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a crise conjugal e o colapso dos atuais modelos de regime de bens

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GOVERNO DO ESTADO DE MATO GROSSO
SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA 
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MATO GROSSO
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO PEDAGÓGICO DE ÁGUA BOA - MT
Dra. Solange de Holanda Rocha
Fabiano Rubim da Silveira
Resenha: a crise conjugal e o colapso dos atuais modelos de regime de bens
	
ÁGUA BOA
2021
1 – A CRISE CONJUGAL
Com os números de casamentos oficiais decaindo, sua curta duração, baixos índices de natalidade e a vinda cada vez mais tardia de filhos temos visto realmente um sem número de pessoas falando que o casamento e a família estão em declínio. Todavia o que tínhamos em verdade era uma “proteção” exagerada do Estado em relação ao núcleo familiar, pois este tinha interesse em que as uniões perdurassem visto sua disposição em auferir vantagens econômicas deste enlace.
	A legislação exclusivista e protecionista criava travas para que os casamentos, ora celebrados, não mais pudessem ser desfeitos. Impondo injustas obrigações de não fazer, como por exemplo, proibindo que as mulheres trabalhassem fora de casa ou de obter o divórcio. Assim como impondo restrições ou empecilhos à mulher desquitada cerceando-lhe direitos. Ressaltando-se novamente seu caráter de viés meramente voltado à economia.
	Na visão de Maria Olga Sánchez Matínez, os modelos arcaicos de construção do matrimônio foram sendo abolidos porque já não representavam os anseios da sociedade, pois a evolução das relações assim como a própria liberdade e busca de igualdade pelo sexo feminino impôs uma severa revisão aos modelos tradicionais de família. Já Pedro-Juan Viladrich mostra uma visão mais normalizante dos comportamentos atávicos exercidos pela sociedade, como parte de um processo evolutivo que busca na crise seu próprio melhoramento. 
	2 – A CONVULSÃO ECONÔMICA DO CASAMENTO
	Há poucos anos, a mulher era relegada à função de subalternidade no lar, tendo como mister os trabalhos de casa, e de acordo com o código civil de 1916 e a Lei 4121/62 (estatuto da mulher casada), a direção material e moral da família. As “tarefas” da entidade familiar eram “bem definidas”. Sua formação indissolúvel, geração de filhos, sua educação e formação, desenvolvimento de um lar e aquisição de bens. Tendo por detrás o Estado na sua sanha de restringir a liberdade em detrimento desta entidade, que passava a ser de ordem pública, mais importante do que os anseios dos indivíduos, digo os homens, pois os da mulher nem mesmo eram comentados. Homens tinham uma vida social, pública, externa, as mulheres, no entanto, uma vida inteiramente privada, íntima e familiar. Divórcio era “demonizado” pela Igreja e extremamente desaprovado pela sociedade. 
	3 – DO PÚBLICO AO PRIVADO NAS RELAÇÕES AFETIVAS
	Como a família tradicional era o paradigma da sociedade em relação à união afetiva, este modelo irradiou-se em direção ao sistema jurídico. Como forma de potencializar ainda mais o poder masculino, houve a movimentação no sentido de dividir o público e o privado. Sobrando novamente as tarefas ditas “do lar”, para a atuação “coadjuvante” das mulheres. 
	Atualmente o debate acerca do desenvolvimento individual dentro do casamento vem tomando corpo, dando-se conta, os consortes, que podem ser um casal, sem óbice que mantenham suas individualidades e sejam felizes desta forma. Nesse sentido também foi conduzido o direito da família, tentando dar simetria às relações conjugais. Em muito apoiada pela independência financeira da mulher. Perdendo, o Estado, sua capacidade de intervir nas relações familiares. Mas ainda, segundo Henri Bateman, dando uma “autonomia” concedida por lei, facultando apenas a escolha do seu regime de bens.
	Ainda nesta linha de pensamento, em contexto mundial, concedendo um incremento à autonomia privada, surge no Brasil o instituto do divórcio extrajudicial. A intervenção protecionista do Estado é sentida no elevado número de demandas judiciais e alta incidência de fraudes em partilhas, cujas ações abarrotam os tribunais.
	No mundo, a autonomia privada vai galgando espaço no direito de família, alguns países conferindo aos nubentes o direito à escolha do instituto a reger seu patrimônio. No Brasil, podemos escolher qual regime é o mais adequado, podendo fazer combinações, ressalvadas as situações do art. 1641 do Código Civil. 
	Fato que não tem por objetivo violar a coletividade, mas deixar com que as intervenções do Estado sejam concentradas nos abusos do uso da liberdade, de forma residual. O casamento, atualmente, não é o único meio de sobrevivência para a mulher, deixando-a livre para escolher o que melhor aprouver. Portanto ele é um instituto mais livre onde se impõe mais o privado, todavia, bem mais vulnerável.
	4 – A FINALIDADE DO REGIME DE BENS
	Nos regimes matrimoniais primitivos, o patrimônio dos cônjuges não se diferenciava. E no momento em que a sociedade deu-se conta da necessidade de atender aos encargos familiares, surge do sistema dotal, no qual o genitor da mulher (ou ela própria) precisava aportar algum patrimônio, melhorando a situação desta família. Estes regimes favoreciam o casamento e sua perpetuação, de forma que ao proteger esta instituição, o Estado também protegia a sociedade. A razão para esta proteção era a manutenção do status quo social.
	Esta estrutura ancorada à superioridade do homem só foi questionada no fim do século XX, com a conquista dos direitos da mulher. De forma que as relações doravante são amparadas pelo afeto e não pela dependência econômica, baseando-as em uma relação de igualdade. Desta feita, não há mais a necessidade de intervenção estatal, visto que o matrimônio é a manifestação da vontade dos indivíduos.
5 – MODELOS VIGENTES DE REGIMES MATRIMONIAIS
	A transformação da entidade familiar em espaço de companheirismo e de trocas na construção de um projeto comum, não deixa de ter uma face econômica e patrimonial. Ambos cônjuges assumem os encargos familiares e concorrem na proporção de seus bens e rendimentos para satisfazer as necessidades do núcleo familiar, independentemente do regime patrimonial, conforme os arts. 1565 e 1568 do CC.
	Nos sistemas jurídicos em geral, não diferente do sistema brasileiro, existem quatro tipos primários de regimes, comunicando ou não os bens. Na comunicabilidade de bens, inspiração germânica, é formada uma massa comum com a totalidade ou parte dos bens dos cônjuges e, em caso de dissolução, repartem-se os bens (cônjuges/herdeiros).
	Na separação, cada um conserva seu patrimônio, desdobrando-se em duas vertentes, uma separação absoluta (CC art. 1641) e outra convencional, que nas duas pertencem a cada consorte, mesmo os adquiridos durante o matrimônio, retendo o proprietário o desfrute e administração. E era nesta categoria que estava localizado o regime dotal, que foi substituído em 2002 no código civil, pelo sistema híbrido de participação de aquestos. 
	Na atualidade os regimes de comunicação vêm perdendo importância devido aos relacionamentos e sua curta duração. Segundo Vicente Guilarte Gutiérrez se as relações atualmente estão baseadas em igualdade e solidariedade, deveria ser privilegiado o regime de separação de bens ou, alternativamente, uma sociedade de comunhão de aquestos. Fato que poria fim ao viés injusto de investimento ou seguro de vida dado ao casamento ante os séculos.
	6 – O FRACASSO DO REGIME DA PARTICIPAÇÃO FINAL DOS AQUESTOS
	Com ao abandono da postura patriarcal da sociedade brasileira e a propensão da igualdade entre homens e mulheres, explica José Carlos Zebulum que houve a inovação inaugurada no Código Civil de 2002 do regime de participação final nos aquestos. No qual cada consorte teria a liberdade de administrar e dispor do seu próprio patrimônio. O que, de acordo com Clóvis do Couto e Silva, atenderia melhor ao princípio de igualdade entre os cônjuges e ser um desdobramento da responsabilidade parcial dos consortes pelas dívidas de cada um, até o limite da meação, pois que seria fácil delimitar o patrimônio de cada um do casal. Entretanto este regime não foi bem aceito e a regra continua sendo a comunhãoparcial de bens. 
	Antes deste o regime basilar era o da comunhão universal, que foi colocado em desuso em 1977 com a lei do divórcio, pela comunhão limitada de bens, que pouco difere da participação final dos aquestos. Mas como dito anteriormente, não foi bem visto pois causaria desgastes, visto as operações contábeis ao longo do casamento.
7 – PACTOS PATRIMONIAIS
	A escolha da convenção patrimonial é facultada aos nubentes, à exceção das restrições impostas pelo art. 1641 e as nulidades expostas no 1655. O regime primário rege os princípios básicos da organização patrimonial, consoante a este, existe o efeito secundário, um regime de bens complementar, organizado conforme a liberdade de pactuar dos noivos, com gestão e benefícios construídos de acordo com o projeto de vida de cada um dos consortes. É um contrato de convivência do casal. 
	Em nosso ordenamento, há a coexistência dos dois modelos que se integram em um único pacto, sendo que as cláusulas não podem ir contra o art. 1655 do CC. Esta trava ainda presente nos casamentos, precisa ser revista, pois o modelo é feito para um casamento vitalício. Fato que não mais atende aos anseios sociais. Haja vista as fraudes nas partilhas e a crescente e belicosa procura pela subscrição de pactos matrimoniais e contratos de convivência para os regimes de absoluta separação.
	8 – O IMPACTO DOS PACTOS
	Embora os avanços, a liberdade do indivíduo ainda é cerceada no nosso ordenamento. No qual ainda persiste uma vigilância à liberdade contratual dos cônjuges e conviventes. A teimosia da intervenção estatal incomoda na medida que mexe nos arranjos afetivos econômicos por causa dos efeitos jurídicos dos regimes de bens no direito sucessório. Que passou a incluir o cônjuge viúvo como herdeiro necessário, em concurso com descendentes e ascendentes. O que pode ser visto nas fraudes de partilhas judiciais e na escolha dos regimes de separação total de bens. Estes efeitos poderiam ser evitados caso não fosse incluído como herdeiro o consorte viúvo alheio aos bens preexistentes ao matrimônio. 
	9 – REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS
	Este regime é originário do sistema romano, e pode ser imposto pela lei (art. 1641 CC) ou ser adotada por convenção, podendo ser alterado na constância do casamento ou mediante autorização judicial, por pedido de ambos cônjuges, ressalvados direitos de terceiros. Mantidas as obrigações da manutenção das despesas familiares a ambos.
	O conceito de casamento indissolúvel foi abolido pela conquista da independência financeira e a igualdade dos gêneros. O aumento dos divórcios, fragilidade de vínculos matrimoniais e o advento do CC/02 também contribuíram para este fato jurídico. Com a igualdade material, os divórcios sem causa e o direito sucessório, fizeram aumentar o número de casais buscando a separação total de bens. Geralmente imposta pelo cônjuge mais forte economicamente. Uma lei que não oferece alternativas, parece rígida demais para atender aos anseios de uma sociedade em franca expansão da discussão de seus dilemas conjugais.
	10 – NOVAS FAMÍLIAS E NOVOS REGIMES DE BENS
	A procura crescente pela separação total de bens reflete em muito as conquistas dos cônjuges até o momento. Os atuais regimes mostram-se inconvenientes para os atuais arranjos familiares, pois ainda visam muito o fator econômico, sendo hoje o primordial o afeto. A igualdade da mulher proporciona um cenário propício a essas mudanças, estamos cada vez mais dinâmicos e o direito precisa agir do mesmo modo, com criatividade, para sanar os problemas e coadunar com os anseios da sociedade. Tentando colocar o Estado em um estágio de não intervenção na vida privada das pessoas.
	11 – REGIME DA COMUNHÃO PROPORCIONAL DE BENS
	Uma alternativa proposta pelo autor seria a comunhão proporcional de bens, que estaria de acordo com o art. 1688 C. Contribuindo os cônjuges na proporção de seu trabalho e dos seus bens. Assim como dispor da mesma proporção das avenças adquiridas. No exemplo dado, se o homem responde por 60% e a mulher 40% dos ganhos, da mesma forma seriam estes partilhados. Tal regra evita que um dos cônjuges seja afetado com uma injusta exclusão do seu nome na propriedade e divisão dos bens, apenas porque o outro consorte registra os bens em seu nome sem ter realmente despendido o valor integral para a compra. E atentaria para a efetiva capacidade econômica dos cônjuges.
	12 – REGIME DE BENS FAMILIARES
	A busca pelos regimes de separação mostra a urgente necessidade de serem revistos os regimes de sociedade conjugal brasileiros. Regimes de participação mostram início de carreira, os de separação, mostram detentores de patrimônio prévio, ou outras experiências afetivas. 
	No Chile os bens familiares possuem especial proteção i) gestão conjunta cônjuge/consorte proprietário; ii) sobre estes bens são admitidos direitos reais de uso em favor no cônjuge não proprietário; iii) os bens familiares são postos a salvo das ações de credores do cônjuge proprietário. Estas alterações foram para ampliar os regimes de comunhão parcial e de separação de bens, de forma a conciliar à liberdade de disposição dos consortes.
	De forma semelhante poderíamos adotar esta no direito brasileiro como um regime no qual devido à sua essência na vida familiar, podem ser havidos como comuns e partilháveis. 
	13 – PACTO SOBRE DIREITOS SUCESSÓRIOS
	O tema mais polêmico é a sucessão contratual, pois que a viuvez, mesmo na separação total, gera direito herança. Mostrada na controvérsia do art. 426 CC, que proíbe a convenção sobre herança de pessoa viva, vedando tais tipo de contratos rotulados de pacta corvina. Conforme Fabiana Domingues Cardoso o mesmo artigo afasta de pleno tanto a disposição quanto a renúncia de herança de cônjuge.
	Embora a celeuma criada pela imposição da intervenção estatal em seara de cunho pessoal, através da legislação, a conclusão lógica de pessoas que se casam com separação total de bens é a de que, se não queriam a comunicação das heranças em vivos, meando, muito menos o quereriam herdando. 
	Pelos fatos descritos vemos que os matrimônios estão cedendo lugar às uniões estáveis, visto serem uma alternativa mais segura à formação de entidade familiar. Apesar dos argumentos da autora, vejo esta discussão demasiado técnica para os nubentes. Além de ter um cunho eminentemente calculista. Todavia inibiria fatos como atentar contra a vida do cônjuge, ou estimular a cobiça sobre seus bens, por exemplo.
	Atualmente o arcabouço jurídico brasileiro não oferece alternativas para aqueles que não querem comunicar seu patrimônio particular. Motivo pelo qual, as famílias escolhem modelos de planejamento sucessório complexos para tentar que haja continuidade e governança da entidade familiar e do seu acervo privado. Embora seja um importante instrumento de proteção ao patrimônio familiar. 
	14 – DA CONVERSÃO DO CASAMENTO EM UNIÃO ESTÁVEL
	Como não há solução pronta para os problemas descritos acima, a tarefa cabe à comunidade jurídica, para adequar o direito às expectativas da sociedade, dando a devida importância aos anseios e à realização pessoal do indivíduo. Sendo que a felicidade não precisa passar pelo rompimento formal de vínculos afetivos, mas antes devem ser preservados, sendo apartados bens quem não devem ser comunicados em toda extensão temporal. Sendo que o Estado deve auxiliar à realização dos projetos pessoais de vida. Facilitando que as pessoas façam o que lhes aprouver, como a comutação de união estável em casamento ou vice-versa, por exemplo. 
	15 – SANÇÃO POR FRAUDE, DISFARCE, OCULTAÇÃO OU SIMULAÇÃO DE BENS
	Também a justa preocupação da autora em revisar legislativamente, como forma de punir aqueles que assim procedem e desestimular tal prática tão deletéria, como exemplo no caso do Chile que penaliza o fraudador ao ressarcimento do dobro do valor do bem ou recurso oculto, disfarçado ou simulado, com intenção de reduzir a meação do consorte. Bastando para isso o animus de prejudicar para caracterizar o comportamento doloso. Implicando inclusive o terceiro de má-fé à restituiçãodo bem desviado, caso o bem não mais existir. De forma semelhante ao ocorrido nos arts. 1991 a 1996 do CC, que reconhece aos cônjuges na partilha dos bens matrimoniais os efeitos da sonegação.
	Em resumo, um ótimo texto que condensa os princípios do direito matrimonial e suas nuances econômicas e sociais pelos quais a humanidade passou e, evoluiu, apesar de todas as injustiças perpetradas, principalmente com as mulheres, ao longo dos anos. Texto de muita reflexão que nos permite ver o quanto melhoramos e o árduo caminho que temos ainda pela frente até podermos falar verdadeiramente de igualdade e fraternidade nas obrigações entre homens e mulheres. Pois ainda são enormes as dificuldades, apesar de todos os direitos positivados, mas que na prática, sabemos que não funcionam como deveriam. 
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