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Princípios de prevenção e tratamento das infecções odontogênicas MICROBIOLOGIA DAS INFECÇÕES ODONTOGÊNICAS As infecções odontogênicas são causadas por bactérias que normalmente habitam a cavidade bucal em equilíbrio. Quando essas bactérias invadem tecidos mais profundos, podem se tornar mais patogênicas, causando infecções. A flora oral é diversa, com diferentes ambientes favoráveis ao crescimento bacteriano. A doença ocorre quando há desequilíbrio entre microrganismo, hospedeiro e ambiente. Essas infecções são geralmente polimicrobianas, envolvendo múltiplas espécies bacterianas, tanto aeróbias quanto anaeróbias. Os estreptococos viridans são os mais comuns entre as aeróbias, enquanto os Bacteroides e Fusobacterium são predominantes entre as anaeróbias. A progressão da infecção envolve a penetração inicial de bactérias aeróbias mais invasivas, seguida pelo crescimento de anaeróbias. As toxinas produzidas pelas bactérias desempenham um papel importante na patogenicidade, incluindo endotoxinas e exotoxinas. ETIOLOGIA DAS INFECÇÕES ODONTOGÊNICAS As infecções odontogênicas surgem de fontes endodônticas ou periodontais ligadas aos dentes, como uma polpa necrótica devido a cárie ou fratura, ou pericoronite de um dente parcialmente incluso. Se não tratadas corretamente, essas infecções se espalham pelo caminho de menor resistência, corroendo gradualmente o osso adjacente. ➤ Origem periapical. A infecção se propaga por meio de lesão cariosa através do esmalte, da dentina, do cemento e da polpa dental. À medida que alcança a região periapical, essas bactérias se disseminam em direção ao periápice e ao osso alveolar. ➤ Origem periodontal. As bactérias causadoras da placa subgengival e da periodontite, por meio da liberação de toxinas, causam destruição óssea, chegando ao osso alveolar. ➤ Origem pericoronária. Bactérias colonizam o tecido gengival que recobre dentes semierupcionados, como, por exemplo, os terceiros molares, propagando- se, então, aos tecidos gengival e ósseo circunjacentes. DIAGNÓSTICO DA INFECÇÃO ODONTOGÊNICA A infecção pode se apresentar em diferentes estágios: A fase de inoculação (edema) refere-se à fase em que as bactérias invasoras começam a colonizar e ocorre, tipicamente, durante os primeiros 3 dias após o início dos sintomas. O abscesso representa o estágio de cronificação do processo infeccioso, apresentando-se com infecção de localização bem delimitada e circunscrita. A fase de celulite ocorre entre o terceiro e o quinto dias e indica a resposta inflamatória intensa provocada pela microbiota mista infectante. •Estágio inicial ou de inoculação •Celulite •Abscesso. A infecção propaga-se extensamente pelo osso medular e dissemina-se até encontrar o periósteo e a lâmina óssea cortical. A localização da infecção é determinada por dois fatores principais: a espessura da cortical óssea, adjacente ao dente envolvido, e a relação do local de perfuração do osso com as várias inserções musculares na maxila e mandíbula. PROGRESSÃO DAS INFECÇÕES ODONTOGÊNICAS ESPAÇOS FASCIAIS Os espaços fasciais podem ser divididos em primário e secundário de acordo com a localização. O espaço primário envolve a região da maxila e mandíbula, espaços secundários incluem a região mastigatória e os espaços cervicais. a instalação e progressão de uma infecção Os espaços massetérico, pterigomandibular e temporal são conhecidos como espaço mastigador, porque são limitados pelos músculos e fáscias da mastigação; esses espaços comunicam-se livremente entre si, de modo que, quando um é envolvido, os outros também podem estar. Localiza-se entre a parede anterior maxilar e o músculo elevador do lábio superior. As infecções originadas dos pré-molares superiores localizam-se mais frequentemente em fundo de vestíbulo intrabucal. Como os primeiros pré-molares superiores apresentam uma raiz vestibular e outra palatina, as infecções originadas da raiz palatina poderão drenar na região mediana do palato. ESPAÇO CANINO OU INFRAORBITÁRIO ESPAÇO BUCAL O espaço bucal é delimitado por músculos e ossos da face. Infecções dos dentes superiores podem drenar para o seio maxilar. Nas infecções da mandíbula, a drenagem pode ser vestibular ou extrabucal, dependendo da profundidade da infecção. ESPAÇO SUBMENTONIANO Limitado lateralmente pelo ventre anterior do músculo digástrico; superiormente pelo músculo milo-hióideo; e inferiormente pela pele, fáscia superficial, músculo platisma e fáscia cervical profunda Os molares inferiores poderão drenar em diferentes localizações, dependendo da posição de suas raízes em relação ao processo alveolar. As infecções do primeiro molar inferior que rompem a cortical vestibular terão sua localização preferencial em fundo de vestíbulo, devido à inserção muito baixa do bucinador nesta região. Caso a infecção caminhe em direção lingual, se relacionará, então, ao músculo milo-hióideo inserido na linha oblíqua interna, ocorrendo a infecção do espaço sublingual. Limitado inferiormente pelo músculo milo-hióideo, lateral e anteriormente pela fáscia interna do corpo mandibular, superiormente pela mucosa oral e medialmente pelos músculos genioglosso, gênio-hióideo e estiloglosso ESPAÇO SUBLINGUAL ESPAÇO SUBMANDIBULAR Limitado lateralmente pela pele e pela fáscia cervical profunda, medialmente pelos músculos milo-hióideo, hipoglosso e estiloglosso, inferiormente pelo músculo digástrico e superiormente pela face interna da mandíbula e inserção do músculo milo-hióideo. A rota da infecção dos terceiros molares inferiores depende da posição na mandíbula. Molares verticais causam infecção abaixo do músculo milo-hióideo, atingindo o espaço submandibular. Já os molares mesioangulares ou horizontais podem levar a infecção acima do músculo milo-hióideo, drenando para o espaço pterigomandibular, que pode se conectar ao espaço laterofaríngeo. A. Infecção do espaço sublingual. O ápice dental do molar inferior está localizado acima da inserção do músculo milo-hióideo. B. Vista lateral do espaço sublingual. A infecção odontogênica se dissemina entre as fibras dos músculos genioglosso, gênio-hióideo, milo- hióideo e platisma. Infecção do espaço submandibular. O ápice dental do molar inferior está localizado abaixo da inserção do músculo milo-hióideo. ESPAÇO PTERIGOMANDIBULAR Limitado lateralmente pela fáscia interna do ramo ascendente e medialmente pelo músculo pterigóideo medial. Ocasionalmente uma infecção do terceiro molar poderá atingir o espaço submassetérico (localizado entre o músculo masseter e pela face externa do ramo mandibular), quando a posição de suas raízes está anormalmente em direção vestibular. ACESSO CIRÚRGICO Critérios para encaminhamento ao cirurgião bucomaxilofacial. •Dificuldade de respirar •Dificuldade de deglutir •Desidratação •Trismo moderado a grave (abertura interincisal menor que 25 mm) •Edema estendendo-se além do processo alveolar •Temperatura elevada (maior que 38,3°C) •Mal-estar e aparência tóxica •Defesas comprometidas do hospedeiro •Necessidade de anestesia geral •Insucesso no tratamento anterior TRATAMENTO DA INFECÇÃO ODONTOGÊNICA Remoção da causa: A remoção da causa busca eliminar a fonte original da infecção, enquanto o tratamento cirúrgico consiste em procedimentos que variam desde a simples drenagem de infecção via canal até procedimentos mais complexos, como drenagens envolvendo múltiplas incisões intra ou extrabucais, com a colocação de drenos para drenagem contínua pós-operatória. Quando possível, é preferível tentar salvar o dente infectado através de tratamento endodôntico ou periodontal. No entanto, se o dente não puder ser salvo, devido a condições sistêmicas ou outras razões, a extração dentária é necessária para remover a fonte da infecção. Além disso, muitas vezes é necessário realizar uma incisão cirúrgica para drenar o pus e os tecidos necróticos, reduzindo a pressão nos tecidos inflamados e melhorando o suprimento sanguíneo local para facilitar a chegada de células de defesa. A técnica de incisão e drenagem podeser realizada dentro ou fora da boca, dependendo da localização da infecção e das estruturas adjacentes. Quando a infecção se espalha pelo osso, ela tende a procurar o ponto de menor resistência para perfurar a cortical óssea, o que pode influenciar o local da incisão cirúrgica. TÉCNICA CIRÚRGICA Drenos de gaze embebidos em substâncias antissépticas: estes drenos não são mais utilizados, tendo em vista a necessidade de trocas frequentes, além de exalarem odor desagradável e acumularem secreções em seu interior Drenos de borracha ou material sintético: são os drenos mais utilizados na atualidade. Podem ser flexíveis, denominados drenos de Penrose; ou do tipo rígido. Os drenos do tipo rígido são utilizados nas situações em que se necessita irrigação, como via de administração de medicamentos e aspiração da loja cirúrgica. Para a realização da aspiração, podem ser acoplados a um sistema de aspiração ou dispositivos que promovam pressão negativa (vácuo) no interior do dreno Os drenos de Penrose são os mais utilizados e se apresentam em diâmetros diferentes e selecionados, de acordo com o tamanho da loja cirúrgica. Os drenos devem ser preparados antes do uso, realizando-se picotes excêntricos, para que, quando inseridos na loja do abscesso, tenham retenção nas fáscias musculares e drenem mais eficazmente através das perfurações. *Nas drenagens intrabucais utilizamos fio de seda 3-0; nas drenagens extrabucais utilizamos fios de náilon 5-0.* Parece-nos adequado que tanto o calor intrabucal quanto o extrabucal devem ser usados na fisioterapia das infecções. A utilização de calor úmido (compressas mornas) é preferível em relação ao calor seco, por atingir maior profundidade nos tecidos. O calor úmido extrabucal deverá ser orientado de 20 a 30 min por hora, após prévia lubrificação da pele com cremes ou vaselina, para evitar queimaduras locais. O calor intrabucal é empregado por meio da utilização de bochechos mornos de solução salina, podendo também ser associados a antissépticos bucais, devendo ser realizados várias vezes ao dia. TERAPIA DE SUPORTE USO DE ANTIBIÓTICOS NAS INFECÇÕES ODONTOGÊNICAS Principais espaços fasciais secundários: •Submassetérico •Pterigomandibular •Temporal superficial e profundo •Faríngeo lateral •Retrofaríngeo. INFECÇÕES ODONTOGÊNICAS COMPLEXAS A.Espaço pterigomandibular. B. Espaço temporal profundo. C. Espaço temporal superficial. D. Espaço massetérico. A. Espaços fasciais secundários. A, espaço faríngeo lateral; B, espaço retrofaríngeo; C, espaço pré-vertebral. B. Infecções podem avançar para espaço retrofaríngeo (A) e pré-vertebral (B), e daí podem progredir para o mediastino (C). O tratamento da infecção odontogênica nos espaços faríngeos envolve antibioticoterapia grave, drenagem precoce e controle de vias respiratórias. O último risco da infecção do espaço retrofaríngeo é o envolvimento progressivo do espaço pré-vertebral, que se separa do espaço retrofaríngeo pela camada alar da fáscia pré- vertebral. Se ocorre a perfuração desta fáscia, o espaço pré-vertebral é envolvido. Quando os espaços retrofaríngeo e/ou pré-vertebral são envolvidos em consequência de uma infecção odontogênica, o paciente está geralmente muito comprometido sistemicamente. As três graves complicações potenciais são: •Obstrução de via respiratória superior em consequência de deslocamento em direção anterior da parede posterior da faringe •Rompimento do espaço retrofaríngeo e broncoaspiração da secreção purulenta •Disseminação para o mediastino.