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AMPLIE SEUS CONHECIMENTOS Origem e evolução dos artrópodes 402 U n id a d e D • A d iv e rs id a d e d o s a n im a is Há evidências fósseis de que artrópodes primi- tivos, ancestrais das espécies atuais, viveram no mar há mais de 570 milhões de anos. Um grupo de artrópodes marinhos primitivos hoje extintos, os trilobites, deixou um registro fóssil relativamente abundante em rochas dessa idade. Um dos grupos atuais de artrópodes, os crustáceos, permaneceu no mar, enquanto outros, como os quelicerados e os insetos, empreenderam a conquista do ambiente de terra firme. (Fig. 13.7) Figura 13.7 Fósseis de trilobites, artrópodes primitivos extintos, abundantes nos mares entre 570 milhões e 250 milhões de anos atrás. O tamanho das diversas espécies variava desde uns poucos milímetros até mais de 50 cm. Hábitat e hábitos dos crustáceos A maioria dos crustáceos vive em ambientes aquáticos, marinhos ou de água doce. Entre as poucas espécies de terra firme, destacam-se os tatuzinhos-de-jardim (gêneros Porcellio e Arma- dillium, que vivem escondidos sob pedras ou troncos apodrecidos), os tatuzinhos-de-praia, ou ta- tuíras (por exemplo, Emerita brasiliensis, que se enterra na areia das praias), e as baratas-de-praia (por exemplo, Ligia exotica, que vive em ambientes rochosos do litoral marinho). Há caranguejos capazes de carregar água nas câmaras branquiais, o que lhes permite suportar longos períodos fora da água, como o Ocypode albicans, caranguejo de cor clara popularmente conhecido como “maria-farinha”, que cava tocas na areia. Os modos de explorar o ambiente variam nos diversos grupos de crustáceos. Há espécies sésseis como cracas, que vivem fixadas a rochas e outros substratos submersos, e espécies de vida livre, que caminham sobre o fundo marinho, como os siris e os camarões. Lagostas são crustáceos de vida livre que, em geral, passam o dia em esconderijos entre as rochas do fundo do mar. (Fig. 13.6) Figura 13.6 Variedade de crustáceos. A. Camarão- -imperador, uma espécie comensal, sobre pepino-do-mar. B. Tatuzinho-de-jardim. C. Barata-de-praia. Esses dois últimos são crustáceos adaptados a ambientes úmidos de terra firme. A B C Os artrópodes têm estreitas relações de parentes- co evolutivo com os anelídeos. A maior evidência disso é a segmentação metamerizada do corpo. Artrópodes primitivos, hoje extintos, apresentavam o corpo nitidamente dividido em metâmeros semelhantes. Apesar de a metameria ser menos evidente nas for- mas adultas dos artrópodes atuais, devido à fusão e à especialização dos metâmeros, a organização metamerizada está presente nas fases embrionárias de todas as espécies do grupo. Em 1980 descobriu-se um novo grupo de crustá- ceos — Remipedia — cujo corpo é formado por 32 metâmeros, cada um com apêndices semelhantes aos parápodes dos anelídeos poliquetos, reforçan- do ainda mais a relação evolutiva entre artrópodes e anelídeos. Outro indício dessa relação é fornecido pelos onicóforos — filo Onycophora —, animais que apresentam características nitidamente in- termediárias entre artrópodes e anelídeos (veja a seguir). Apesar da concordância dos cientistas quanto ao parentesco entre anelídeos, onicóforos e artrópodes, continua o debate sobre a classificação e a filogenia desses animais. Alguns cientistas defendem a ideia de que o filo Arthropoda é monofilético, isto é, que todos os grupos do filo descendem de um ancestral AMPLIE SEUS CONHECIMENTOS Annelida Onychophora Trilobita Chelicerata Crustacea Myriapoda Hexapoda Snodgrass, 1938 A Annelida Trilobita Chelicerata Crustacea Onychophora Myriapoda Hexapoda Tiegs e Manton, 1958 C Annelida Onychophora Trilobita Chelicerata Crustacea Myriapoda Hexapoda Cisne, 1974 B Trilobita Chelicerata Crustacea Annelida Onychophora Myriapoda Hexapoda Manton, 1964; Anderson, 1973 D 403 C a p ít u lo 1 3 • A rt ró p o d e s Figura 13.9 Árvores filogenéticas que mostram diferentes hipóteses de parentesco evolutivo entre anelídeos, onicóforos e artrópodes. Os diagramas A e B apresentam a hipótese de que todos os artrópodes atuais e os trilobites tiveram um ancestral em comum exclusivo (ponto vermelho); nos dois casos, Arthropoda seria um grupo monofilético. No diagrama C, os artrópodes seriam difiléticos. No diagrama D, a hipótese é de que os artrópodes tiveram diferentes ancestrais, o que significa dizer que esse grupo é polifilético (segundo Gonzalez Giribet, 1999). comum exclusivo. Outros, com base em estudos de ribossomos e de DNA mito- condrial, afirmam que os artrópodes formam um grupo polifilético e que deveriam ser separados em diversos filos. (Fig. 13.9) Os hábitos alimentares dos crustáceos também são variados. As cracas, por exemplo, são animais filtradores, retirando da água partículas alimentares em suspensão. Certos caranguejos são herbívoros, alimentando-se de algas. Outros são carnívoros, alimentando-se de animais vivos ou mortos. Camarões, siris e alguns caranguejos são detritívoros, alimentando-se de todo o tipo de detritos orgânicos que encontram. Importância econômica e ecológica dos crustáceos Crustáceos como camarões, lagostas, siris e caranguejos são largamente empregados na alimentação humana. Eles também desempenham papel importante na cadeia alimentar de mares e grandes lagos. Nesses ambientes, a luz solar é captada primariamente pelos seres fotossin- tetizantes do fitoplâncton, algas e bactérias. Os seres do fitoplâncton servem de alimento aos do zooplâncton, entre os quais os mais abundantes são microcrustáceos, quase invisíveis a olho nu, principalmente os copépodes. Essa comunidade de seres flutuantes, o plâncton, constitui a base alimentar da maior parte da fauna aquática. (Fig. 13.8) Figura 13.8 Micrografia de microcrustáceos do zooplâncton de água-doce ao microscópio óptico. Acima, à direita, Daphnia sp.; abaixo, Branchinecta sp. AMPLIE SEUS CONHECIMENTOS O filo Onycophora (onicóforos) 404 U n id a d e D • A d iv e rs id a d e d o s a n im a is O camarão como exemplo de crustáceo Camarões são fáceis de encontrar e, por isso, os escolhemos para exemplificar as caracterís- ticas principais dos crustáceos. Espécies comuns no Brasil são: o camarão-sete-barbas (Xiphope- naeus kroyeri), o camarão-branco (Litopenaeus schmitti) e o camarão-rosa (denominação popular de duas espécies do gênero Farfantepenaeus, F. brasiliensis e F. paulensis). (Fig. 13.10) Figura 13.10 Aspecto externo de um camarão. O esquema mostra apenas os apêndices de um dos lados; as maxilas e os dois primeiros maxilípedes não estão mostrados. (Representação sem escala, cores-fantasia.) Rostro Olho composto Cefalotórax 1a antena 3a maxilípede 2a antena Pereiópodes 1o 2o 3o 4o 5o Pleópodes Branquiostegito (carapaça sobre as brânquias) Abdome Urópodes Télson Os onicóforos têm características tanto de anelídeos quanto de artrópodes e, no passado, já foram classificados no subfilo Uniramia, junto com os hescápodes e os miriápodes. Atualmente, eles são classificados em um filo independente, Onycophora (do grego onychos, unha, garra, e phoros, portador). Os onicóforos têm corpo alongado, entre 5 e 10 cm de comprimento, pele aveludada, de cor marrom ou acinzentada, e numerosos pares de pernas curtas e grossas, que terminam em pequenas garras afiadas. O nome do filo refere-se exatamente à presença dessas garras. Na cabeça dos onicóforos há um par de antenas. Há também um par de papilas secretoras de muco, com as quais o animal pode lançar um fino jato gosmento que imobiliza suas presas. Os onicóforos são carnívoros e capturam insetos, vermes e lesmas, que devoram com o auxílio de seus dentes quitinosos e afiados. Os fósseis indicam que a organização básica do corpo dos onicóforos pouco mudou nos últimos 500 milhões de anos. Atualmente são conhecidas apenas 70 espécies, que vivem em ambientes muito particulares emflorestas tropicais da África, Ásia, Austrália, América do Sul e América Central. Onicóforos vivem em locais úmidos e, nos períodos secos, escondem-se em buracos na terra ou sob troncos podres e folhas caídas, como maneira de se proteger da perda de água. O fato de estarem amplamente distribuídos pelos continentes é um indício de que esses animais já foram mais comuns no passado. As semelhanças entre onicóforos e anelídeos aparecem na organização da musculatura, no sistema excretor constituído por metanefrídios e na estrutura dos órgãos reprodutores. Os onicóforos assemelham-se aos artrópodes por terem sistema circulatório aberto e sistema respiratório traqueal. (Fig. 13.11) AMPLIE SEUS CONHECIMENTOS FACE ANTERIOR VENTRAL “Antenas” Papila oral BocaPerna Garra B 405 C a p ít u lo 1 3 • A rt ró p o d e s Apêndices cefálicos Em um camarão adulto, a cabeça e o tórax são fundidos, constituindo o cefalotórax. A cabeça do camarão resulta da diferenciação dos seis metâmeros embrionários anteriores. O primeiro não tem apêndices; o segundo e o terceiro apresentam, cada um, um par de antenas, que desempe- nham funções de equilíbrio, tato e paladar. No quarto metâmero há um par de mandíbulas fortes, utilizadas para mastigar e triturar o alimento. O quinto e o sexto metâmeros cefálicos apresentam, cada um, um par de maxilas, que manipulam o alimento e o encaminham para a boca. Apêndices torácicos O tórax do camarão e de vários outros crustáceos é formado pela fusão de oito metâmeros embrionários. Os três primeiros apresentam, cada um, um par de apêndices denominados maxi- lípedes; como o nome indica, esses apêndices são “pernas maxilares”, cuja função é manipular o alimento, passando-o para as maxilas e mandíbulas. Cada um dos outros cinco metâmeros torácicos apresenta um par de pereiópodes, adaptados para caminhar nos fundos submersos. Em certas espécies de camarão, o primeiro par de pereiópodes tem pinças, ou quelas, semelhan- tes às das lagostas e caranguejos. Na base dos apêndices torácicos dos crustáceos geralmente há brânquias e, por isso, esses apêndices são denominados branquiopoditos. Apêndices abdominais O abdome do camarão é formado por seis metâmeros. Cada um dos cinco primeiros apresen- ta um par de apêndices denominados pleópodes, adaptados para nadar e caminhar. O último metâmero abdominal apresenta um par de apêndices achatados, os urópodes, que, juntamente com uma peça terminal afilada, denominada télson (ou telso), constituem a cauda do camarão, utilizada para nadar. Os diversos apêndices dos crustáceos são bifurcados (birramosos), o que diferencia esses animais dos demais artrópodes que possuem apêndices não bifurcados (unirramosos). VISTA LATERAL“Antenas” Olho Papila oral Perna A Figura 13.11 A. Representação esquemática da parte anterior de um onicóforo em vista lateral. B. Representação esquemática da face anterior ventral do onicóforo mostrando a boca. (Desenhos sem escala, cores-fantasia.) C. Foto de onicóforo encontrado em Trinidad e Tobago (comprimento q 6 cm). C R ep ro d uç ão p ro ib id a. A rt .1 84 d o C ód ig o P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 406 U n id a d e D • A d iv e rs id a d e d o s a n im a is 2 Chelicerata (quelicerados) Uma característica típica dos quelicerados é a presença de um par de quelíceras, estruturas afiadas que participam da captura de alimento. A maioria dos quelicerados tem o corpo dividido em dois tagmas — o cefalotórax, ou prossomo, e o abdome, ou opistossomo; eles apresentam quatro pares de pernas e não têm antenas. (Fig. 13.12) Na classificação que adotamos, Chelicerata apresenta três classes — Arachnida, Merostomata e Pycnogonida —, compreendendo cerca de 80 mil espécies. A classe Arachnida (aracnídeos) tem o maior número de representantes atuais, reunindo aranhas, escorpiões, carrapatos e ácaros. A classe Merostomata (ou Xiphosura), com apenas cinco espécies atuais, reúne os caranguejos- -ferradura, animais marinhos pouco conhecidos dos brasileiros, pois eles não são encontrados em nossos litorais. A classe Pycnogonida reúne as aranhas-do-mar, quelicerados marinhos com quatro (às vezes cinco ou seis) pares de pernas muito longas. (Tab. 13.2) Figura 13.12 Variedade de quelicerados. A. Aranha (classe Arachnida). B. Caranguejo-ferradura (classe Merostomata), vista ventral. C. Carrapato (classe Arachnida). D. Ácaro (classe Arachnida). E. Escorpião (classe Arachnida). A B C D E