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História Geral da Arte Professores conteudista: Ana Elena Salvi João Ricardo de Castro Caldeira Mário Henrique de Castro Caldeira Sumário História Geral da Arte Unidade I 1 O QUE É ARTE? ....................................................................................................................................................1 1.1 As definições de arte ..............................................................................................................................1 1.2 A importância do estudo da arte na arquitetura .......................................................................2 1.3 As transformações da arte ao longo do tempo ..........................................................................4 2. O CLASSICISMO NA GRÉCIA E EM ROMA ...............................................................................................6 2.1 A arte na Grécia antiga .........................................................................................................................6 2.2 A arte na Roma antiga ..........................................................................................................................8 3 A CRISE DO CLASSICISMO: A RELAÇÃO ENTRE ORIENTE E OCIDENTE NA IDADE MÉDIA (476-1453) .................................................................................................................................................9 3.1 A arte cristã no Império Bizantino ................................................................................................ 10 3.2 A arte cristã na Europa ocidental medieval .............................................................................. 12 4 O RETORNO AOS VALORES CLÁSSICOS .................................................................................................. 15 4.1 O Renascimento: a razão e a arte ................................................................................................. 15 4.2 O Maneirismo: clássico e anticlássico .......................................................................................... 22 4.3 O Barroco: a invenção do movimento ......................................................................................... 25 Unidade II 5 A ARTE NA ERA DAS REVOLUÇÕES .......................................................................................................... 31 5.1 A laicização da arte e a Revolução Francesa ............................................................................ 31 5.2 A arte e a Revolução Industrial ...................................................................................................... 33 5.2.1 Realismo ..................................................................................................................................................... 33 5.2.2 Naturalismo ............................................................................................................................................... 36 5.2.3 Romantismo .............................................................................................................................................. 37 6 AS NOVAS FORMAS DE REPRESENTAÇÃO NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX ............ 38 6.1 A síntese da forma na obra pictórica de Paul Cézanne ........................................................ 38 6.2 A busca da ruptura com os padrões clássicos: pintura, design e arquitetura ............. 39 6.3 Pontilhismo ............................................................................................................................................. 41 6.4 Impressionismo ..................................................................................................................................... 42 6.5 Fauvismo .................................................................................................................................................. 43 7. A ERA DA MÁQUINA E AS VANGUARDAS ARTÍSTICAS ................................................................... 44 7.1 Os movimentos transformadores da arte: os ismos ............................................................... 44 7.1.1 Expressionismo ........................................................................................................................................ 45 7.1.2 Cubismo ...................................................................................................................................................... 47 7.1.3 Futurismo ................................................................................................................................................... 48 7.1.4 Dadaísmo ................................................................................................................................................... 50 7.1.5 Construtivismo Russo ........................................................................................................................... 52 7.1.6 De Stijl: o Neoplasticismo holandês ................................................................................................ 54 7.1.7 Surrealismo ................................................................................................................................................ 55 7.2 A arte abstrata e a Bauhaus ............................................................................................................. 56 8 AS REALIZAÇÕES DA ARTE PÓS-VANGUARDAS ................................................................................. 58 8.1 O papel do artista e a crise da modernidade ............................................................................ 58 8.2 A Pop Art .................................................................................................................................................. 60 8.3 A Op Art .................................................................................................................................................... 62 8.4 A pós-modernidade e as perspectivas da arte no século XXI ............................................ 64 8.4.1 Minimalismo ............................................................................................................................................. 64 8.4.2 Arte Conceitual ........................................................................................................................................ 65 1 HISTÓRIA GERAL DA ARTE Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 1/ 02 /0 2 -| |- 2 ª R ev isã o: C ris tin a - Co rr eç ão : F ab io - 0 3/ 02 /2 01 1 Unidade I 1 O QUE É ARTE? 1.1 As definições de arte O conceito de arte é alterado de acordo com a época e a cultura. Pode ser separado ou não, como é entendido hoje na civilização ocidental, do artesanato, da ciência, da religião e da técnica no sentido tecnológico. Essa mutabilidade do conceito depende tanto daqueles que produzem os objetos que receberão a definição de obra de arte, quanto da sociedade na qual esses mesmos objetos são feitos. Assim, entre os povos ditos primitivos, a arte, a religião e o conhecimento acumulado não existiam de forma separada, tampouco havia o artista como figura autônoma dentro dessas sociedades. Naquele momento, arte era um conceito aplicado a certas habilidades que algumas pessoas possuíam para realizar uma tarefa. Para os gregos antigos do século V a.C., a palavra usada para definir arte, ou capacidade de realizar algo a partir de certas habilidades e conhecimentos, era tekné, que etimologicamente deu origem à palavra técnica que usamos hoje. Para aqueles gregos havia a arte, ou técnica, de se fazer esculturas, pinturas, sapatos ou navios. O termo arte, com o passar dos séculos, (e dependendo das sociedades nas quais se verificar a existência desse conceito), modificou-se bastante. Na Europa, durante um longo período, o termo servia para designar uma atividade relacionada à capacidadede criar objetos, pinturas, obras com muita qualidade, perícia e talento. 5 10 15 20 25 30 35 2 Unidade I Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 1/ 02 /0 2 -| |- 2 ª R ev isã o: C ris tin a - Co rr eç ão : F ab io - 0 3/ 02 /2 01 1 Atualmente, arte é um termo relacionado à criação de imagens, sons, objetos, espaços (virtuais ou físicos), que contenham alguma qualidade plástica que se destaque a partir do ponto de vista da sociedade. O reconhecimento dessas qualidades, em geral, é feito por um crítico ou por alguém cuja opinião seja ouvida. É essa opinião, quando aceita pela sociedade dentro da qual ela foi emitida, que irá determinar o que é e o que não é arte, assim como o que é e o que não é obra-prima. Saiba mais O significado de obra-prima vem do período medieval. Para um artífice, artesão, pintor, escultor, ourives – ou qualquer outra profissão que dependesse de um conhecimento específico – ser chamado de mestre, dependeria da sua capacidade de criar uma obra-prima, ou seja, algo resultante de seu trabalho, que fosse avaliada por seus pares, e nela reconhecessem um grande talento e qualidade. 1.2 A importância do estudo da arte na arquitetura As teorias no campo da arquitetura alimentam-se direta ou indiretamente de diversos outros campos do saber humano, e entre eles está a esfera do conhecimento produzido pelas teorias artísticas. Estas, por sua vez, possuem uma dinâmica mais intensa do que a da arquitetura, por razões de sua própria materialidade e forma de produção. Por isso, é fundamental desenvolver um olhar atento sobre o objeto artístico, suas concepções e teorias, sua forma de produção e investigar como, em qualquer período da história, a arquitetura e a cidade (os edifícios e os espaços abertos) sofreram influências significativas da produção artística. Por exemplo, o tratadista renascentista Leon Battista Alberti escreveu os Tratados da pintura, da escultura e da arquitetura, que se chamam De re Aedificatoria. Nesse último trabalho, o conceito de belo na arquitetura está relacionado com a música. 3 HISTÓRIA GERAL DA ARTE Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 1/ 02 /0 2 -| |- 2 ª R ev isã o: C ris tin a - Co rr eç ão : F ab io - 0 3/ 02 /2 01 1 Outra forma de influência e relação entre arte e arquitetura acontece quando as formas plásticas de um determinado movimento ou teoria artística são aplicadas diretamente em um projeto arquitetônico. Segue um exemplo. O arquiteto franco-suíço Le Corbusier estava muito ligado ao Purismo, movimento artístico que transformou alguns princípios do Cubismo no início do século XX. A Vila Stein – também conhecida como Villa Garches, Villa de Monzie, e Villa Stein-de Monzie – é uma residência unifamiliar que foi projetada por Le Corbusier e construída em 1927, em Garches, na França. No seu desenvolvimento, o arquiteto utilizou um sistema construtivo (chamado de sistema independente) que permite que as paredes não façam parte da estrutura. Apesar desse sistema não ser exatamente uma novidade na época, a forma de utilização e de criação de espaços com ele era algo ainda a ser explorado. Nesse projeto, o arquiteto utilizou sua experiência pessoal em artes plásticas para criar uma arquitetura diferenciada, combinando esse tipo de estrutura com um conceito de arte. Um dos objetivos era o de criar espaços arquitetônicos fluidos e livres, em contraponto ao espaço rígido da arquitetura tradicional, explorando o sistema independente formado por pilares e lajes planas, necessário para a edificação. A partir do diagrama explicativo abaixo, é possível visualizar como o arquiteto utilizou uma obra de arte, feita por ele mesmo dentro dos princípios do Purismo, para criar ambientes arquitetônicos. A expressão plástica do quadro (1) foi utilizada para definir os espaços da residência por meio da inserção de suas formas livres sobre uma retícula construtiva (2). A estrutura, composta pelos pilares e lajes, é definida separadamente, e forma uma grade virtual (3). Nela, o arquiteto posiciona paredes, escadas, pisos e divisórias, da mesma maneira livre como ele se expressa na segunda etapa do processo, resultando em um conjunto arquitetônico regular e diferente ao mesmo tempo (4). 4 Unidade I Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 1/ 02 /0 2 -| |- 2 ª R ev isã o: C ris tin a - Co rr eç ão : F ab io - 0 3/ 02 /2 01 1 1. Le Corbusier - Natureza morta com numerosos objetos (1923) Óleo sobre tela, 114 x 146 cm. Fondation Le Corbusier. 2. Linhas principais de expressão do quadro anterior. 3. Malha reticulada com distribuição da estrutura (pilares) e organização de espaços com eixos virtuais da Villa Stein. 4. Planta do primeiro andar da Villa Stein. Aqui está representado apenas este andar, mas os demais são semelhantes, em termos de conceito arquitetônico. 1.3 As transformações da arte ao longo do tempo Para melhor compreender a enorme quantidade de informações, momentos, tendências e movimentos artísticos, recorre-se geralmente às linhas do tempo (ou linhas cronológicas), para que assim se permita uma visualização sequencial dos diversos períodos que a arte percorreu na história humana. Porém, qualquer tentativa de estabelecer uma linha cronológica que organize temporalmente os diversos momentos pelos quais cada civilização construiu seus objetos artísticos (com seus valores socioculturais e técnicas específicas), esbarra na dificuldade de definição de datas e conceitos exatos. Além disso, ao longo do tempo, certas classificações que costumavam ser consideradas adequadas podem e vão sendo questionadas e alteradas. Um exemplo disso foi o Maneirismo, que tendo ocorrido no século XVI, recebeu sua definição teórica na última década do século XIX. Por isso, as linhas do tempo devem ser utilizadas dentro de um limite bastante claro: elas contribuem muito para Vila, ou Villa, significa residência, morada, e é um termo muito utilizado em arquitetura para designar um edifício destinado a habitação unifamiliar. Em geral, está associado às residências campestres, construídas fora da área urbana. 5 HISTÓRIA GERAL DA ARTE Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 1/ 02 /0 2 -| |- 2 ª R ev isã o: C ris tin a - Co rr eç ão : F ab io - 0 3/ 02 /2 01 1 compreender de maneira geral as transformações da arte ao longo da história, mas devem ser vistas com cautela quando o intuito é estudar mais detalhadamente uma obra de arte, a vida de um artista ou um movimento, com uma visão de estudioso, mais específica. É muito comum que certos movimentos artísticos ocorram contemporaneamente. Também é habitual encontrar opiniões de autores que divergem entre si sobre um determinado assunto, data ou conceito. É também importante destacar que existem períodos de indefinição (transição) sobre a arte, nos quais um momento e um conceito muito bem definidos estão sendo substituído por outros, ainda não muito claros. Assim, neste texto privilegiou-se abordar conceitos e definições mais cristalizadas e geralmente aceitas como corretas sobre a definição de arte e da importância real de alguns objetos artísticos. Mas, com o passar do tempo, certamente essas noções poderão ser alteradas. Resumindo A definição de arte é mutável, e depende muito do momento histórico. Além disso, a própria noção de arte, usada para descrever uma área de conhecimento autônoma (que é a maneira como a compreendemos atualmente), nem sempre existiu. Portanto, o conceito de arte usado hoje serve para descrever uma qualidade pertencente a algo criado para ser visto como uma obra de arte, mas que, para alcançar esse patamar, necessita ter algum valor reconhecido por um público. Um desses valores, que caracteriza intensamente a noção de arte, é a capacidade de um objeto,edifício, texto, imagem, som ou qualquer outro suporte físico, de estimular nossos sentidos, físicos e intelectuais, não dependendo de qualquer relação com uma finalidade prática, ou função. Isso significa que a arte, para ser vista como tal, não deve ter um fim específico. Mas lembre-se: esse conceito pode e certamente se modificará ao longo do tempo. 6 Unidade I Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 1/ 02 /0 2 -| |- 2 ª R ev isã o: C ris tin a - Co rr eç ão : F ab io - 0 3/ 02 /2 01 1 2. O CLASSICISMO NA GRÉCIA E EM ROMA 2.1 A arte na Grécia antiga Foi a partir do século V a.C. que se deu o auge da arte grega. Nesse momento teve início a busca da representação do corpo humano de uma maneira mais fiel à realidade visível que o compõe. Os gregos, ao contrário dos egípcios (apesar de ainda influenciados por eles), basearam suas realizações escultóricas nas observações diretas do corpo a ser representado, e não na reprodução de um conhecimento pronto que dizia como deveria ser essa representação. Isso também se estendeu à pintura. A influência da arte egípcia, apesar de limitadora (pois se baseava em regras de representação rígidas), deu uma contribuição importante à arte grega no seu auge: no Egito, a representação tentava ser a mais detalhada e completa possível, estimulando o artista grego a continuar explorando a anatomia dos ossos e músculos, e a formar uma imagem convincente da figura humana, inclusive debaixo das roupagens das esculturas. A busca de mostrar não apenas a forma do corpo, mas também seu movimento, fez parte da arte grega. Os jogos e exibições esportivas requisitavam estátuas que representassem o mais fielmente possível os chamados “atletas” da época. Saiba mais A composição nas artes plásticas Composição, nas artes plásticas, é a maneira pela qual o artista organiza espacialmente as cores, volumes, formas, linhas e quaisquer outros elementos que façam parte da obra. A composição é essencial quando a obra de arte possui um tema ou assunto, pois é ela que contribui para construir a narrativa a ser apreendida pelo espectador. Por outro lado, algumas obras de arte não possuem um tema, assunto, ou cena identificável. Nesse caso, o autor do trabalho preferiu privilegiar apenas a composição. 7 HISTÓRIA GERAL DA ARTE Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 1/ 02 /0 2 -| |- 2 ª R ev isã o: C ris tin a - Co rr eç ão : F ab io - 0 3/ 02 /2 01 1 Esta famosa estátua reúne as inquietações de Míron, escultor grego, em busca da representação da figura em movimento. O ângulo de visão mais satisfatório – de perfil, com o rosto de frente para o observador da escultura – permite que se possa observar a elaborada composição, baseada em uma linha de curvas acentuadas que percorrem a estátua de cima a baixo, combinada com a ampla curva descrita pelos braços e pela linha dos ombros, prolongando-se pela perna esquerda, que está retraída. A capacidade dessa escultura de transmitir um alto grau de realidade anatômica era uma das características da arte grega na época. Míron – Discóbolo (cerca de 460 a.C.)1 Cópia feita no período da Roma antiga. Museu Nacional, Nápoles, Itália. 1 Disponível em: <http://blog.educastur.es/graece1/2009/10/28/el- discobolo-vuelve-a-casa/>. Acesso em: 31 jan 2011. 8 Unidade I Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 1/ 02 /0 2 -| |- 2 ª R ev isã o: C ris tin a - Co rr eç ão : F ab io - 0 3/ 02 /2 01 1 2.2 A arte na Roma antiga A arte do antigo Império Romano do Ocidente foi muito influenciada pela cultura da Grécia antiga e pelos etruscos, estendendo-se do século VIII a.C. ao século V d.C.. Difundiu-se por diversas expressões artísticas, desde a construção de edifícios públicos, até a pintura afresco, a escultura, entre outras formas de manifestação, mas foi na arquitetura e na escultura que se pôde visualizar com mais nitidez os avanços e influências da arte romana clássica. A escultura da Roma antiga desenvolveu-se em toda a área de influência romana, com seu foco na metrópole, entre os séculos VI a.C. e V d.C.. Em sua origem, derivou da escultura grega, primeiro por meio da herança etrusca, e logo diretamente com a própria Grécia, durante o período helenista. Apesar da reconhecida influência da escultura grega em toda a Roma antiga, hoje se pode afirmar que os artífices romanos não eram meros copiadores. Eles deram importantes contribuições para a escultura, principalmente na criação de obras feitas especificamente para grandes monumentos públicos, nas quais a capacidade de uma estátua de expressar significados vinculados ao poder de Roma era algo fundamental e conseguido com muita dedicação e talento dos escultores da época. A reprodução de bustos, rostos, e perfis em relevo era de grande qualidade. A seguir, Augusto de Prima Porta, revelada em 1863 na vila de Augusto César, em Roma, Itália. Atualmente está exposta no Braccio Nuovo, no Museu do Vaticano. A estátua que representa Augusto César, imperador romano, foi baseada no Doríforo de Policleto (escultor grego) do século V a.C., e foi talhada em mármore. Ainda contém alguns resquícios de tintas douradas, púrpuras, azuis e outras cores com as quais ela foi policromada. 9 HISTÓRIA GERAL DA ARTE Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 1/ 02 /0 2 -| |- 2 ª R ev isã o: C ris tin a - Co rr eç ão : F ab io - 0 3/ 02 /2 01 1 Autor desconhecido - Augusto de Prima Porta Mármore. Museu Vaticano, Itália. Resumindo Classicismo greco-romano • influenciou com intensidade a formação do mundo ocidental; • privilegiou a representação física com fidelidade ao mundo real; • criou um padrão de beleza ideal a partir de uma interpretação do mundo real. 3 A CRISE DO CLASSICISMO: A RELAÇÃO ENTRE ORIENTE E OCIDENTE NA IDADE MÉDIA (476- 1453) A queda do Império Romano é assinalada pela conquista de Roma no ano de 476 pelos povos germânicos, combinada com a 10 Unidade I Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 1/ 02 /0 2 -| |- 2 ª R ev isã o: C ris tin a - Co rr eç ão : F ab io - 0 3/ 02 /2 01 1 ascensão do cristianismo como religião oficial, a qual se impôs, paulatinamente, sobre as antigas crenças (tanto as romanas como as das tribos germânicas), que passaram a ser tratadas como pagãs. Esse processo teve lugar tanto no Ocidente como no Leste europeu e em ambas as regiões, entretanto, permaneceu o desejo de retomar a pujança do antigo Império Romano. Assim, enquanto a parte ocidental do continente assistiu, na Idade Média, à formação do Sacro Império Romano Germânico, na banda oriental, formou-se o denominado Império Romano do Oriente ou Império Bizantino, cuja capital era Bizâncio ou Constantinopla (atual Istambul, na Turquia). A queda do Império Bizantino, com a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos em 1453, marca o fim do período medieval. Essa época caracterizou-se, no campo artístico, pelo predomínio dos temas da religião cristã, pela busca da representação do sagrado na pintura, na escultura e na arquitetura. Porém, a arte cristã medieval pode ser dividida em arte bizantina e arte medieval do Ocidente. 3.1 A arte cristã no Império Bizantino O Império Bizantino manteve-se distanciado das influências dos povos bárbaros germânicos. Em Bizâncio, e nas áreas sob seu controle, desenvolveu-se uma arte cristã, cujo auge ocorreu no século VI, no Império de Justiniano I, e que combinava influências da arte romana, grega antiga e do Oriente Médio. A própria localização geográfica de Constantinopla, na fronteira entre o Oriente e o Ocidente, era favorável a essa confluência artística. Há que se considerar ainda a constante ingerência do clero cristão do Oriente sobre a arte bizantina, o que contribuía para torná-la profundamentereligiosa. Ademais, o próprio Imperador do Oriente devia o seu poder ao caráter teocrático do Império Bizantino, motivo pelo qual a produção de obras de arte era estimulada, com mosaicos nos quais era representado, com sua cabeça aureolada, geralmente ladeando a própria Virgem 11 HISTÓRIA GERAL DA ARTE Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 1/ 02 /0 2 -| |- 2 ª R ev isã o: C ris tin a - Co rr eç ão : F ab io - 0 3/ 02 /2 01 1 1 Disponível em: <http://www.pegue.com/artes/cupula2.jpg>. Acesso em 31 jan 2011. 2 Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:San_Vitale _Ravenna.jpg>. Acesso em: 31 jan 2011. Maria e o menino Jesus. Na arte bizantina, há um destaque para pintura parietal (em paredes), a pintura mural, as iluminuras, a tapeçaria e os mosaicos. No período bizantino, o uso da cúpula apoiada sobre pendentes e os arcobotantes possibilitaram aumentar significativamente o tamanho das edificações e, consequentemente seu espaço interno. Mas apesar disso, e do aumento da quantidade de aberturas nas fachadas das construções, as paredes ainda eram grossas, lisas e amplas. Os mosaicos e afrescos bizantinos tinham como uma de suas finalidades, ornamentar e enriquecer essas extensas superfícies, transmitindo, ao mesmo tempo, as imagens de reis, rainhas, santos, santas, clérigos e outros personagens da religião cristã. A Basílica de San Vitale possui alguns dos mais interessantes afrescos do período bizantino, como se pode ver a seguir. Representação da cúpula bizantina apoiada sobre os quatro pendentes (superfícies triangulares esféricas que recebem os esforços da base da cúpula e os descarregam nos vértices das paredes).1 Foto da Basílica de San Vitale, Ravena, Itália.2 12 Unidade I Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 1/ 02 /0 2 -| |- 2 ª R ev isã o: C ris tin a - Co rr eç ão : F ab io - 0 3/ 02 /2 01 1 Corte da Imperatriz Theodora3 Mosaico no interior da Basílica de San Vitale. 3.2 A arte cristã na Europa ocidental medieval No Ocidente medieval, caracterizado pelo feudalismo, a arte também foi predominantemente cristã. O próprio sistema feudal, marcado pela organização política fragmentada em feudos e pela divisão social em oratore (os que oram), belatore (os que guerreiam) e laboratore (os que trabalham, especialmente lavrando a terra), era legitimado pela Igreja cristã, pois essa forma de organização política e social era considerada a expressão da vontade de Deus na Terra, que somente podia ser interpretada e compreendida pelos clérigos. Neste sentido, a arte do Ocidente medieval voltava-se especialmente para a representação dos desígnios divinos, com imagens do céu e do inferno, de modo a ensinar o caminho da salvação cristã à população, que em sua quase totalidade era analfabeta. Costuma-se dividir a trajetória da história da arte do Ocidente medieval em três momentos significativos: a arte românica, o renascimento carolíngio e a arte gótica. • arte românica: corresponde ao período do auge do feudalismo, sendo, portanto, a expressão artística da sociedade rural feudal acima descrita; 3 Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File: Theodora_mosaik_ravenna.jpg>. Acesso em 31 jan 2011. 13 HISTÓRIA GERAL DA ARTE Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 1/ 02 /0 2 -| |- 2 ª R ev isã o: C ris tin a - Co rr eç ão : F ab io - 0 3/ 02 /2 01 1 • renascimento carolíngio: foi aquela arte produzida durante o império de Carlos Magno, a partir do ano de 800, em que se buscou a volta aos padrões clássicos, apesar do predomínio da orientação religiosa cristã; • arte gótica: desenvolveu-se na crise do feudalismo, quando floresceram novamente a cultura urbana, as universidades e as ordens monásticas (cistercienses, franciscanos, dominicanos e beneditinos), que contribuíram para a primeira reforma da Igreja cristã, no sentido de sua reaproximação com os valores originais da fé. La Maestà, conhecida como A Virgem com vinte anjos e dezenove santos, é um amplo conjunto de várias pinturas com frente e verso, feitas por Duccio di Boninsegna, em 1308, para a cidade de Siena, Itália. A face da obra mostrada a seguir representa a Virgem em majestade, flanqueada por anjos e santos. Essa pintura serviu como referência para uma importante mudança na arte italiana: o período bizantino teve como uma de suas características a representação do corpo humano de uma maneira simplificada, com alterações anatômicas que evitavam o reconhecimento do sexo das figuras, e outras modificações nas proporções de partes do corpo humano. A obra La Maestà estimulou outros artistas da época a modificarem essa forma de representação, buscando uma pintura mais realista do ponto de vista físico, mais próximo à anatomia e fisionomia das pessoas daquela região. Outra característica da pintura da época é a maneira utilizada pelo autor da obra para demonstrar a hierarquia na composição do quadro: a importância de cada personagem dentro da cena está diretamente relacionada ao tamanho da sua imagem, ou seja, quanto mais importante é a figura, maior é o seu tamanho. Não havia a preocupação em representar as imagens em escala real em relação ao conjunto, tampouco em criar profundidade por meio da redução de tamanho das 14 Unidade I Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 1/ 02 /0 2 -| |- 2 ª R ev isã o: C ris tin a - Co rr eç ão : F ab io - 0 3/ 02 /2 01 1 4 Disponível em: <http://www.maphilosophie.fr/Duccio_maesta. html>. Acesso em 31 jan 2011. figuras, ou seja, cada figura é proporcional em si, mas não necessariamente em relação às outras imagens. A composição é bastante nítida, feita com o propósito de valorizar a Virgem. Posicionada no centro, ela tem quase todos os olhares dos personagens que a cercam voltados para si. Para o observador, é inevitável ter o olhar dirigido fortemente para o rosto dela. Duccio di Boninsegna - La Maestà. (1308 - 1311)4 Pintura sobre madeira. Museu da Catedral, Siena, Itália. Resumindo A pintura bizantina criou formas humanas para representar apenas o ser, e não o aspecto físico das pessoas, e serviu com maestria para adornar as enormes e lisas paredes dos templos religiosos feitos com a estrutura maciça da época. A arte medieval muda os princípios adotados no período anterior e começa a valorizar mais a forma humana. Seu foco é a capacidade de criar narrativas sobre temas religiosos. A religião é o principal tema da época e aparece vinculada profundamente a quase toda manifestação artística de qualidade. 15 HISTÓRIA GERAL DA ARTE Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 1/ 02 /0 2 -| |- 2 ª R ev isã o: C ris tin a - Co rr eç ão : F ab io - 0 3/ 02 /2 01 1 4 O RETORNO AOS VALORES CLÁSSICOS 4.1 O Renascimento: a razão e a arte A palavra renascença significa nascer de novo ou ressurgir. Para os italianos, e principalmente os artistas florentinos do século XIV, a arte que estava sendo produzida era considerada de qualidade porque recuperava aquela do período do Império Romano. Foi na cidade de Florença que esse sentimento se manifestou de modo mais intenso. Foi também nesse momento que um grupo de artistas se dispôs deliberadamente a criar uma nova arte e a romper com as ideias do passado recente, tendo como líder Filippo Brunelleschi, que ficou encarregado da conclusão da cúpula da catedral de Florença. Sua proposta era de que as formas da arquitetura clássica (colunas, frontões, proporções, etc.) fossem livremente usadas para criar novos modos de harmonia e beleza. Para os grandes mestres da Renascença, os novos recursos e descobertas da arte nunca foram um fim em si. Os artistas sempre os utilizaram com o propósito de aproximar ainda mais do nosso espírito, o significado deseus temas. É desse período a invenção de uma forma de representação que dominou, durante alguns séculos, a criação de imagens que reproduzem o mundo real: a perspectiva. Atribui-se a Filippo Brunelleschi sua invenção, e apesar do surgimento de outras formas de representação, a perspectiva é usada até hoje, inclusive no mundo virtual da informática. A perspectiva, com seu método de representação quase científico, e de certa forma, matemático, também se inseria na visão dos mestres florentinos do século XV, que se voltaram para o uso da racionalidade como forma de explicar o mundo. Essa técnica, associada aos conhecimentos que os artistas possuíam sobre a anatomia humana, (provenientes de seus estudos em cadáveres), geravam imagens com uma exatidão que impressionava a todos os observadores da época. O quadro a seguir gerou grande espanto devido à ilusão criada (pela disposição e proporção dos corpos), que fazia com que os 16 Unidade I Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 1/ 02 /0 2 -| |- 2 ª R ev isã o: C ris tin a - Co rr eç ão : F ab io - 0 3/ 02 /2 01 1 fiéis imaginassem ali a extensão de outra capela, tal a realidade elaborada pelo uso da perspectiva. Na imagem à direita, as linhas que estruturam o afresco convergem para o ponto de fuga, que se encontra na altura dos olhos do observador, “convidando-o” a participar da composição. Masaccio (Tommaso de San Giovanni Valdano ou Tommaso de San Giovanni di Simone Guidi) - A Santíssima Trindade (1401-1428)5 Afresco, Santa Maria Novella, Florença, Itália. 5 Disponível em: <http://sites.google.com/site/alanpalhas/-8---arte-renacentista> e <http://www.cult.nucleo.inf.br/ index.php?option=com_morfeoshow&task=view&gallery=37&Itemid=452>. Acessos em 31 jan 2011. 17 HISTÓRIA GERAL DA ARTE Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 1/ 02 /0 2 -| |- 2 ª R ev isã o: C ris tin a - Co rr eç ão : F ab io - 0 3/ 02 /2 01 1 Enquanto na Itália os florentinos buscavam a exatidão da representação por meio da perspectiva com ponto de fuga (perspectiva cônica) e com um profundo conhecimento da anatomia humana, no norte da Europa, Jan van Eyck, um artista flamenco, da região onde hoje se encontram os Países Baixos, buscava essa mesma exatidão, porém de outra maneira. A solução por ele adotada foi materializar a ilusão do mundo real por meio da cuidadosa e paciente composição de uma imagem pela somatória de detalhes precisos, reproduzindo, da maneira mais completa possível, o que os olhos viam no universo real. Apesar de van Eyck também se utilizar de uma característica da perspectiva (a de criar a ilusão de profundidade por meio da redução do tamanho dos objetos à medida que se afastam do plano do observador), são os detalhes que convencem o espectador de que aquelas imagens são um espelho do mundo real. Para conseguir a exatidão, ele aperfeiçoou significativamente sua capacidade de pintar, inventando a pintura a óleo, que permite uma grande riqueza de detalhes. Uma das principais contribuições dos artistas, tanto na Itália (sul da Europa) quanto em Flandres (norte da Europa), foi a demonstração de que a arte podia ser usada não só para contar a história sagrada de uma forma comovente (uma das principais preocupações da Igreja católica), mas para refletir também um fragmento do mundo real. Giovanni Arnolfini era um negociante italiano, que se estabeleceu em Bruges com sua esposa. O casal foi representado por van Eyck no interior de uma residência, que reflete o seu cotidiano. Isso é possível perceber devido ao alto grau de detalhamento realista que foi utilizado para mostrar elementos domésticos como o cãozinho (na parte inferior do quadro), as frutas (na mesa) e o espelho, na parede ao fundo. Esse espelho se converte em um interessante elemento no quadro, pois em uma observação mais detalhada, é possível perceber nele a presença de outros personagens na cena. 18 Unidade I Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 1/ 02 /0 2 -| |- 2 ª R ev isã o: C ris tin a - Co rr eç ão : F ab io - 0 3/ 02 /2 01 1 Apesar da aparente naturalidade e simplicidade da cena, são vários os elementos simbólicos que remetem ao matrimônio, representado de forma discreta pelo autor da pintura, como era hábito entre os artistas da época. Jan van Eyck - O casal Arnolfini (1434) National Gallery, Londres, Inglaterra. Nesse ambiente, os artistas passaram a organizar-se em corporações bastante fechadas, que correspondiam aos sindicatos de hoje. A transmissão do conhecimento também era restrita: não havia escolas e os interessados em aprender algo tinham que começar bem cedo, como jovem aprendiz de algum mestre habilitado. É nesse ambiente, no século XVI, que se formaram algumas gerações de artistas e arquitetos mais importantes da Itália e que se tornariam referência para o mundo ocidental nos séculos seguintes, criando algumas das obras mais significativas da arte na Europa. Mas, ao contrário de 19 HISTÓRIA GERAL DA ARTE Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 1/ 02 /0 2 -| |- 2 ª R ev isã o: C ris tin a - Co rr eç ão : F ab io - 0 3/ 02 /2 01 1 outros períodos na História, os artistas que hoje reconhecemos como grandes mestres, já eram reconhecidos como tal naquele período. O artista era tratado como indivíduo criativo, autor único de talento incomparável, quando reconhecido como tal por seus pares. A ideia do artista, e também do arquiteto, como ser criador, único ou principal, responsável pelas qualidades de sua obra, se consolida nessa época. É daí que provêm nomes da Península Itálica como Leonardo da Vinci, Rafael, Michelangelo, Fra Angelico e Ticiano, e do norte da Europa, como Albrecht Dürer e Hans Holbein e vários outros mestres famosos. Não é por acaso que durante a Renascença o artista consolida-se como mestre dotado de autonomia, não podendo alcançar fama e glória sem explorar os mistérios da natureza e sondar as leis secretas do universo. Para isso os artistas, principalmente depois de Alberti, deveriam ser completos: intelectuais, músicos, estudiosos da natureza em seus vários aspectos, letrados, filósofos. Essa situação é muito diferente do que acontecia antes, como já foi dito na apresentação deste texto. Até então, o artista se confundia com o artesão, profissional que produzia desde objetos do cotidiano, como sapatos e roupas até pinturas e grandes esculturas, mediante encomendas específicas. A ascensão dos grandes mestres, em face de um preconceito que existia contra pintores e escultores, se deve em parte à necessidade que os nobres e ricos mercadores, desejosos de ascender socialmente, tinham de construir belos edifícios, fazer túmulos suntuosos, ou oferecer uma pintura para o altar-mor de alguma igreja famosa. Foi na arquitetura que essa mudança ocorreu de forma mais acentuada. Os mestres eruditos do século XV, conhecedores do passado clássico por meio dos escritos de Vitrúvio (construtor e escritor que viveu no império romano), desejavam realizar obras usando como referência a arquitetura de Roma e Grécia antigas. O arquiteto renascentista buscava projetar e construir um edifício no qual pudesse aplicar todo o seu conhecimento de proporção, simetria e regularidade, características daquela arquitetura. Donato Bramante teve essa oportunidade e realizou o Tempietto (pequeno templo), no início do século XVI. Essa 20 Unidade I Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 1/ 02 /0 2 -| |- 2 ª R ev isã o: C ris tin a - Co rr eç ão : F ab io - 0 3/ 02 /2 01 1 escolha também estava carregada do desejo de utilizar a razão, incrustada na matemática e na geometria, para criar formas perfeitas, segundo aqueles construtores. Leonardo da Vinci (1452-1519) foi aprendiz em uma importante oficinade Florença, e destacou-se como uma das mais capazes e ricas personalidades de todos os tempos. Estudou, ampliou os conhecimentos, criou e imaginou artefatos que somente viriam a se tornar realidade séculos depois. Atuou nas áreas de medicina, anatomia, engenharia militar, ótica, arquitetura, pintura, geometria, entre outros campos. Em uma das suas mais conhecidas obras, a Mona Lisa, Leonardo consegue superar os mestres anteriores, usando uma técnica de pintura denominada sfumato, que possibilitou criar uma ilusão de vivacidade nunca antes conseguida na pintura de uma figura humana. Leonardo da Vinci - Mona Lisa, ou La Gioconda (1503-1507)6 Óleo sobre madeira. Museu do Louvre, Paris, França. Neste detalhe do rosto da Mona Lisa se pode perceber o uso da técnica do sfumato: as pinceladas aparentes de uma pintura são retiradas usando verniz de madeira, que corrói a tinta, deixando um gradiente perfeito no local. Como consequência da técnica, é quase impossível perceber pinceladas nesta e em outras obras de Leonardo da Vinci. 6 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:MonaLisa_ sfumato.jpeg> e <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Mona_Lisa.jpeg>. Acessos em 31 jan 2011. 21 HISTÓRIA GERAL DA ARTE Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 1/ 02 /0 2 -| |- 2 ª R ev isã o: C ris tin a - Co rr eç ão : F ab io - 0 3/ 02 /2 01 1 Saiba mais Sfumato é uma palavra italiana, usada por Leonardo da Vinci para descrever uma técnica que resultava em uma pintura sem linhas ou limites, semelhante à fumaça. Para obter esse efeito, a transição entre uma cor e outra é feita por meio de um gradiente, ou seja, a sobreposição de vários níveis intermediários de tonalidades ou matizes, indo suavemente de uma cor para outra. O objetivo é reduzir o contraste, ou seja, suavizar a diferença abrupta de uma área da pintura para outra. Leonardo foi um dos artistas que mais contribuiu para o aprimoramento dessa técnica, a qual alguns pesquisadores consideram que foi ele, o próprio criador dela. Hoje, o sfumato faz parte do conhecimento básico transmitido a todos os estudantes de artes em geral, consequência de sua popularização, iniciada no Renascimento. Certamente, o mais famoso exemplo da aplicação dessa técnica seja o rosto de Mona Lisa, principalmente seu sorriso, adjetivado popularmente de “enigmático”. Resumindo Principais características do Renascimento: • os artistas e intelectuais se voltam para o estudo do passado clássico, e utilizam esse conhecimento para produzirem e criarem arquitetura e arte; • o uso da razão como forma de explicar e de intervir no mundo, contrapondo-se ao teocentrismo (a religião no centro do universo); • o uso da matemática e da geometria para elaborar formas arquitetônicas e representações pictóricas, inclusive por meio da perspectiva; • a busca da representação mais semelhante à realidade visível. 22 Unidade I Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 1/ 02 /0 2 -| |- 2 ª R ev isã o: C ris tin a - Co rr eç ão : F ab io - 0 3/ 02 /2 01 1 4.2 O Maneirismo: clássico e anticlássico Outro grande florentino cuja obra tornou tão famosa a arte italiana do século XVI, foi Michelangelo Buonarrotti (1475-1564). Em sua longa vida, foi testemunha de uma completa mudança na posição do artista dentro da sociedade. A sua capacidade de representar o corpo humano em qualquer posição ficou logo conhecida, e nisso superou todos os antigos mestres. Essa habilidade foi desenvolvida a partir do estudo da anatomia humana feita diretamente em cadáveres, como Leonardo da Vinci e outros artistas já haviam feito. Em uma de suas obras, a pintura do teto da Capela Sistina, pode-se admirar toda a habilidade e imaginação de Michelangelo em manipular a anatomia do corpo humano. Até hoje, aquelas imagens nos seduzem e são reproduzidas pelo mundo inteiro, resultado de um árduo trabalho de quatro anos de extrema dedicação. Porém, Michelangelo não pode ser considerado um artista exclusivamente renascentista. Apesar de seu trabalho estar carregado de premissas semelhantes às de outros artistas da época, que acreditavam na razão como meio de intervir, conhecer o mundo e criar obras perfeitas, Michelangelo não se limitou a esse ideal. A partir de suas obras arquitetônicas (o vestíbulo com a escada da Biblioteca Laurenciana), urbanas (Piazza del Campidoglio, ou Praça do Capitólio, Roma, Itália, feita entre 1536 e 1546) e até mesmo de pintura (o teto da Capela Sistina), ele começou a criar uma posição anticlássica, que iniciava uma contraposição a certa rigidez clássica característica de obras mais antigas de outros artistas. Essa situação anticlássica pode ser percebida nas suas obras por meio de um elo em comum entre elas: a utilização de formas clássicas de uma forma diferente, sem uma organização exclusivamente lógica e geométrica, buscando elaborar composições plásticas inovadoras por meio de novas maneiras de criar espaços, esculturas, pinturas, representações humanas, e até mesmo espaços urbanos. 23 HISTÓRIA GERAL DA ARTE Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 1/ 02 /0 2 -| |- 2 ª R ev isã o: C ris tin a - Co rr eç ão : F ab io - 0 3/ 02 /2 01 1 Essa posição de Michelangelo deu origem ao período chamado de Maneirismo, que significa à maneira de, ou seja, de acordo com a vontade do artista. Tem início um momento na história da arte europeia – que se contraporia ao Renascimento – que privilegiou os desejos pessoais e o talento individual dos artistas e arquitetos em criarem arte segundo seus princípios individuais, ao contrário de perseguir regras matemáticas, geométricas, ou, como já foi dito, clássicas. O momento anticlássico então se inicia e se manifesta de forma mais intensa no período seguinte, o Barroco, ficando este a serviço dos interesses de uma das mais fortes instituições que havia na Europa naquele momento, a Igreja católica. Michelangelo Buonarroti - vista geral do interior do teto da Capela Sistina7 7 Disponível em: <http://www.barrysstudio.com/artistsBio/ michelangeloBuonarroti.htm>. Acesso em: 31 jan 2011. 24 Unidade I Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 1/ 02 /0 2 -| |- 2 ª R ev isã o: C ris tin a - Co rr eç ão : F ab io - 0 3/ 02 /2 01 1 8 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Michelangelo>. Acesso em 31 jan 2011. Michelangelo Buonarroti - Maria e Jesus, detalhe do Juízo Final. (1534-1541)8 Capela Sistina, Roma, Itália. Quando Michelangelo foi contratado para realizar o teto da Capela Sistina, ele já era um escultor e artista consagrado. Suas esculturas, com uma anatomia manipulada de forma magistral graças aos seus conhecimentos do corpo humano, já o definiam como um dos grandes artistas da transição entre o Renascimento e o Barroco. Ao ser chamado para realizar um grande trabalho de afresco, Michelangelo já havia realizado trabalhos de pintura, mas não desse porte. A escolha do artista foi inovadora: a sua pintura não seguiu os cânones renascentistas, optando por realizar a transposição de formas escultóricas e tridimensionais para um trabalho bidimensional. Daí a percepção de que as imagens no famoso teto da capela são representações de esculturas de caráter masculino, o que realça a plasticidade do conjunto que consumiu parte da vida e da saúde de Michelangelo. 25 HISTÓRIA GERAL DA ARTE Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 1/ 02 /0 2 -| |- 2 ª R ev isã o: C ris tin a - Co rr eç ão : F ab io - 0 3/ 02 /2 01 1 Saiba mais Gradiente É a transição de uma área de uma pintura com uma determinada cor, matiz, luz ou sombra para outra. Essa transição pode ser feita de maneira suave, com pouco ou nenhum contraste (como o sfumato renascentista), ou realizada de maneira mais intensa,com mais contraste entre as diversas cores utilizadas para fazer o salto entre uma área e outra da pintura. Resumindo Principais características do Maneirismo: • período de transição entre o Barroco e o Renascimento; • o desejo e a capacidade pessoal do artista se sobrepõem às regras clássicas; • manipulação de formas antigas de uma nova maneira; • invenção de novas formas plásticas, mas com alguma influência ainda das artes greco-romanas. 4.3 O Barroco: a invenção do movimento Na história da arte, o momento que sucede ao Renascimento e Maneirismo, é chamado de Barroco. Originalmente, esse nome fora dado a algumas obras como um meio de caracterizá- las como grosseiras e absurdas, ou seja, dando um sentido pejorativo. Essa denominação foi atribuída à arquitetura e às obras de arte produzidas durante o século XVII, por homens que insistiam em que as formas das construções clássicas jamais 26 Unidade I Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 1/ 02 /0 2 -| |- 2 ª R ev isã o: C ris tin a - Co rr eç ão : F ab io - 0 3/ 02 /2 01 1 deveriam ser usadas ou combinadas senão da maneira adotada na Antiguidade por gregos e romanos. Na foto abaixo, está reproduzido o conjunto de estátuas feito em mármore que forma o centro da capela Cornaro, na qual a estrutura arquitetônica, as esculturas e os elementos decorativos formam um todo unitário, ou seja, um cenário completo. A representação do drama se materializa de maneira cenográfica no centro da capela. Em ambos os lados, abrem-se duas cavidades, como se fossem palcos, nas quais se debruçam estátuas que representam a família Cornaro. A santa, arrebatada de amor divino, se junta a seu esposo místico. A materialização desse ato espiritual tem uma explicação formal, na qual estão presentes aspectos puramente carnais e eróticos. Essa ambiguidade, marcada pela convivência, na mesma obra, de referenciais do cristianismo e do paganismo, constitui uma característica do período barroco, intencionalmente utilizada pelo autor da escultura. Gian Lorenzo Bernini - Êxtase de Santa Teresa. (1645-1652) Santa Maria della Vittoria, Roma, Itália. 27 HISTÓRIA GERAL DA ARTE Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 1/ 02 /0 2 -| |- 2 ª R ev isã o: C ris tin a - Co rr eç ão : F ab io - 0 3/ 02 /2 01 1 Saiba mais Arquitetura, arte e religião Desde a formação da Igreja católica até meados do século XX, era muito comum que igrejas e capelas fossem utilizadas como túmulos. Muitas delas eram construídas especificamente para serem utilizadas como jazigos de famílias inteiras ou de personalidades poderosas, como reis e papas. Para esse serviço, contratavam-se grandes artistas, que nelas realizavam obras que, muitas vezes, extrapolavam sua mera utilização como sepulcro. Michelangelo Buonarroti e Lorenzo Bernini são alguns desses artistas. Em muitas dessas construções, encontram-se algumas das mais belas obras de arte do mundo ocidental. Esse rigor na utilização e na reprodução de formas provenientes da Grécia e da Roma antigas foi o critério utilizado pelos críticos para denominar as obras de arte que não seguiam os cânones clássicos de barroco (esse era um termo comumente usado para denominar uma pérola imperfeita, com deformações). O que os arquitetos e artistas barrocos faziam era, aos olhos de seus críticos, modificar as regras clássicas e organizar suas obras segundo uma lógica e um raciocínio próprios, reinventando a maneira de usar as formas tradicionais e até mesmo criando outras. Já no Maneirismo, na Igreja Il Gesù, de Giacomo della Porta (1538? – 1602), o uso das formas clássicas (frontões, colunas, capitéis) foi feito de uma maneira inovadora. Além disso, della Porta empregou formas como a voluta (posicionada na parte superior da fachada), que sequer existia no passado clássico. No entanto é preciso ressaltar que, essas composições aparentemente anticlássicas, não são meros caprichos, e estão, na verdade, a serviço da composição formal do edifício, e de uma melhor organização da estrutura da edificação. Isso significa que aqueles artistas e arquitetos do período não faziam essas 28 Unidade I Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 1/ 02 /0 2 -| |- 2 ª R ev isã o: C ris tin a - Co rr eç ão : F ab io - 0 3/ 02 /2 01 1 9 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Il_Gesu.jpg>. Acesso em: 31 jan 2011. invenções e modificações arbitrariamente. Eles reconheceram e exploraram a capacidade de invenção que se transformaria mais tarde, com as devidas diferenças conceituais, em uma das buscas mais intensas nas artes plásticas e na arquitetura a partir do início do século XX: a obsessão pela novidade. A fachada da Igreja Il Gesù (cerca de 1564), feita por Giacomo della Porta é representativa da utilização dos elementos clássicos de maneira anticlássica, característica maneirista. Nota-se o frontão e o entablamento com reentrâncias e saliências e as pilastras duplas na parte superior. Na parte inferior, percebem- se os plintos e pilastras duplas, com portal com colunas e pilastras e frontão sob um arco. A maneira de compor todos esses elementos abre as possibilidades de busca do movimento desenvolvido e aprimorado no Barroco. As volutas e as imagens em nichos quebram a bidimensionalidade do plano da fachada. Mas, o mais importante, é que a planta da igreja passa a ter nova forma, isto é, planta em nave única, que será adotada em todo o período Barroco. Por isso, Il Gesù, obra maneirista, é a precursora das inovações barrocas. Foto da fachada da Igreja Il Gesù em Roma, Itália.9 29 HISTÓRIA GERAL DA ARTE Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 1/ 02 /0 2 -| |- 2 ª R ev isã o: C ris tin a - Co rr eç ão : F ab io - 0 3/ 02 /2 01 1 10 Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/ commons/0/03/Caravaggio-Crucifixion_of_Peter.jpg>. Acesso em: 31 jan 2011. Na pintura, assim como na arquitetura, os artistas também tiveram que recorrer a novos métodos de trabalho que se aprofundaram no século XVII: a ênfase sobre a luz e a cor; o desprezo pelo equilíbrio simples e a preferência por composições mais complicadas. Começa, também no século XVI, um costume na sociedade, que até então não havia anteriormente. Iniciava-se a prática do debate sobre a arte e os seus movimentos, inclusive com questões sobre hierarquia (qual obra era a melhor dentre outras). A representação naturalista escolhida por Caravaggio adota como modelo a realidade mais fiel possível à cena, e utiliza uma luz artificial, que ilumina de forma conceitual o espaço da composição de maior importância para o tema do quadro. Por isso, a luz incide de fora sobre a figura de São Pedro, captando com nitidez sua atitude diante do martírio de ser crucificado. A luz, dessa forma, auxilia Caravaggio a transmitir sua mensagem com veracidade. O santo tem uma expressão, entre temerosa e surpresa, que está muito distante da exaltação mística dos santos barrocos. Neste quadro, o personagem foi introduzido ao seu drama, e sua instabilidade emocional é a melhor prova de que se trata de um homem real. Michelangelo Merisi (Caravaggio) - Crucifixão de São Pedro (1601)10 Igreja de Santa Maria Del Poppolo, Roma, Itália. 30 Unidade I Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 1/ 02 /0 2 -| |- 2 ª R ev isã o: C ris tin a - Co rr eç ão : F ab io - 0 3/ 02 /2 01 1 É possível apreciar as qualidades de uma composição de uma obra de arte mesmo que não se conheça a história ou tema representado. Basta observar como os elementos que compõem a pintura, escultura, alto ou baixo relevo, desenho, ou qualquer outro suporte, estão organizados e direcionam o olhar do observador. Resumindo Principais características do Barroco: • na pintura, há umavalorização dos contrastes intensos, para aumentar a dramaticidade das cenas; • na arquitetura, a manipulação das formas clássicas não utiliza referências rígidas, havendo até mesmo a criação de novas formas, que não existiam no passado clássico. A composição plástica do edifício é mais importante do que o uso de regras antigas; • a Igreja católica, para se recuperar do enfrentamento com o Protestantismo, utiliza a arte e a arquitetura para difundir suas ideias.
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