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Neurofisiologia 
da Visão
Responsável pelo Conteúdo:
Prof. Henrique Barros Barroso
Revisão Textual:
Aline Gonçalves
Bioeletrogênese e Sinapses
Bioeletrogênese e Sinapses
 
 
• Abordar conceitos fundamentais para a compreensão do processo neurovisual, pela óptica 
tanto da histologia quanto da bioquímica;
• Compreender e justificar aparatos biológicos responsáveis pela transformação de um estímulo 
do meio externo em sinal elétrico.
OBJETIVOS DE APRENDIZADO 
• Organização Funcional do Corpo Humano;
• O Transporte de Substâncias Através da Membrana Celular;
• Potencial de Membrana e Potencial de Ação;
• Sinapses Nervosas.
UNIDADE Bioeletrogênese e Sinapses
Organização Funcional do Corpo Humano
Como a química nos ensina, a menor unidade constituinte da matéria é o átomo. 
Átomos se organizam para formar moléculas, moléculas se organizam para for-
mar substâncias, que, por sua vez, se organizam para formar organelas. Organelas, 
por sua vez, são unidades constitutivas de células, cada qual desenvolvendo um pa-
pel distinto na manutenção de suas atividades essenciais. As células, unidades vivas 
básicas constituintes de nosso organismo, podem exercer várias funções distintas. 
Hemácias, por exemplo, são células imersas no plasma sanguíneo, responsáveis por, 
dentre inúmeras funções, transportar oxigênio pelo corpo. Células musculares, por 
outro lado, compõem o tecido muscular e apresentam função contrátil. Várias célu-
las se unem para formar um tecido, enquanto vários tecidos se unem para exercer 
uma função específica, formando, assim, órgãos. Finalmente, órgãos se organizam 
em sistemas que, em conjunto, formam um organismo, no caso de nosso objeto de 
estudo, o corpo humano. 
Cerca de 60% do corpo humano é constituído por líquidos, que são compostos 
por soluções aquosas de íons, proteínas, lipídios e outras substâncias. A maior parte 
desse líquido se encontra dentro das células, e é chamado, portanto, de líquido in-
tracelular, enquanto cerca de um terço do líquido corpóreo se encontra nos espaços 
fora da célula, onde ganha o nome de líquido extracelular.
Todas as células do corpo humano necessitam de determinados nutrientes para 
sobreviverem. Para citar os mais famosos, temos o gás oxigênio (O2) e a glicose 
(C6H12O6), substratos fundamentais da respiração celular e obtenção de energia pela 
célula na forma de trifosfato de adenosina, ou ATP. Não podemos negligenciar, por 
outro lado, as substâncias menos comuns de menção em nosso dia a dia, como os 
íons livres sódio (Na+), potássio (K+) e o íon cloreto (CL-).
Os processos metabólicos exercidos pelas células, ou seja, quebra (catabolismo) 
e construção (anabolismo) de moléculas, consomem e produzem, respectivamente, 
uma infinidade de substâncias químicas. Estas transitam a todo momento do meio 
intracelular para o meio extracelular, e vice-versa. 
Homeostase: O Equilíbrio Dinâmico
Para que a célula exerça suas funções vitais, é necessário que haja uma troca 
constante de nutrientes do meio intracelular para o meio extracelular e vice-versa. 
É interessante, do ponto de vista da célula, que haja, por exemplo, uma concentração 
constante de oxigênio disponível, para que seja utilizado na oxidação da glicose, a fim 
de se gerar ATP, apresentando água (H2O) e dióxido de carbono (CO2) como subpro-
dutos. O CO2 reage espontaneamente com a água, formando ácido carbônico (CO2(g) 
+ H20(l)  H2CO3(aq)). O ácido carbônico, por sua vez, em meio aquoso, dissocia-se 
nos íons H+ e íon bicarbonato (HCO3
-). Essa reação, se em excesso, deixa o meio 
intracelular ácido, potencialmente desnaturando uma série de proteínas celulares. 
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Para evitar esse processo, é de interesse da célula que esse gás seja constantemen-
te extraído do meio intracelular para o meio extracelular, mantendo, portanto, a 
concentração desse gás constante em meio intracelular. A manutenção das concen-
trações constantes dos meios intra e extracelulares é chamada de homeostase. De 
forma simplificada, podemos entender a homeostase como o equilíbrio dinâmico 
corpóreo. Dinâmico porque há gasto energético por parte da célula para manter 
tais concentrações constantes.
Esse equilíbrio, em última análise, pode ser explicado ao estudarmos o transporte 
das substâncias pela membrana que delimita a célula, a membrana plasmática, con-
forme veremos a seguir. 
O Transporte de Substâncias 
Através da Membrana Celular
A membrana celular, camada que delimita a célula, é frequentemente descrita 
como um mosaico fluido, composto, principalmente, por uma bicamada fosfoli-
pídica, repleta de proteínas. Isso significa, em última análise, que a constituição da 
membrana celular é variável e fluida, não há uma rigidez imutável em sua estrutura. 
Sua unidade constitutiva, o fosfolipídio, é disposto em uma camada dupla – por isso 
a terminologia bicamada – e, imerso em tal bicamada, podem ser encontradas inú-
meras proteínas (cadeias polipeptídicas de aminoácidos). 
Figura 1 – Membrana Plasmática
Fonte: Adaptado de JUNQUEIRA, 2017
Para entendermos as implicações da disposição organizacional da membrana ce-
lular, é necessário entendermos um pouco sobre a polaridade de um fosfolipídio. 
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UNIDADE Bioeletrogênese e Sinapses
O fosfolipídio, composto por um grupo fosfato (PO4
2) associado a dois ácidos graxos, 
apresenta uma porção hidrofílica (fosfato) e outra hidrofóbica (ácidos graxos). 
A água repele as porções hidrofóbicas, dos ácidos graxos, que se atraem entre si, de 
forma que, espontaneamente, os ácidos graxos se dispõem no interior da membrana 
celular, enquanto as extremidades de fosfato fazem contato com o meio intra e ex-
tracelular. Tal disposição proporciona à membrana uma barreira a substâncias 
hidrossolúveis ou, em outras palavras, uma barreira a substâncias polares. Em con-
trapartida, as substâncias lipossolúveis, ou polares, são permeáveis a tal camada.
Como mencionado, podemos encontrar proteínas por toda a membrana plas-
mática. Quando essas proteínas atravessam a bicamada fosfolipídica, fazendo con-
tato tanto com os domínios intracelulares quanto extracelulares, são chamadas de 
proteínas integrais, ou proteínas transmembrana. Quando, por outro lado, essas 
proteínas não transpassam pela bicamada, são chamadas de proteínas periféricas.
Encontramos, ainda, em menor proporção, carboidratos na membrana celular, 
em combinação com proteínas ou lipídios, na forma de glicoproteínas ou glicolipí-
dios (Figura 1). As porções de carboidratos de tais moléculas estendem-se para fora 
da célula e exercem várias funções: (1) repelência à ânions, (2) adesão intercelular, 
(3) receptores de substâncias e (4) reações imunológicas (GUYTON e HALL, 2017).
Proteínas integrais têm a capacidade de gerar poros na membrana, permitindo, 
dessa forma, o transporte de substâncias outrora impermeáveis à bicamada fosfoli-
pídica. Tal transporte, por meio das proteínas integrais, pode ser feito com ou sem 
gasto de energia (ATP), proveniente da oxidação da glicose pelo processo mitocon-
drial de respiração celular. Quando a célula não gasta energia para que o transporte 
ocorra, esse transporte é classificado como transporte passivo. Caso haja gasto de 
energia pela célula, é classificado como transporte ativo.
Diferentes proteínas integrais apresentam diferentes comportamentos quanto à 
permissibilidade de transporte de determinadas substâncias entre os meios intra e 
extracelulares. Algumas proteínas integrais formam canais, permitindo o livre mo-
vimento de determinadas substâncias por ela, como a água. Estas são chamadas de 
proteínas canais. Outras, por outro lado, se ligam a determinadas substâncias e me-
deiam seu movimento por meio da alteração de sua própria estrutura. São chamadas 
de proteínas carreadoras.
Importante!
Cabe aqui ressaltar um ponto fundamental para as discussões a seguir: proteínas canais 
e proteínas carreadoras são seletivas para os tipos de moléculas que transportam pela 
membrana. Isso significa, por exemplo, que uma proteínaseletiva a Na+ permitirá que 
apenas o íon Na+ passe por ela.
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Transporte Passivo
Transporte passivo é todo aquele que ocorre pela membrana celular, sem o gasto 
de energia pela célula. Pode ser feito através da bicamada fosfolipídica, ou através de 
proteínas integrais. Existem, basicamente, dois tipos de transporte passivo: a difusão 
e a osmose, que serão discutidas a seguir.
Difusão pela Membrana Celular
Para entendermos difusão pela membrana celular, precisamos inicialmente com-
preender os conceitos de solução, soluto, solvente e extrator. Segundo a IUPAC, 
solução é “uma fase líquida ou sólida contendo mais de uma substância (...)”; soluto, 
é “O componente minoritário de uma solução, que é referido por ter sido dissolvido 
pelo solvente”; solvente, é a “(...) fase líquida contendo o extrator”; por fim, extrator, 
ainda segundo a IUPAC, é o “componente ativo responsável por transferir um soluto 
de uma fase para outra” (sólida para aquosa, por exemplo) (IUPAC, 2009). 
Um bom exemplo para ilustrar o conceito de soluto e solvente é pensar em um copo de água 
com açúcar. Nesse contexto, a água seria o solvente, enquanto o açúcar, o soluto.
Tendo tais conceitos em mente, a compreensão do conceito de difusão fica bas-
tante fácil. Na perspectiva química, difusão pode ser entendida como o simples mo-
vimento de uma substância, causado pelas constantes colisões entre suas moléculas, 
fazendo com que tenda a se espalhar. Existem dois tipos de difusão pela membrana, 
a difusão simples e a difusão facilitada, lembrando ainda que ambas são meios de 
transporte passivo pela membrana, ou seja, sem gasto de energia. 
A difusão simples pode ser definida como a passagem (difusão) do soluto pela 
membrana plasmática, a favor do gradiente de concentração, ou seja, do meio mais 
concentrado para o meio menos concentrado. Essa difusão sempre irá ocorrer (1) 
através da bicamada fosfolipídica, como ocorre com substâncias apolares de baixo 
peso molecular (O2(g), por exemplo) ou (2) através de proteínas canais, que se distri-
buem por toda a membrana celular. Quando, por outro lado, a difusão passiva ocor-
re através de proteínas carreadoras, que, como já discutido, se ligam aos solutos e 
alteram sua conformação geométrica, permitindo a passagem da molécula, a difusão 
é chamada de difusão facilitada.
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UNIDADE Bioeletrogênese e Sinapses
SOLUTO
BICAMADA
FOSFOLIPÍDICA
DIFUSÃO SIMPLES
TRANSPORTE PASSIVO
DIFUSÃO FACILITADA
PROTEÍNA
CANAL
PROTEÍNA
CARREADORA
Figura 2 – Transporte por membrana
Osmose
A osmose nada mais é do que a difusão da água pela membrana celular, através 
de proteínas canais, chamadas de aquaporinas. Aquaporinas ficam constantemente 
abertas, permitindo seletivamente a livre passagem de água. A água, assim como os 
solutos, tende ao equilíbrio, difundindo-se do meio mais concentrado para o meio me-
nos concentrado (a favor de seu gradiente de concentração). Contudo, baseando-se no 
fato de a água ser o solvente universal, iremos sempre estudar o movimento osmó-
tico, ou seja, o movimento de difusão da água pela membrana plasmática, por meio 
da análise das concentrações dos solutos, e não da concentração da água. Dessa for-
ma, de maneira resumida, sempre ocorrerá a osmose do meio menos concentrado 
para o meio mais concentrado.
Transporte Ativo
Transporte ativo significa, em última análise, que a célula gasta energia para que 
haja o transporte de substâncias através da membrana celular. As células necessitam, 
frequentemente, de grande quantidade de solutos dentro de si, como o potássio (K+). 
Assim, é de interesse da célula que haja mais K+ no meio intracelular do que no meio 
extracelular. O meio intracelular fica, dessa maneira, mais concentrado para o íon K+ 
em comparação ao meio extracelular. Da mesma maneira, é de interesse da célula 
que haja mais sódio (Na+) no meio extracelular, mantendo, assim, o meio extracelular 
mais concentrado para esse íon.
Como visto, a tendência natural dos solutos é de se difundir, de maneira passiva, 
a favor de seu gradiente de concentração. Faz-se necessário, dessa maneira, o gasto 
energético da célula para manter tais concentrações constantemente diferentes. 
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Bomba de Sódio-Potássio
A bomba de sódio-potássio (Na+/K+), também conhecida como Na+-K--ATPase, é 
o mecanismo de transporte ativo mais estudado. Trata-se de uma proteína carreadora 
que, através do gasto energético de uma molécula ATP, remove do meio intracelular 
3 íons de Na+ e, ao mesmo tempo, captura 2 íons de K+ do meio extracelular. Essa 
bomba é de extrema importância no contexto neurológico, uma vez que é uma das 
protagonistas na geração do impulso nervoso, como será discutido adiante. 
Figura 3 – Na+-K--ATPase
Fonte: Adaptado de SILVERTHORN, D. U., 2017, p. 143
De forma simplificada, os respectivos íons se ligam à proteína, aumentando sua afini-
dade para a molécula intracelular de ATP (trifosfato de adenosina), que se cliva, liberan-
do um de seus grupos altamente energéticos de fosfato (PO4
2-), transformando-se em 
ADP (difosfato de adenosina). Essa liberação energética proporciona uma mudança 
na conformação geométrica da proteína, fazendo com que ela absorva 2K+ do meio 
extracelular e expulse 3Na+ do meio intracelular.
Potencial de Membrana e Potencial de Ação
Para entendermos melhor como é gerada uma corrente elétrica pelas células, pre-
cisamos, primeiro, nos familiarizar com alguns conceitos fundamentais. Pouquíssi-
mos elementos químicos se encontram isolados, livres na natureza, não combinados 
com nenhum outro elemento químico, com seus elétrons estáveis em sua eletrosfera. 
Os únicos e poucos elementos que são naturalmente estáveis são chamados de gases 
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UNIDADE Bioeletrogênese e Sinapses
nobres. Todos os outros elementos, com exceção, portanto, dos gases nobres, são 
considerados instáveis, precisando se associarem a outros átomos para se estabiliza-
rem. Um exemplo corriqueiro dessa associação é a água (H2O), molécula formada 
pela associação de dois átomos do elemento hidrogênio com um átomo do elemen-
to oxigênio. Os elementos químicos podem, ainda, ser encontrados em sua forma 
 iônica, ou seja, dissociados de outros átomos, mas, por assim estarem, apresentam-
-se carregados eletricamente. Os elementos químicos, nesses estados, são chamados 
de íons. Íon é, portanto, todo átomo, ou conjunto de átomos, que contenha carga 
elétrica. Íons podem, por sua vez, estar carregados positivamente, sendo chamados 
assim de cátions, ou carregados negativamente, chamados de ânions.
Potencial de Membrana
Como visto anteriormente, os elementos químicos se encontram distribuídos nos 
meios intra e extracelulares em concentrações muito diferentes. Para estudarmos 
os principais exemplos dessa diferença, podemos citar a concentração do íon sódio 
(Na+), que é mais de quatorze vezes maior no meio extracelular em relação ao meio 
intracelular. Ao analisarmos as concentrações do íon potássio (K+), por outro lado, 
encontramos uma concentração 35 vezes maior no meio intracelular (GUYTON e 
HALL, 2017).
É fundamental atentar-se ao fato de que todos os íons encontrados no meio intra 
e extracelular apresentam uma carga elétrica. Como há diferentes concentrações, 
de diferentes íons, com diferentes cargas elétricas, entre o meio intra e extracelular, 
a somatória da carga de todos os íons, tanto no meio intra quanto no meio extra-
celular, também é diferente. Para exemplificar a situação apresentada, imagine uma 
célula que contenha 10 íons de carga positiva dentro de si, enquanto, em seu meio 
extracelular, são encontrados 15 íons de carga positiva. O meio extracelular, nesse 
exemplo, tem um total de cinco cargas positivas a mais que o meio intracelular. 
Em outras palavras, o meio intracelular apresenta uma carga negativa, nesse exem-
plo, de -5, em relação ao meio extracelular. A essa diferença de cargas, entre meio 
intra e extracelular, é dado o nome de potencial de membrana, que é medida em 
milivolts (mV). Nas fibras nervosashumanas em repouso, esse potencial, chamado 
de potencial de repouso, é de cerca de 90 mV, com negatividade na face interna da 
membrana (GUYTON e HALL, 2017).
Potencial de Ação
O Potencial de Ação (PA) pode ser resumido como uma inversão momentânea e 
localizada da polaridade da membrana plasmática, que sai de seu potencial de repouso 
e, como em um efeito dominó, se propaga por ela. 
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Figura 4 – Potencial de Ação e Período Refratário
Fonte: Adaptado de SILVERTHORN, 2017 p. 248
O PA pode ocorrer em vários tipos de células, como na musculatura estriada car-
díaca, mas são nas células nervosas que os potenciais de ação ganham especial noto-
riedade, conferindo a elas a capacidade de comunicação intercelular. A seguir, serão 
abordadas, de forma suscinta, as etapas e seus respectivos processos que definem 
o PA uma vez iniciado. Lembre-se de que os eventos a seguir abordados descrevem 
os processos fisiológicos pelos quais o neurônio sai de seu estado inicial de repouso, 
considerado como a etapa inicial do próprio potencial de ação, que precede o início 
das alterações de seu potencial de repouso.
Despolarização
Todo potencial de ação se inicia por algum estímulo. Nossas células, incluindo 
as nervosas, são munidas de receptores (químicos, pressóricos, térmicos, auditivos 
etc.), que nada mais são do que proteínas integrais especializadas em “perceber” 
determinados estímulos. Para que haja a deflagração de um potencial de ação, tais 
estímulos resultarão, invariavelmente, na positivação do potencial de repouso celular, 
através do influxo de Na+ para o meio intracelular. Esse influxo diminui a diferença 
de potencial entre os meios intra e extracelulares, resultando em uma positivação 
dos -90 mV do potencial de repouso. A membrana plasmática, portanto, se despo-
lariza gradativamente. Quando a membrana atinge determinada voltagem ela abre, 
repentinamente, inúmeros canais de sódio voltagem-dependentes. O nome dessa 
voltagem, responsável por abrir os canais de Na+ voltagem-dependentes, é limiar de 
ação, que ocorre quando a célula alcança um potencial de membrana de, aproxima-
damente, -50 mV (KANDEL et al., 2014). Uma vez alcançado, o potencial de ação 
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UNIDADE Bioeletrogênese e Sinapses
se inicia e não pode ser interrompido. Tal irreversibilidade dos eventos descritos a 
seguir é chamada de lei do tudo ou nada.
Em Síntese
Os canais de Na+ se abrem apenas quando a membrana atinge determinado potencial 
(limiar de ação), resultando em uma série de eventos que não podem ser interrompidos, 
uma vez que forem iniciados (lei do tudo ou nada). Nesse momento, ainda mais íons 
Na+ entram na célula, despolarizando repentinamente o potencial de membrana de um 
valor negativo para um valor positivo.
Repolarização
Os canais de K+, assim como os canais de Na+, são voltagem-dependentes. 
Ambos se abrem diante de uma despolarização da membrana, mas seus comporta-
mentos apresentam algumas diferenças, a saber. Os canais de Na+, em comparação 
com os canais de K+, se abrem mais rapidamente e, diante de certo tempo de des-
polarização, começam a se fechar mais cedo. O fechamento dos canais de Na+ é 
conhecido como inativação.
A inativação dos canais de Na+ apresenta contexto fundamental para a compre-
ensão do período refratário, no qual o neurônio fica impossibilitado de gerar novo 
PA. Uma vez inativado, um canal de Na+ só pode ser novamente ativado com uma 
repolarização. Isso explica por que um novo estímulo despolarizante, dentro do perí-
odo refratário, impede o neurônio de gerar um novo PA, limitando dessa forma sua 
frequência (KANDEL et al., 2014).
Percebe-se, dessa forma, que a despolarização da membrana promoverá a aber-
tura tanto dos canais de sódio quanto dos canais de potássio, mas, de maneiras 
diferentes, com velocidades de abertura diferentes. De maneira genérica, a fim de 
se simplificar a compreensão da fisiologia do PA, consideramos didaticamente que, 
quando o potencial de membrana atinge aproximadamente +35 mV, os canais de 
Na+ voltagem-dependentes se fecham e, ao mesmo tempo, canais de K+, também 
voltagem-dependentes se abrem. Lembre-se de que, nesse ponto, a célula tem uma 
concentração altíssima de K+ dentro de si (35 vezes maior que a do meio extrace-
lular), de forma que, ao serem abertos, os íons K+ efluem para o meio extracelular. 
Esse efluxo, por remover cargas positivas do meio intracelular, faz com que, gradati-
vamente, o meio intracelular volte a ser negativo, e essa fase é, portanto, conhecida 
como repolarização.
Hiperpolarização
Como visto, os canais de potássio voltagem-dependentes, uma vez abertos, de-
moram a se fechar, causando, por um breve momento, efluxo excessivo de íons K+ e, 
consequentemente, um potencial de membrana mais negativo que o próprio poten-
cial de repouso, causando assim uma hiperpolarização da membrana. O potencial 
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de repouso é retomado pela bomba de Na+/K+, que reestabelece as concentrações 
normais dos íons nas condições de repouso.
Barbitúricos e benzodiazepínicos são duas classes de medicamentos usados em tratamentos 
anticonvulsivos e ansiolíticos. Suas moléculas se ligam ao receptor do principal neurotrans-
missor inibitório do Sistema Nervoso Central, o ácido gama-aminobutírico (GABA). A ligação 
do GABA ao seu receptor abre o canal de cloro (Cl-). O influxo de Cl- para o meio intracelular 
do neurônio hiperpolariza a membrana, afastando sua voltagem do limiar de ação, dificul-
tando, dessa maneira, que o PA se deflagre. A ligação desses medicamentos ao receptor 
aumenta sua afinidade ao GABA, fazendo com que ainda mais Cl- entre na célula, afastando 
ainda mais o neurônio de seu limiar de ação (FINKEL, CABEDDU e CLARK, 2010). Há relatos na 
literatura de efeitos visuais secundários ao uso de barbitúricos, através da cloropsia, ou, em 
outras palavras, a percepção de visão esverdeada pelo paciente (PORTO, 2014). 
Propagação do Potencial de Ação
Os eventos anteriormente descritos explicam, de maneira suscinta, os principais 
acontecimentos que ocorrem na membrana celular para que haja uma inversão de 
sua polaridade, partindo de um potencial de repouso de -90 mV para, momenta-
neamente, +35 mV. É fundamental que o leitor tenha a noção de que esses valores 
mudam de célula a célula, dependendo de seu tipo, localização e função. Uma vez 
deflagrado o PA em determinado ponto da membrana celular, a inversão de pola-
ridade nessa região excita as regiões adjacentes a fazer o mesmo, de forma que há 
um efeito dominó, fazendo com que tal PA se propague por toda a extensão da 
membrana celular. 
Figura 5 – Morfologia de um neurônio mielinizado
Fonte: Adaptado de MARIEB, WILHELM e MALLAT, 2014, p. 367. 7º ed.
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UNIDADE Bioeletrogênese e Sinapses
Em células nervosas, tal propagação acontece de forma bastante específica. 
O corpo celular, ou soma, é responsável por modular todos os sinais advindos do 
meio extracelular. Ele computa todos os estímulos extracelulares, sejam eles excita-
tórios ou inibitórios, determinando se e quando irá ser deflagrado o PA. Uma vez 
deflagrado, nas células nervosas, a propagação do PA pela membrana plasmática é 
unidirecional; inicia-se no cone de implantação e percorre a membrana plasmática 
em direção aos terminais sinápticos, onde irá gerar uma série de reações, discutidas 
a seguir. Caso o axônio seja recoberto por bainha de mielina, a propagação ocorrerá 
de forma saltatória, por meio dos nódulos de Ranvier, proporcionando uma pro-
pagação extremamente rápida do PA. A propagação do PA, pelo axônio da célula 
nervosa, é também conhecida por impulso nervoso.
A Esclerose Múltipla (EM) é uma doença neurodegenerativa que afeta a bainha de mielina 
do Sistema Nervoso Central (SNC). Nesse contexto, vale ressaltar que o Nervo Óptico, II par 
de nervos cranianos, apresenta a constituição de sua bainha de mielina por oligodendrócitos, 
ou seja, sua neuroglia é a do SNC, de forma que, de maneira genérica, doenças que afetam a 
bainha de mielina do SNC, como a EM, também afetamo nervo óptico, ao passo que doen-
ças que afetam a bainha de mielina do Sistema Nervoso Periférico, formada por células de 
Schwann, não afetam o nervo óptico. 
Sinapses Nervosas
Como visto, o impulso nervoso é responsável pela propagação da informação 
 através do axônio da célula nervosa. Agora, iremos abordar a forma com a qual essa 
informação se propaga de uma célula a outra. Ao local, onde um neurônio se co-
munica com o outro, é dado o nome de sinapse. Existem dois tipos de sinapses, as 
químicas e as elétricas. Muito embora as sinapses elétricas apresentem relevância fun-
damental em certos contextos, como a formação sincicial da musculatura estriada car-
díaca, é a sinapse química que prevalece em todo o corpo e no sistema nervoso central 
e periférico, inclusive. Assim, nosso objeto de estudo principal será a sinapse química. 
Para o leitor não ser totalmente privado do conceito de sinapse elétrica, vale res-
saltar, de forma resumida, que elas ocorrem pelo livre trânsito de íons intracelulares 
entre os neurônios, alterando dessa forma os potenciais de membrana dos neurônios 
envolvidos. Esse livre trânsito pode ser bidirecional e ocorre através da união dos 
neurônios por junções comunicantes, ou junções GAP.
Sinapses Químicas
As sinapses químicas são assim descritas por ocorrerem através da comunicação 
entre um neurônio e outro, por intermédio de uma ou mais substâncias químicas. 
Nesse contexto, o primeiro neurônio, que transmite a informação, é chamado de 
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neurônio pré-sináptico, e secreta, através de seus terminais axônicos, ou botões 
pré-sinápticos, determinada substância no espaço entre os dois neurônios, conhe-
cido como fenda sináptica. Essa substância, que fica armazenada em vesículas nos 
botões pré-sinápticos (vesículas sinápticas) é conhecida como neurotransmissor. 
O neurotransmissor será então reconhecido pelo segundo neurônio, ou neurônio 
pós-sináptico, que recebe a informação através de proteínas receptoras presentes 
em sua membrana plasmática.
Figura 6 – Sinapse química
Fonte: Adaptado de SILVERTHORN, 2017 p. 259
Uma série de neurotransmissores já foi identificada pela ciência. Para elencar os 
principais, podemos citar a acetilcolina, norepinefrina, e ácido gama-aminobutírico 
(GABA). Ao contrário das sinapses elétricas, as sinapses químicas, por definição, 
são unidirecionais, ou seja, acontecerão sempre do neurônio pré-sináptico para o 
neurônio pós-sináptico. 
Fisiologia da Snapse Química
A sinapse é a comunicação entre neurônios, a transmissão de informação de uma 
célula a outra. Sob tal perspectiva, é preciso ter em mente que é necessário que 
haja um estímulo prévio para que ocorra a liberação do neurotransmissor pelo neu-
rônio pré-sináptico. O nome desse estímulo é potencial de ação (PA). A membrana 
do botão pré-sináptico é repleta de canais de cálcio (Ca2+) voltagem-dependentes, 
de forma que, quando o PA chega ao botão pré-sináptico, a despolarização de sua 
membrana faz com que tais canais se abram, permitindo um influxo de Ca2+ para o 
meio intracelular. Tal influxo provoca a fusão das vesículas sinápticas à membrana 
pré-sináptica e consequente liberação do neurotransmissor na fenda sináptica. 
Uma vez liberados na fenda sináptica, os neurotransmissores serão reconhecidos 
por proteínas integrais na membrana pós-sináptica, chamadas coletivamente de re-
ceptores. Por serem proteínas integrais, os receptores apresentam dois domínios, um 
intracelular e outro extracelular. O domínio extracelular é responsável por se ligar, 
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UNIDADE Bioeletrogênese e Sinapses
de maneira específica, a seu neurotransmissor. Nessa linha de raciocínio, receptores 
específicos reconhecem neurotransmissores específicos. 
A norepinefrina não exerce efeito sobre receptores de acetilcolina (colinérgicos), da mes-
ma forma que a acetilcolina não exerce efeito sobre receptores de epinefrina e norepine-
frina (adrenérgicos)
Receptores
O receptor, uma vez ativado pela ligação do neurotransmissor ao domínio extracelu-
lar, vai agir no neurônio pós-sináptico de duas maneiras: (1) abrindo um canal no pró-
prio receptor, permitindo a passagem de determinados íons (receptores ionotrópicos), 
ou (2) fazendo com que o domínio intracelular do receptor execute uma ação no 
citosol (receptores metabotrópicos), ativando uma molécula no meio intracelular, 
(segundo mensageiro) que irá, por sua vez, promover alguma ação no neurônio. 
O segundo mensageiro mais conhecido é a proteína G, e a compreensão de seu me-
canismo de funcionamento é fundamental no contexto da transdução fotoquímica. 
Por hora, basta ao leitor saber que os receptores metabotrópicos apresentam como 
característica marcante a capacidade de abrir canais iônicos, assim como os ionotró-
picos, permitindo a difusão de íons entre os meios intra e extracelulares, alterando o 
potencial de membrana. Eles diferem, contudo, dos receptores ionotrópicos, por sua 
capacidade de amplificar um sinal recebido, de forma que apenas uma molécula de 
neurotransmissor é capaz de abrir diversos canais iônicos. 
Modulação do Potencial de Membrana
Os neurotransmissores podem ser tanto excitatórios quanto inibitórios. A ligação 
do GABA ao seu receptor, por exemplo, é responsável por abrir canais de Cl- (canal 
aniônico, que permite a passagem de íons de carga negativa), permitindo seu influxo 
no neurônio, afastando potencial de membrana do limiar de ação. Dessa forma, 
dizemos que o neurotransmissor GABA é um estímulo inibitório. Por outro lado, 
neurotransmissores que permitem a abertura de canais catiônicos (íons de cargas 
positivas), aproximam o potencial de membrana do limiar de ação, constituindo-se, 
assim, em um estímulo excitatório. 
O corpo da célula nervosa, dessa forma, é responsável por captar inúmeros estí-
mulos, excitatórios e inibitórios, simultaneamente. Caso haja mais estímulos excitató-
rios que inibitórios, o potencial de membrana irá se “positivar” de forma a alcançar o 
limiar de ação e disparar um PA, que será percorrido por todo o axônio até chegar a 
um botão pré-sináptico. Lá, a despolarização da membrana irá abrir canais de Ca2+ 
voltagem-dependentes, promovendo a fusão de vesículas sinápticas na fenda sináptica, 
onde uma nova sinapse irá acontecer.
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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:
 Livros
Anatomia Humana
MARIEB, E.; WILHELM, P.; MALLAT, J. Anatomia Humana. 7. ed. São Paulo: 
Pearson Education do Brasil, 2014.
Neurociências desvendando o sistema nervoso
BEAR, M. F.; CONNORS, M. A. Neurociências desvendando o sistema nervoso. 
4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. v. 4.
 Leitura
História da neurotransmissão: um breve relato
No artigo, Loro et al. (2018) descrevem “de forma resumida, as principais descobertas 
históricas referentes a aquisição dos conhecimentos acerca da neurotransmissão”.
https://bit.ly/2AfCsTV
Papel das sinapses elétricas em crises epiléticas
 A presente revisão pretende descrever e discutir os principais resultados que 
apontam para uma importante relação entre junções comunicantes e sincronia 
neuronal durante crises epilépticas (SILVA et al., 2010).
https://bit.ly/3gdjqNw
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UNIDADE Bioeletrogênese e Sinapses
Referências
FINKEL, R.; CABEDDU, L. X.; CLARK, M. A. Farmacologia ilustrada. 4. ed. 
Porto Alegre: Artmed, 2010. 
GUYTON, A. C.; HALL, J. E. Tratado de fisiologia médica. 13. ed. Rio de Janeiro: 
Elsevier, 2017. 
IUPAC. IUPAC Compendium of Chemical Terminology. 2. ed. Research Triagle 
Park, NC: IUPAC, 2009. 
JUNQUEIRA, L. C. U.; CARNEIRO, J. Histologia básica: texto & atlas. 13. ed. Rio 
de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. 
KANDEL, E. R. et al. Princípios de neurociências. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
MARIEB, E.; WILHELM, P.; MALLAT, J. Anatomia Humana. 3. ed. São Paulo: 
Artmed, 2008. 
________. Anatomia Humana. 7. ed. São Paulo: Artmed, 2014. 
PORTO, C. C. Semiologia médica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014.
SILVERTHORN, D. U. Fisiologia humana: umaabordagem integrada. 7. ed. Porto 
Alegre: Artmed, 2017. 
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