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Monitoria de Direito Penal I Wilson Ferreira Página 1 CADERNO DO MONITOR INTRODUÇÃO CONCEITO DE DIREITO PENAL Direito Penal é o ramo do ordenamento jurídico que define crime e contravenção penal e comina pena e medida de segurança. Para Claus Roxin, Direito Penal é o conjunto de preceitos que regulam os pressupostos e consequências de uma conduta cominada com pena ou medida de segurança. Os crimes são definidos por meio da descrição da conduta proibida. Por exemplo, ao definir o crime de homicídio, nosso Código Penal descreve a conduta proibida de matar: art. 121: matar alguém. Essa descrição é chamada de tipo penal. A pena é a resposta estatal à violação da norma penal. Porém, somente é aplicada a quem pode ser reprovado face o Direito, ou seja, a quem é imputável. Algumas pessoas, por falta de sanidade mental ou por menoridade, não são reprováveis (são inimputáveis) e, portanto, não estão sujeitas à pena. Aos doentes mentais que praticam alguma conduta criminosa são aplicadas medidas de segurança, que pode ser um tratamento ambulatorial, por exemplo. Já os menores de 18 anos não estão sujeitos ao Direito Penal e sim ao Direito da Criança e do Adolescente, regulado pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Quando um menor pratica algum fato análogo a crime, isto é, um ato infracional 1 , contra ele é imposta uma medida socioeducativa. No Brasil, a pena mais grave é a privativa de liberdade (prisão) de 30 anos. A medida socioeducativa mais grave é uma internação de 3 anos. Esse limite legal não 1 Art. 103 do ECA: Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal. UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE DIREITO DEPARTAMENTO DE DIREITO E PROCESSO PENAL PROGRAMA DE MONITORIA DIREITO PENAL I Professor Orientador: Luís Augusto Sanzo Brodt Monitor: Wilson Alves Ferreira Semestre: 2019/1 Monitoria de Direito Penal I Wilson Ferreira Página 2 existe nas medidas de segurança, que podem ser impostas enquanto for necessário, o que é problemático, haja vista a vedação constitucional à pena perpétua. DIREITO PENAL OU DIREITO CRIMINAL? Parte da doutrina defende a terminologia Direito Criminal e critica que Direito Penal enfatiza demasiadamente a pena, que não é a única resposta estatal à prática de crime, haja vista que existe também a medida de segurança. Além disso, o crime é a forma mais grave de violação da norma jurídica penal. No entanto, a doutrina majoritária, como a de Fernando Galvão, defende que Direito Penal é mais adequado porque o crime não é a única infração penal, sendo que o ordenamento jurídico estabelece também as contravenções penais. Ademais, a pena é a consequência normal da infração penal e as medidas de segurança são aplicadas somente quando o agente é psicologicamente incapaz de compreender o caráter ilícito da conduta criminosa. Para Nilo Batista, a melhor expressão é Direito Penal porque a pena é condição de existência jurídica do crime e que mesmo a medida de segurança constitui-se com caráter retributivo, possuindo, portanto, um matiz penal. No Brasil adotou-se Direito Penal. A expressão Direito Criminal vigorou aqui somente com o Código Criminal de 1930. DIREITO PENAL, CRIMINOLOGIA E POLÍTICA CRIMINAL Direito Penal e Criminologia O Direito Penal criminaliza condutas, mas não se pergunta sobre o ser destas condutas, o que elas representam na biografia do sujeito, da problemática geral das condutas criminosas na vida social etc. A Criminologia é a ciência que estuda a criminalidade do ponto de vista biopsicossocial, estudando, portanto, a conduta criminosa e seu autor. Criminologia clássica: Os postulados consagrados pelo Iluminismo, que de certa forma foram sintetizados no “Dos delitos e das penas”, de Cesare de Beccaria, serviram como fundamento básico para essa doutrina, que buscava impedir as torturas e desrespeitos à condição humana no sistema penal. Segundo esta doutrina, o fundamento do direito de punir do Estado está em um contrato social e a punibilidade é fundada no livre-arbítrio do agente. Criminologia positivista: Se opondo à concepção individualista da Escola Clássica, essa doutrina se colocou na tarefa de defender mais o corpo social contra condutas delinquentes. A criminologia aqui é entendida como uma ciência causal-explicativa do delito, ou seja, que trata de explicar as causas da conduta criminosa. Nesse campo, se Monitoria de Direito Penal I Wilson Ferreira Página 3 conformam a Antropologia Criminal e a Sociologia Criminal, que constituem o Paradigma Etiológico da criminologia. A Antropologia Criminal surge com o médico italiano Cesare Lombroso, que procurou explicar a causa do comportamento criminoso por meio de estigmas físicos (assimetria do rosto, dentição anormal etc) e psíquicos do agente: a causa do crime é identificada no próprio criminoso. A Sociologia Criminal se consolida com Enrico Ferri, que sustentou a teoria sobre a inexistência do livre-arbítrio, considerando que a pena não se impunha pela capacidade de autodeterminação da pessoa, mas pelo fato de ser um membro da sociedade. Criminologia da reação social: Superado o paradigma etiológico, surge o Paradigma da Reação Social, que analisa a criminalidade a partir da interação entre indivíduo e sociedade. Segundo esta doutrina, infringir a norma penal, por si só, não faz uma pessoa ser criminosa, é necessário também que o agente esteja dentro do grupo perseguido pelo aparato estatal, ou seja, que o indivíduo esteja “rotulado” ou “etiquetado”. Geralmente, esse grupo é formado por pessoas pobres e negras, estigmatizadas pelo sistema penal. Essa perspectiva da reação social explica mais adequadamente os “crimes de colarinho branco”, termo introduzido por Edwin Sutherland para se referir aos crimes praticados por ricos. Destarte, a criminalidade é comum a todas as classes sociais, mas o Estado rotula apenas uma, a dos pobres. Criminologia crítica: essa vertente, que emana do paradigma da reação social, utiliza os postulados marxistas para demonstrar que o Direito Penal se concentra na classe trabalhadora como estratégia de controle e vigilância da classe dominante para proteger seus bens. Direito Penal e Política Criminal A política criminal é um capítulo da política geral relativo ao fenômeno criminal. É a arte ou a ciência de governo que trata da questão criminal. A política criminal guia decisões tomadas pelo poder político ou proporciona os argumentos para criticar essas decisões, cumprindo então funções de guia e de crítica. Segundo Eugenio Zaffaroni, política criminal é a ciência ou a arte de selecionar os bens que devem ser tutelados jurídica e penalmente, e escolher os caminhos para efetivar tal tutela, o que implica a crítica dos valores e caminhos já eleitos. Para Nilo Batista, a política criminal é composta por princípios e recomendações para a reforma da legislação penal e dos órgãos encarregados por sua aplicação. ACEPÇÕES DO TERMO DIREITO PENAL Monitoria de Direito Penal I Wilson Ferreira Página 4 Direito Penal objetivo: É o conjunto de normas jurídicas que regulam a atividade estatal de definir crimes e cominar as respectivas sanções. É constituído, assim, pelo Código Penal e por leis penais extravagantes (leis penais fora do Código Penal). Direito Penal subjetivo: É o jus puniendi, ou seja, o direito de punir, cuja titularidade pertence exclusivamente ao Estado. Praticado o crime por alguém, nasce para o Estado esse jus puniendi. Alguns doutrinadores são críticos a essa ideia, como Nilo Batista, que prefere falar em poder de punir e não direito de punir. Vale ressaltar que o art. 22, I, da Constituição Federal, define que cabe privativamente à Uniãolegislar sobre Direito Penal. Dogmática Penal (Ciência Penal): O termo Direito Penal também diz respeito ao saber da Ciência Penal, que desempenha papel de analisar valorativa e criticamente o texto legal da norma penal, sendo o sistema de interpretação da legislação penal, que recebe também o nome de Dogmática Penal. O método dogmático se completa com as seguinte fases: Reunião do conjunto de leis do Direito Penal objetivo > Interpretação deste conjunto > Construção de conceitos e institutos > Organização dos institutos e formação do sistema penal. Direito Penal substantivo e Direito Penal adjetivo: Esta distinção já não vigora mais em nossa dogmática, mas sempre é lembrada por nossos doutrinadores. Direito Penal substantivo, também chamado de direito penal material, seria o direito penal propriamente dito, composto por normas que definem crimes e cominam as respectivas sanções. Direito Penal adjetivo, ou formal, seria o direito processual penal, que determina a forma como deve ser aplicado o direito penal, sendo o instrumento de aplicação do direito penal substantivo. Direito Penal comum e Direito Penal especial: O Direito Penal comum é aquele cujas normas podem ser aplicadas através da Justiça Comum. Já o Direito Penal especial é aquele cujas normas somente são aplicadas por órgãos da Justiça Especial. Assim, no Brasil há dois ramos do Direito Penal especial: o Direito Penal Militar e o Direito Penal Eleitoral, que são aplicados pela Justiça Militar e pela Justiça Eleitoral, respectivamente. É necessário destacar que essa distinção não pode ser confundida com legislação penal comum (o Código Penal) e legislação penal especial, também conhecida como legislação extravagante, que é constituída por leis penais fora do Código Penal. Direito de Execução Penal (penitenciário): A execução da pena apresenta uma grande complexidade, sobretudo quando se trata de penas privativas de liberdade, o que vem fazendo que seja cada vez mais regulamentada em lei, especialmente na Lei de Execução Penal (LEP). Essa regulamentação fez surgir um ramo acessório do Direito Penal, chamado de Direito de Execução Penal, Direito Penitenciário ou Direito Penal Executivo. O Direito Penal fixa o objetivo geral da pena, de prevenção, e o direito penitenciário regula a forma em que deve realizar esta tarefa preventiva. Esse ramo regula, por exemplo, o regime de cumprimento da pena privativa de liberdade. Monitoria de Direito Penal I Wilson Ferreira Página 5 FUNÇÃO DO DIREITO PENAL A doutrina majoritária defende que o Direito Penal serve para garantir o convívio em sociedade por meio da proteção dos bens jurídicos mais importantes. Argumenta-se que ao criminalizar condutas que violem bens jurídicos, o Direito Penal dá a eles a proteção necessária, pois coibiria aquelas condutas. Claus Roxin define bem jurídico como circunstâncias reais dadas ou finalidades necessárias para uma vida segura e livre, que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos. Na criminalização de condutas (e consequente proteção dos bens jurídicos), o legislador deve levar em consideração os aspectos de fragmentariedade e subsidiariedade do direito penal. A fragmentariedade significa que somente podem ser punidas condutas que lesem, ou ameacem de lesão, de forma grave os bens jurídicos mais importantes. O direito penal deve se ocupar apenas dos casos mais graves de violação dos bens jurídicos mais importantes. A subsidiariedade significa que o direito penal somente pode atuar quando outros ramos do ordenamento jurídico não forem capazes de dar a devida proteção ao bem jurídico. O direito penal tem caráter subsidiário em relação aos outros ramos do Direito. Quando determinadas condutas puderem ser suficientemente proibidas pelo Direito Administrativo ou Direito Civil, a intervenção do Direito Penal deve ser dispensada. Vale ressaltar, no entanto, que uma doutrina minoritária, como a de Juarez Cirino, aduz que o direito penal é uma forma grave de controle social, servindo para conter a classe explorada (trabalhadora) de condutas que possam ameaçar os privilégios da classe dominante. Para ele, essa é a função real do Direito Penal, mas que é oculta em face ao objetivo tradicional e declarado, defendido pela doutrina majoritária. Outra doutrina isolada é a de Gunther Jakobs, que desenvolveu a teoria do funcionalismo sistêmico e a ideia de “Direito Penal do inimigo”. Para Jakobs, o Direito Penal serve para reafirmar a vigência da norma. Em razão disso, divide o Direito Penal em Direito Penal do cidadão e Direito penal do inimigo. O Direito Penal do cidadão é dirigido às pessoas que violaram a norma penal ao praticar crimes, mas que têm a oportunidade de reestabelecer sua vigência. O Direito Penal do inimigo é aplicado à pessoa que já violou demais a norma penal, passando a ser então inimiga do Estado, como é o caso de terroristas, pois o objetivo de reestabelecer a vigência da norma já não é mais alcançável neste caso. https://jus.com.br/tudo/direitos-humanos Monitoria de Direito Penal I Wilson Ferreira Página 6 O CÓDIGO PENAL O Código Penal brasileiro foi estabelecido pelo Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940, tendo sua Parte Geral reformada pela Lei nº 7.209, de 11 de julho 1984. O Código se estrutura em duas partes, uma geral e outra especial. De seus 361 artigos, do art. 1º até o art. 120 trata-se da Parte Geral e do art. 121 até o art. 361, da Parte Especial. A Parte Geral do Código Penal é ocupada pelas teorias da norma, do crime e da pena, que orientam toda a Parte Especial, que traz os crimes em espécie. Na história brasileira, tivemos ainda o Código Criminal do Império de 1830, o Código Penal de 1890 e o Código Penal de 1969 2 , este, porém, teve sua vigência adiada por várias vezes até quando foi revogado pela Lei nº 6.578/78. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE DIREITO PENAL O Direito Penal é regido por princípios estabelecidos explícita ou implicitamente na Constituição Federal. Em um Estado Democrático de Direito, esses princípios representam garantias da liberdade individual dos cidadãos face ao poder punitivo do Estado. A doutrina costuma divergir sobre a lista ou nomenclatura dos princípios constitucionais, mas há um certo consenso acerca dos seguintes princípios: legalidade, humanidade, culpabilidade, intervenção mínima, lesividade (ofensividade), fragmentariedade, insignificância, proporcionalidade, individualização da pena, pessoalidade, adequação social e non bis in idem. O princípio da legalidade é a garantia aos indivíduos de que a intervenção punitiva estatal só tem autorização nos estreitos limites da lei. A legalidade exprime-se sob a fórmula latina de Feuerbach “nullum crimem, nulla poena sine lege praevia” e impõe a estrita observância da reserva legal para a definição de crimes e aplicação de penas. A Constituição Federal e o Código Penal preveem de forma expressa esse princípio: Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal (art. 5º, XXXIX, da CF e art. 1º do CP). Desse modo, somente pode ser considerado crime a conduta anteriormente definida como tal em lei. Em decorrência disso, existem quatro importantes limitações do poder punitivo: Proibição da retroatividade da lei penal in malam partem “A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu” (art. 5º, XXXL, CF). Uma lei penal somente incide sobre uma conduta se estava vigente no momento da ação ou omissão. Todavia, existe uma exceção, que é quando a nova lei de 2 Curiosidade: esse Código é o exemplo da mais longa vacatio legis de que se tem notícias. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1980-1988/L7209.htm#art1 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1980-1988/L7209.htm#art1Monitoria de Direito Penal I Wilson Ferreira Página 7 qualquer modo beneficia o réu, aí ela retroage (in bonam partem) e atinge fatos ocorridos mesmo antes de sua entrada em vigor. Proibição do costume como fonte da lei penal in malam partem Apenas a lei em sentido estrito é fonte formal do Direito Penal, ou seja, apenas a lei pode definir crimes e cominar penas. Entretanto, o costume também pode ser admitido in bonam partem para beneficiar o réu. Embora exista divergência, o exemplo comum é o do crime de casa de prostituição, que foi praticamente abolido pela existência generalizada de motéis (costume). Proibição de analogia da lei penal in malam partem Analogia significa a aplicação da lei penal a fatos não previstos, mas semelhantes aos previstos. É proibida a analogia quando constitui prejuízo para o réu. Ao contrário, se for in bonam partem, é permitida. É necessário ressaltar que analogia se distingue de interpretação analógica, que é uma interpretação extensiva autorizada pela própria norma, como por exemplo o art. 121, §2º, I, do CP, que define o crime homicídio qualificado pelo motivo (“se o homicídio é cometido mediante paga ou promessa de recompensa ou por outro motivo torpe”. O “motivo torpe” é um termo genérico, o que permite uma interpretação de forma extensiva para incluir outros motivos torpes não expressamente previstos). Proibição da indeterminação da lei penal Esta proibição veda o estabelecimento de incriminações vagas e imprecisas, ou seja, a lei penal deve ser taxativa, evitando assim interpretações idiossincráticas. A conduta proibida e sua consequência devem ser definidas na lei, e não inferidas dela. O princípio da humanidade é deduzido da dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III, CF). Esse princípio sustenta que o poder punitivo estatal não pode aplicar sanções que atinjam a dignidade da pessoa humana ou que lesione a constituição físico-psíquica dos condenados. Os direitos humanos devem receber proteção jurídica a fim de evitar que o ser humano seja vítima de atos de barbárie. Sob o enfoque deste princípio, a justiça criminal não pode ser exageradamente repressiva, devendo se preocupar mais com as consequências sociais da incriminação e punição. Assim, em nosso ordenamento jurídico são expressamente proibidas as penas de morte (salvo em caso de guerra), perpétuas, de trabalho forçado, de banimento e cruéis (art. 5º, XLVII, CF). São penas incompatíveis com o princípio da humanidade. Ainda como consequência desse princípio, temos a garantia da integridade física e moral dos presos (art. 5º, XLIX, CF e art. 38, CP). Na prática de nosso sistema penitenciário, esse princípio é diariamente violado. O princípio da culpabilidade limita a punição da pessoa condenada pela realização do fato-crime. Somente se pode aplicar pena à pessoa quando e na medida em que se Monitoria de Direito Penal I Wilson Ferreira Página 8 possa reprová-la e, assim, toda pena pressupõe a culpabilidade de seu destinatário (nulla poena sine culpa). A Constituição estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII, CF). A intervenção punitiva, portanto, somente será legítima quando da definitiva consideração de culpa 3 . No Direito Penal, culpabilidade tem um triplo sentido: Culpabilidade como fundamento da pena: refere-se ao fato de ser possível ou não a aplicação de uma pena ao autor de um crime. Isso porque a culpabilidade é elemento do conceito analítico de crime, entendida como a reprovação jurídica sobre o sujeito ativo do crime. Esta reprovação, como juízo, pressupõe que o indivíduo detinha o poder de conter-se diante dos impulsos determinantes da prática do ilícito e não o fez. Assim, são necessários alguns requisitos para a reprovação do agente: capacidade de culpabilidade, consciência de ilicitude e exigibilidade da conduta diversa. Culpabilidade como elemento de medição da pena: a culpabilidade também funciona como limite da pena, impedindo que a pena imposta seja aquém ou além do necessário. Também surte efeitos na dosimetria da pena (individualização da pena), quando esta deve ocorrer na medida da culpabilidade. Culpabilidade como conceito contrário à responsabilidade objetiva: o princípio da culpabilidade impede que a responsabilidade penal seja objetiva, é necessário que o agente tenha culpa ou dolo na prática do fato criminoso. Por fim, vale ressaltar que em decorrência do princípio da culpabilidade, a responsabilidade penal é pelo fato (direito penal do fato) e não pelo autor (direito penal do autor). O princípio da intervenção mínima (da ultima ratio) significa que a intervenção do direito penal deve restringir-se ao mínimo necessário à manutenção da harmonia social. Não se pode admitir exagero na incriminação ou punição. O direito penal deve interferir o menos possível na vida das pessoas em sociedade, somente devendo ser solicitado quando os demais ramos do direito (como o Direito Civil e o Direito Administrativo, chamados de extrapenais) não forem capazes de proteger aqueles bens jurídicos considerados de maior importância. A atividade punitiva é a última razão (ultima ratio) de um direito que respeita a dignidade da pessoa humana, nunca a primeira. O princípio da lesividade (da ofensividade) vincula o direito penal ao objetivo de proteger materialmente o bem jurídico. Sem lesão ou ameaça concreta de lesão ao bem jurídico não pode haver intervenção punitiva. O direito penal reprova somente aquelas condutas que atinjam ofensivamente os bens jurídicos tutelados. Por isso, vários doutrinadores defendem a inconstitucionalidade dos chamados crimes de perigo abstrato, pois em um Estado Democrático de Direito admite-se punição apenas quando há efetivo, real e concreto perigo de lesão a um bem jurídico determinado. Ainda segundo esse 3 O STF lamentavelmente ignorou a literalidade do texto constitucional para admitir o cumprimento provisório da pena. Monitoria de Direito Penal I Wilson Ferreira Página 9 princípio, somente pode ser objeto de punição a conduta humana que afete o direito de outras pessoas, ou seja, não autolesão não pode(ria) ser criminalizada. O princípio da fragmentariedade estabelece que o direito penal tem caráter fragmentário em relação à proteção de bens jurídicos. A proteção jurídico-penal é parcial e nunca integral. O direito penal protege apenas os bens jurídicos mais importantes da sociedade e aqueles que foram ofendidos de forma mais grave. A proteção nunca é exaustiva. O princípio da insignificância (da bagatela) impede a punição de lesões insignificantes aos bens jurídicos. Com isso, lesões ínfimas ao bem jurídico não podem ser materialmente criminosas, ou seja, a insignificância do bem jurídico exclui a tipicidade material da conduta. Uma pessoa que subtrai para si um bombom, por exemplo, não pode ser punida por furto, haja vista que mesmo a pena mínima desse crime seria um exagero. Na análise do caso concreto, determinar se a lesão foi ou não insignificante é difícil, mas a jurisprudência estabeleceu alguns parâmetros. De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), a aplicação do princípio da insignificância exige a verificação dos seguintes critérios: a) a mínima ofensividade da conduta; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzido grau de culpabilidade e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) ainda estabelece como requisitos a condição econômica da vítima e o valor econômico do objeto material. Em relação aos crimes contra a administração pública, o STJ considera inaplicável o princípio da bagatela 4 . Em relação ao crime de roubo, em razãoda violência ou grave ameaça, a jurisprudência dos Tribunais Superiores é pacífica no sentido da inaplicabilidade do princípio também. Por fim, cabe ressaltar que os tribunais têm entendido que no crime de descaminho, o critério para insignificância é o valor de R$ 20.000,00. O princípio da proporcionalidade dirige-se tanto ao legislador quanto ao juiz. O primeiro deve estar atento, ao definir crime e cominar pena, à natureza e extensão do dano social produzido pelo crime. Assim, aos fatos mais graves devem ser cominadas penas também mais graves, ou seja, proporcionais. Já o juiz deve julgar os casos concretos com proporcionalidade entre o caso concreto e a pena, sempre dentro dos limites esculpidos por lei. Entretanto, não se pretende com esse princípio invocar a “lei do talião”. Logo, mesmo nos crimes de homicídio a sanção não pode ser uma pena de morte. Essa limitação ao princípio da proporcionalidade é dada pelo princípio da 4 Súmula 599 do STJ: O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública. Monitoria de Direito Penal I Wilson Ferreira Página 10 razoabilidade, que exerce uma função controladora. Razoável é aquilo que tem aptidão para atingir os objetivos a que se propõe, sem, contudo, representar excesso algum. O princípio da pessoalidade (da intranscedência da pena) foi expressamente garantido em nossa Constituição Federal ao definir que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado” (art. 5º, XLV, primeira parte, CF). Nesse sentido, a responsabilidade penal não pode passar (transcender) das pessoas que praticaram o crime, porque esse princípio proíbe a extensão da pena para além do condenado. Assim, nenhuma pessoa pode responder criminalmente pelos atos de outra. O princípio da individualização da pena é a garantia de que a pena deve estar em conformidade estrita com as peculiaridades do fato e da pessoa que é apenada, respeitando todas as suas individualidades. A Constituição Federal o prevê expressamente: “a lei regulará a individualização da pena” (art. 5º, XLVI, primeira parte, CF). O princípio é materializado pela dosimetria da pena, quando a pena é aplicada de acordo com circunstâncias judiciais e legais que envolvem o delinquente e o fato delituoso. Nesse contexto, o STF julgou inconstitucional a imposição legal de cumprimento inicial da pena privativa de liberdade em regime fechado. Para a Corte, a definição do regime inicial da pena deve levar em consideração as individualidades do caso concreto. O princípio da adequação social afasta a tipicidade material de condutas que estejam dentro dos limites ético-sociais da sociedade e que sejam usuais e necessárias ou admitidas. O Professor Brodt dá o exemplo da mãe que perfura as orelhas de seu bebê para colocar brincos. A conduta configura formalmente o tipo de lesão corporal leve, mas não pode ser considerada materialmente típica porque é socialmente adequada. O princípio do non bis in idem impede que uma pessoa sofra pena duas vezes por um mesmo fato. Nosso Código Penal expressa esse princípio ao tratar da pena cumprida no estrangeiro. Se uma pessoa cumpre pena por um crime cometido no estrangeiro e vem ser punida no Brasil pelo mesmo crime, deve-se levar em conta o non bis in idem nos seguintes termos “a pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas” (art. 8º do CP). Assim, quando as penas aplicadas ao agente no estrangeiro e no Brasil forem diferentes, como no caso em que lá se aplica ao fato cometido pena restritiva de direito e aqui, privativa de liberdade, então a pena cumprida no estrangeiro diminui a pena a ser imposta no Brasil. Se, porém, as penas previstas para o fato são iguais (em ambos os países se aplica a privativa de liberdade, por exemplo), então a pena cumprida no estrangeiro é computada naquela a ser cumprida no Brasil. Exemplificando: Mévio cumpre 2 anos de reclusão no estrangeiro. No Brasil, pelo mesmo fato é condenado a 3 anos de reclusão. Logo, Mévio deverá cumprir apenas 1 ano de pena no Brasil. Monitoria de Direito Penal I Wilson Ferreira Página 11 TEORIA DA NORMA Norma penal é o comando imperativo que o Estado dirige aos cidadãos na matéria específica que se refere ao poder punitivo. A norma penal em sentido estrito (incriminadora) é formada pelo tipo penal, o preceito primário e a sanção penal (preceito secundário). O tipo descreve a conduta proibida. O preceito primário expressa o imperativo de proibição ou comando, ou seja, a vontade estatal de estender a determinados bens jurídicos a proteção penal, proibindo ou ordenando atos. A sanção, também chamada de preceito secundário, ameaça de punição a violação do preceito primário (coercibilidade). Modernamente, adota-se uma especial técnica legislativa quanto às normas incriminadoras: o preceito primário está geralmente implícito na norma penal, o que vem expresso é o tipo e a sanção penal. Exemplificando: o crime de homicídio simples está definindo da seguinte forma no CP: art. 121. matar alguém. Pena: reclusão, de 6 a 20 anos. O tipo penal do referido crime é “matar alguém”, que é pressuposto do preceito primário “não matar alguém”, que é a vontade estatal de proibição, e a sanção é a pena de reclusão de 6 a 20 anos. CLASSIFICAÇÃO Normas penais incriminadoras: definem crime e contravenção penal e cominam pena e medida de segurança. Proibitivas: o tipo é comissivo, ou seja, descreve um “fazer algo”, cujo preceito é um “não fazer algo”, uma proibição! Exemplo: art. 121 do CP (homicídio). Mandamentais (preceptivas): o tipo é omissivo, ou seja, descreve um “não fazer algo”, cujo preceito é um “fazer algo”, um mandamento! Exemplo: art.135 do CP (omissão de socorro). Normas penais não incriminadoras: dispõem sobre a aplicação, interpretação e limites das normas incriminadoras, além de completarem o sistema penal com seus princípios gerais. De aplicação: indicam qual norma prevalece em circunstâncias específicas de tempo e lugar. Ex.: art. 2 º do CP. Explicativas: esclarecem o conteúdo de normas incriminadoras. Ex.: art. 327 do CP. Monitoria de Direito Penal I Wilson Ferreira Página 12 Permissivas: são as que permitem, excepcionalmente, que se pratique uma conduta proibida. Podem ser justificantes ou exculpantes 5 : i) Justificantes: afastam a ilicitude da conduta. Ex.: art. 25 do CP (legítima defesa). ii) Exculpantes: afastam a culpabilidade do agente. Ex.: art. 26 do CP (doente mental inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato). Diretivas: são as normas penais que definem os princípios gerais de direito penal. Ex.: art. 1º do CP (princípio da legalidade). Normas penais em branco: são aquelas de tipo incompleto, em que a descrição das circunstâncias elementares do fato tem de ser completada por outra disposição, legal ou administrativa, existente ou futura, podendo ser uma lei, um decreto ou um regulamento. Podem ser homogêneas ou heterogêneas: Homogêneas (impróprias ou em sentindo amplo): são aquelas normas penais em branco em que seu complemento é oriundo da mesma fonte de produção. Ex.: Art. 237 do CP (norma penal em branco) e art. 1.521 do CC (complemento). Ambas as normas têm a mesma origem, o Congresso Nacional. Heterogêneas (próprias ou em sentido estrito): são aquelas em que o complemento é oriundo de uma fonte de produção diversa. Ex.: Art. 269 do CP (norma penal em branco) e Portaria do Ministério da Saúde que define doenças cuja notificação é compulsória (complemento). A norma penal é oriunda do Poder Legislativo e o complemento, do Poder Executivo. FONTES DO DIREITO PENAL Fonte significa lugar de origem. Fonte do Direito Penal significade onde emanam as normas penais. As fontes do Direito Penal podem ser classificadas em Fontes materiais (de produção): se relaciona com a origem do direito. O Estado (União) é a única fonte material do Direito Penal. O art. 22, I, da CF, define que compete privativamente à União legislar em matéria penal. Alguns doutrinadores ainda se referem a uma fonte material remota, que seria os valores éticos-sociais dominantes que resultam na lei que criminaliza a conduta. Fontes formais (de conhecimento ou cognição): refere-se às formas de manifestação das normas. A lei formal, norma geral e abstrata oriunda do Congresso Nacional, é a única fonte formal imediata (direta) do direito penal. São fontes formais diretas do 5 No Brasil, o crime é um fato típico, ilícito e culpável. Assim, para a configuração do crime são necessários três elementos: tipicidade, ilicitude e culpabilidade. Tipicidade é a adequação da conduta ao tipo penal. Ilicitude é a contrariedade da conduta com o ordenamento jurídico. Culpabilidade é o juízo de reprovação pessoal sobre o sujeito ativo da conduta. Monitoria de Direito Penal I Wilson Ferreira Página 13 direito penal: o Código Penal, a Lei de Contravenções Penais e outras leis penais extravagantes. As fontes formais indiretas (mediatas) são os costumes, a doutrina, a jurisprudência e os princípios gerais do direito, como veremos a seguir. No entanto, já vale ressaltar que nenhuma dessas fontes mediatas pode resultar na criação ou imposição de pena não prevista em lei em razão do princípio da legalidade. Costume é a reiteração constante e uniforme de uma regra de conduta. Para valer juridicamente é necessário um aspecto subjetivo, que é a convicção de sua necessidade jurídica. Doutrina é o resultado da atividade intelectual dos doutrinadores, isto é, o resultado da produção científica de cunho jurídico-penal realizada pelos pesquisadores em Direito, que pode facilitar o trabalho dos aplicadores da lei. Jurisprudência é a repetição de decisões judiciais nos Tribunais de Justiça e Tribunais Superiores em um mesmo sentido sobre casos concretos semelhantes. Princípios gerais do direito são as normas que não estão escritas, mas estão presentes em todo o sistema jurídico, orientando o ordenamento jurídico em sua interpretação e integração. Ex.: ideal de justiça. LEI PENAL NO TEMPO A norma penal entra em vigor e passa a produzir efeitos no dia por ela indicado ou, na falta de indicação, 45 dias após sua publicação (art. 1º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro). A partir do momento que entrar em vigor, a lei será aplicada, em regra, aos fatos praticados durante sua vigência. Assim, basta saber quando o crime foi praticado e aplicar a lei vigente à época do fato (tempus regit actum). Mas como saber quando o crime foi praticado? Para isso, é necessário recorrer ao art. 4º do CP, que dispõe o seguinte: A disposição acima significa que nosso ordenamento jurídico adotou a Teoria da Atividade 6 para definir o tempo do crime. Segundo esta teoria, o momento do crime é aquele em que o sujeito ativo realizou a conduta proibida, o que importa é o tempo da ação ou omissão e não do resultado. 6 Existem, ainda, outras duas teorias: i. Teoria do Resultado: o momento do crime é aquele em que o resultado foi produzido. ii. Teoria da ubiquidade (mista): o momento é tanto aquele da ação ou omissão quanto o do resultado. Art. 4º. Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado. Monitoria de Direito Penal I Wilson Ferreira Página 14 Exemplifiquemos: Diego, nascido em 10/12/2000, quer matar seu desafeto Lúcio e então desfere diversos disparos contra ele em 09/12/2018. A vítima é hospitalizada, mas morre em 20/12/2018. Neste caso, para analisar a responsabilidade penal de Diego, é necessário observar a teoria da atividade. No momento da ação, ele tinha 17 anos (um dia antes de completar 18 anos). Assim, ainda que à época da morte da vítima ele já seja maior de 18 anos, não poderá sofrer pena (e sim medida socioeducativa) em razão de sua inimputabilidade no momento da ação, pois o que importa é o tempo da ação e não o do resultado. Como dito, em regra, a lei penal é aplicável ao fato praticado durante sua vigência em razão da máxima tempus regit actum. No entanto, pode haver sucessão de leis no tempo que excepcionam essa regra, sendo necessária atenção para saber qual norma aplicar. Nesse sentido, a Constituição prevê princípio da irretroatividade da lei penal maléfica (art. 5º, XL, CF). Assim, a lei penal que de qualquer modo prejudicar o agente (seja ele investigado, indiciado, denunciado, réu, condenado ou preso) não pode retroagir. Portanto, é expressamente proibida a retroatividade lei penal prejudicial. Ademais, o art. 5º, XL, da CF, ainda determina que a lei penal benéfica retroagirá, ou seja, impõe a retroatividade da lei penal benéfica. Diante disso, podemos ter as seguintes situações de choque entre leis no tempo: Abolitio criminis: é a o caso em que um crime é abolido do ordenamento jurídico, ou seja, o fato anteriormente descrito como crime deixa de o ser. Em outras palavras, o fato é descriminalizado. O exemplo mais citado é o do crime de adultério, que era previsto no art. 240 do CP e foi revogado pela Lei 11.106/05. Neste caso, a lei nova que revoga o tipo penal é retroativa e deve ser aplicada a todos os fatos ocorridos anteriormente. Essa hipótese é prevista no art. 2º, caput, do CP, que diz o seguinte: Assim, é importante assinalar as consequências da abolitio criminis. Primeiro, trata-se de uma causa extintiva de punibilidade (art. 107, III, CP), ou seja, o Estado perde o jus puniendi (direito de punir) sobre aquele fato, mesmo se tiver sido praticado quando ainda era considerado crime. Em consequência disso, se uma pessoa estiver executando pena por fato que não é mais crime, a execução deve ser imediatamente cessada. Além disso, todos os efeitos penais da sentença condenatória também devem ser cessados. Nesse ponto, é preciso atenção, pois a sentença penal condenatória tem efeitos penais e civis. Os efeitos penais somem, assim, por exemplo, a anotação do crime é retirada da Folha de Antecedentes Criminais do agente. Já os efeitos civis permanecem, como por exemplo, a obrigação civil de reparar o dano provocado pelo fato. Novatio legis incriminadora: uma nova lei passa a considerar como crime fato anteriormente não incriminado. Portanto, é irretroativa, por força do art. 5º, XL, da CF. Recentemente, a Lei Art. 5º, XL. A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. Art. 2º. Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Monitoria de Direito Penal I Wilson Ferreira Página 15 13.718/18 criou alguns crimes, como o crime de divulgação de cena de estupro e de cenas de sexo e de pornografia não autorizadas. Por ser uma lex gravior, aplica-se somente aos fatos praticados após sua entrada em vigor. Novatio legis in mellius: A lei nova, apesar de não descriminalizar a conduta, melhora a situação do agente. É uma lex mitior, devendo retroagir e atingir também os fatos praticados antes de sua vigência. Um exemplo muito recente é o da Lei 13.654/18, que modificou o art. 157 do CP (crime de roubo) e passou a desconsiderar o emprego de arma branca como causa de aumento de pena do crime de roubo (passou a prever que somente o “emprego de arma de fogo” aumenta a pena). Assim, se uma pessoa foi condenada por roubo majorado pelo emprego de faca (arma branca), ela agora tem direito a ver reduzida a sanção penal sofrida.A previsão está no parágrafo único do art. 2º do CP: Novatio legis in pejus: A lei nova que prejudica de qualquer forma o agente é irretroativa, aplicando-se somente aos fatos praticados após sua entrada em vigor. Um exemplo é o da Lei 13.718/18, que agravou a pena no caso de estupro coletivo. EXTRA-ATIVIDADE DA LEI PENAL NO TEMPO Nos casos em que lei agrava de qualquer modo a situação do agente, a lei anterior terá ultra- atividade, ou seja, será aplicada aos fatos praticados durante sua vigência, mesmo depois de revogada. Assim, podemos concluir que a lei penal possui extra-atividade no tempo, podendo ser retroativa ou ultra-ativa a depender do caso. Com a retroatividade, a lei penal benéfica atingirá todos os fatos, mesmo aqueles praticados antes de sua vigência. Podemos representá-la da seguinte forma: retroatividade 1940 2018 (lex mitior) atual Extra-atividade Retroatividade Ultra-atividade Art. 2º, parágrafo único. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. Monitoria de Direito Penal I Wilson Ferreira Página 16 Para entender a ultra-atividade, vamos utilizar o exemplo do tráfico ilícito de entorpecentes. Em 2006, entrou em vigor a Lei de Tóxicos, que revogou a Lei 6.368/76 e, dentre outras alterações, aumentou a pena para o crime de tráfico ilícito de entorpecentes. Assim, a nova lei é uma lex gravior, pois agravou a situação de quem praticar esse crime. Por ser uma novatio legis in pejus, a Lei 11.343/16 é irretroativa, aplicando-se somente aos fatos praticados durante sua vigência (tempus regit actum). Por outro lado, a Lei 6.368/76, embora revogada, será aplicada aos fatos praticados durante sua vigência. Assim, se uma pessoa praticou tráfico ilícito de entorpecentes em 2005, mas somente foi julgada em janeiro de 2007, será condenada à pena prevista na lei que vigorava à época do fato, mesmo tendo sido revogada. É o que chamamos de ultra-atividade da lei penal. 1976 2006 (lex gravior) atual ultra-atividade ULTRA-ATIVIDADE DAS LEIS TEMPORÁRIAS E EXCEPCIONAIS Em regra, a ultra-atividade é benéfica, mas o legislador previu duas hipóteses em que a lei revogada terá ultra-atividade ainda que seja mais gravosa, que é nos casos das leis temporárias e leis excepcionais, nos termos do ar. 3º do CP. A lei excepcional é criada parar reger circunstâncias anormais e vigora enquanto elas subsistirem. Assim, a lei excepcional é sujeita a uma condição, ou seja, sua revogação depende de um evento futuro e incerto. Exemplo: é criada uma lei para ser aplicada durante uma grave situação de calamidade pública. Neste caso, a lei será revogada quando a calamidade se encerrar. A lei temporária é criada para reger fato certo e temporário, sendo sujeita a um termo, ou seja, sua revogação tem uma data futura e certa. Por exemplo, uma lei é criada para ser aplicada durante a Copa do Mundo de Futebol, que se inicia em 01/06/2022 e se encerra em 01/07/2022. Nos dois casos, a consequência será a mesma, a lei penal será aplicada aos fatos praticados durante sua vigência, mesmo depois de revogadas e ainda que a lei posterior seja benéfica ao agente (exceção à regra da retroatividade da lei penal benéfica). LEI INTERMEDIÁRIA Art. 3º. A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência. Monitoria de Direito Penal I Wilson Ferreira Página 17 A lei intermediária é aquela que entrou em vigor após a data do fato e já não estava mais vigente na data do julgamento. Neste caso, embora o fato não tenha sido praticado durante sua vigência, a lei intermediária será aplicada no momento da sentença, mesmo depois de revogada, se for a mais benéfica dentre as três leis. LEX TERTIA A lex tertia é a conjugação de leis penais no tempo, aplicando-se ao mesmo fato pontos positivos de uma lei vigente e da lei revogada. Exemplo: a antiga lei de drogas previa a pena de reclusão de 3 a 12 anos para o crime de tráfico ilícito de entorpecentes. A Lei 11.343/06 revogou a lei anterior e cominou a pena de 5 a 15 anos de reclusão para o referido crime. Porém, a lei nova possui uma parte benéfica que não existia na lei anterior, que é uma causa de diminuição da pena de um sexto a dois terços. Assim, cabe o questionamento: é possível aplicar a pena da lei anterior e a causa de diminuição da lei posterior? A resposta é NÃO 7 . Não é possível a conjugação de leis no tempo (lex tertia) no Direito brasileiro, porque, na prática, estaria se criando uma nova lei, o que violaria o princípio da separação dos poderes (art. 2º da CF). LEI PENAL NO TEMPO E OS CRIMES CONTINUADOS E PERMANENTES Especial atenção é necessária em relação aos crimes continuados e aos crimes permanentes no que diz respeito à aplicação da lei penal no tempo. Antes de prosseguir, temos que definir esses crimes: Crime permanente: é que aquele crime cuja consumação se prolonga no tempo. O crime de sequestro o exemplifica bem, enquanto os sequestradores mantêm a vítima restrita de liberdade, o crime está se consumando. Há uma continuidade temporal da consumação, que não se encerra num dado momento. Crime continuado: ocorre “quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro” (art. 71, caput, CP). Exemplo: uma pessoa furta 10 reais todos os dias no caixa do supermercado onde trabalha. Neste caso, todos os furtos serão tratados como um crime único em continuidade delitiva. Pois bem. Nestes casos, aplica-se a Súmula 711 do STF, in verbis: Assim, se os sequestradores mantêm a vítima presa por meses e neste ínterim uma lei entra em vigor aumentando a pena do crime de sequestro, ela será aplicada ao fato. Da mesma forma, no 7 Súmula 501 do STJ: É cabível a aplicação retroativa da Lei 11.343/06, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei 6.368/76, sendo vedada a combinação de leis. Súmula 711. A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência. vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência Monitoria de Direito Penal I Wilson Ferreira Página 18 exemplo supracitado de crime continuado, se uma lei aumenta a pena do crime de furto e a pessoa continua furtando naquelas circunstâncias, a lei penal gravosa será aplicada. LEI PENAL NO ESPAÇO Em princípio, a lei penal produz efeitos nos limites territoriais de cada Estado soberano. Porém, tendo em vista que a criminalidade hoje transcende os limites do Estado nacional, legislações passaram a prever que, em certos casos, a lei penal ultrapassa aqueles limites para encontrar o criminoso onde quer que se encontre. A definição do lugar do crime, segundo o legislador brasileiro, orienta-se pela Teoria da Ubiquidade 8 . Assim, tanto o lugar da ação ou omissão quanto o lugar do resultado são considerados o lugar do crime. Imagine o exemplo de pessoa que é alvejada no Brasil próximo da fronteira com o Uruguai, mas é neste país que a vítima morre. O crime foi praticado nos dois lugares. Há, neste caso, umcrime plurilocal. Princípio da territorialidade Alguns princípios regulam a extensão da validade da lei penal no espaço. O primeiro é o princípio da territorialidade, que determina a aplicação da lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional (art. 5º do CP). É um princípio mitigado ou temperado, pois não é absoluto, uma vez que o Código admite algumas exceções. O conceito jurídico-penal de território nacional é mais abrangente do que o geográfico. Juridicamente, o território se estende por todo o espaço físico sobre o qual o poder político se exerce. Este espaço compreende a porção terrestre, o mar territorial 9 , o espaço aéreo, o subsolo e a extensão do território nacional. Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional (ficção jurídica) as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as 8 Existem, ainda, outras duas teorias: i. Teoria da Atividade: o lugar do crime é aquele em que foi realizada a ação ou omissão. ii. Teoria do Resultado: o lugar do crime é em que o resultado foi produzido. 9 O material brasileiro compreende uma faixa de doze milhas marítima de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular, tal como indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil (art. 1º, caput, da Lei 8.617/93) Art. 6º. Considera- se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou a omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu o resultado ou deveria produzir-se o resultado. vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência Monitoria de Direito Penal I Wilson Ferreira Página 19 embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar 10 (art. 5º, §1º, CP). É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em voo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil (art. 5º, §2º, CP). Princípio da extraterritorialidade O segundo princípio é o da extraterritorialidade (art. 7º do CP), em que a jurisdição penal do Estado é estendida para além do seu território. A extraterritorialidade pode ser incondicionada, condicionada ou hipercondicionada. A extraterritorialidade incondicionada opera independentemente de qualquer condição por se aplicar a crimes de grande de relevância para o Estado. Assim, a lei penal brasileira se aplica aos crimes listados no art. 7º, I, do CP, embora praticados no estrangeiro. Neste caso, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro (art. 7º, §1º, CP). Vejamos quais são os crimes. Crimes: a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público; c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço; d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil; As três primeiras previsões acima (art. 7º, I, a, b, c) têm fundamento no princípio real (da defesa, de proteção) em que se tutela determinados bens jurídicos que o Estado considera essenciais, buscando então punir a violação a esses bens onde quer que tenha ocorrido. A quarta previsão (art. 7º, I, d) se fundamenta no princípio da universalidade ou cosmopolita (ou justiça universal), que aduz que as leis penais devem ser aplicadas onde quer que se encontrem os agentes quando os crimes são de relevância internacional e há cooperação entre os Estados para coibi-los. A extraterritorialidade condicionada opera somente com algumas exigências legais. Assim, a lei penal brasileira se aplica aos crimes listados no art. 7º, II, do CP, desde que 10 Alto-mar é o “mar de ninguém”, ou seja, aquela faixa do mar não submetida à soberania de qualquer país. Princípio da proteção (ou real ou da defesa) Princípio da universalidade (cosmopolita) Monitoria de Direito Penal I Wilson Ferreira Página 20 se verifique a presença das condições previstas no art. 7º, §2º, do CP. Os crimes sujeitos à extraterritorialidade condicionada são os seguintes: Crimes: a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir b) praticados por brasileiro c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados O primeiro caso (art. 7º, II, a) é orientado pelo princípio da universalidade, já explicado. O segundo caso (art. 7º, II, b) se fundamenta no princípio da personalidade ativa (ou nacionalidade ativa), que diz que o Estado tem o direito de exigir que o seu nacional no estrangeiro tenha comportamento de acordo com seu ordenamento jurídico. O último caso (art. 7º, II, c) se trata de crimes em que o agente está sujeito à soberania do Estado estrangeiro (as embarcações e aeronaves são privadas e estão no estrangeiro). Então, temos aqui o princípio da representação ou da bandeira, que tem caráter subsidiário, ou seja, se o Estado estrangeiro não aplicar sua lei, o Brasil está autorizado a fazê-lo. Bem, como dito, a extraterritorialidade condicionada somente opera com o emprego das condições previstas no art. 7º, §2º, ou seja, apenas se aplica a lei penal brasileira se estas condições estiverem presentes no caso concreto. São elas: b) entrar o agente no território nacional; c) ser o fato punível também no país em que foi praticado 11 ; d) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; 11 A doutrina chama essa condição de “dupla tipicidade”, ou seja, o crime deve ser fato típico no estrangeiro e no Brasil. Princípio da universalidade (cosmopolita) Princípio da personalidade/ nacionalidade ativa Princípio da representação (bandeira) Monitoria de Direito Penal I Wilson Ferreira Página 21 e) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; f) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. A extraterritorialidade hipercondicionada está prevista no do art. 7º, §3º, do CP, e é aplicada ao crime praticado por estrangeiro contra o brasileiro fora do Brasil. Neste caso, o legislador reconheceu o princípio da personalidade passiva, segundo o qual o nacional de um país deve ser protegido contra a prática de crimes, onde quer que se encontre. É hipercondicionada porque nesta hipótese são inclusas mais condições, sendo necessárias todas as condições supracitadas e mais as seguintes (art. 7º, §3º, do CP): a) não foi pedida ou foi negada a extradição; b) houve requisição do Ministro da Justiça. EXTRADIÇÃO É o instituto jurídico de que se valem os Estados para colaborarem entre si na execução da pena. Extraditar significa entregar a outro país um indivíduo, que se encontra refugiado, para fins de ser julgado ou cumprir a pena que lhe foi imposta. No Brasil, este instituto é previsto na Constituição Federal (art. 5º, LI e LII) e na Lei de Migração (Lei 13.445/17). O art. 82 da Lei de Migração define que a extradição não será concedida quando: I- o indivíduo cuja extradição é solicitada aoBrasil for brasileiro nato; II- o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente; III- o Brasil for competente, segundo suas leis, para julgar o crime imputado ao extraditando; IV- a lei brasileira impuser pena de prisão inferior a 2 anos; V- o extraditando estiver respondendo a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo em que se fundar o pedido; VI- a punibilidade estiver extinta pela prescrição, segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente; VII- o fato constituir crime político ou de opinião; VIII- o extraditando tiver de responder, no Estado requerente, perante tribunal ou juízo de exceção; IX- o extraditando for beneficiário de refúgio ou asilo territorial. O art. 83 da referida lei ainda define que a extradição somente pode ser concedida, no caso de condenado, se a pena imposta for privativa de liberdade, ou seja, o Brasil não concede a extradição se o condenado for sofrer pena de morte, por exemplo. A Constituição Federal estabelece que nenhum brasileiro nato poderá ser extraditado. Em relação ao brasileiro naturalizado, é possível a extradição em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins (art. 5º, LI, CF). A Constituição ainda estabelece que não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião (art. 5º, LII, CF), disposição reproduzida no inciso VII do Monitoria de Direito Penal I Wilson Ferreira Página 22 art. 82 da Lei de Migração. Crime de opinião é aquele que se aperfeiçoa quando alguém emite um conceito contra outro. Sobre crime político, a doutrina adota três teorias: objetiva, subjetiva e mista. Segundo a teoria objetiva, crime político é aquele cuja natureza do bem jurídico é política. Para a teoria subjetiva, o decisivo é o fim político perseguido pelo autor do crime. Segundo a teoria mista ou pura, que é adotada pelo STF, crime político é aquele cujo bem jurídico tem natureza política e que tem motivação política. São duas as fases para conceder extradição: Judicial: O Supremo analisa a legalidade e a admissibilidade do pedido de extradição. Político-administrativa: O Presidente da República decide sobre a concessão da extradição, após a decisão do STF. DEPORTAÇÃO E EXPULSÃO Extradição não se confunde com deportação e expulsão. A deportação é a medida que consiste na retirada compulsória de pessoa que se encontre em situação migratória irregular em território nacional (art. 50 da Lei de Migração). A expulsão é a medida que consiste na retirada compulsória de migrante ou visitante do território nacional, conjugada com o impedimento de reingresso por prazo determinado (art. 54 da Lei de Migração). LEI PENAL EM RELAÇÃO ÀS PESSOAS A norma penal vigente aplica-se a todas as pessoas que se encontram submetidas ao poder político do Estado. Porém, nossa ordem jurídica confere a algumas pessoas imunidade em relação à eficácia da norma, não em razão da pessoa, mas de alguma função que ela exerce. A imunidade é uma prerrogativa inerente à função pública. Veremos as imunidades diplomáticas e as parlamentares. IMUNIDADE DIPLOMÁTICA As imunidades diplomáticas estão previstas na Convenção de Viena de 1961, que estabelece para o diplomata imunidade de jurisdição penal, ficando sujeito à jurisdição do Estado que representa. Logo, se um diplomata brasileiro pratica um crime no estrangeiro, ele fica sujeito não à lei daquele país, mas a do Brasil. A imunidade se estende a todos os agentes diplomáticos e funcionários das organizações internacionais (ONU, OEA etc), quando em serviço. Estão excluídos desse privilégio os empregados particulares dos agentes diplomáticos. Monitoria de Direito Penal I Wilson Ferreira Página 23 Os cônsules, agentes administrativos que representam interesses de pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras, têm imunidade penal também, mas somente pelos atos realizados em função das atividades consulares (Convenção de Viena de 1963). Mesmo não podendo aplicar a sua lei penal, o país em que se encontra o diplomata pode declará-lo “persona non grata”, obrigando que ele saia do país em prazo determinado. As imunidades pertencem ao Estado, não ao indivíduo, não podendo o diplomata renunciá-la, somente o Estado é que pode retirar sua imunidade. IMUNIDADES PARLAMENTARES Também para o exercício adequado de suas funções, os parlamentares têm imunidades material e formal, garantidas constitucionalmente (art. 53 da CF). A material refere-se à possível responsabilização penal por opiniões, palavras e votos dos parlamentares. A formal diz respeito à prisão, ao processo e à prerrogativa de foro. Imunidade material: Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos (art. 53, caput, CF). Logo, um parlamentar não pode sofrer sanção penal por crimes decorrentes de suas opiniões, palavras e votos (injúria, difamação, calúnia etc). Entretanto, é necessário que haja nexo de causalidade entre o que ele fala e seu mandato. Além disso, vale dizer que a eficácia dessa imunidade não está condicionada ao Congresso Nacional, ela vale em qualquer lugar. Imunidade formal: Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o STF, ou seja, os parlamentares possuem prerrogativa de foro 12 . Além disso, eles não podem ser presos, desde a expedição do diploma, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos devem ser remetidos dentro de 24 horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, decida se mantém ou não a prisão. Finalmente, quando o Procurador- Geral da República oferece denúncia contra Senador ou Deputado Federal, por crime ocorrido após a diplomação, e o STF a recebe, a Corte deve dar ciência à Casa de que faz parte o parlamentar, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação (o que também suspende a prescrição da pretensão punitiva enquanto durar o mandato). O pedido de sustação deve ser apreciado pela Casa no prazo improrrogável de 45 dias do seu recebimento pela Mesa Diretora. 12 O STF, em julgamento sobre Questão de Ordem suscitada na Ação Penal 937, decidiu restringir a prerrogativa de foro aos crimes relacionados à função exercida. Monitoria de Direito Penal I Wilson Ferreira Página 24 Em razão do princípio da simetria (art. 27, §1º, CF), as imunidades materiais e formais de que gozam os senadores e deputados federais também são aplicáveis aos deputados estaduais. Contudo, segundo entendimento do STF, as imunidades dos deputados estaduais limitam-se às autoridades judiciárias dos respectivos Estados- membros. Destarte, a prerrogativa de foro do deputado estadual será o Tribunal de Justiça respectivo e a competência para sustar o processo ou revogar prisão será da Assembleia Legislativa. Os vereadores também são invioláveis por suas opiniões, palavras ou votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município para o qual foi eleito (art. 29, VIII, CF). Sendo assim, a imunidade do vereador é uma imunidade material limitada. CONTAGEM DO PRAZO Nas matérias de direito material penal 13 , como os prazos de prisão, a contagem do prazo é definida no art. 10 do CP, segundo o qual o dia do começo inclui-se na contagem. Além disso, o referido dispositivo legal dispõe que os dias e os meses são contados de acordo com o calendário comum. O art. 11 do CP ainda define que desprezam-se, nas penas privativas de liberdade e nas restritivas de direitos, as frações de dia e, na pena de multa, as frações de reais. Sendo assim,em caso de pena privativa de liberdade, não importa o horário que o indivíduo começou a cumprir a pena. Se ele entrar na prisão às 23h59min, será considerado que cumpriu 1 dia de pena. Ademais, o último dia de cumprimento da pena é excluído, tendo em vista que o dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Exemplificando. Tício foi condenado à pena de detenção de 9 anos, 11 meses e 14 dias. Ele começou a cumprir a pena às 22h16min do dia 10 de janeiro de 2009. Quando ele cumprirá integralmente a pena? 1º passo- some os anos: 10 de janeiro de 2009 + 9 anos = 10 de janeiro de 2018 2º passo- some os meses: 10 de janeiro de 2018 + 11 meses = 10 de dezembro de 2018 3º passo- some os dias: 10 de dezembro de 2018 + 14 dias = 24 de dezembro de 2018 Como o dia do começo foi incluído na contagem, devemos excluir o último. Assim, a resposta de nosso exemplo é 23 de dezembro de 2018. Exemplificando 2. Mévio foi condenado à pena de reclusão de 8 anos, 10 meses e 14 dias. Ele começou a cumprir a pena às 20h00min do dia 21 de março de 2010. Quando ele cumprirá integralmente a pena? 1º passo- some os anos: 21 de março de 2010 + 8 anos = 21 de março de 2018 13 Os prazos de direito processual penal são contados de forma diversa do direito penal. Nas matérias de direito processual, exclui-se o dia do começo e inclui-se o dia do vencimento (art. 798, §1º, do CPP). Monitoria de Direito Penal I Wilson Ferreira Página 25 2º passo- some os meses: 21 de março de 2018 + 10 meses = 21 de janeiro de 2019 3º passo- some os dias: 21 de janeiro de 2019 + 14 dias = 04 de fevereiro de 2019. Excluído o último dia, a resposta de nosso exemplo é 03 de fevereiro de 2019. TEORIA DO CRIME No Brasil, adotamos o sistema bipartido 14 de infrações penais, ou seja, nosso ordenamento jurídico admite duas espécies de infrações penais: crime (sinônimo de delito) e contravenção penal. Nos termos do art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, crime e contravenção penal se diferenciam no campo da pena: se a infração é punida com reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa, está se falando de crime; se punida isoladamente com prisão simples ou multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente, trata-se de contravenção penal. Sendo assim, sempre que punida com detenção ou reclusão, a infração será crime; sempre que punida com prisão simples ou apenas com multa será contravenção penal. As contravenções penais são infrações com menor potencial ofensivo. Nelson Hungria as chamava de “crimes anões”. São disciplinadas pela Lei de Contravenções Penais (LCP). Nos termos do art. 61 da Lei 9099/95, as contravenções penais e os crimes com pena máxima cominada de até 2 anos são infrações de menor potencial ofensivo. Diferenças entre as penas privativas de liberdade: Reclusão: é a pena privativa de liberdade aplicada aos crimes mais graves e deve ser cumprida em regime inicial fechado, semiaberto ou aberto. Ex.: art. 121, caput, do CP (homicídio simples). Detenção: é a pena privativa de liberdade aplicada aos crimes mais leves e deve ser cumprida em regime inicial semiaberto ou aberto. A diferença básica é que na detenção não cabe o regime inicial fechado, mas o condenado pode regredir de regime e ir para o fechado após o início do cumprimento. Ex.: art. 163, caput, do CP (dano simples). Prisão simples: é a pena privativa de liberdade aplicada nos casos de contravenção penal. Ex.: art. 21 da LCP (vias de fatos). Conceitos de crime: 14 O ordenamento jurídico de outros países adota o sistema tripartido, como na França, onde crime e delito são infrações distintas. Crimes são as infrações penais com pena superior a 10 anos e os delitos são os infrações com pena inferior a 10 anos. Monitoria de Direito Penal I Wilson Ferreira Página 26 Formal: crime é a infração da norma penal. Material: crime é a conduta que ofende os bens jurídicos importantes da sociedade. Analítico: crime é o fato típico, ilícito e culpável. No Brasil, nosso Código Penal adotou o conceito analítico de crime. Logo, para que uma conduta seja considerada crime é necessária a verificação de três elementos: tipicidade, ilicitude e culpabilidade. A análise do fato deve seguir esta ordem. Primeiro verifica-se se o fato constitui uma conduta penalmente relevante revestida de tipicidade, depois se é ilícita e, finalmente, se o agente é culpável. No conceito analítico do crime, verifica-se inicialmente se a conduta é típica. Nesta fase, é necessário analisar todos os elementos do tipo, como a ação, o resultado, o nexo de causalidade e os elementos subjetivos, se existirem. Para um fato ser típico, primeiro devo verificar se é uma conduta penalmente relevante. Se não for, não há crime desde logo; se for, então é preciso a analisar a tipicidade, que é a adequação da conduta ao tipo penal, com todos os seus elementos. Sendo típica a conduta, passa-se à análise da ilicitude, que é a contrariedade do fato típico com o ordenamento jurídico. É que embora a conduta seja típica, o ordenamento jurídico pode retirar a ilicitude da conduta. São causas legais excludentes de ilicitude a legítima defesa, o estado de necessidade, o estrito cumprimento de dever legal e o exercício regular de direito. A doutrina ainda construiu uma causa supralegal excludente de ilicitude, que é o consentimento do ofendido. Nesse sentido, se uma pessoa mata outra em legítima defesa, o fato é típico de homicídio, mas não é ilícito, pois ela agiu em sua defesa. Assim, fica excluído o crime. Como visto, a análise aqui é feita por exclusão: se o agente não agiu em nenhuma das causas acima, o fato será típico e ilícito. Superada a análise da ilicitude, finalmente se analisa a culpabilidade do agente, que é a reprovação pessoal que se faz sobre sua conduta. A culpabilidade pressupõe três requisitos: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. O crime existirá caso o agente que praticou fato típico e ilícito seja imputável e tenha potencial consciência da ilicitude do fato, além de ser exigível uma conduta diversa de sua parte. Veremos com cuidado a seguir cada um desses elementos. Como supracitado, a primeira análise do conceito analítico é aquela acerca da tipicidade do fato. Tipicidade significa a adequação da conduta ao tipo penal, que por sua vez é descrição da conduta proibida. Portanto, precisamos estudar cada espécie de tipo penal para dizer se o fato é típico ou não. O tipo penal pode ser comissivo ou omissivo. O tipo comissivo descreve um “fazer algo”, como é o caso do tipo de furto (CP, art. 155. Subtrair para si ou para outrem coisa alheia móvel). O tipo omissivo descreve um “não fazer algo”, como é o caso do tipo de omissão de socorro (CP, art. 135. Deixar de prestar assistência...). O tipo penal, TIPO COMISSIVO DOLOSO CULPOSO TIPO OMISSIVO DOLOSO CULPOSO Monitoria de Direito Penal I Wilson Ferreira Página 27 sendo ele comissivo ou omissivo, pode ser classificado ainda em tipo doloso e tipo culposo. O tipo doloso é aquele que exige o dolo para sua configuração. O tipo culposo é aquele que exige a causação de um resultado com imprudência, imperícia ou negligência. O mais importante dos tipos é o tipo comissivo doloso. Veja sua estrutura. Elementos do tipo . O tipo comissivo doloso é formado por elementos objetivos, que formam o tipo objetivo (ação, resultado e nexo de causalidade), e por elementos subjetivos, que formam o tipo subjetivo (dolo e elemento subjetivo especial). Todos os tipos – seja comissivo ou omissivo – necessitam de uma conduta penalmente relevante, que pode seruma ação (caso em que o tipo será comissivo) ou uma omissão (caso em que o tipo será omissivo). Portanto, conduta é um gênero que desdobra em duas espécies: ação e omissão. Todavia, parte da doutrina chama conduta de ação em sentido amplo. Assim, ação em sentido amplo seria um gênero que se desdobraria em ação em sentido estrito (um fazer algo) e omissão (um não fazer algo). Estudaremos agora o conceito de conduta penalmente relevante. CONDUTA PENALMENTE RELEVANTE A conduta é o que dá corpo ao fato punível constituindo o elemento central do seu conceito, é o suporte material sobre o qual assentam os elementos da tipicidade, ilicitude TIPO COMISSIVO DOLOSO CULPOSO -Ação -Resultado -Nexo causal -Dolo -Elemento subjetivo especial Tipo objetivo Tipo subjetivo Monitoria de Direito Penal I Wilson Ferreira Página 28 e culpabilidade, integrantes do conceito analítico de delito. Existem diversas teorias que tentam conceituar conduta penalmente relevante. Vejamos. Teoria causalista Principalmente com contribuições de Franz von Liszt e também de Beling, entre os séculos XIX e XX, surge a Teoria Causalista, também chamada de causalismo. Esta teoria tem forte influência da filosofia positivista e naturalista. Assim, conduta penalmente relevante seria o movimento corporal voluntário que produz uma modificação no mundo exterior (conceito mecanicista). O movimento voluntário (voluntariedade) é aquele cujo não recai nenhuma circunstância externa que tenha compelido o agente. No Brasil, o causalismo vigeu em nosso ordenamento jurídico-penal até 1984, defendido por Nelson Hungria e Aníbal Bruno. Crítica: se a conduta penalmente relevante é um movimento, como explicar então os crimes omissivos, que são uma abstenção de movimento? Teoria Finalista A Teoria Finalista, criada e desenvolvida por Hans Welzel e Maurach, consegue resolver a crítica exposto acima. Segundo essa teoria, conduta penalmente relevante é o exercício de uma atividade final. A conduta não é simplesmente uma série de causas e efeitos. Na realidade, é um comportamento dirigido pela vontade de quem atua. Quando a realiza, o agente se propõe a um fim, escolhe os meios necessários para atingi-lo e põe em função esses meios, ou seja, manifesta sua vontade. Os finalistas chamam a vontade do conceito causalista de “vontade cega”, pois lá basta que o comportamento do agente tenha sido voluntário no sentido de não ter sofrido interferência externa. A vontade no conceito finalista seria uma “vontade vidente”, pois o que importa a finalidade do agente. Crítica: o finalismo não consegue explicar os tipos culposos, pois neste caso a vontade não importa para a configuração do delito, o que importa é a causação do resultado sem a observância do dever objetivo de cuidado (com negligência, imprudência ou imperícia). Finalistas respondem, muito insatisfatoriamente, que nos crimes culposos há sim um exercício da atividade final. O agente propõe-se a um fim, escolhe o meio e manifesta a vontade. Entretanto, neste caso, o fim é lícito. Exemplo: pessoa propõe-se chegar em casa, escolhe o carro para isso e manifesta sua vontade ao ir para casa, porém, por uma imprudência, acabou matando alguém Teorias Sociais Monitoria de Direito Penal I Wilson Ferreira Página 29 As Teorias Sociais da conduta foram desenvolvidas principalmente por Jescheck e Schmidt. Para essas teorias, conduta penalmente relevante seria o comportamento humano socialmente relevante. A crítica que se faz a esta concepção é que o conceito de conduta é demasiadamente amplo. A três teorias a seguir fazem parte das mais modernas teorias acerca da conduta. São as chamadas teorias funcionalistas, que se desdobram em três: funcionalismo teleológico (teoria pessoal), funcionalismo sistêmico e funcionalismo redutor. Vejamos. Teoria Pessoal. A Teoria Pessoal, também chamada de funcionalismo teleológico, foi criada por Claus Roxin e conceitua a conduta penalmente relevante como a manifestação da personalidade humana. Teoria Funcionalista Sistêmica. A Teoria Funcionalista Sistêmica, também chamada de funcionalismo sistêmico, foi criada por Gunther Jakobs e conceitua conduta como a causação individualmente evitável de um resultado. Teoria Funcionalista Redutora. A Teoria Funcionalista Redutora ou funcionalismo redutor foi criada por Eugenio Zaffaroni e conceitua conduta penalmente relevante como o comportamento humano que se exterioriza com efeitos em um contexto mundano. Segundo a doutrina e jurisprudência majoritárias, nosso Código Penal optou pela teoria finalista da conduta 15 . Portanto, em nosso Direito Penal, conduta penalmente relevante é o exercício de uma atividade final. Considerado esse conceito, existem algumas hipóteses de ausência de conduta penalmente relevante, que excluem a tipicidade da conduta. São elas: Atos inconscientes: são os atos em que falta a consciência psíquica do agente, como nos casos de sonambulismo e hipnotismo. Vale ressaltar que a pessoa não pode ter se colocado intencionalmente no estado de inconsciência (como no caso de embriaguez preordenada 16 ) e nem ter a possibilidade de prever o resultado (como no caso da mãe que sabe que tem um sono agitado e mesmo assim se deita com seu bebê e acaba o matando). Atos reflexos: são atos que independem do controle e previsão humanos, ocorrem em decorrência de uma situação reflexa. Exemplo: Mévio tem um ataque epilético e lesiona Caio, em decorrência dos reflexos do ataque. Coação física irresistível: o ser humano passa a ser apenas massa mecânica, um instrumento. A vontade é totalmente suprimida. Exemplo: Tício empurra Patrícia sobre uma vitrine, o que a quebra. Não se pode falar em conduta penalmente relevante de Patrícia sobre o crime de dano, pois seu corpo foi mero instrumento mecânico de Tício. Força maior (ou força da natureza): ocorre quando um fato natural atua sobre alguém, suprimindo toda sua vontade. Exemplo: Uma tempestade provoca que Angélica, dentro 15 O art. 20, caput, do CP, é apontado como uma comprovação de que o legislador reconheceu a teoria finalista. 16 É o caso da pessoa que se embriaga para conseguir praticar o crime. Monitoria de Direito Penal I Wilson Ferreira Página 30 de seu carro, danifique a vitrine da loja de Caio. Não há conduta penalmente relevante aqui. Parte da doutrina ainda inclui como hipótese de ausência de conduta penalmente relevante o caso fortuito, que ocorre quando o ato acontece ao acaso, sem dolo ou culpa. Exemplo: Mévio dirige seu carro em uma movimentada avenida quando um suicida se joga sobre seu veículo. Os atos automáticos e os atos instintivos não excluem a relevância penal da conduta. Os atos automáticos são aqueles que, por serem adquiridos por mera repetição, são praticados de forma automática, como é o caso do ato de andar. Nada obstante, os atos automáticos em conjunto foram uma conduta final, ou seja, dirigida pela vontade, como é o caso de uma pessoa que decide caminhar até o parque. Os atos instintivos são aqueles dirigidos pelo instinto humano. TIPICIDADE Analisada a conduta penalmente relevante, resta perquirir se ela se reveste de tipicidade, que é a adequação da conduta ao tipo penal. Se a conduta se adequar ao tipo, falamos que é típica. Exemplo: Tício matou intencionalmente Mévio na rua da Bahia. A conduta se adequa, em tese, ao tipo do art. 121 do CP (matar alguém). Destarte, o fato é típico. Será atípica a conduta que não se adequa perfeitamente ao tipo ou simplesmente não é tipificada. Entretanto a verificação da tipicidade não é tão fácil assim quanto parece. Na verdade, é necessário que se faça um juízo de tipicidade, que significa verificar se no fato estão contidos todos os elementos exigidos pelo tipo.