Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.
left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

Prévia do material em texto

14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 1/50
Teorias da leitura
Profª. Priscila Pesce Lopes de Oliveira
Descrição
Introdução aos estudos literários da leitura: Estruturalismo e leitura
literária, Estética da Recepção, Teoria do Efeito Literário e relações
Literatura-Psicanálise.
Propósito
Compreender diferentes métodos, pressupostos e objetivos da leitura
literária para ampliar a competência leitora e literária.
Preparação
Tenha em mãos um dicionário de literatura para compreender o
vocabulário específico da área. Na internet, você acessa gratuitamente o
E-Dicionário de Termos Literários, de Carlos Ceia, e o Dicionário de
Cultura Básica, de Salvatore D’Onofrio.
Objetivos
Módulo 1
Estruturalismo e leitura literária
Identificar implicações dos preceitos estruturalistas para a
concepção de leitura literária.
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 2/50
Módulo 2
Estética da Recepção e Teoria do
Efeito Literário
Identificar as propostas de Jauss e de Iser quanto ao papel produtivo
da leitura na teoria literária.
Módulo 3
Crítica literária e Psicanálise
Reconhecer as possibilidades de pensar a leitura literária a partir de
conceitos psicanalíticos.
Em 1961, o escritor francês Raymond Queneau publicou Cem Mil
Bilhões de Poemas , livro contendo dez sonetos e uma organização
muito especial: cada verso estava em uma tira de página separada,
ou seja, podia ser virada independentemente do restante do poema
na “mesma” página. Na prática, isso quer dizer que os leitores
poderiam montar seus próprios poemas combinando os versos de
forma livre – as possibilidades são 1014, ou seja,
100.000.000.000.000 poemas diferentes.
Queneau aproveita, assim, características da forma do soneto
(número fixo de versos e estrofes, esquema regular de rimas) para
concretizar um aspecto da dinâmica literária que será o nosso
objeto de estudos: a participação intensa de leitores na existência
do texto literário.
Considerar a pessoa que lê não é novidade na literatura; inclusive,
dirigir-se a ela é característica marcante de alguns de nossos
autores mais célebres, como Machado de Assis no início de
Memórias Póstumas de Brás Cubas.
Contudo, apesar de ser buscado, cortejado, desafiado – em uma
palavra, previsto pelas obras, o leitor só veio a receber atenção
teórico-crítica em meados do século XX. Isto se deu quando os
estudiosos passaram a se perguntar de maneira sistemática sobre
os objetivos e mecanismos da leitura literária, o que abriu um novo
terreno de reflexão que tem sido explorado por pesquisadores
atuantes em diferentes vertentes teórico-críticas, entre elas:
Introdução
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 3/50
Cem Mil Bilhões de Poemas
Ilustração da obra escrita pelo autor Raymond Queneau
1 - Estruturalismo e leitura literária
Ao �nal deste módulo, você será capaz de identi�car implicações dos
preceitos estruturalistas para a concepção de leitura literária.
Contexto e pretexto
Para entender o Estruturalismo, é preciso fazer algo totalmente contrário
à atitude estruturalista: examinar o seu contexto histórico. Isso porque
várias das questões e propostas estruturalistas respondem tanto a
lacunas da teoria literária da época quanto a tendências dominantes na
crítica francesa antes de 1950.
No início do século passado, a França era um importante centro cultural,
uma referência para outros países europeus, americanos e africanos.
Para lá se dirigiam pensadores, pesquisadores e artistas do mundo
Estruturalismo; Estética da Recepção e Teoria do Efeito Literário;
Literatura e Psicanálise.
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 4/50
todo, atraídos pelo ambiente cosmopolita. É o caso dos nossos
modernistas Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, e também dos
búlgaros Julia Kristeva e Tzvetan Todorov, que ajudaram a introduzir na
cena intelectual parisiense o formalismo russo, uma das bases do
Estruturalismo, como veremos adiante.
Atenção!
Um ponto relevante são certas características culturais que, na França
como no Brasil, são ao mesmo tempo estereótipos e algo que se
experimenta todos os dias (para nós, por exemplo, o famoso “jeitinho” e
as relações personalistas). Na França, o sistema de ensino e a relação
social com o conhecimento eram muito marcados pela questão do
prestígio e da validade da ciência.
Nesse sentido, o Estruturalismo foi pautado por tentativas dos estudos
literários de conseguirem mais legitimidade social e institucional,
tornando-se mais parecidos com as ciências humanas, que ganhavam
um caráter de cientificidade crescente: Antropologia, Sociologia e, em
especial, a Linguística.
Havia, então, um esforço de ser visto como uma
ciência “séria”, o que leva a uma busca de rigor no
desenvolvimento e aplicação de metodologias de
análise, bem como na delimitação do objeto.
A proposta de aproveitar as descobertas mais recentes em Linguística
para descrever literatura caminhava na contramão das principais
tendências da crítica francesa da época, na qual imperavam o
biografismo e a crítica engajada.
Vejamos rapidamente alguns pontos dessas práticas que o
Estruturalismo buscava combater.
A crítica engajada
Seu principal expoente foi o pensador e escritor francês Jean-Paul
Sartre (1905-1980), e em linhas gerais caracteriza-se por:
1. Considerar a prosa uma prática que utiliza a língua como um
instrumento de nomeação, e que, nesse ato de nomear, torna visível
alguma coisa;
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 5/50
2. Possuir um caráter normativo, de atribuição de julgamentos de
valor, ou seja, a obra é boa ou ruim conforme se posiciona ou não
para produzir mudanças no mundo, tornando seus leitores mais
conscientes.
Saiba mais
Logo após a Segunda Guerra Mundial, Sartre publicou o livro Que é a
literatura?, que impactou profundamente o pensamento europeu quanto
à capacidade humana de fazermos mal aos nossos semelhantes, e
quanto à responsabilidade de todos para evitar que isso ocorra.
O biogra�smo
É a prática de ler obras literárias a partir de dados da vida do escritor,
que é utilizada para explicar e justificar, entre outras coisas, a presença e
o tratamento de alguns temas recorrentes, bem como características de
estilo. A obra é tida como um código que oculta um segredo a ser
decifrado pelo crítico, e o gabarito dessa atividade, que só tem uma
resposta correta, é dado pela vida e pelas intenções do escritor. Quanto
mais o crítico dela se aproximar, melhor terá dominado o significado
único e correto da obra.
É em reação ao biografismo e à crítica engajada que podemos apreciar
a força dos seguintes argumentos do ensaio A Morte do Autor,
publicado originalmente por Roland Barthes em 1968:
Uma vez afastado o Autor, a
pretensão de “decifrar” um texto se
torna totalmente inútil. Dar ao texto
um Autor é impor-lhe [...] um
significado último, é fechar a
escritura. Essa concepção convém
muito à crítica, que quer dar-se
então como tarefa importante
descobrir o Autor [...] sob a obra:
encontrado o Autor, o texto está
“explicado”, o crítico venceu [...].
para devolver à escritura o seu
futuro, é preciso inverter o mito: o
nascimento do leitor deve pagar-se
com a morte do Autor.
(BARTHES, 2012, p. 63-64)
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 6/50
Referências, propostas e
métodos
Aqui encontramos, enfim, o nosso assunto principal deste conteúdo: o
leitor. Ele vem como parte de um programa de mudança radical de foco
na crítica literária, com a revisão de seus objetivos e métodos:
Descrever x explicar
Ao invés de explicara obra, descobrindo (revelando algo que
estava encoberto) o seu significado único e correto, a análise
estruturalista concentra-se em descrever como o texto funciona,
como se organiza internamente para produzir sentidos.
Signi�cância x signi�cado
Ao invés de pressupor que cada obra tem apenas um significado
correto, o Estruturalismo vê os textos como uma espécie de
máquinas de produzir significação quase infinita – essa atividade
produtiva recebe o nome de significância. Assim, os múltiplos
significados textuais produzidos na leitura (inclusive a do crítico)
passam a ser validados com base em elementos do próprio texto,
e de sua estrutura (exemplo: convenções do gênero textual) e não
mais em algo externo, como a vida do escritor.
Intertextualidade x �liação
Ao invés de considerar a obra como o produto da intenção e
técnica de um escritor, e totalmente determinada por ele, que
detém a sua propriedade, o Estruturalismo vê no texto uma rede
de citações, referências, passagens e presenças que ali
acontecem sem serem planejadas por quem o assina. Isso
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 7/50
envolve não apenas as referências “explicáveis” (aquelas que
podem ser ligadas ao escritor, que é alguém atravessado por um
repertório cultural e imerso numa língua determinada); de modo
mais radical, a intertextualidade admite que o leitor possa fazer
ecoar no texto as suas próprias referências. Assim, ao invés de
executar a obra como um manual de instruções, cujo resultado
deve ser sempre o mesmo para todos em qualquer tempo, cada
leitor passa a coproduzir o texto em cada leitura.
Vê-se, assim, que com o Estruturalismo a leitura deixa de estar
subordinada ao que se imaginava serem as intenções do autor, e o leitor
passa a ser visto como alguém muito mais ativo e importante no
processo de fazer a literatura existir. Como vimos, Barthes afirmava que
o lugar de construção de significados textuais é a leitura, e que estes
não estão sob controle do autor.
Saiba mais
Você talvez tenha reparado que, nas oposições acima, tudo o que é
rejeitado (explicar, significado e filiação) está associado ao objeto obra e
as propostas (descrever, significância e intertextualidade) estão
vinculadas ao objeto texto. Da Obra ao Texto é justamente o título de um
artigo publicado por Barthes em 1971, que apresenta algumas das
principais propostas estruturalistas no campo literário.
A relação entre a abordagem
estruturalista e a linguística de
Saussure
Parte dessa reivindicação de autonomia para a leitura está ligada à
estreita relação do Estruturalismo com a linguística de Ferdinand de
Saussure (1995). Ele concebia a língua como um sistema de signos.
O signo é formado por um significante (um som ou imagem) e um
significado (o conceito, o sentido). A relação entre esses componentes
é arbitrária, ou seja, não existe nenhum motivo para a ideia de casa ser
designada pela palavra "casa" e não por outra. Repare que no signo
saussuriano há o sentido, que corresponde ao conceito, e não ao
referente concreto: a palavra "casa" não aponta para nenhuma casa
específica existente no mundo, e sim para a ideia geral de casa.
Saussure propôs uma distinção fundamental entre:
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 8/50
Língua
(langue)
O sistema geral que
rege toda a atividade
verbal.
Fala
(parole)
Realizações individuais
por um/a falante numa
situação determinada.
Outra oposição central no pensamento saussuriano é:
Sincronia
O sistema geral que
rege toda a atividade
verbal. Estado do
sistema em dado
momento (como uma
fotografia).
Diacronia
Variação no sistema ao
longo do tempo (como
um filme).
Para Saussure, o objeto de estudo da Linguística deveria ser a língua, e o
objetivo deveria ser determinar as suas leis de funcionamento a partir
do exame das relações existentes em um corte sincrônico do sistema
(isso mudou bastante, e há décadas os linguistas pesquisam falas
concretas e em contexto, bem como as mudanças ocorridas em um
período).
A abordagem imanente do
Estruturalismo
De modo similar, para uma das maiores referências do Estruturalismo, o
formalista russo Roman Jakobson (2007), a questão central da Poética
é "O que faz uma mensagem verbal ser uma obra de arte?", e seu campo
de investigação são os problemas de estrutura verbal.
Basicamente, investigar a estrutura verbal é uma decorrência da visão
saussuriana da língua como um sistema. Nessa perspectiva, o
significado de cada unidade do sistema está nas suas relações com
outras unidades, não em uma referência a algo externo.


14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 9/50
Dito de outro modo, o significado é funcional, é uma função que o signo
exerce dentro de um todo: o sistema linguístico. De modo análogo, em
análise literária, isso se traduz na prática de se concentrar no texto "em
si", em suas articulações internas ou intertextuais (com outras obras do
mesmo gênero), ao invés de usar o texto como meio de acesso a
alguma outra coisa que as palavras estariam expressando ou
representando, como as visões políticas do autor, ou o contexto social
retratado na trama. Esse posicionamento faz com que o Estruturalismo
seja considerado uma abordagem imanente.
Se esse foco restrito tira da jogada alguns componentes que podem ser
do máximo interesse para parte dos leitores, por outro lado, essa busca
de certa impessoalidade contribuiu para tornar a crítica literária menos
impressionista e mais rigorosa.
Em lugar de encarar as obras como manifestações do gênio de um
escritor, a visão estruturalista invertia o jogo: tanto o escritor quanto o
leitor têm sua atividade mental regulada pela língua, um sistema que
não representa o mundo, mas sim enquadra o modo como o
percebemos.
Toda leitura deriva de formas
transindividuais: as associações
geradas pela letra do texto (onde
está essa letra?) nunca são, o que
quer que se faça, anárquicas; elas
sempre são tomadas (extraídas e
inseridas) dentro de certos códigos,
certas línguas, certas listas de
estereótipos. A leitura mais
subjetiva que se possa imaginar
nunca passa de um jogo conduzido
a partir de certas regras. De onde
vêm essas regras? Não do autor, por
certo, que não faz mais do que
aplicá-las à sua moda [...]; visíveis
muito aquém dele, essas regras vêm
de uma lógica milenar da narrativa,
de uma forma simbólica que nos
constitui antes de nosso
nascimento, em suma, desse
imenso espaço cultural de que a
nossa pessoa (de autor, de leitor)
não é mais do que uma passagem.
Abrir o texto, propor o sistema de
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 10/50
sua leitura, não é apenas pedir e
mostrar que podemos interpretá-lo
livremente; é principalmente, e muito
mais radicalmente, levar a
reconhecer que não há verdade
objetiva ou subjetiva da leitura.
(BARTHES, 2012, p. 28-29)
Assim, se tomássemos o conto Peru de Natal, de Mário
de Andrade, o que os pesquisadores estruturalistas
procurariam compreender?
Podemos responder, primeiramente, o que eles não estudariam: eles não
examinariam o conteúdo do conto, como a psicologia das personagens,
os temas ou a sociologia do enredo, nem avaliariam se o conto está ou
não bem escrito.
Na verdade, os pesquisadores estruturalistas iriam procurar
compreender como age em um texto a complexa rede de regras
estruturais dos vários sistemas aos quais ele pertence (o dos contos, o
das narrativas, o da literatura, o das produções verbais) e os
mecanismos que ele aciona (descrição, organização do tempo etc.).
Em lugar de perguntar “Qual é o sentido
deste texto?”, a análise estruturalista
pergunta “Como este texto produz sentidos?”
Essa produção envolve necessariamente a leitura, que mobilizaas
estruturas literárias peculiares a cada estado sincrônico do sistema,
estabelecendo relações entre a obra e o sistema literário no qual ela é
trazida à vida pelo leitor.
Em Estruturalismo e crítica literária, o teórico e crítico literário francês
Gérard Genette (1930-2018) explica que estudar as estruturas equivale a
investigar os princípios e mecanismos de inteligibilidade de um texto
literário. Ele compara cada obra a uma fala, no sentido proposto por
Saussure, cuja língua seria o modo como uma sociedade, em dado
momento, se relaciona com a literatura (GENETTE, 1976, p. 166).
Nesse tipo de análise, surgem questões como:
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 11/50

O que é considerado próprio do conjunto ao qual pertence esse texto,
isto é, o que nos faz classificá-lo mentalmente como narrativa, poema
etc. e acionar os esquemas cognitivos apropriados para entendê-lo?

O que, nesse texto, é percebido como procedimento estético?
Portanto, deixar de fora da análise o significado e o contexto de
produção de uma obra era visto como uma etapa necessária para
esclarecer seu funcionamento interno antes de passar a examinar as
relações do sistema-texto com outros sistemas:
[...] a literatura não é somente uma
coleção de obras autônomas, ou
que se “influenciam” por uma série
de encontros fortuitos e isolados;
ela é um todo coerente, um espaço
homogêneo no interior do qual as
obras se tocam e se penetram
mutuamente; ela é também, por sua
vez, uma peça ligada a outras no
espaço mais amplo da “cultura”, no
qual o seu valor é função do todo.
Assim, duplamente, justifica-se o
estudo das estruturas literárias,
tanto internas quanto externas.
(GENETTE, 1976, p. 165)
Problemas e lacunas da abordagem
estruturalista
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 12/50
A vontade de fazer dos estudos literários uma ciência séria e respeitável
levou a uma profusão de esquemas classificatórios, tabelas e
abstrações – uma verdadeira fúria taxonômica e esquematizadora.
Por outro lado, as pessoas que estavam desenvolvendo e utilizando
aquelas ideias com algum senso crítico logo perceberam que a
vantagem maior da nova perspectiva não estava em fazer
esquadrinhamentos e classificações exaustivos, mas sim em uma
espécie de proposta, ou defesa, de alguns princípios.
O abandono da postura valorativa e normativa (isto é, da pretensão
crítica de determinar se uma obra é ou não “literatura de qualidade”)
abriu o leque de objetos de análise e facilitou também questionamentos
do cânone, que posteriormente os estudos feministas, queer
(relacionado a minorias sexuais e de gênero) e pós-coloniais
(perspectiva teórica e releitura da colonização) demonstraram ser um
espaço de ferrenho embate ideológico.
Perspectiva estruturalista da
leitura
Está na hora de nosso bate-papo sobre abordagens da leitura do texto
literário na perspectiva estruturalista, exemplificando com textos ou
trechos literários. Vamos lá!

14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 13/50
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
Leia o trecho seguinte de A descrição da significação em literatura,
de Tzvetan Todorov:
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 14/50
Não há limite nítido entre o conteúdo da própria obra e a
interpretação que lhe é dada no curso de diferentes leituras. [...]
Mas, apesar da existência inevitável de uma significação
acrescentada pelo leitor, parece-nos que a análise literária não pode
inclui-la em seu campo de investigação. [...] Será mais pertinente
para nossa análise descobrir a dependência de cada elemento às
relações funcionais entre ele e os outros signos, do que revelar a
existência de uma reação "média" dos leitores, ou descobrir, através
das diferenças, as imagens comuns escondidas no subconsciente
coletivo. Este princípio nos permitirá, parece, realizar a descrição de
um texto sem fazer intervir julgamentos de valor. (Todorov, T. In:
Literatura e Semiologia - seleção de ensaios da revista
Communications. Petrópolis: Vozes, 1971, p. 148-159.)
Com base no excerto acima e em seus estudos neste módulo, é
correto afirmar que
Parabéns! A alternativa E está correta.
A abordagem estruturalista do texto literário se caracteriza por uma
análise centrada na descrição do funcionamento do texto, bem
como em sua organização interna a partir de sua função de
produção de sentidos.
Questão 2
Leia o trecho de "Verossímil e motivação", de Gérard Genette:
A
a análise literária estruturalista não deve descrever
as leituras individuais, pois isso é impossível.
B
o Estruturalismo investiga a funcionalidade social
da literatura.
C
para o Estruturalismo, o signo literário tem um
componente subconsciente.
D
análises estruturalistas não efetuam julgamentos de
valor das obras, pois isso contraria seus princípios
humanistas.
E
o Estruturalismo privilegia a descrição funcional
sobre a explicação e a avaliação das obras literárias.
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 15/50
O discurso narrativo é portanto um discurso cujas ações
respondem, como também as aplicações ou casos particulares, a
um corpo de máximas aceitas como verdadeiras pelo público ao
qual se dirige; mas essas máximas, pelo próprio fato de serem
admitidas, ficam frequentemente implícitas. A relação entre o
discurso narrativo verossímil e o sistema de verossimilhança a que
se sujeita é, pois, essencialmente mudo: as convenções de gênero
funcionam como um sistema de forças e restrições naturais, às
quais o discurso narrativo obedece como se não as percebesse, e a
fortiori sem nomeá-las. (Genette, G. In: Literatura e Semiologia -
seleção de ensaios da revista Communications. Petrópolis: Vozes,
1971, p. 7-34.)
Com base no excerto acima e nos seus estudos neste módulo,
pode-se dizer que essa análise de Genette utiliza o seguinte
princípio estruturalista:
Parabéns! A alternativa B está correta.
A abordagem teórica e os interesses dos pesquisadores
estruturalistas diante do texto literário eram direcionados para a
compreensão das regras estruturais que integrariam os sistemas
aos quais o texto literário pertence, além de se debruçar sobre os
mecanismos que esses sistemas acionam. Desse modo, aspectos
como a biografia do autor, o contexto da obra ou outros elementos
estranhos à estrutura e sistema internos da obra seriam deixados
de lado.
A Detecção das forças implícitas na narrativa.
B
Consideração do objeto analisado dentro dos
diversos sistemas aos quais pertence.
C Consideração das relações entre a obra e o público.
D Aplicação do conceito saussuriano de discurso.
E
Recusa de categorias aristotélicas, como a
verossimilhança.
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 16/50
2 - Estética da Recepção e Teoria do Efeito
Literário
Ao �nal deste módulo, você será capaz de identi�car as propostas de
Jauss e de Iser quanto ao papel produtivo da leitura na teoria literária.
Primeiras palavras
Continuaremos vendo correntes teóricas europeias, desta vez, vamos a
Constança, na Alemanha, conhecer a Estética da Recepção, de Hans
Robert Jauss, e a Teoria do Efeito Estético, de Wolfgang Iser.
Enquanto o Estruturalismo francês estava preocupado com a
organização interna dos textos, a chamada Escola de Constança se
concentrava mais na leitura propriamente dita – tanto a leitura efetiva
realizada por grupos sócio-historicamente determinados quanto o
processo que acontece no contato individual entre leitor/a e texto.
Vamos lá?
A estética da recepção de Jauss
14/04/2024,09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 17/50
As bases da Estética da Recepção são colocadas pelo escritor e crítico
literário alemão Hans Robert Jauss (1921-1997), em História da
Literatura como Provocação à Ciência da Literatura.
Ali, ele anuncia o objetivo de conciliar as abordagens histórica
(filológica, sociológica) e estética (formalistas russos, new criticism
estadunidense) da literatura, colocando em primeiro plano o estudo de
um fenômeno, que é ao mesmo tempo estético e social: a recepção e
seu impacto.
Jauss vê a literatura em uma perspectiva que podemos chamar de
comunicacional, pois entende-a como um processo e um diálogo. Um
dos principais participantes desse diálogo é justamente o leitor, o
principal destinatário da obra literária.
Entretanto, diferentemente dos estruturalistas, para quem todas as
condições de todos os possíveis significados de uma obra estavam
contidas unicamente no texto, Jauss propõe que os múltiplos
significados textuais são produzidos por leitores situados em
contextos sócio-históricos e estéticos, e que esses contextos influem
em como tais grupos leem esta ou aquela obra com base em
conhecimentos prévios sobre literatura (formas, temas, gêneros
textuais, outras obras literárias conhecidas) e sobre o mundo
(organização social, valores morais etc.).
Uma vez que esses conhecimentos prévios variam conforme a época e
o lugar, eles propiciam leituras diferentes – essas leituras, organizadas
em sistema, constituem a recepção.
A obra manipula esses elementos e predispõe o leitor a certo tipo de
recepção por meio de estratégias textuais, características familiares e
alusões diretas ou implícitas a outras obras. Portanto, Jauss não está
preocupado em descrever a experiência de leitura individual (é o que
procura Iser, cuja teoria veremos a seguir), e sim a leitura como
atividade que envolve parâmetros partilhados por um grupo de leitores.
Os horizontes de expectativas
Esses parâmetros recebem o nome de horizonte de expectativas, e têm
três elementos:
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 18/50
A noção vigente de
gênero textual
Formas e temas de
obras familiares ao
público
Contraste entre 
linguagens poét
e comuns
Como uma nova
obra se relaciona
com a ideia
corrente que os
leitores de dado
contexto têm do
gênero ao qual ela
pertence?
Como a obra se
relaciona implícita
ou explicitamente
com outras que, na
época da
publicação, eram
conhecidas pelos
leitores?
Quais os critério
usados em um
contexto para
classificar aque
texto como send
uma obra de art
Quadro: Horizontes de expectativas de Jauss. Priscila Pesce
Esse horizonte é continuamente estabelecido e alterado pelas obras que
surgem, e tem um papel determinante na relação de cada obra com as
outras do mesmo gênero: de modo não intencional, ao ler uma obra, o
leitor aciona em seu repertório o conhecimento prévio sobre aquele
conjunto de textos (gênero), que o contato com a nova obra pode
reproduzir, alterar, variar, e mesmo modificar profundamente, negando o
familiar ou articulando uma experiência pela primeira vez.
Apesar de ser individual, o repertório tem um forte componente social,
então, Jauss caracteriza o horizonte de expectativas como transubjetivo,
ou seja, algo que não é particular de cada um.
Jauss propõe que as obras respondem a perguntas existentes (nos
âmbitos social e estético) e colocam novas perguntas, que serão
enfrentadas por obras futuras e/ou abrirão novas possibilidades de
significado nas anteriores. Assim, a dinâmica do efeito histórico é
concebida por ele em termos de questões/respostas ou
problemas/soluções colocados pelas obras.
O terceiro elemento do horizonte de expectativas (o contraste entre
linguagem comum e poética, entre ficção e realidade) conecta a leitura
não apenas a repertório e a outras obras, mas à vida do leitor – o que
confere à literatura a possibilidade de ser uma experiência relevante, de
mudar perspectivas e nos fazer repensar nossa compreensão de
mundo, de nós mesmos e das pessoas ao nosso redor.
O modo como uma obra se relaciona com o horizonte de expectativas é,
para Jauss, um dos critérios para estabelecer seu valor estético. Ele
chama de distância estética a distância entre o horizonte de
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 19/50
expectativas e a experiência provocada por uma nova obra. Vemos,
assim, que ele valoriza as obras que provocam a quebra ou
reorganização do horizonte. É o que ele chama de "momentos
formadores de época" (JAUSS, 1994, p. 28).
Sua proposta consiste em considerar a história da
literatura pelo ângulo da recepção, da seguinte forma:
A literatura seria formada por uma série de sistemas, cada um com seu
equilíbrio interno, que são alterados pelas obras. Esses sistemas têm
normas estéticas vigentes, isto é, relações estabelecidas entre gêneros,
formas, temas e abordagens existentes. Quando uma obra que trouxe
grandes mudanças em relação ao horizonte de expectativas da época
de seu surgimento passa a fazer parte das referências que compõem o
horizonte dos leitores futuros, sua distância estética diminui. É o caso,
para Jauss, dos grandes clássicos, que já estão tão incorporados ao
repertório cultural, que leituras inovadoras deles (sempre possíveis)
requerem um esforço da parte dos leitores.
Nessa ótica, toda obra tem um público inicial específico, determinado
histórica e socialmente. Esse destinatário participa da composição de
muitas formas diferentes: por exemplo, no caso da literatura moderna e
modernista, muitas obras buscavam abertamente chocar e incomodar o
público-padrão da época, tanto pelos temas quanto pelo tratamento da
linguagem e das formas literárias.
Assim, o leitor habituado ao esmero métrico, ao vocabulário rebuscado
e aos temas elevados de Olavo Bilac é atacado pela poética de Oswald
de Andrade (2003, p. 39):
Atualmente, quase cem anos depois, muitas obras modernistas
adquiriram o status de clássicos e são referências no conceito de
literatura do leitor atual; o que antes era marginal, hoje em dia está no
centro do sistema.
A reconstituição desses muitos horizontes de expectativas, o exame das
relações entre eles e dos momentos de transição seria, então, o trabalho
da Estética da Recepção. Isso porque, para Jauss, reconstituir o
horizonte original de uma obra ajuda a encontrar as questões (sociais e
estéticas) que ela se propôs a responder, e a descobrir como ela era
vista e compreendida pelo leitor da época.
Lembrando que, neste ponto, Jauss concordava com seu antigo
professor, o filósofo alemão Hans-Georg Gadamer (1900-2002), para
quem nossa compreensão da questão original será sempre enviesada
pelo fato de que estamos chegando a ela a partir do nosso presente, e
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 20/50
do entendimento que temos atualmente sobre o contexto no qual ela foi
formulada. Assim, o crítico historiador (que não deixa de ser um leitor) é,
como as obras, situado histórica e socialmente, trabalhando dentro de
seu próprio horizonte.
Os sentidos potenciais da obra literária
Pensar que a obra pode ser compreendida de modos diferentes em
diferentes contextos vai contra o entendimento de que o significado de
uma obra literária seja objetivo, atemporal, imutável e independente do
leitor – esse entendimento é, como você talvez tenha pensado, uma das
bases para a crença de que cada obra teria apenas um único significado
correto.
Pelo contrário, a proposta de Jauss permite pensar em significados
potenciais, que vão sendo realizados pelos leitores ao longo da história,
conforme são abertas novas possibilidades na interação de cada obra
com as demais que vão surgindo.
Para Jauss(1994), a obra literária não consiste em um objeto com
existência em si mesmo, sempre se mostrando do mesmo jeito aos
leitores de diferentes contextos históricos, ou seja, uma obra literária
não é como um monumento que em um discurso monológico mostra
uma essência atemporal. Pelo contrário, a obra é um criador de diálogo.
Exemplo
Esse tipo de movimento está presente na revalorização de determinadas
obras, movimentos e escolas estéticas que acontece de tempos em
tempos: o Neoclassicismo recuperando valores da Antiguidade Greco-
Romana, o Modernismo canibalizando o Barroco, e assim por diante.
Desse modo, na Estética da Recepção, a história literária é vista como
um constante diálogo entre o passado e o presente, que se influenciam
mutuamente – Jauss fala de conexões funcionais entre a compreensão
de novas obras e o significado das antigas, e de coexistência entre o
simultâneo (coisas que acontecem ou existem ao mesmo tempo) e o
não simultâneo.
Assim, o contexto de surgimento da obra de arte, apesar de relevante,
não coloca limites definitivos para sua compreensão, pois as obras
podem ir além do seu contexto, antecipar experiências humanas
inéditas, "imaginar novos modelos de percepção e de conduta, ou trazer
as respostas a novas questões" (JAUSS, 1994, p. 22) porque trazem
sentidos potenciais: aqueles que, dormentes e ainda não realizados,
aguardam pacientemente as condições de virem a existir por meio de
novas leituras.
Por isso, Jauss classifica a leitura como uma atividade produtora (e não
descobridora) de significados: é como se o texto fosse a matéria-prima
a ser trabalhada na leitura, sendo o significado o resultado desse
trabalho, e não algo pronto que o leitor simplesmente extrai do texto
sem modificar.
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 21/50
Trabalha-se, assim, em três frentes:
Os planos formal e semântico da obra literária e
o contexto
Esse tipo de análise leva em conta dois planos da obra:
Formal
Associado a uma
espécie de gramática
da literatura e composto
por elementos como a
estrutura dos gêneros
textuais, figuras
retóricas e convenções
estilísticas.
Semântico
Formado por temas,
arquétipos, símbolos e
metáforas, seu objetivo
é tornar inteligível,
compreensível a
experiência estética, por
meio do estudo das
mudanças de horizonte
 Sincrônica
Considerando o horizonte do contexto de
composição/publicação: isto é, as expectativas,
memórias e antecipações.
 Diacrônica
Considerando a "série literária" à qual a obra
pertence, para que seja possível reconhecer sua
importância no contexto da experiência literária,
isto é, como aquela obra contribuiu para a
formação do horizonte de expectativas de sua
época, e das seguintes?
 Intersecção de diacrônico e sincrônico
Analisando “o horizonte literário de determinado
momento histórico enquanto sistema sincrônico no
qual obras surgidas simultaneamente podem ser
recebidas diacronicamente em relação, e no qual a
obra possa ser vista como sendo ou não de
interesse corrente, na moda, ultrapassada ou
dotada de valor duradouro" (JAUSS, 1994, p. 29).

14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 22/50
de expectativas, ou de
como o impacto de um
evento literário (uma ou
várias obras) influi no
estado presente da
literatura e na sua
continuidade histórica.
Contudo, nessa investigação, o contexto não aparece somente como
motivador das obras literárias; Jauss (1994, p. 31) acredita que "a
função social [da literatura] se manifesta quando a experiência literária
do leitor adentra o horizonte de expectativas de sua vida, forma suas
interpretações do mundo e, assim, tem efeitos em suas ações sociais".
Desse modo, as obras e o contexto social estão em constante processo
de formação mútua, e a literatura, longe de representar ou imitar uma
realidade pronta, é algo que ajuda a formar a percepção que as pessoas
têm de suas realidades. Inclusive, por trazerem significados e formas
potenciais, as obras podem, além de expressar experiências reais,
também inaugurar maneiras inéditas de nos relacionarmos não apenas
com a literatura existente, mas também com nossas vidas.
Tais mudanças de percepção envolvem, além
do que costumamos chamar de "conteúdo"
das obras, também – e, talvez,
principalmente – a sua forma.
Romance Vidas Secas
Um exemplo brasileiro marcante é o romance Vidas Secas, em que
Graciliano Ramos, além de abordar uma questão social da primeira
importância (a drástica desigualdade social), obtém, por procedimentos
de técnica narrativa (ponto focal, organização do tempo, uso de
discurso indireto livre, estruturas de frase e escolhas lexicais, entre
outras), a humanização de personagens pertencentes a um grupo social
que, por falta de voz no debate público, era e continua sendo muitas
vezes relegado ao lugar de objeto e não de sujeito de sua própria
existência e da coexistência social. As mudanças de horizonte, isto é, as
mudanças na própria concepção e prática de literatura, não acontecem
apenas por inovação, oposição e substituição do já existente. Para
Jauss, as novas formas podem abrir possibilidades de entendimento
inéditas de obras antigas, reconfigurando assim o lugar delas no
sistema literário.
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 23/50
Um exemplo é o paideuma dos concretistas brasileiros, que arrancaram
do poeta francês Mallarmé o rótulo de simbolista para reposicioná-lo
como um marco da poesia verbivocovisual.
Jauss afirma:
paideuma
Rol de autores de referência e precursores.
verbivocovisual
Neologismo em que o verbo, seu som e sua visualidade estariam
unidos criando o poema concreto. Assim, na poesia concreta, o
poema era organizado integrando o verbal, o visual e o sonoro. O
próprio nome da revista e do grupo concretista Noigandres era um
neologismo que carregava essa materialidade verbivocovisual.
O novo se torna uma categoria
histórica quando a análise
diacrônica da literatura é forçada a
encarar questões como: quais
forças históricas de fato tornam
uma obra literária nova, o quanto a
novidade pode ser reconhecida no
momento histórico em que surge,
qual distância, caminho ou
circunlocução de compreensão
foram necessários para sua
realização plena, e se o momento
dessa realização foi efetivo a ponto
de mudar a perspectiva sobre o
antigo e, portanto, influenciar no
cânone literário do passado.
(JAUSS, 1994, p. 27)
A partir desse tipo de raciocínio, temos que a Estética da Recepção
avança a ideia de que o cânone precisa ser algo em constante revisão,
pois a maneira como entendemos coletivamente a literatura muda
conforme novas obras e condições sócio-históricas modificam os
parâmetros da experiência estética.
Um exemplo seria a polêmica acerca dos livros infantis de Monteiro
Lobato que, após serem aclamados por gerações, enfrentam, na última
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 24/50
década, um reposicionamento na constelação de obras de referência na
literatura brasileira devido ao tratamento racista de personagens negros:
um fator cultural atual, que não participou da recepção inicial da obra,
altera seu lugar dentro do sistema literário brasileiro e abre novas
possibilidades de leitura.
A teoria do efeito estético de Iser
Em seus estudos da leitura literária, o professor e pesquisador alemão
Wolfgang Iser (1926--2007) concentra-se na interação entre a estrutura
da obra e o leitor, examinando as ações realizadas pelo leitor como
resposta ao texto. Leitor e texto são, assim, dois polos ou parceiros
desse processo.
Para Iser (1979), a obra literária não é nem o texto objetivo (as palavras
no papel, na tela ou em outro suporte), nem sua realização em uma
leitura subjetiva, masalgo intermediário: uma interação, que é regulada
e estruturada pelo texto por meio de uma série de estratégias.
Ele traz alguns parâmetros da Teoria dos Atos de Fala, do filósofo
estadunidense John Austin, apenas para mostrar como a falta deles
define o modo particular de comunicação dos textos literários. Veja!
Falta de contato direto
Como já reclamava Platão (no diálogo Fedro), quando lemos, nem o
autor, nem o texto podem responder a perguntas ou nos garantir que
estamos compreendendo da forma correta o que está sendo dito.
Falta de um objetivo
comunicacional especí�co
Em uma consulta médica, tanto a/o profissional quanto a/o paciente
sabem que a troca de informações tem um objetivo definido, sobre o
qual ambos estão de acordo, e que orienta a compreensão do que está
sendo dito. Isso não acontece com a literatura.
Essas faltas geram uma série de incertezas e indeterminações que, na
visão de Iser, motivam o leitor: ao ler, estamos constantemente tentando
construir um todo coerente, suprir as lacunas em nossa compreensão.
As faltas geram também uma situação bastante particular: a obra
literária precisa estabelecer para o leitor os parâmetros da interação.
Por isso, Iser fala em assimetria entre texto e leitor, e em dispositivos
textuais que guiam a leitura.
Tais dispositivos são estruturais, e não declarados. Como sabemos por
experiência própria, poucos textos trazem um manual de como devem
ser lidos, mas todos eles colocam as condições de sua leitura. Nas
palavras de Iser, os leitores são levados a adotar uma posição em
relação ao texto – o que é bem diferente de afirmar que eles são levados
a construir este ou aquele significado específico e "correto".
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 25/50
A comunicação na literatura, então,
é um processo desencadeado e
regulado [por uma interação] entre o
explícito e o implícito, entre
revelação e ocultamento. O que está
oculto convida o leitor a entrar em
ação, mas esta ação também é
controlada pelo que está revelado;
por sua vez, o explícito é
transformado quando o implícito é
trazido à tona.
(ISER, 1979, p. 111)
Desse modo, para Iser, a leitura é um processo extremamente dinâmico,
que a todo momento reorganiza a compreensão em função de novas
descobertas e de como estas modificam tanto o que pensávamos saber
quanto nossas expectativas para o que acontecerá a seguir.
Para descrever esse processo, Iser utiliza uma nomenclatura extensa;
apresentaremos a seguir alguns dos termos-chaves.
Termos-chaves da Teoria do Efeito Estético
A Teoria do Efeito Estético aproveita a dinâmica das relações parte-todo.
Conforme Iser, existem na obra vários temas e perspectivas que são
apresentados de maneira alternada. Cada vez que o foco da narrativa
recai sobre um personagem, por exemplo, o leitor está acompanhando o
desenrolar dos acontecimentos e tem, em segundo plano, tudo o que já
leu antes. Cada novidade altera o sentido que havia sido atribuído ao
que já havia sido lido antes, muda seu lugar no desenho geral do todo.
Algo muito importante nesse processo são as lacunas, os espaços em
branco estruturados no texto, pois uma das principais atividades da
leitura é produzir sentido costurando o que o texto apresenta, formando
um todo coerente a partir dos fragmentos que são enfocados
sucessivamente. Essa costura é estruturada a partir dos brancos do
texto, que organizam campos de referência formados por segmentos
textuais em interação.
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 26/50
Como isso acontece?
Os brancos ou vazios são pontos em que a sensação de que falta
alguma coisa motiva o leitor a preencher essa falta. Essa interação
leitor-texto é movida por uma tensão entre os segmentos textuais, que o
leitor está sempre procurando resolver. O mecanismo para isso é
chamado de estrutura tema/pano de fundo: o segmento em foco em
dado momento é o tema, que percebemos em relação com o pano de
fundo dos demais segmentos. A alternância de temas/panos de fundo e
as relações estabelecidas entre eles ao longo da leitura constituem o
objeto estético, que o leitor produz a partir de sua interação com o texto.
O sentido é, assim, um efeito da leitura.
Vem daí o nome Teoria do Efeito Estético.
O texto regula a interação, pois estabelece a sequência na qual os
diferentes segmentos se tornarão temas e, assim, dirige o olhar do leitor
– propiciando o que Iser chama de ponto de vista errante.
Se tudo isso parece muito abstrato e difícil de entender, você pode
pensar nestes dois exemplos:
Um romance policial
O leitor está tentando juntar pistas e fatos,
entender a personalidade e os comportamentos
dos personagens, para conseguir encontrar o/a
culpado/a de um crime. A cada vez que um novo
fato é revelado, ele pode mudar a ideia que fazia
de um suspeito, ou do modo como o crime foi
executado.
A série televis
Ao longo dos epis
fatos, entender a 
comportamento d
desfecho do conf
fato é revelado, se
pode mudar a com
e alterar significat
outro personagem
Evidentemente, outros tipos de narrativa propõem outros tipos de
questões e de relações entre seus componentes, mas a dinâmica básica
da interação texto-leitor é a mesma: a resolução de indeterminações na
construção de um conjunto coerente.
Uma crítica bastante frequente à teoria de Iser é que ele favorece, de
certo modo, um retorno à visão de que cada texto guarda uma maneira
"correta" de ser lido – se o texto detém todo o controle das regras da

14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 27/50
interação, o leitor, mesmo trabalhando muito, estaria sempre
caminhando em direção um objetivo predeterminado.
Um dos motivos para isso é que Iser, ao contrário de seu colega Jauss,
não pensa no leitor como alguém concreto, participante de determinado
contexto sócio-histórico. O leitor de Iser é um conceito abstrato – que,
inclusive, dá nome a um de seus livros: O Leitor Implícito (publicado em
1974).
O leitor implícito é um papel no funcionamento do
texto, não um leitor real, de carne e osso (esses são
chamados, em outros tipos de estudos da leitura, de
"leitor empírico").
Como toda abstração, o leitor implícito acaba sendo idealizado e
incorporando características que demonstram a visão de Iser sobre a
leitura literária. Essa visão está calcada em um pressuposto: de que a
principal atividade da leitura seria produzir um conjunto coerente,
suprindo os vazios do texto.
Saiba mais
Outro ponto relevante é que a visão de Iser está profundamente ligada à
concepção moderna (prevalente na Europa desde o século XVIII e
culminante nas vanguardas modernistas) de que o objetivo maior da
obra de arte é transformar o ser humano que entra em contato com ela,
alargando suas perspectivas.
Para Iser, a literatura consegue isso reorganizando normas sociais e
culturais, além de tradições literárias – apresentando-as em formas e
combinações diferentes do habitual, abrindo a possibilidade de que o
leitor possa vê-las de outras maneiras, em um processo que ele chama
de desfamiliarização. É um pouco parecido com o que acontece quando
visitamos alguém: ao ver uma organização diferente dos objetos na
cozinha, por exemplo, podemos perceber que a organização adotada em
nossa casa não é a única possível, não é imutável – podemos pensar
sobre ela e talvez até questioná-la, o que não fazemos normalmente,
quando estamos ocupados em preparar algo para comer.
Contudo, esse modelo de literatura transformadora não
necessariamente se aplica a todos os textos existentes, especialmente
os da Antiguidade e Idade Média europeias, ou os de outras matrizes
culturais.
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 28/50
Na verdade, isso não seria uma questãose fosse reconhecido pela
proposta teórica: se, ao invés de falar em leitura literária, a Teoria do
Efeito Estético explicitasse que é feita a partir de e direcionada
prioritariamente para obras da modernidade eurocêntrica. A adequação
entre abordagem e objeto é uma etapa prevista da pesquisa em
literatura, uma vez que quase nenhuma teoria pode ser aplicada a obras
literárias de qualquer tempo e cultura, e descobrir isso é um dos
primeiros passos para construir uma atitude crítica consciente.
Não obstante, o valor do modelo de Iser é indiscutível ao reconhecer
que:
1. O leitor não é alguém passivo, que simplesmente absorve o texto, e
sim alguém que trabalha intensamente para fazê-lo existir.
2. Toda obra é feita para ser lida e prevê o leitor na sua organização
interna, busca direcionar a sua participação.
Diferenças e semelhanças entre
Jauss e Iser
Tanto Jauss quanto Iser examinam a relação entre leitores e texto,
pouco explorada até então pela teoria literária, que privilegiava estudos
centrados no autor e nas obras.
Jauss
Se ocupa das relações
leitor-texto em uma
escala social e
histórica.
Iser
Trabalha na escala da
leitura individual.
Uma das poucas semelhanças entre as propostas desses dois membros
da chamada Escola de Constança é o valor concedido à negatividade,
ao movimento textual de contrariar as expectativas do leitor e, assim,
favorecer a sua modificação. Ambos acreditam, portanto, no poder
transformativo da literatura.

14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 29/50
As teorias de Jauss e Iser
Está na hora de quem mais entende do assunto comparar as
abordagens teóricas da leitura e do leitor de Jauss e de Iser. Vamos
conferir!

14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 30/50
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
Na Estética da Recepção, a história literária é
Parabéns! A alternativa D está correta.
Na Estética da Recepção, conforme elaborada teoricamente por
Jauss, o diálogo constante entre o passado e o presente orienta a
história literária. Passado e presente se influenciam mutuamente,
A
irrelevante, pois o sentido é construído na relação
individual leitor-texto.
B
determinante, pois os significados possíveis da obra
são validados pelo exame do contexto.
C
inacessível, pois nossa percepção é sempre
enviesada.
D
dinâmica, pois cada mudança de horizonte pode
alterar a compreensão de obras anteriores.
E
questionada, pois os valores modernos são
incompatíveis com os clássicos.
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 31/50
gerando uma inter-relação ou conexões funcionais entre a leitura de
novas obras e a interpretação das obras antigas. Assim, a história
literária é dinâmica.
Questão 2
Na Teoria do Efeito Estético, um dos principais elementos textuais
que estruturam a leitura são os brancos ou vazios, que
Parabéns! A alternativa B está correta.
Os brancos ou vazios são termos que se destacam na Teoria do
Efeito Estético de Iser. Eles correspondem a pontos nos quais a
percepção do leitor de que falta alguma coisa deve motivá-lo a
suprir essa falta por meio da leitura. Essa leitura ou interação entre
o leitor e o texto ocorre a partir de uma tensão entre os segmentos
textuais, com o leitor buscando resolver essa tensão estabelecendo
coerência entre as partes do texto e o seu todo.
A
existem apenas nos textos da modernidade
eurocêntrica.
B
convidam o leitor a tentar formar coerências com
base na dinâmica parte-todo.
C constituem o espaço ocupado pelo leitor implícito.
D
convidam o leitor a completar essas lacunas com
seu conhecimento pessoal.
E
não devem ser preenchidos, pois isso prejudica os
significados potenciais do texto.
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 32/50
3 - Crítica literária e Psicanálise
Ao �nal deste módulo, você será capaz de reconhecer as possibilidades
de pensar a leitura literária a partir de conceitos psicanalíticos.
Alguns esclarecimentos
preliminares
Se até agora temos visto abordagens críticas originadas no campo dos
estudos literários, este módulo será um pouco diferente: veremos aqui
como alguns conceitos de outra área de estudos, a Psicanálise, podem
ser aproveitados para pensar a leitura literária.
Antes de começar, vale lembrar alguns cuidados: como lidaremos com
instrumentos que não foram desenvolvidos para o estudo literário, e sim
para o tratamento clínico de pessoas reais em sofrimento psíquico, os
empréstimos de conceitos e técnicas passam sempre,
necessariamente, por adaptações de meios e de objetivos. Isto porque a
Psicanálise se dá em situações de interação face a face entre o analista
e o analisando (paciente).
Na literatura, como temos visto, o texto não propicia exatamente uma
interação entre as pessoas do autor e do leitor, mas outra coisa.
Iniciaremos os estudos com uma visão esquemática do modelo
freudiano de constituição psíquica do sujeito e de alguns dos conceitos
psicanalíticos mais aproveitados nos estudos literários. Em seguida,
veremos algumas modalidades de aproximações entre Psicanálise e
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 33/50
Literatura. Por fim, conheceremos a proposta desenvolvida por Julia
Kristeva em seu A revolução da linguagem poética, que utiliza conceitos
e teorias psicanalíticas para pensar o funcionamento linguístico-
psíquico-social do texto literário.
A base de tudo: o modelo de Freud
Diferentemente de outras ciências, a Psicanálise tem um fundador: o
médico austríaco Sigmund Freud (1856-1939), que construiu suas
teorias a partir de observações e da prática clínicas realizadas entre o
final do século XIX e o início do século XX. De sua extensa obra, que tem
diversas mutações internas, alguns conceitos e modelos interessam
especialmente aos estudos literários, como Inconsciente, Pulsão e
Édipo.
A teoria do inconsciente pode ser vista como uma
narrativa do processo de constituição psíquica do
sujeito.
Inicialmente, o bebê não se percebe como alguém separado do mundo e
nem de sua mãe. O estabelecimento dessas fronteiras, que acarretam a
formação da consciência e a sensação de ser um Eu, decorrem de
experiências de frustração, de se defrontar com a realidade: nunca se
está totalmente satisfeito.
A constituição da estrutura psíquica é fundada sobre a experiência da
falta, do desconforto (por exemplo, sensações de fome, frio/calor, da
falta de controle sobre o ambiente e sobre o próprio corpo),
confrontados com a ilusão de que teria existido um tempo anterior de
satisfação absoluta: isso gera o desejo, que é a busca constante por
substitutos dessa plenitude sentida como perdida, por uma satisfação
completa e inatingível, a "repetição de uma experiência primária de
satisfação" (FREUD, 1996, p. 52).
Ao mesmo tempo, conforme se dá conta da existência de outras
pessoas, a criança percebe que seus desejos podem provocar reações
negativas e que é preciso fazer adequações e renúncias, sob pena de
sofrer restrições.
O estabelecimento de limites Eu-Outro e a percepção de que é preciso
adequar nosso comportamento a estruturas e normas sociais são
explicados por Freud na forma de um pequeno drama, a que ele chama
Édipo, e que apresentaremos de modo simplificado.
Antes de iniciar a exposição, é importante ter em mente dois pontos:
A sexualidade infantil freudiana
A sexualidade infantil freudiana é muito diferente do sexo do mundo
adulto; como ressalta Payne (1993, p. 86-87), o modelo de Freud não
pretende descrever fatos, mas sim entender como a mente infantil
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio#34/50
percebe e simboliza os processos que a estruturam: em outras palavras,
é uma teoria de como se organizam a percepção corporal e social, bem
como as sensações de prazer, necessidade, frustração etc. Payne
lembra que o texto freudiano As Teorias Sexuais das Crianças, de 1908,
no qual é apresentado o complexo de castração, inicia avisando aos
leitores que essas teorias infantis, longe de serem precisas,
correspondem à percepção e ao entendimento limitado da mente
infantil naquele estágio de sua formulação.
Pai, mãe e criança são papéis em uma estrutura
Pai, mãe e criança são papéis em uma estrutura. Esses papéis requerem
características de gênero (masculino e feminino), mas não laços
biológicos.
Assim, para Freud, durante a amamentação o bebê não apenas se
alimenta, mas descobre também a sensação de prazer. Essa sensação,
desvinculada de sua utilidade prática, origina a primeira pulsão –
articulação de estímulos corporais e de suas marcas psíquicas.
A pulsão é definida como:
Originada em um desvio do instinto, a pulsão é um estímulo que
perturba a inércia à qual tende a psique e demanda uma ação para
restituir o equilíbrio tensional. Destacamos que a separação entre
necessidade e prazer é importantíssima para os estudos literários, pois
muitas teorias estéticas modernas baseiam-se no valor de fruição
daquilo que não tem utilidade.
Voltando ao Édipo freudiano: nesse momento, o bebê ainda não tem
nenhum senso de identidade, sendo antes um campo de forças
desordenadas. A proximidade e importância do corpo da mãe fazem
com que este seja o foco de muitas sensações e impulsos do bebê,
resultando em um desejo inconsciente de união (sexual).
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 35/50
Até aqui, a teoria abrange tanto meninos quanto meninas; a partir deste
ponto, contudo, o modelo freudiano privilegia a constituição psíquica
masculina, tratando a feminina como uma espécie de derivado. O desejo
do bebê é barrado pela presença do pai, que aparece como rival na
posse da mãe, e pelo que o bebê percebe como ameaça de castração:
quando se dá conta de que a anatomia genital da mãe é diferente da
sua, o menino passa a temer que isso aconteça com ele caso contrarie
o pai.
Produz-se nessa complexa rede de relações o Eu, que é um instrumento
de interação psíquica com o mundo, uma maneira de o ser humano se
perceber e se articular, que é mediada pela consciência.
Para solucionar seu dilema, o menino reprime seu desejo, isto é, aceita
subordiná-lo à estrutura social vigente (ao que Lacan identifica como a
Lei, personificada na figura do pai) mediante a promessa de que no
futuro ele será como o pai, ocupará esse lugar social da Lei e de posse
de seu objeto de desejo.
Essa repressão inaugural, que é renúncia aos desejos e aceite da
Ordem, instaura a consciência e seu duplo, o inconsciente.
Produz-se nessa complexa rede de relações o Eu, que é um instrumento
de interação psíquica com o mundo, uma maneira de o ser humano se
perceber e se articular, que é mediada pela consciência.
Já o inconsciente tem sua dinâmica particular,
regulada por pulsões e desejos que se mostram
apenas indiretamente – nos sonhos, por exemplo.
O inconsciente não se aquieta nos bastidores e pressiona para vir à
tona, influenciando nossos atos e palavras; como é uma região fora da
língua comunicativa, ele se manifesta de outras formas, que o
psicanalista procura detectar e traduzir (no inconsciente freudiano, a
relação significante-significado não é arbitrária e parte do trabalho do
analista é refazer a cadeia de associações para chegar ao seu
motivador inicial).
Assim, o sujeito formado por esse processo é fraturado, rachado entre
inconsciente e consciência, separado irremediavelmente não apenas
dos outros, mas – também e principalmente – de si mesmo.
Em que pesem as críticas ao machismo e eurocentrismo que permeiam
os modelos freudianos, lembremos apenas que a proposta psicanalítica
do sujeito fraturado representa um rompimento avassalador com a
concepção anterior, na qual o sujeito era visto como uma unidade
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 36/50
íntegra e essencialmente racional: em contraste, pensar que nossa
identidade, longe de ser um fato, é uma espécie de construção narrativa,
e que somos fortemente movidos por motivações que somos incapazes
de conhecer e de controlar, é altamente perturbador.
Atenção!
A teoria freudiana não coloca em questão a responsabilidade ética ou
jurídica sobre os atos, apenas a arrogância de achar que somos capazes
de compreendê-los por completo.
Literatura e Psicanálise
Também chamada de "cura pela fala", a Psicanálise pressupõe que ao
falar sobre si, sobre suas experiências e percepções, o paciente constrói
uma espécie de narrativa de si mesmo. Essa narrativa será o objeto de
trabalho do psicanalista.
Desse modo, a Psicanálise e a Literatura têm em comum serem
fundadas na prática da palavra. Um primeiro ponto de contato é o
recurso de Freud às narrativas e aos mitos na formulação e nomeação
de conceitos psicanalíticos: o complexo de Édipo, o narcisismo
(derivado de Narciso), os nomes para as pulsões de vida e de morte,
chamadas de Eros e Tânatos.
Para o fundador da Psicanálise, as figuras e narrativas artísticas ajudam
a simbolizar o funcionamento da psique humana e "antecipa[m] as
descobertas da investigação analítica" (MANDIL, 2005, p. 45).
Freud considerava que a Literatura pode dar a ver
coisas importantes sobre o ser humano.
Uma semelhança entre o inconsciente e as produções literárias está no
tipo de relações que ali se estabelecem: ao contrário da lógica da
realidade, do dia a dia, no inconsciente e na poesia os contrários podem
coexistir sem se anular, há espaço para ambiguidades e contradições e
as associações seguem um parâmetro mais formal do que semântico.
O psicanalista francês Jacques Lacan (1901-1981), que retrabalhou as
teorias freudianas à luz do Estruturalismo e de estudos sobre o
discurso, considerava que o inconsciente é estruturado como uma
linguagem, operando por condensação e deslocamento de significados
e produzindo, assim, uma cadeia infinita e vertiginosa de significantes.
Como na língua saussuriana, a economia do inconsciente lacaniano é
imanente e diferencial, ou seja, os valores dos significantes são
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 37/50
estabelecidos nas relações entre eles, e não com algo externo que
indicariam.
condensação e deslocamento de signi�cados
Conceitos próximos, respectivamente, dos conceitos de metáfora e
metonímia de Jakobson.
Uma das poucas manifestações do inconsciente a que nossa
consciência tem acesso parcial são os sonhos. Porém, essa expressão
não é direta: o sonho é o resultado de um intenso trabalho de
transformação dos diversos estímulos psíquicos que ele elabora
(sensações, emoções, eventos). Essa transformação pode ser vista
como análoga à transformação operada pela literatura sobre os seus
objetos ou temas: ela tem leis próprias e é essencialmente uma
atividade produtiva, que não reflete, e sim propõe: articula relações e
objetos de maneira inédita, compondo uma organização própria.
Como explica o crítico inglês Terry Eagleton:
Em contrapartida, a noção freudiana
de sonho permite-nos ver a obra
literária não como um reflexo, mas
como uma forma de produção.
Assim como o sonho, a obra parte
de certas "matérias-primas" – a
linguagem, outros textos literários,
modos de perceber o mundo – e,
usando certas técnicas, transforma-
os num produto. As técnicas dessa
produção são os diversos
dispositivos que conhecemos como
"forma literária".
(2005, p. 157)
Para Lacan, a entrada do sujeito no mundo da linguagem coincide com a
percepção de estarmos separados dos outros e do mundo – e é,
portanto,um trauma fundador de nossa estrutura psíquica: a palavra é
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 38/50
sempre experimentada como falta, como substituto insuficiente de uma
integração, e não dá jamais acesso ao significado referido, apenas a
outros significantes.
A experiência da palavra como falta, e não como presença, é central na
produção literária de muitos escritores da modernidade eurocêntrica.
Entre nós, um dos exemplos mais marcantes talvez seja a escritora
Clarice Lispector, para quem o trabalho da leitura (chegamos a ela,
finalmente!) não é suprir os não ditos do texto, as entrelinhas, e sim
experimentar a comunhão do indizível e da opacidade da linguagem.
Em Literatura e Psicanálise: modos de aproximação, Ram Mandil (2005)
alerta para a importância da diferença entre as áreas e de uma certa
impermeabilidade entre elas. Ele lembra que uma das principais
aproximações entre Literatura e Psicanálise foi levantada pelo filósofo
francês Michel Foucault no seu livro As palavras e as Coisas.
Nesse livro, Foucault argumenta que a modernidade trouxe uma ruptura
epistêmica, isto é, uma mudança no modo de conceber e construir
conhecimento. Essa mudança partiria de uma alteração profunda no
entendimento da palavra: além de veículo de sentido e de representação
(ou seja, ferramenta de pensamento e comunicação humanas), passa-se
a reconhecer que ela é também regida por leis internas, próprias, que os
falantes não controlam.
A abertura dessa nova face da palavra possibilita o surgimento de
campos que estudam essas leis, como a Gramática e a Filologia, e
também de campos que exploram a relação humana com esse
incontrolável, como a Psicanálise e a Literatura, que passa a refletir cada
vez mais sobre seus próprios processos.
Práticas da articulação Literatura-Psicanálise
Pode-se dizer que as principais práticas de articulação entre Literatura e
Psicanálise nos estudos literários consistem em:
1. Usar conceitos psicanalíticos para interpretar obras literárias.
Segundo Eagleton (2005, p. 155), há quatro modos principais de
fazer isso: enfocando o autor, o conteúdo, a construção formal, ou
o leitor da obra.
2. Pesquisar as possibilidades terapêuticas da escrita e da leitura
literárias.
3. Partir de conceitos psicanalíticos para refletir sobre a natureza do
texto literário, sobre seus modos particulares de funcionamento e
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 39/50
de relações linguísticas, psíquicas e sociais.
É esta terceira opção que exploraremos a seguir, acompanhando a
argumentação desenvolvida por Julia Kristeva em A Revolução da
linguagem poética (1974).
É importante considerar as definições sobre:
Usar a obra para analisar o escritor, buscando a influência de
acontecimentos biográficos na recorrência de temas, estilos etc.
Trata-se o texto como um sintoma a decifrar.
Analisar as motivações inconscientes de personagens, o
simbolismo de eventos/elementos/temas figurados no
texto.
Buscar reconstituir um inconsciente do texto. Como o texto
não é um sujeito, a particularidade desse tipo de análise
está em ater-se exclusivamente às palavras na página, sem
buscar causas ou consequências em fatores externos, como
o autor, o contexto etc. Explora-se ambiguidades,
recorrências, omissões e destaques para construir na leitura
um subtexto, trazer à tona algo que estava silencioso.
Analisar o texto para entender alguns dos processos envolvidos
em sua produção e discernir as relações entre o conteúdo
manifesto (os objetos e situações) e o latente (sua simbologia),
que se dão a ver em distorções, ausências, supressões,
paralelismos, frequência de certos termos e campos semânticos.
Investigar os possíveis efeitos da leitura na psique dos leitores.
O semiótico de Kristeva: na
encruzilhada de poesia e
Autor 
Conteúdo 
Construção formal 
Autor da obra 
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 40/50
Psicanálise
Julia Kristeva (1974) trabalha na articulação entre teorias do sentido, da
linguagem e do sujeito, tomando emprestado à Psicanálise conceitos
que ajudam a formular o processo de significância – nome que ela dá à
prática dos textos com/na linguagem e na constituição dos sujeitos. Ela
une seu conhecimento e prática de Psicanálise, Semiótica e Literatura a
uma perspectiva feminista para postular duas modalidades do processo
de significância: o semiótico e o simbólico.
Simbólico
É "produto social da
relação com o outro,
através das limitações
objetivas constituídas
pelas diferenças
biológicas (dentre as
quais estão as sexuais)
e pelas estruturas
familiares dadas
concreta e
historicamente"
(KRISTEVA, 1974, p. 28).
Semiótico
É uma potência que, na
língua, resiste ao seu
caráter de estabilidade.
Um resíduo do estágio
anterior ao Édipo, o
semiótico kristevano
traz a possibilidade de
escapar/suspender
momentaneamente a
ordem vigente da
linguagem comum.
De modo esquemático, Kristeva assim caracteriza essas duas
modalidades:
Simbólico Semiótico
Sujeito indiviso e
transcendental
Sujeito disperso e fraturado
Requer posicionamento
(identidade ou diferença) do
sujeito falante em relação
aos objetos dos quais fala
Indistinção sujeito-objeto
Estruturado pela Lei
Estruturado em articulações
provisórias, fluidas e
constituídas de movimentos
Subjacente aos aparelhos
institucionais de ordem,
autoridade e poder
Disruptivo da ordem
estabelecida
Língua comunicativa Lida com aspectos da língua
irredutíveis à sua tradução

14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 41/50
Simbólico Semiótico
verbal inteligível
Quadro As modalidades semiótica e simbólica
Tais modalidades são inseparáveis e se articulam de modos diferentes
nos vários tipos de discurso (teoria, poesia, narrativa...). Podem ser
relacionadas aos estágios de desenvolvimento do sujeito propostos por
Freud e retrabalhados por Lacan e pela psicanalista austríaca Melanie
Klein (1882-1960).
As pesquisas de Klein se concentram no estágio pré-edípico. De modo
semelhante, as propostas de Kristeva buscam resgatar um "outro"
necessário ao simbólico na linguagem (o semiótico) e propor que isso é
realizado pela literatura.
Possivelmente em diálogo com o filósofo argelino Jacques Derrida,
Kristeva coloca a necessidade de pensar em um elemento/dinâmica
"externo" e constituinte dos sistemas fechados – algo que, sendo
designado nesse sistema como marginal, é ao mesmo tempo um
elemento do sistema e a definição de seus limites.
Como sublinha Eagleton (2005, p.164, grifos do autor), o semiótico de
Kristeva "não é uma alternativa à ordem simbólica, uma linguagem que
se poderia falar no lugar do discurso "normal", mas sim um processo
interno aos sistemas de signos convencionais, que questiona e
transgrede os limites deles."
Nesse sentido, Kristeva (1973, p. 13) sustenta que, por
privilegiar o semiótico, o tipo de significância operada
por alguns escritores é capaz de provocar profundas
rupturas no funcionamento da língua, o que conduz a
modificações no estatuto do sujeito – e,
consequentemente, nas instituições sociais e políticas
que neles se sustentam.
A literatura, portanto, efetuaria uma violência positiva sobre as relações
inconscientes, subjetivas e sociais, impondo a necessidade de
reposicionamentos. Para formular essa violência positiva, Kristeva se
vale especialmente da pulsão de morte, que, para Freud (em Além do
princípio do prazer, de 1920), é o impulso para retornar a um estado
anterior à existência animada.
Assim como para Freud, o inconsciente existe e age após a
instauração da consciência, sendo seu duplo e buscando a todo
tempo driblar sua hegemonia e suas barreiras, também o
semiótico de Kristeva operacom/contra o simbólico.
O inconsciente e a pulsão de morte 
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 42/50
Do mesmo modo que o inconsciente se manifesta em atividades
específicas, como o sonho, o semiótico é detectável em práticas
significantes específicas, como o texto (KRISTEVA, 1974, p. 28).
Assim como a pulsão de morte é, para Freud, anterior e
subjacente ao princípio do prazer (que, até aquele momento, fora
o principal elemento regulador da economia psíquica na teoria
freudiana), o semiótico kristevano é a atividade primordial da
significância, e é cortado pela significação, que se instala sobre
ele e a partir dele.
Assim como um rio canalizado pode, sob forte chuva, transbordar e
inundar a cidade que o confinou, também o semiótico pode transbordar
e inundar a língua.
A ação das pulsões no sistema
simbólico da linguagem provoca
modificações que atingem o nível
morfo-fonêmico, a sintaxe, a
distribuição das instâncias
discursivas, e as relações
contextuais. [...] Ritmo, perturbação
da estrutura profunda, passagem da
locução à ficção etc.: [...]
multiplicam-na numa nova rede e
tendem a dissolvê-la. Chamaremos
essa nova organização
translinguística [...] dispositivo
semiótico.
(KRISTEVA, 1974, p. 207, grifo da autora)
E o que tudo isso tem a ver com a leitura?
Apesar de serem operadas pelos textos poéticos, o lugar onde as
transformações postuladas por Kristeva acontecem é exatamente na
pessoa leitora.
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 43/50
Kristeva examina o trabalho de linguagem de alguns poetas franceses e
encontra ali uma pressão do poético que leva o signo linguístico ao
limite pelo seguinte procedimento: recusando a "transparência" da
língua (isto é, recusando-se a concebê-la como um mero veículo para
significados) e valorizando suas propriedades imanentes, os textos
desses poetas produzem estranhezas que ameaçam estilhaçar a
estabilidade dos significados.
Isso é efetuado explorando poeticamente qualidades sensoriais da
língua, como tom e ritmo, e também tudo o que escapa ao projeto
racional de coerência: silêncios, contradições, ausências. Como a
estabilidade é um dos componentes cruciais de uma leitura que
atravessa o texto como uma janela para a representação, o efeito dessa
pressão poética atinge também o leitor, que se vê não apenas incapaz
de fixar coerências e significados definitivos no texto, mas também
abalado na estabilidade de seu funcionamento linguístico e de seu
estatuto de sujeito. Em consequência, esse leitor pode vir a vislumbrar
fissuras nas várias estruturas sociais, políticas e econômicas que eles
sustentam.
Resumindo
Em uma escala maior, social, Kristeva propõe que essa perturbação
poética abale algumas das oposições binárias que sustentam a ordem
social vigente, tais como autoridade/obediência, são/insano,
norma/desvio.
Psicanálise e literatura
Está na hora de quem mais entende do assunto exemplificar a relação
entre Psicanálise e Literatura a partir de conceitos de Freud, Lacan e
Kristeva. Vamos conferir!

14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 44/50
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
Analise as afirmativas seguintes com base no texto deste módulo.
I. A crítica psicanalítica deve necessariamente levar em conta
informações biográficas do autor, pois busca decifrar seu
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 45/50
inconsciente.
II. Há semelhanças entre o trabalho de deformação-produção
realizado pelos sonhos e pela forma literária.
III. Literatura e Psicanálise são atividades discursivas que efetuam
o mesmo tipo de utilização da palavra (não comunicativa).
São corretas
Parabéns! A alternativa B está correta.
A afirmativa I está incorreta porque a crítica psicanalítica não está
baseada na biografia do autor ou na decifração de seu
inconsciente. A afirmativa II está correta porque o sonho provém da
transformação ou do trabalho dos vários estímulos psíquicos, o que
pode ser visto como análogo ao trabalho ou à transformação
produzidos pela literatura a partir de seus objetos e temas. A
afirmativa III está incorreta porque há diferenças entre Psicanálise e
Literatura, uma delas corresponde ao trabalho discursivo ou com a
palavra.
Questão 2
Relacione os focos de análise textual listados a seguir com as
citações numeradas. Depois, escolha a alternativa com a ordem
correta.
psique do autor – conteúdo do texto – forma do texto
I. "Durante esse tempo, pouco a pouco, [o protagonista] vai se
esquecendo de si mesmo, até que, após muito procurar, se depara
com uma imagem conhecida. Era uma imagem de seu pai. Quando
isto acontece, ele percebe que já não se lembra mais de seu nome.
Não havia mais nenhum significante que o pudesse garantir como
ser, [...]. O esquecimento do nome representava, portanto, o sinal de
que a enfatuação narcísica chegava ao fim e que uma passagem
A apenas I.
B apenas II.
C apenas III.
D I e III.
E II e III.
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 46/50
podia ser realizada" (LIMA, Celso Rennó. A leitura de uma ficção: a
história sem fim. Aletria: Revista de Estudos de Literatura, v. 12, p.
57-63, 2005.)
II. "Água viva [...] configura-se como ponto-limite da obra de Clarice,
em que o enredo, a “história”, é quase que completamente
abandonada em prol do fluxo incessante [...]. Essa dura escritura irá,
então, privilegiar a música da língua, fundindo o “corpo todo inteiro”
daquele que escreve com a materialidade da palavra, seu “ponto
tenro e nevrálgico”, exigindo assim do leitor uma escuta “de corpo
inteiro”. Dessa forma, Água viva pode ser pensado como um
“idiomaterno”" (ANDRADE, Maria das Graças Fonseca. Escrita e
escuta de corpo inteiro – a lalíngua de Água viva. Aletria: Revista de
Estudos de Literatura, v. 12, p. 171-184, 2005.)
III. "Curiosamente, Clarice – fato para o qual muitos atentaram –
possuía uma dicção estranha, um sotaque que, à primeira escuta,
soava como algo similar a uma fala nordestina com dissonâncias
francesas, em que “erres” se arrastavam e vogais se faziam
pronunciadas com uma abertura típica. [...] José Castello observa
que, talvez, essa justificativa não esgote o assunto: “Suas
dificuldades com a língua eram embaraçosas e sua grandeza como
escritora vem dessa repugnância. Só uma pessoa que não se
adapta à língua, que a revira, que dela desconfia pode escrever uma
obra como a de Clarice Lispector.”" (ANDRADE, Maria das Graças
Fonseca. Escrita e escuta de corpo inteiro – a lalíngua de Água viva.
Aletria: Revista de Estudos de Literatura, v. 12, p. 171-184, 2005.)
IV. "Então: minha proposta é um exercício interpretativo da
síndrome de uma neurose de angústia da personagem Luís da Silva,
do romance de Graciliano Ramos, à luz das ideias de Freud. O
objetivo não é um “diagnóstico clínico”, que não levaria muito longe,
mas uma discussão de ideias freudianas, tão surpreendentemente
bem encarnadas no protagonista do romance. E já avanço o
essencial: Luís da Silva fornece subsídios sobretudo para a primeira
teoria de Freud sobre a Angústia: a da angústia enquanto libido
represada, enquanto desejo reprimido." (MENESES, Adélia. A
angústia, em Angústia de Graciliano Ramos. In: Do poder da
palavra: estudos de literatura e psicanálise. 2. ed. S. Paulo: Duas
Cidades, 2004.)
A
I. psique do autor - II. conteúdo do texto - III. psique
do autor - IV. conteúdo do texto
B
I. conteúdo do texto - II. psique do autor - III. forma
do texto - IV. psique do autor.
C
I. conteúdo do texto - II. forma do texto - III. psique
do autor - IV. conteúdo do texto.
14/04/2024, 09:16Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 47/50
Parabéns! A alternativa C está correta.
I. Ao interpretar eventos da narrativa com auxílio de conceitos
psicanalíticos, Lima concentra-se no conteúdo do texto.
II. Ao discutir os modos como o romance age na música da língua e
na materialidade da palavra, Andrade concentra-se na forma do
texto.
III. Quando traz dados biográficos da autora para explicar suas
escolhas estéticas, Andrade usa a obra como via de acesso à
psique do autor.
IV. Ao utilizar conceitos psicanalíticos para estudar a construção de
uma personagem, Meneses concentra-se no conteúdo do texto.
Note que os excertos II e III foram retirados do mesmo texto e,
portanto, é possível focar mais de um elemento durante a análise.
Considerações �nais
No balanço dos estudos da leitura no século passado, podemos
identificar que o primeiro passo foi libertar-se da ideia de que o texto
tinha apenas um significado correto; nesse sentido, a partir do
formalismo russo, o Estruturalismo avançou a proposta de que os textos
eram plurissignificantes com base na língua e na sua estrutura interna.
Seguiu-se a isso uma mudança de foco quando a teoria passou a
investigar a participação do leitor nessa produção de significados.
Deram diferentes encaminhamentos a essa questão as teorias de Jauss
e de Iser, enfocando, respectivamente, a leitura coletiva situada sócio-
historicamente e os processos de formação de sentido na interação
individual leitor-texto. Por fim, contemporâneas ao Estruturalismo
francês e à Escola de Constança são as relações entre Literatura e
Psicanálise, que vimos com foco na proposta de Julia Kristeva.
Os três módulos que compõem este conteúdo apresentam perspectivas
que compartilham uma visão bastante esperançosa do ser humano:
acreditam que estamos sempre disponíveis para aprender, para nos
tornarmos mais conscientes acerca do funcionamento da linguagem, de
D
I. psique do autor - II. forma do texto - III. forma do
texto - IV. forma do texto.
E
I. conteúdo do texto - II. forma do texto - III. psique
do autor - IV. conteúdo do texto
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 48/50
nossas mentes e do mundo em que vivemos, a aceitar a pluralidade
como constituinte da experiência estética e, de modo mais geral, do
próprio humano. Todos acreditam que ser leitores de literatura pode
abrir para nós novas possibilidades perceptivas, cognitivas e, no limite,
éticas.
É claro que conhecer coisas novas ou uma visão de mundo diferente da
nossa não quer dizer que iremos mudar automaticamente, mas isso nos
dá ao menos a chance de pensar em mudar, se assim quisermos – um
potencial precioso.
Podcast
Para encerrar, ouça o resumo sobre os principais tópicos deste
conteúdo. Vamos lá!

Explore +
Assista aos seguintes vídeos:
Introdução à Teoria da Literatura #8 com Paul Fry, de Yale, palestra
com o professor Paul Fry, disponível no canal UNIVESP, abordando a
Semiótica a partir de Saussure e de sua relação com o Formalismo
Russo e outras vertentes teóricas.
Vimeo 19599227 Cent Mille Milliards de Poèmes, vídeo que
apresenta em menos de dois minutos a interessante obra de
Raymond Queneau.
Leia os artigos:
“Hans Robert Jauss e a estética da recepção”, de Roberto Figurelli,
publicado em 1988 na revista Letras e disponível no site da UFPR.
Para conhecer melhor estudos e análises da relação entre Literatura
e Psicanálise, consulte os artigos publicados em 2005 no volume
12 da revista Aletria, um conceituado periódico científico brasileiro
disponível gratuitamente on-line na página da UFMG.
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 49/50
Referências
ANDRADE, O. de. Obras completas/Pau Brasil. São Paulo: Globo, 2003.
BARTHES, R. O Rumor da Língua. Tradução Mario Laranjeira. 3. ed. São
Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.
EAGLETON, T. A ideia de cultura. São Paulo: Editora UNESP, 2005.
FREUD, S. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Edição
Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XVIII.
GENETTE, G. Structuralisme et critique littéraire. Figures – essais. Paris:
Seuil, 1976. p. 145–170. [edição portuguesa: GENETTE, G.
Estruturalismo e crítica literária. In: COELHO, E. P. (org.). Estruturalismo
– antologia de textos teóricos. Lisboa: Portugália, 1968.]
ISER, W. A Interação do Texto com o Leitor. In: LIMA, L. C. (org.) A
Literatura e o Leitor: Textos de Estética da Recepção. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1979.
JAKOBSON, R. Linguística e comunicação. 24. ed. Trad. Izidoro Blikstein
e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 2007.
JAUSS, H. R.. A história da literatura como provocação à teoria literária.
São Paulo: Ática, 1994.
KRISTEVA, J. La Révolution du langage poétique: L’avant-garde à la fin
du XIXe siècle: Lautréamont et Mallarmé. Paris: Seuil, 1974.
MANDIL, R. Literatura e psicanálise: modos de aproximação. Aletria:
Revista de Estudos de Literatura, v. 12, p. 42–48, 2005.
PAYNE, M. Reading Theory: An Introduction to Lacan, Derrida, and
Kristeva. Oxford/Cambridge: Blackwell, 1993.
SAUSSURE, F. de. Curso de Linguística Geral. Trad. Antônio Chelini; José
Paulo Paes; Izidoro Blikstein. 20. ed. São Paulo: Cultrix, 1995
Material para download
Clique no botão abaixo para fazer o download do
conteúdo completo em formato PDF.
Download material
javascript:CriaPDF()
14/04/2024, 09:16 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html?brand=estacio# 50/50
O que você achou do conteúdo?
Relatar problema

Mais conteúdos dessa disciplina