão, o protomártir: “Então, ajoelhando-se, gritou bem alto: — Senhor, não os condenes por causa deste pecado! E, depois que ele disse isso, morreu” (Atos 7:60). Bernardo diz que quando Estêvão orava por si mesmo, ele estava em pé; mas quando chegou a orar por seus inimigos, ele se ajoelhou, para mostrar sua seriedade na oração e quão grandemente ele desejava que Deus os perdoasse. Essa é uma rara forma de misericórdia cuja “glória é perdoar as ofensas” (Provérbios 19:11). A misericórdia ao perdoar ofensas é tanto a evidência quanto a coroa do cristianismo. Cranmer[5] tinha uma disposição misericordiosa. Se alguém que o tivesse prejudicado viesse pedir um favor, ele faria tudo o que estivesse ao seu alcance por ele, a ponto de se tornar um provérbio: “Faça mal a Cranmer e ele será seu amigo enquanto viver”. “Vencer o mal com o bem” e responder à malícia com misericórdia é algo verdadeiramente heroico e torna a piedade gloriosa aos olhos de todos. 2.5. Devemos ser misericordiosos para com as necessidades das outras pessoas. Essa é principal coisa intencionada pelo texto. Uma pessoa boa não se contorce como uma cobra dentro de si mesma. Seu movimento é reto, não circular. Ela é sempre misericordiosa e empresta (Salmos 37:26). Essa caridade misericordiosa para com as necessidades dos outros se manifesta em três coisas. A. Uma consideração judiciosa. Como diz o salmista: “Bem-aventurado é aquele que ajuda os necessitados” (41:1). Quanto a isso, você deve considerar o seguinte: Considere que esse poderia ter sido o seu próprio caso. Vocês mesmos poderiam ter precisado da caridade de outra pessoa e então tais correntes de águas teriam sido bem- vindas e refrescantes para vocês! Considere quão triste é a condição da pobreza. Embora Crisóstomo chame a pobreza de o caminho para o Céu, a pessoa que percorre esse caminho irá andando e chorando. Considere os pobres; observe suas lágrimas, seus suspiros e seus gemidos moribundos. Olhe para as rugas profundas em seus rostos e considere se não há razão para que você semeie as sementes de sua misericórdia nessas rugas. Como alguém já disse sobre certos pobres: “Eles têm como manto um traje esfarrapado e como cama, uma pedra”. O salmista disse que há pessoas para quem Deus “para comer, deu pão de lágrimas e, para beber, pranto em abundância” (Salmos 80:5). Como Jacó, numa noite fria, eles têm as nuvens como dossel e uma pedra como travesseiro. Além disso, considere que muitas vezes a pobreza não é apenas uma cruz, mas uma armadilha. Ela expõe a muitos males e foi isso que fez Agur orar: “Não me dês nem a pobreza…” (Provérbios 30:8). A necessidade leva as pessoas a caminhos pecaminosos. Os pobres arriscarão suas almas por dinheiro, coisa que é semelhante a jogar diamantes ao mar. Se os ricos considerassem isso sabiamente, suas esmolas poderiam evitar muitos pecados. Considere por que o Deus sábio permitiu que houvesse desigualdade no mundo. Ele permitiu isso porque desejava que a misericórdia fosse exercida. Se todos fossem ricos, não haveria necessidade de esmolas, nem a pessoa misericordiosa poderia ser tão bem conhecida. Se o viajante que foi de Jerusalém a Jericó não tivesse sido ferido e deixado meio morto, o bom samaritano que derramou azeite e vinho em suas feridas não teria sido conhecido. Considere como rapidamente o equilíbrio da providência pode mudar. Nós mesmos podemos ser levados à pobreza e então não será um consolo pequeno para nós o fato de que ajudamos os outros enquanto tínhamos a capacidade de fazê-lo. Como disse o sábio: “Reparta com sete e até mesmo com oito, porque você não sabe que mal sobrevirá à terra” (Eclesiastes 11:2). Não podemos prometer a nós mesmos que sempre teremos dias tranquilos. Somente Deus sabe o quão rapidamente muitos de nós podem mudar de circunstâncias. A taça que agora transborda de vinho pode em breve estar cheia das águas de Mara, como aconteceu com Noemi, que disse: “Quando saí daqui, eu era plena, mas o Senhor me fez voltar vazia” (Rute 1:21). Quantas pessoas já não vimos que possuíam muito dinheiro, mas que de repente tiveram suas riquezas reduzidas a nada? Portanto, agiremos com sabedoria se considerarmos as necessidades dos outros. Lembre-se de como as circunstâncias podem mudar rapidamente. Podemos dar uma roupa para vestir os pobres e, se a adversidade chegar, não será um incômodo para nós pensar que, enquanto tínhamos uma boa condição financeira, usamos nossos recursos para ajudar os membros necessitados de Cristo. Essa é a primeira manifestação da misericórdia, uma consideração judiciosa. B. Uma simpatia terna. Como lemos em Isaías 58:10: “Se abrirem o seu coração aos famintos…”. A bondade começa na piedade. Cristo primeiramente “teve compaixão da multidão” e então realizou um milagre para alimentá-la (Mateus 15:32). A caridade que carece de compaixão é irracional. As criaturas irracionais podem nos ajudar de muitas maneiras, mas não podem ter compaixão de nós. Quintiliano[6] disse: “É uma espécie de crueldade alimentar uma pessoa necessitada e não ser compadecer dela”. A verdadeira religião gera ternura. Ela tanto derrete o coração em lágrimas de contrição para com Deus quando gera afeições de compaixão para com as outras pessoas. Como diz o profeta: “Por isso, o meu íntimo vibra por Moabe como se fosse harpa” (Isaías 16:11). Da mesma forma, quando nossos corações vibram de simpatia, então nossas esmolas fazem uma música agradável aos ouvidos de Deus. C. A misericórdia consiste em uma contribuição generosa. Está escrito em Deuteronômio 15:7-8: “Se houver algum pobre no meio dos seus irmãos, vocês devem abrir completamente a mão para ele”. A palavra hebraica traduzida por “distribuir” no Salmo 112:9 significa “uma grandeza de generosidade”, como as águas de um rio que sobem a ponto de transbordar as margens. Essa não é uma distribuição mesquinha. Se Deus enriqueceu as pessoas com recursos financeiros e, como diz Jó fez “brilhar sua lâmpada nas suas tendas” (Jó 18:6), então elas não devem cercar e monopolizar tudo para si mesmas, mas ser como a Lua que, tendo recebido sua luz do Sol, a deixa brilhar para o mundo. Os antigos faziam do azeite o emblema da caridade. O azeite dourado da misericórdia deve, como o azeite de Arão, escorrer sobre os pobres que são as bordas inferiores das suas vestes. Deus nos ordena e a graça nos obriga a fazermos essa distribuição liberal para suprir as necessidades e carências das outras pessoas. Deus ordena que distribuamos liberalmente para suprir as necessidades de outras pessoas. Há um estatuto na Lei que diz expressamente: “Se alguém do seu povo se tornar pobre e as suas mãos se enfraquecerem, então você tem o dever de sustentá-lo” (Levítico 25:35). A palavra hebraico traduzida aqui como “sustentá-lo” significa: dê-lhe uma muleta de prata quando ele estiver para cair. Vale a pena observarmos o grande cuidado que Deus tinha pelos pobres, além daquilo que lhes era dado em particular. Deus fez muitas leis para o alívio público e visível dos pobres. Como lemos em Êxodo 23:11: “Porém, no sétimo ano, deixe a terra descansar e não a cultive, para que os pobres do seu povo achem o que comer”. A intenção de Deus nessa lei era que os pobres fossem providos generosamente. Eles poderiam comer livremente de qualquer coisa que crescesse por si mesma neste sétimo ano, ou seja, da coleta de frutos, das videiras ou das oliveiras. Se perguntarem como os pobres poderiam viver apenas desses frutos (visto que é provável que não havia nenhum cultivo de grãos nesse período), a resposta de Caetano é que eles viviam com o dinheiro que obtinham a partir da venda desses frutos. Em Levítico 19:9 há outra lei para benefício dos pobres: “Quando você fizer a colheita da sua terra, não colha totalmente o canto do seu campo, nem volte para recolher as espigas caídas”. Veja como Deus foi misericordioso para com os pobres. Os cantos do campo não deveriam ser colhidos, mas deixados para os pobres e quando os proprietários fizessem sua colheita, eles não deveriam recolher as espigas caídas. A Vulgata Latina traduz assim: “Não cortem as espigas até os limites de seu campo”. Essas espigas deveriam ser deixadas para os pobres. Tostado [7] diz: “As espigas mais curtas e aquelas que se inclinavam para o chão deveriam ser reservadas para os pobres”. Há ainda outra lei que Deus fez para favorecer os pobres: Ao fim de cada três anos, tirem todos os dízimos do fruto do terceiro ano e os recolham nas cidades de vocês. Então virão os levitas porque não têm parte nem herança com vocês, os estrangeiros, os órfãos e as viúvas que moram nas cidades de vocês, e comerão e se fartarão, para que o Senhor, o seu Deus, os abençoe em todas as obras que vocês fizerem (Deuteronômio 14:28-29). Os hebreus afirmam que a cada três anos, além do primeiro dízimo dado a Levi, chamado de dízimo perpétuo (Números 18:21), os judeus separavam outro dízimo de sua colheita para ser usado para as viúvas e os órfãos, o que era chamado de “dízimo dos pobres”. Além disso, os pobres deveriam ser feitos participantes das coisas boas preparadas para as festas solenes dos judeus (Deuteronômio 16:11). Assim como a Lei ordenava o socorro aos necessitados, assim também isso permanece em vigor sob o Evangelho. Como lemos em 1 Timóteo 6:17-18: Exorte os ricos deste mundo a que não sejam orgulhosos, nem depositem a sua esperança na instabilidade da riqueza, mas em Deus, que tudo nos proporciona ricamente para o nosso prazer. Que eles façam o bem, sejam ricos em boas obras, generosos em dar e prontos a repartir. Esse não é apenas um conselho, mas um mandamento, e a falta de atenção a ele leva as pessoas a prejudicarem o Evangelho. Assim, vemos qual é a vontade de Deus quanto a esse aspecto da caridade. Que todos os bons cristãos implementem isso em sua prática. De que adianta o ouro, se ele estiver enterrado na mina? E de que serve ter muito dinheiro, se ele nunca for usado? Assim como Deus ordena, assim também a graça nos impele para obras de misericórdia e beneficência. Como disse o apóstolo: “O amor de Cristo nos constrange” (2 Coríntios 5:14, ACF). A graça vem com majestade sobre o coração e não levará a alma a cair no sono, mas se manifestará em atos vigorosos e gloriosos. Como acontece com o fogo, a graça não pode ser escondida. Como o vinho novo, ela buscará uma saída. A graça não permanece no coração como uma pedra no solo, mas como uma semente na terra. Ela brotará em forma de boas obras. A Igreja de Roma lança sobre nós a acusação de que somos contra as boas obras. Na verdade, nós não alegamos o mérito das boas obras, mas somos a favor da utilidade delas, como a Escritura nos exorta: “Aprendam também a se empenhar na prática de boas obras” (Tito 3:14). Pregamos que as boas obras são necessárias e exigidas pelo preceito, bem como que são necessárias para o bem geral das pessoas. Lemos que os anjos tinham asas e mãos sob suas asas (Ezequiel 1:8). Isso serve para ilustrar a verdade do que estamos falando. Os cristãos não devem apenas ter as asas da fé para voar, mas devem ter mãos sob suas asas para realizar as obras de misericórdia. Está escrito em Tito 3:8: “Fiel é esta palavra, e quero que você fale ousadamente a respeito dessas coisas, para que os que creem em Deus se empenhem na prática de boas obras” (Tito 3:8). A lâmpada da fé deve ser cheia com o óleo da caridade. A fé sozinha justifica, mas a fé que justifica não está sozinha. Você pode tão bem separar o peso do chumbo ou o calor do fogo quanto separar as boas obras da fé. Embora as boas obras não sejam as causas da salvação, elas são as evidências dela. Apesar de não serem o alicerce, as boas obras são a superestrutura. A fé não deve ser construída sobre obras, mas as obras devem ser construídas sobre a fé. Como está escrito: “Fomos casados com Cristo, a fim de que frutifiquemos para Deus” (Romanos 7:4). A fé é a graça que se casa com Cristo e as boas obras são os filhos que a fé gera. Para a defesa da doutrina de nossa igreja e em honra às boas obras, estabelecerei quatro afirmações: a. As obras são distintas da fé. É vão imaginar que as obras estão incluídas na fé, como o diamante está envolto no anel. Não! Elas são distintas, assim como a seiva na videira é diferente dos cachos de uvas que crescem nela. b. As obras são a evidência da fé. Como diz Tiago: “Mostre-me essa sua fé sem as obras” (Tiago 2:18). Obras são as credenciais que mostram a fé. Bernardo diz: “Se você vê uma pessoa cheia de boas obras, então, pela regra da caridade, você não deve duvidar da fé dela”. Julgamos a saúde do corpo pela sua pulsação. Ó cristão, julgue a saúde de sua fé pela pulsação da misericórdia e da caridade. Acontece com a fé o mesmo que ocorre com um documento legal: para tornar um documento válido, são necessárias três coisas: a escrita, a assinatura e as testemunhas. Da mesma forma, para o teste e confirmação da fé, devem haver estas três coisas: a escrita, a Palavra de Deus; a assinatura, o Espírito de Deus; e as testemunhas, as boas obras. Submeta sua fé a esse teste da Escritura. A fé justifica as obras e as obras testificam da fé. c. As obras honram a fé. Esses frutos adornam as “árvores da justiça”. Clemente de Alexandria[8] disse: “Que a liberalidade de sua mão seja o ornamento de sua fé e que você a use como uma pulseira santa”. O misericordioso Jó declarou: “Eu era os olhos do cego e os pés do aleijado” (Jó 29:14-15). O fato de Jó ser o benfeitor e defensor dos pobres era o estandarte de sua honra e algo que lhe concedia uma coroa e vestes reais. Quando as pessoas veem as nossas boas obras como empregadas servindo a essa rainha, a fé, isso é algo que, por um lado, evita que elas odeiem e caluniem a piedade e, por outro, as leva a falar bem dela. d. Existem dois aspectos em que as boas obras são mais excelentes do que a fé. Porque elas possuem uma natureza difusiva mais nobre. Embora a fé seja mais necessária para nós, as boas obras são mais benéficas para as outras pessoas. A fé é uma graça receptiva. Ela é toda voltada para o interesse próprio. Ela se move dentro de sua própria esfera. As obras são para o bem das outras pessoas e é bem mais bem- aventurado dar do que receber. As boas obras são mais visíveis e evidentes do que a fé. A fé é uma graça mais oculta. Ela pode ficar escondida no coração e não ser vista, mas quando as obras estão unidas a ela, então a fé passa a brilhar em sua beleza natural. Embora um jardim esteja cheio de flores, elas não são vistas até que a luz apareça. Da mesma forma, o coração de um cristão pode estar enriquecido com a fé e ela não poder ser vista assim como não podemos ver as flores à noite. A fé não pode ser vista até que as obras venham. Quando essa luz brilha diante das pessoas, então a fé pode ser vista em suas cores originais. Se a característica de uma pessoa piedosa é ter uma disposição misericordiosa, então isso repreende severamente aquelas pessoas que estão longe desse temperamento. Seus corações são como as escamas do Leviatã, “fechado como por um selo apertado” (Jó 41:15, KJF). Elas se movem apenas dentro de seu próprio círculo, mas não auxiliam os outros quanto às suas necessidades; e possuem uma condição próspera, mas uma mão ressequida e não podem estendê-la para praticar boas ações. Tais pessoas usam tudo o que têm para si mesmas, não para Cristo; elas são semelhantes ao avarento Nabal, que disse: “Vocês acham que eu vou pegar o meu pão, a minha água e a carne dos animais que abati para os meus tosquiadores e dar a homens que eu não sei de onde vêm?” (1 Samuel 25:11). Diziam a respeito do imperador Pertinax[9] que ele tinha um grande império, mas um coração pequeno e mesquinho. Havia um templo em Atenas chamado de o Templo da Misericórdia. Ele era dedicado a fins de caridade, e era uma grande afronta quando alguém era repreendido por nunca ter estado no Templo da Misericórdia. É uma grande vergonha para um cristão ser desprovido de misericórdia. Enquanto enriquecem a si mesmo, os avarentos se degradam, pois estabelecem um monopólio para si mesmos e cometem idolatria com Mamom. Em um tempo de peste, é triste ter suas casas fechadas, mas é pior ter seus corações fechados. Como é algo miserável ter um mar de pecado e não ter uma gota de misericórdia! Corações avarentos são como o Leviatã, “firme como a pedra” (Jó 41:24). Seria mais fácil extrair azeite de uma pedra do que o precioso azeite da caridade de seus corações de pedra. Dizem que a frieza do coração é um presságio da morte. Quando as afeições das pessoas pelas obras de misericórdia estão congeladas, essa frieza é um presságio sinistro e indica tristemente que elas estão mortas no pecado! Na lei, lemos que o marisco era considerado imundo. Isso provavelmente se deve ao fato de sua carne estar fechada na casca e ser difícil de alcançar. Aqueles que deixam todas as suas riquezas trancadas dentro de seus próprios cofres e não permitem que outras pessoas se beneficiem delas, devem ser considerados como impuros. Quantas pessoas prejudicaram a si mesmas por serem tão egoístas! Existem algumas pessoas que talvez cheguem a dar boas palavras aos pobres, mas não darão nada além disso. O apóstolo questiona: “Se um irmão ou uma irmã estiverem com falta de roupa e necessitando do alimento diário, e um de vocês lhes disser: ‘Vão em paz! Tratem de se aquecer e de se alimentar bem’, mas não lhes dão o necessário para o corpo, qual é o proveito disso?” (Tiago 2:15-16). Boas palavras consistem apenas em uma forma fria de caridade. Os pobres não podem viver apenas desses sons. Mesmo que suas palavras sejam suaves como o azeite, elas não curarão os feridos e mesmo que suas palavras sejam como favos de mel, elas não alimentarão os famintos. Em 1 Coríntios 13:1, lemos: “Ainda que eu fale as línguas das pessoas e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine”. É melhor ser amoroso como um santo do que eloquente como um anjo. Permitam-me dizer que aqueles que são cruéis para com os pobres são anticristãos! A falta de misericórdia é o pecado dos pagãos (Romanos 1:31). Quando vocês renunciam às afeições de misericórdia, estão renunciando também a um distintivo do cristianismo. Ambrósio disse que quando não socorremos aquelas pessoas que vemos que estão prestes a perecer de fome, somos culpados das mortes delas. Se essa regra for verdadeira, há mais culpados pela quebra do Sexto Mandamento do que imaginamos. Tiago nos fala palavras tristes: “Porque o juízo é sem misericórdia sobre quem não usou de misericórdia” (Tiago 2:13). Como tais pessoas esperam encontrar a misericórdia de Cristo, se nunca mostraram misericórdia a Cristo através de seus membros? O Rico negou uma migalha de pão a Lázaro e foi negado a ele até mesmo uma gota de água. Vejam a acusação que será feita aos pecadores no último dia: “Porque tive fome, e vocês não me deram de comer; tive sede, e vocês não me deram de beber; sendo forasteiro, vocês não me hospedaram; estando nu, vocês não me vestiram; achando-me enfermo e preso, vocês não foram me ver” (Mateus 25:42-43). Cristo não diz: “Vocês roubaram minha comida”, mas sim “vocês não me deram de comer”, não deram de comer aos meus membros. Foi para esses mesmos pecadores que Cristo disse: “Afastem-se de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos” (Mateus 25:41). Quando os pobres de Cristo vierem às suas portas e vocês os mandarem embora, pode chegar o momento em que vocês baterão à porta do Céu e Cristo dirá: “Afastem-se de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos”. Em resumo, a avareza é um pecado tolo. Deus chamou o homem rico no Evangelho de “insensato!” (Lucas 12:20). O avarento não desfruta do que possui, mas apenas torna a sua própria vida amarga. Ele só se preocupa em como obter mais, aumentar ou assegurar seu patrimônio financeiro. E qual é o resultado disso? Muitas vezes, como recompensa justa da sua avareza mesquinha, Deus o maldiz e o faz murchar em sua condição externa. As palavras de Gregório de Nazianzo devem ser consideradas seriamente: “Deus muitas vezes deixa o ladrão roubar e a traça consumir aquilo que é impiedosamente retido dos pobres”. Antes de encerrar esse assunto, deixe-me dize que lamento que algumas pessoas que se dizem cristãs sejam acusadas de serem culpadas desse pecado de avareza e falta de misericórdia. Tenho certeza de que os eleitos de Deus estão revestidos de “profunda compaixão” (Colossenses 3:12). Digo-lhes que as pessoas que declaram ser devotas, mas são avarentas são, na verdade, a vergonha do cristianismo. Elas são manchas na face da religião verdadeira. Dizem que na Índia há uma criatura com quatro patas, asas e um bico de águia. É difícil decidir se ela deve ser classificada entre os animais ou as aves. Posso dizer o mesmo a respeito daquelas pessoas avarentas que se dizem cristãs: elas têm as asas da profissão de fé, com as quais parecem voar para o Céu, mas possuem os pés de animais, com os quais caminham pela terra e até mesmo lambem o pó! É difícil decidir se devemos classificá-las entre os piedosos ou entre os ímpios. Oh, tenham cuidado para que, visto que a religião de vocês não é capaz de destruir sua avareza, finalmente sua avareza venha a destruir sua religião! Existe um conto sobre um ouriço que veio até as tocas dos coelhos durante um clima tempestuoso e pediu abrigo, prometendo ser um hóspede amigável, porém, uma vez que foi recebido, eriçou seus espinhos e nunca saiu dali até ter expulsado os pobres coelhos de suas tocas. Da mesma forma, embora a avareza tenha muitos argumentos justos para se recomendar e se estabelecer no coração, assim que você a deixa entrar, os espinhos dela nunca deixarão de ferir até sufocar todos os bons princípios e expulsar toda a piedade de seus corações. 3. Uma exortação à profunda compaixão. Prosseguirei agora com a exortação e insistirei com todos os cristãos a se “revestirem de profunda compaixão” (Colossenses 3:12). Estejam prontos para aliviar as misérias e necessidades das outras pessoas. Ambrósio chama a caridade de “a suma do cristianismo” e o apóstolo a define como a própria essência da verdadeira religião: “A religião pura e sem mácula para com o nosso Deus e Pai é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições” (Tiago 1:27). A palavra hebraica traduzida por “pobre” significa “alguém vazio” ou “esvaziado”. Assim, os pobres são carentes de sua força, beleza e bens, como um lago que se seca. Portanto, que eles sejam preenchidos novamente com os fluxos de prata da caridade. Os pobres estão como que na sepultura; o consolo de sua vida está enterrado. Oh, cristãos, ajudem com suas mãos misericordiosas a tirá-los do sepulcro! Assim como Deus “faz rebentar fontes no vale” (Salmos 104:10), assim também permitam que as fontes de sua generosidade fluam entre os vales da pobreza. Suas preocupações mais ternas e graciosas devem ser dirigidas aos necessitados. De que adiante uma aparência de devoção sem que haja generosidade e misericórdia? Basílio disse: “Eu conheci muitas pessoas que oram e jejuam, mas não ajudam aqueles que estão em angústia. Elas são zelosas em uma devoção que não lhes custa nada. Qual benefício elas recebem a partir de todas as suas virtudes aparentes?”. Lemos que o incenso deveria ser colocado sobre o fogo (Levítico 16:13). A chama da devoção deve ser perfumada com o incenso da caridade. Arão deveria ter campainhas romãs em suas vestes. As romãs, como alguns dos eruditos observam, era um símbolo de boas obras. Gregório de Nazianzo diz que “faltam as romãs àqueles que não têm boas obras”. Os sábios não apenas dobraram os joelhos diante de Cristo, mas lhe apresentaram ouro, mirra e incenso (Mateus 2:11). As meras pretensões de zelo são insuficientes. Não devemos apenas adorar a Cristo, mas dar algo aos seus membros. Isso é presentear a Cristo com ouro e incenso. Isaque não abençoaria Jacó apenas por ouvir sua voz, mas ele quis sentir suas mãos e, ao supor que eram as mãos de Esaú, então o abençoou. Deus não abençoará as pessoas por sua voz, por suas orações altas ou por seus discursos piedosos, mas sim se ele sentir as mãos de Esaú, ou seja, se suas mãos tiverem realizado boas obras, então Deus os abençoará. Permitam-me, portanto, exortá-los a atos de misericórdia. Deixem que seus dedos gotejem com a mirra da liberalidade. Semeiem suas sementes de ouro. Lembrem- se da excelente declaração de Agostinho: “Dê aos pobres aquelas coisas que você não pode reter para que você receba aquelas coisas que não pode perder”. Há muitas ocasiões para exercitar sua misericórdia. Ouçam o choro dos órfãos e tenham compaixão das lágrimas das viúvas. Alguns precisam de emprego. Seria bom colocar o corpo deles em movimento. Outros são velhos ou doentes demais para trabalhar, então sejam como olhos para os cegos e pés para os coxos. Em alguns casos, famílias inteiras estão prestes parecer, se alguma mão misericordiosa não ajudar a sustentá-las! 4. Objeções à misericórdia. Antes de apresentar argumentos em favor da liberalidade e da generosidade, existem três objeções que tentarei responder: Objeção 1: Podemos doar para outras pessoas e com o passar do tempo nós mesmos chegarmos a nos encontrar em uma situação de necessidade. Deixemos que Basílio responda a essa objeção: “Quando tiramos as águas de um poço, outras águas brotam de maneira cada vez mais abundante”. Como diz Provérbios 11:25: “A pessoa generosa prosperará”. Não perdemos nada ao socorrer os necessitados. Um patrimônio pode ser compartilhado sem ser diminuído. As flores produzem mel para a abelha sem prejudicar seus próprios frutos. Quando a vela da prosperidade brilha sobre nós, podemos iluminar nossos próximos que estão na escuridão, sem perder a nossa própria luz. Tudo o que é distribuído para fins piedosos, Deus o traz de volta de alguma outra forma; assim como os pães se multiplicaram ao serem partidos ou como o azeite da viúva aumentou ao ser derramado (1 Reis 17:10). Objeção 2: Eu não posso fazer tantas coisas como outras pessoas podem: construir igrejas, erguer hospitais, aumentar bibliotecas e manter estudantes da universidade. Se vocês não podem fazer muitas coisas, façam alguma coisa. Que haja muita boa vontade, mesmo que não haja muita riqueza para leva-la à execução. Deus aceitou as duas moedas que a viúva lançou no tesouro (Lucas 21:14). Como Crisóstomo observa, Deus não olhou para o pequeno valor de sua oferta, mas para a grandeza de seu coração. Segundo a Lei, aquele que não podia trazer um cordeiro como oferta, poderia trazer duas rolinhas. Lemos que o povo trouxe “ouro, prata e pelos de cabra” para a construção do tabernáculo (Êxodo 35:22-24), sobre isso Orígenes[10] diz: “Eu desejo, Senhor, trazer algo para a construção de teu templo, se não tiver ouro para fazer o propiciatório, se não tiver seda para fazer as cortinas, que eu possa trazer pelos menos um pouco de pelo de cabra, para que eu não seja contado entre aqueles que não trouxeram nada para o teu templo”. Objeção 3: Mas eu não tenho nada para dar a fim de suprir as necessidades das outras pessoas. Você tem algo para satisfazer seus desejos? Você tem dinheiro para alimentar seu orgulho e seu epicurismo?[11] Então será mesmo que você não tem nada para aliviar os membros de Cristo que são pobres? Mesmo que essa desculpa seja válida, que você não tenha tais condições; contudo, você pode fazer algo através do qual venha a expressar sua misericórdia aos pobres. Você pode simpatizar com eles, orar por eles e falar uma palavra de consolo para eles. Como lemos em Isaías 40:2: “Falem ao coração de Jerusalém”. Ainda que você não possa dar ouro, você pode falar uma palavra oportuna que pode vir a ser como “maçãs de ouro em bandejas de prata” (Provérbios 25:11). Além disso, você pode ajudar os pobres incentivando outros que têm melhores condições de ajudá-los. Isso é como o vento, se uma pessoa está com fome, o vento não a alimentará, mas pode soprar as velas do moinho e fazê-lo moer grãos que serão usados para alimentá-la. Assim, embora você não tenha recursos para ajudar quem está necessitado, não obstante, você pode incentivar outros a ajudá-los. Você pode soprar as velas da compaixão deles e levá-los a mostrar misericórdia e, assim, você pode ajudar seu irmão por procuração. 5. Exortação à misericórdia. Após responder a essas objeções, deixe-me agora prosseguir exortando vocês a serem misericordiosos. Eu apresentarei vários argumentos que desejo que sejam pesados na balança da razão e da consciência. 5.1. Ser generosamente bondoso é o grande fim de nossa criação. Como diz Efésios 2:10, somos “criados em Cristo Jesus para boas obras”. Cada criatura atende ao objetivo de sua criação. A estrela brilha, o pássaro canta e a planta dá frutos. O objetivo da vida é o serviço. Aquele que não atende ao seu objetivo em termos de utilidade, não pode desfrutar de seu objetivo em termos de felicidade. Muitas pessoas estiveram por muito tempo no mundo, mas não viveram. Não fizeram o bem, mas “ocuparam a terra inutilmente” (Lucas 13:7). Uma pessoa inútil não serve para nada além de “ocupar espaço” e porque ela é estéril no que diz respeito a figos, ela será frutífera no que diz respeito a atrair maldições sobre si mesmas (Hebreus 6:8). 5.2. Pela misericórdia, nos assemelhamos a Deus, que é um Deus de misericórdia. Está escrito que ele “tem prazer na misericórdia” e que “as suas misericórdias permeiam todas as suas obras” (Miquéias 7:18; Salmos 145:9). Ele retribui o bem pelo mal, assim como as nuvens que recebem vapores ruins da Terra, mas os devolvem em forma de chuvas agradáveis. Não há uma criatura que viva e não prove das misericórdias de Deus. Cada pássaro entoa hinos de louvor a Deus por sua generosidade, porém homens e anjos, de maneira muito particular, experimentam a quintessência das misericórdias de Deus. Que misericórdias temporais vocês receberam! Cada vez que respiram, vocês absorvem a misericórdia divina. Vocês receberam cada pão que já comeram a partir das mãos da misericórdia. Todas as vezes que beberam, vocês estavam usando o cálice de ouro da misericórdia. Com quão grandes misericórdias espirituais Deus enriqueceu alguns de vocês: misericórdia perdoadora, adotiva e salvífica! A descrição da misericórdia de Deus jamais pode ser completamente expressa. Vocês não podem abranger a largura de sua misericórdia, pois ela é infinita; e nem a altura dela, pois “se eleva acima dos céus” (Salmos 108:4), nem o comprimento dela, pois é “de eternidade a eternidade” (Salmos 103:17). As obras de misericórdia são a glória da Divindade. Moisés orou: “Peço que me mostres a tua glória” (Êxodo 33:18). E Deus respondeu: “Farei passar toda a minha bondade diante de você” (v. 19). Deus se considera mais glorioso quando vestido nos mantos resplandecentes de sua misericórdia. Ora, por meio de obras de misericórdia, assemelhamo-nos ao Deus misericordioso. Somos instruídos a agir de acordo com este exemplo: “Sejam misericordiosos, como também é misericordioso o Pai de vocês” (Lucas 6:36). 5.3. As esmolas são um sacrifício a Deus. Em Hebreus 13:16, lemos: “Não se esqueçam da prática do bem e da mútua cooperação, pois de tais sacrifícios Deus se agrada”. Quando você distribui aos pobres, é como se você estivesse orando e adorando a Deus. Existem dois tipos de sacrifícios: o sacrifício expiatório — o sacrifício do sangue de Cristo; e o sacrifício de ação de graças — o sacrifício das esmolas. O piedoso Greenham[12] diz que este sacrifício é mais aceitável a Deus do que qualquer outro. O anjo disse a Cornélio: “As suas orações e as suas esmolas subiram para memória diante de Deus” (Atos 10:4). As costas dos pobres são o altar sobre o qual esse sacrifício deve ser oferecido. 5.4. Nós mesmos vivemos de esmolas. Outras criaturas contribuem generosamente para nossas necessidades. O Sol não reserva sua luz para si mesmo, mas para nós; ele nos enriquece com seus raios dourados. A Terra nos proporciona uma colheita frutífera e para mostrar o como ela se alegra como uma mãe ao dar à luz, o salmista diz: “Os campos se cobrem de rebanhos, e os vales se enchem de espigas; exultam de alegria e cantam” (Salmos 65:13). Uma criatura nos dá lã, outra nos dá azeite e outra nos dá seda. Estamos felizes em pedirmos o que precisamos à criação. Cada criatura serve para o bem das pessoas e será que as outras pessoas não deveriam servir para o bem umas das outras? Que coisa absurda e irracional seria isso! 5.5. Devemos estender nossa liberalidade em virtude de pertencermos a uma comunidade. Como Deus diz em Isaías 58:7: “Será que não é também que vocês repartam o seu pão com os famintos, recolham em casa os pobres desabrigados, vistam os que encontrarem nus e não voltem as costas ao seu semelhante?”. Os pobres são “do mesmo barro” que nós (Romanos 9:21). Os membros, segundo uma lei de equidade e simpatia, contribuem uns para os outros. O olho transmite luz ao corpo, o coração bombeia o sangue e a cabeça, pensa. O membro que não contribui com o corpo está morto. Assim acontece no corpo de Cristo, a igreja. Que ninguém pense que é demasiado pobre demais para cuidar das necessidades de outras pessoas. A mão que não serve para retirar um espinho do pé deve ser cortada. É dito em honra da renomada princesa, a Imperatriz de Teodósio, o Grande, [13] que ela mesma visitava os doentes e preparava ajuda para eles com suas próprias mãos imperiais. 5.6. Não somos senhores de nossos bens, mas sim mordomos. Brevemente podemos ouvir estas palavras: “Preste contas da sua mordomia, porque você não pode mais ser o meu mordomo” (Lucas 16:2). Uma posse é um talento com o qual você deve negociar. É tão perigoso esconder nossos talentos quanto enterrá-los (Mateus 25:25, 30). Se o avarento mantiver seu ouro por muito tempo, ele começará a enferrujar, e essa ferrugem testemunhará contra ele (Tiago 5:3). 5.7. Exemplos de pessoas que foram famosas por atos de misericórdia e generosidade. Nosso Senhor Jesus Cristo é um grande exemplo de caridade. Ele não estava apenas cheio de mérito, mas também de misericórdia. Trajano, o Imperador,[14] rasgou um pedaço de sua própria túnica para cobrir as feridas de seus soldados. Mas Cristo fez mais que isso. Ele rasgou sua carne e fez um remédio de seu corpo e de sangue para nos curar: “Pelas suas feridas fomos sarados” (Isaías 53:5). Aqui está um padrão de amor sem paralelo. Os judeus são conhecidos nesse aspecto. Fílon,[15] observou que os judeus devotos distribuem uma décima parte de seus bens aos pobres e fazem isso da maneira generosa como se, ao fazerem isso, esperassem receber alguma grande gratificação. Ora, se os judeus são tão devotados às obras de misericórdia, embora vivam sem o Messias, será que nós que professamos nossa fé no bendito Messias não devemos muito mais professar essa fé! Deixe-me falar sobre alguns pagãos. Li sobre Tito Vespasiano,[16] ele estava tão habituado a praticar obras de misericórdia que, ao lembrar que não tinha feito nenhuma doação em um certo dia, ele exclamou: “Desperdicei um dia”. Eu ouvi sobre alguns muçulmanos que têm servos que empregam especialmente para descobrir as pessoas pobres que vivem perto deles e então enviam ajuda a elas. Além disso, os muçulmanos têm um ditado em seu Alcorão que diz que se as pessoas soubessem quão abençoado é distribuir esmolas, elas dariam parte de sua própria carne para socorrer os pobres. Será que a fé de um cristão não deve ser melhor do que o Alcorão de um muçulmano? Que todas essas coisas sirvam para nos persuadir a praticar obras de misericórdia. Acredite em mim, é uma ação digna de um rei levantar aquelas pessoas que estão caídas. Quando vermos pobres e necessitados, como Moisés, sendo colocados em uma arca de juncos, chorando e prestes a afundar nas águas da aflição, que possamos ser salvadores temporais para eles e os tirarmos das águas com uma corda de ouro. Que os seios de sua misericórdia amamentem os pobres e que seus remédios espirituais os revigorem. Que outros vejam as roupas que você fez para os pobres (Atos 9:39). 5.8. O pecado da falta de misericórdia. O homem sem misericórdia é uma pessoa ingrata, e o que pode ser pior do que isso? Quanto a você, a quem o Senhor deu muitos bens e um cálice que transborda, mas mesmo assim possui um coração avarento, não doa nada para causas boas e ainda considera uma morte socorrer as pessoas que estão prestes a perecer, saiba que você é ingrato no mais alto grau, você sequer é adequado para viver em uma sociedade humana. A Escritura cita estas duas características juntamente: “Sem afeição natural e sem misericórdia” (2 Timóteo 3:2-3). Deus pode se arrepender de ter concedido bens a pessoas como essas e pode dizer a elas como diz em Oséias 2:9: “Portanto, farei com que, no devido tempo, ela devolva o meu trigo e o meu vinho. Tirarei dela a minha lã e o meu linho, que deviam cobrir a sua nudez” (Oséias 2:9). As pessoas que estão sem misericórdia também carecem do amor de Deus. Elas ficariam muito zangadas se outras pessoas questionassem seu amor, mas será que amam a Cristo aquelas pessoas que deixam os membros de Cristo passarem fome? Não! Tais pessoas amam mais seu dinheiro do que a Cristo e caem sob o temível “anátema” de 1 Coríntios 16:22: “Se alguém não ama o Senhor, seja anátema”. 5.9. Por fim, usarei apenas mais um argumento para persuadir as pessoas às obras de misericórdia, a saber, a recompensa que serão recebidas por quem dá esmolas. Dar esmolas é uma obra gloriosa e posso garantir que não é uma obra infrutífera. Tudo o que é distribuído aos irmãos pobres é dado a Cristo, como lemos em Mateus 25:40: “Em verdade lhes digo que, sempre que o fizeram a um destes meus pequeninos irmãos, foi a mim que o fizeram”. A mão do pobre é a tesouraria de Cristo e nada que é colocado ali é perdido, como alguém já disse: “Tudo o que você der ao estender a sua mão na Terra é como se fosse dado no céu”. O nosso texto diz: “Os misericordiosos alcançarão misericórdia”. No original em grego, essa expressão pode ser traduzida literalmente como “eles serão misericordiados”. Do que mais precisamos, não é de misericórdia para que sejamos perdoados e salvos? O que mais desejamos em nosso leito de morte, não é de misericórdia? Você, que mostra misericórdia, alcançará misericórdia. Você, que derrama o azeite da compaixão sobre outras pessoas, Deus derramará o óleo dourado da salvação sobre você (Mateus 7:2). A mulher sunamita mostrou misericórdia ao profeta e recebeu bondade da parte dele de outra maneira (2 Reis 4:8-37). Ela acolheu o profeta em sua casa e ele devolveu a vida ao filho dela que havia morrido. Aqueles que semeiam misericórdia colherão a mesma coisa, “eles alcançarão misericórdia”. Tal é a amabilidade e a misericórdia da natureza de Deus, que ele não permitirá que nenhuma pessoa sofra uma perda por exercer misericórdia. Nenhum favor mostrado a ele será desconsiderado ou deixará de ser recompensado. Deus não ficará em dívida com nenhuma pessoa. Como recompensa de um copo de água fria dado por alguém, Deus o recompensará com um gole do sangue quente de Cristo para refrescar sua alma, como diz Hebreus 6:10: “Porque Deus não é injusto para se esquecer do trabalho que vocês fizeram e do amor que mostraram para com o seu nome, pois vocês serviram e ainda estão servindo aos santos”. A misericórdia de Deus é terna, pura e rica. A misericórdia seguirá e alcançará a pessoa misericordiosa. Ela será recompensada nesta vida e na vida futura. A. A pessoa misericordiosa será recompensada nesta vida. Ela será abençoada em sua pessoa: “Bem-aventurado é aquele que ajuda os necessitados” (Salmos 41:1). Para onde quer que vá, uma bênção a acompanha. Tal pessoa desfruta do favor de Deus e ele lança um olhar sorridente sobre ela. Ela será abençoada em seu nome. Seu nome “será tido em memória eterna” (Salmos 112:6). Quando o nome do avarento apodrecer, o nome da pessoa misericordiosa será embalsamado com honra e exalará seu perfume como o vinho do Líbano. Ela será abençoada seus bens. “Ela prosperará em todas as coisas” e “a pessoa generosa prosperará” (Provérbios 11:25). Ela terá a gordura da terra e o orvalho do céu; e não terá apenas a comida, mas a bênção de Deus. Ela será abençoada em sua descendência. Como diz o salmista a respeito de tal pessoa: “Ela é sempre compassiva e empresta, e a sua descendência será uma bênção” (Salmos 37:26). Ela não deixará apenas uma propriedade, mas uma bênção para seus filhos, e Deus garantirá que o direito dessa bênção não seja perdido. Ela é abençoada em suas negociações: “Por isso, o Senhor, seu Deus, os abençoará em todas as suas obras e em tudo o que vocês empreenderem” (Deuteronômio 15:10). A pessoa misericordiosa será abençoada em suas construções, plantios e viagens. No que quer que ela esteja envolvida, uma bênção será derramada sobre ela. Como já foi dito: “Onde quer que ela pise, haverá uma rosa”. Ela será uma pessoa próspera. O favo de mel das bênçãos estará continuamente sendo derramado sobre ela. Ela será abençoada com uma longa vida: “O Senhor o protege, preserva-lhe a vida” (Salmos 41:2). Ela ajudou a manter outros vivos e Deus a manterá viva. Então, será que perderemos por sermos misericordiosos? Não, pois a misericórdia estica o fio prateado da vida. Muitos são levados mais cedo por sua falta de misericórdia. Porque seus corações são estreitos, suas vidas são encurtadas. Ela é recompensada na vida vindoura. Aristóteles[17] associa esses dois elementos: liberalidade e utilidade. Deus recompensará a pessoa misericordiosa no futuro, embora não por suas obras, mas segundo as suas obras, como lemos em Apocalipse 20:12: “Vi também os mortos, os grandes e os pequenos, que estavam em pé diante do trono. Então foram abertos livros. Ainda outro livro, o Livro da Vida, foi aberto. E os mortos foram julgados, segundo as suas obras, conforme o que estava escrito nos livros”. Assim como Deus tem um odre para colocar nossas lágrimas, assim também ele tem um livro para registrar nossas esmolas. Assim como Deus colocará um véu sobre os pecados de seu povo, assim também ele, por sua livre graça, colocará uma coroa sobre suas obras! A melhor forma de acumular é distribuir. Outras partes de nossa propriedade são deixadas para trás (Eclesiastes 2:18), mas aquilo que é dado aos pobres de Cristo é acumulado no Céu. Essa é uma forma abençoada de dar, a qual, embora torne a bolsa mais leve, torna a coroa mais pesada. Vocês que têm inclinação para a misericórdia, lembrem-se do seguinte a respeito de que qualquer esmola que distribuam: Vocês terão uma boa garantia. Como está escrito: “Quem dá aos pobres empresta ao Senhor, e este lhe retribuirá o seu benefício” (Eclesiastes 11:1; Lucas 6:38; Provérbios 19:17). Essa é a garantia de Deus. No entanto, a nossa incredulidade consiste no fato de que nós não aceitamos a fiança de Deus. Você será abundantemente recompensado. Por uma moeda de ouro que você tenha distribuído, você receberá um peso de glória. Por um copo de água fria, você terá rios de prazer, que correm à direita de Deus para todo o sempre. Os juros serão muito maiores do que o montante principal. Plínio[18] escreve sobre um país na África onde as pessoas, para cada alqueire de semente que semeiam, recebem uma colheita de cento e cinquenta vezes. Por cada centavo que você deposita no tesouro de Cristo, você receberá mais de mil vezes. Sua colheita futura de glória será tão grande que, embora continue colhendo, você jamais será capaz de reunir toda a colheita. Que tudo isso convença as pessoas ricas a honrarem o Senhor com seus recursos financeiros. 6. Regras breves sobre as obras de misericórdia. Antes de concluir este assunto, deixe-me estabelecer algumas regras breves sobre obras de misericórdia. 6.1. A caridade deve ser livre. Como lemos em Deuteronômio 15:10: “Vocês devem dar livremente, sem maldade no coração”. Ou seja, vocês não devem se incomodar em abrir mão do seu dinheiro. Quem dá com tristeza, dá com relutância. Isso não é um presente, mas um imposto. A caridade deve fluir como a água de uma nascente. O coração deve ser a nascente, a mão deve ser o cano e os pobres devem ser o reservatório. Deus ama que dá com alegria. Não seja como a fruta da qual foi extraído todo o suco. Você não deve dar aos pobres como se estivesse entregando sua carteira a um ladrão. Exercer a caridade sem alegria é algo mais semelhante a pagar uma multa do que a fazer uma oferta. É mais fácil fazer penitência do que dar esmolas. A caridade deve ser como a mirra que cai da árvore sem que está esta seja cortada ou forçada. 6.2. Devemos dar o que é nosso. O pão que deve ser dado ao faminto é o “seu pão” (Isaías 58:7). A Escritura coloca essas duas coisas juntas: “Pratique a justiça, ame a misericórdia” e “Eu, o Senhor, amo a justiça e odeio a iniquidade do roubo” (Miquéias 6:8; Isaías 61:8). Aquele que construir um asilo ou hospital com bens obtidos ilegalmente exibe o estandarte de seu orgulho e ergue o monumento de sua vergonha! 6.3. Faça tudo em Cristo e para Cristo. Faça tudo em Cristo. Trabalhe para que você esteja em Cristo. Somos “aceitos nele” (Efésios 1:6). Orígenes, Crisóstomo e Pedro Mártir[19] afirmam que mesmo as melhores obras, se não brotarem da fé, estão perdidas. Os pelagianos pensavam ter desconcertado Agostinho ao lhe perguntarem se o pagão cometia um pecado ao vestir aquele que está nu. Agostinho respondeu corretamente: “O ato de fazer o bem não é mal em si mesmo, mas quando esse bem procede da incredulidade, então torna-se em algo mal”, como lemos em Tito 1:15: “Para os impuros e descrentes, nada é puro”. O fruto mais doce e genuíno é aquele que é produzido pela videira (João 15:4). Fora de Cristo, todas as nossas obras de esmola são como o fruto de uma oliveira brava. Não são boas obras, mas obras mortas. Faça tudo para Cristo, ou seja, por amor a ele, para que você possa testemunhar seu amor por ele. O amor a Cristo facilita e aprimora nossas obras de caridade. O amor de Cristo torna as nossas obras um perfume precioso para Deus. Assim como foi por amor que Maria trouxe seus perfumes e especiarias aromáticas para ungir o corpo morto de Cristo, assim também, por amor a Cristo traga seus perfumes e especiarias aromáticas para ungir seu corpo vivo, ou seja, os santos, seus membros. 6.4. As obras de misericórdia devem ser feitas com humildade. Abandone toda a ostentação! O verme se reproduz na fruta mais bela e a traça, na roupa mais fina. O orgulho se infiltrará em nossas melhores coisas. Cuidado com essa mosca morta no frasco de unguento. Quando o rosto de Moisés estava brilhando, ele colocou um véu. Assim, enquanto sua luz brilha diante das pessoas e elas veem suas boas obras, cubram-se com o véu da humildade. Assim como a lagarta, quando está tecendo as suas obras curiosas, se esconde dentro da seda
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