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PATRIMÔNIO CULTURAL NO RIO DE JANEIRO: UMA CONCEPÇÃO TURÍSTICA E MULTICULTURAL Alinne Ferreira da Silva Pós-graduanda em Patrimônio Cultural - CEFET/RJ alinneferreira@live.com O Rio de Janeiro, conhecido mundialmente por seus atrativos e paisagens, concentra uma diversidade de lugares que sofrem transformações ao longo do tempo, dando novas funções e usos destes espaços, que carregam particularidades estabelecidas entre o novo e o antigo. A aproximação entre turismo e patrimônio na cidade é visível: a estátua do Cristo Redentor é um claro exemplo de como um patrimônio cultural pode se incorporar nas práticas de lazer e cultura através da atividade turística, mesmo que esta provoque limitações de acesso ao patrimônio para determinados grupos. A proteção dos bens culturais – formadores do patrimônio cultural – simboliza o direito à cultura (KRETZMANN, 2007). Falar sobre patrimônio é, segundo Ribeiro (2017), falar sobre a representação de identidades, de tempo e de espaço, sendo ao mesmo tempo um objeto da geografia política que tem como preocupação o fazer político e sua relação com o território. Nas palavras do autor: “Se historicamente construído a partir de um discurso da memória, o patrimônio é, antes de mais nada, uma prática espacial, porque se dá sobre um contexto espacial determinado; mas também uma prática política, porque é uma seleção, um recorte, uma maneira de atuar sobre o mundo que implica também no direcionamento do comportamento esperado de outros indivíduos e grupos a partir de um embate e/ou convencimento” (RIBEIRO, 2017, p. 46). O regime institucional de proteção e conservação dos patrimônios formou-se a partir da Revolução Francesa, tendo se fortalecido no Brasil, de acordo com Cruz (2012), no início do século XX com o movimento modernista, que temia a substituição de bens históricos pelo novo e moderno. No entanto, se até meados do século XX o patrimônio era visto como uma oposição à modernização, a partir da década de 70 e, em especial, nos anos 1990, eles são interpretados como complementares; uma vez que, o bem patrimonial, para além da associação ao passado, começa a ser estimado como uma possibilidade para o futuro (RIBEIRO, 2017). O debate sobre a temática do patrimônio no início do século passado também se respaldou pela busca de bens – sobretudo da história e da arte – que representassem a identidade nacional como um valor para toda população, sendo responsabilidade de especialistas em arte e história decidir o que deveria ser ou não protegido (RIBEIRO, 2017). O contexto nacionalista da época impactou diretamente a criação de políticas de preservação do patrimônio, já que “eleger parte da herança histórica material e imaterial desses Estados e protegê-la como representante de uma suposta identidade nacional é uma faceta dessa racionalidade hegemônica” (CRUZ, 2012, p. 97). A situação começa a se remodelar nos anos 70, se fortalecendo na década posterior, quando questionamentos a respeito da participação de grupos sociais nos diálogos quanto a escolha de um patrimônio surgiram (RIBEIRO, 2017). O Centro Nacional de Referência Cultural também aparece como um elemento importante no campo das políticas públicas da época, trazendo consigo a ideia de que o valor de um bem é atribuído, e não intrínseco, abrindo caminhos para uma nova concepção de patrimônio, principalmente no que tange ao patrimônio imaterial (RIBEIRO, 2017). Quanto a institucionalização das ações e políticas patrimoniais no Brasil, temos o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) que surge como SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 1937, junto com a criação do principal instrumento que garante a proteção dos bens materiais: o tombamento (CRUZ, 2012). Na esfera estadual, o Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) é criado em 1975 com intuito de pesquisar, fiscalizar e vistoriar bens tombados no Estado do Rio de Janeiro, assim como catalogar, inventariar e tombar estes patrimônios culturais (INEPAC, 2021). Atualmente, constam 196 registros de bens tombados na capital fluminense pelo Inepac. Já o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH) substitui a antiga Subsecretaria de Patrimônio Cultural, Intervenção Urbana, Arquitetura e Design (SUBPC) no ano de 2012, com o objetivo de promover a preservação da paisagem cultural (FONSECA, 2012). Proteger os patrimônios do município do Rio de Janeiro, planejar, coordenar, desenvolver e supervisionar programas e projetos voltados para proteção de bens patrimoniais e gerir os sítios reconhecidos pela Unesco são algumas das competências deste instituto, que possui 356 bens tombados na cidade (IRPH, 2021). As “ruínas” históricas de um outro tempo se tornam espetáculo como modelos culturais, representando o passado, forjando a experiência de uma diferente cultura e modo de vida através do consumo do espaço (CARLOS, 2017). Podemos mencionar, como exemplo, o Copacabana Palace, patrimônio cultural tombado pelas três instituições anteriores – em 1985 pelo IRPH, 1986 pelo Inepac e 1989 pelo Iphan – reafirmando sua importância cultural em âmbito municipal, estadual e nacional. A inauguração do hotel, em 1923, acentuou os aspectos da modernidade, já que a construção foi uma novidade que movimentou a região que, atualmente, “[...] simboliza o cosmopolitismo do Rio contemporâneo” (PORTO, 2014, p. 100) e está presente no imaginário do carioca, do brasileiro e do estrangeiro. Para além de sua arquitetura, o Copacabana Palace promove um dos eventos mais tradicionais do bairro, que teve sua primeira edição em 1924, o Baile de Gala que acontece todo sábado de carnaval. Segundo Porto (2014), o baile é um dos carnavais mais luxuosos do país, reproduzindo uma tradição carnavalesca que sucede até os dias atuais, sempre com a presença de celebridades e autoridades importantes de diversos segmentos. O questionamento surge quando pensamos, como um patrimônio cultural não só dos cariocas, mas dos fluminenses e brasileiros no geral, isto é, como um patrimônio de todos, se o Copacabana Palace é acessível para todos. Apesar de considerar a importância inerente do patrimônio imaterial e toda a variedade expressada a partir das manifestações e práticas culturais, o presente trabalho se limita a observar o patrimônio material a partir da perspectiva do turismo na cidade do Rio de Janeiro. Deste modo, o trabalho foi dividido em duas partes, sendo a primeira uma abordagem sobre multiculturalismo e sua correlação com patrimônio e turismo e a segunda com as transformações e concepções turística e patrimonial mais específicas da cidade do Rio de Janeiro. As considerações finais encerram o trabalho, que procurou, a partir de referenciais teóricos, analisar os conceitos abordados e criar uma relação entre eles. 1. Multiculturalismo, Patrimônio e Turismo: uma breve discussão O multiculturalismo, como elemento fundamental no processo democrático e no discurso dos direitos humanos, abrange o direito das minorias e de grupos invisibilizados nos grandes centros culturais, e retrata a existência e a importância de diferentes culturas em determinada região (OLIVEIRA, SOUZA, 2011). Nas palavras de Santos e Nunes, o multiculturalismo é entendido, originalmente, pela “[...] coexistência de formas culturais ou de grupos caracterizados por culturas diferentes no seio de sociedades ‘modernas’” (2003, p. 26). Podemos destacar, no Rio de Janeiro, algumas localidades que possuem referências de diversos grupos culturais, como a região da Pequena África, que busca proteger e legitimar a herança cultural africana que o lugar carrega, assim como os marcos históricos presentes ali, a Sociedade dos Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega (mais conhecido por SAARA) que é um dos principais centros comerciais da cidade que se consolidouatravés dos imigrantes sírios e libaneses, onde ainda é possível ver características e traços de origem árabe, ou também o Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas – a famosa Feira de São Cristóvão – ponto de chegada dos nordestinos que migravam para trabalhar na cidade grande. A presença do caráter multicultural no Rio de Janeiro, ou – permito me dizer – em qualquer grande centro urbano, é uma realidade incontestável, onde as diferenças culturais reinventam o espaço constantemente, reforçando e transformando a forma de como as pessoas interagem com o ambiente. Assim, o multiculturalismo implica a noção de diversidade cultural como um posicionamento que visa reconhecer e valorizar as diferentes identidades presentes (OLIVEIRA, SOUZA, 2011). A relevância da diversidade cultural é imprescindível no debate visto que ela própria já se constitui como Patrimônio Comum da Humanidade, com a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural de 2001 que legitima sua preservação e que também a considera como fonte de desenvolvimento (KRETZMANN, 2007). A política multicultural reforça a resistência à homogeneidade cultural, ainda mais quando esta é estabelecida como única e legítima, sufocando outras culturas à “particularismos e dependência” e, de acordo com D’Adesky, referenciado por Oliveira e Souza (2011), é uma política que se caracteriza pelo reconhecimento da igualdade e da cidadania no tratamento entre diferentes grupos étnicos. Ela aparece como uma contribuição teórica para reforçar o reconhecimento, proteção e a promoção dos direitos de grupos minoritários (OLIVEIRA, SOUZA, 2011). A cidadania também se mostra como fator de importância na temática multicultural e patrimonial, sendo considerada como um dos desafios para o desenvolvimento democrático da cultura segundo o ex-ministro da cultura Francisco Wellfort, citado por Ribeiro (2017, p. 53). Ainda no trabalho de Ribeiro (2017), Campello nos relata que o acesso à memória e o reconhecimento do patrimônio como identidade cultural é um direito do cidadão, onde a cidadania deve proporcionar tanto a participação na seleção e apropriação desses valores quanto o acesso aos mesmos. A globalização aparece no debate como um fenômeno que tende a acentuar exclusões e desigualdades em diferentes contextos, ao mesmo tempo que não atinge igualmente a todos os grupos sociais ou todos os países e regiões (OLIVEIRA, SOUZA, 2011). O desenvolvimento de novas tecnologias da informação e de multimídias molda o que conhecemos por globalização cultural, resultado do intenso fluxo de informações mais a industrialização do simbólico (cultural) nessas novas dinâmicas de comunicação. Essa expansão, de acordo com Alves (2010), trouxe a sensação de homogeneidade e padronização cultural, classificando diferentes países em polos de produção e polos de consumo cultural. Quanto ao turismo, também como um setor integrado no mundo globalizado, se encontra entre as tendências de homogeneização e de diferenciação, na qual a primeira facilita e promove o deslocamento de fluxos de turistas enquanto a segunda se torna uma condição para esta circulação (BERTONCELLO, 2017). Ainda segundo este autor, a tensão entre homogeneização e diferenciação está explícito quando a estrutura do turismo requer uma adoção de serviços e equipamentos que estão inseridos na lógica da homogeneidade, causando uma contradição já que, ao mesmo tempo que o turista disfruta determinados lugares que se distanciam de sua realidade particular, ele se depara com ofertas e serviços na qual já está habituado a encontrar. Este cenário abre portas para novas interpretações, como a preocupação quanto aos interesses econômicos superarem os interesses culturais nas políticas de preservação ou de valorização de determinados bens e práticas culturais, através da comercialização de ingressos, pacotes ou taxas, por exemplo, pelo mercado turístico (CRUZ, 2012). Uma das críticas é a de que no processo de urbanização de uma sociedade, no ponto de vista de Carlos (2017), o turismo transforma a história dos lugares em valor de troca, submetendo acessos como habitação, lazer, circulação e o próprio turismo ao mercado e à lógica capitalista; essa relação de troca contempla fluxo de pessoas, gerando mobilidade, ao mesmo tempo que se torna restrito, visto que o consumo não é acessível a todos. Deste modo, destaco que: “Uma vez que o meio ambiente é também meio ambiente cultural, percebe-se que a cultura e todas as suas manifestações enquanto modificadoras da natureza e enquanto formadoras da diversidade da humanidade (língua, religião, crenças, relações sociais, símbolos...), são também direito de quem a constrói, por um lado, e de toda a humanidade, por outro, das gerações atuais e futuras, das diferentes etnias e grupos, das comunidades nacionais e sociedade mundial” (KRETZMANN, 2007, p. 95). Kretzmann (2007), no entanto, afirma que ao mesmo tempo que a globalização se acentua, os sentimentos pelo “local” se fortalece em oposição ao “global”, ganhando espaço na luta por projetos que se constituem a partir de um ponto de vista plural e diverso, e não mais supremacista e opressor. De acordo com a autora, o multiculturalismo vai contra a homogeneização ou a fragmentação cultural: ela busca o reconhecimento e a valorização das culturas, e que, em um contexto democrático, pode conduzir políticas públicas emancipatórias e de reconhecimento das minorias, a partir de uma cidadania multicultural. Aqui o multiculturalismo se estende como uma política de reconhecimento e legitimação que pode ser associada ao campo das políticas de patrimônio que se dedicam à preservação e proteção de bens culturais, sejam eles tangíveis ou intangíveis, por instituições de nível nacional, estadual ou municipal. No Rio de Janeiro, o turismo destaca as culturas, que podem ser referenciadas pelos patrimônios, e dialoga com a questão da valorização de determinadas manifestações. O problema é quando esse destaque reforça ainda mais as desigualdades e se torna um instrumento que vai fomentar mais os interesses do mercado do que os interesses de preservação e valorização cultural. 2. Turismo, patrimônio e transformações no Rio de Janeiro No turismo, o patrimônio aparece como representação de um tempo-espaço de determinado lugar e/ou grupo que é consumido como uma experiência particular e usufruído como um universo de significados – sendo fictícios ou real (CARLOS, 2017). A preservação surge como estratégia para transformar o processo de desvalorização de áreas menosprezadas, sendo utilizado a favor da demanda de expansão do setor imobiliário e dos interesses do mercado turístico. As políticas entram em cena com intuito de revitalizar esses espaços detentores de símbolos históricos, antes abandonados, para agora possuírem novas funções e usos através de operações urbanas (CARLOS, 2017). No Rio de Janeiro, a região portuária teve sua importância, já que foi a partir dela que o espaço urbano se confirmou através do contato com o exterior enquanto núcleo importador e exportador (MELLO, 2012). O Projeto Porto Maravilha é um exemplo dessa revitalização urbana que transformou o espaço – contemplado por eventos históricos – em um ambiente passível de apropriação e consumo turístico. De acordo com Fajardo e Ribeiro (2012), os armazéns dessa região foram fundamentais para o seu estado de preservação atual, visto que, sem essas construções que dificultaram o embarque e desembarque de cargas na área, a região hoje em dia estaria estocando contêineres em pátios com a presença de um intenso trânsito de cargas. Antigos portos, obsoletos pelas intervenções tecnológicas, se tornam objetos de restauração a fim de atribuir novas funções, como para fins de consumo turístico (BERTONCELLO, 2017). São visíveis as rupturas culturais na região, como o caso da PequenaÁfrica (que contempla os bairros da Saúde, Gamboa, Santo Cristo e parte do Centro) e o Museu do Amanhã (na Praça Mauá), vizinhos que refletem a imagem de diferentes contextos históricos e políticos e que compartilham o uso turístico do espaço. E foi a partir das obras do Projeto Porto Maravilha, em 2010, que se iniciou o processo de preservação e proteção do Cais do Valongo, identificado por pesquisadores integrantes do setor de arqueologia do Museu Nacional. A comprovação da descoberta alterou os planos iniciais de reforma da avenida – após pressão e resistência tanto de arqueólogos quanto de integrantes do movimento negro – e a construção do parque arqueológico foi instituído como um dos pontos culturais do Porto Maravilha: “Foi criado assim um circuito da herança africana na região portuária que inclui diferentes pontos e aspectos dessa herança e atende aos interesses de muitos desses grupos em dar visibilidade e marcar o espaço com a sua atuação” (RIBEIRO, 2017, p. 61). Em 2013 surge o debate sobre a inscrição do Cais do Valongo como patrimônio mundial, sendo, no ano seguinte, incluído na lista de candidaturas da Unesco, se consolidando, em 2017, como Patrimônio Mundial da Humanidade. Antes desse título, no entanto, a capital já havia conquistado a categoria de Patrimônio Mundial como Paisagem Cultural Urbana em 2012, onde, de acordo com Ribeiro (2017), a inscrição reforçou a relação da cidade com o sítio natural através da sua construção, ou seja, de como o Rio de Janeiro se consolidou entre a montanha e o mar. A inscrição como paisagem cultural, sugerida pela própria Unesco, envolve a tipologia criada com intuito de romper com a dicotomia natureza e cultura presente na Lista de Patrimônio Mundial (RIBEIRO, 2017). De acordo com o mesmo autor, esta tipologia contemplava sítios ora associados a paisagens planejadas e parques e jardins ora a áreas rurais, arqueológicas ou populações tradicionais, fazendo alusão a localidades que relacionassem a figura do homem com a natureza, não proporcionando espaço para o registro de grandes centros urbanos. No entanto, o Rio de Janeiro conseguiu se enquadrar nos requisitos e conquistou o seu reconhecimento internacional. É interessante destacar que durante o processo de inscrição da cidade do Rio de Janeiro como paisagem cultural na Lista de Patrimônio Mundial da Unesco, procurou-se um distanciamento do aumento da atratividade da cidade como destino turístico ou como um rótulo de beleza; foi um trabalho que buscou, principalmente, implementar um plano de gestão integrado onde gestores e representantes da população pudessem dialogar acerca de iniciativas e planejar ações conjuntas (RIBEIRO, 2017). No entanto, não podemos descartar aqui a relação entre patrimônio e turismo neste caso em específico: Mello (2012) destaca no início de seu texto, da Revista do Patrimônio Cultural da Cidade do Rio de Janeiro, a expectativa no aumento de 30% do número de visitantes após o título de Paisagem Cultural Urbana da Unesco. Assim, a “patrimonialização” de determinados bens reflete o reconhecimento da sua valorização cultural e histórica, mas também tem como consequência o desdobramento da atividade econômica do turismo nestes espaços, visto que patrimônios, como representantes de uma herança cultural, se tornam atrativos de interesse turístico (CRUZ, 2012). Cruz afirma que “[...] entre as motivações que levam à patrimonialização de um dado objeto destaca-se o seu valor de uso, mas o que viabiliza sua existência como tal é seu valor de troca” (2012, p. 98), ao mesmo tempo que essa viabilização pode se transformar em depredação e degradação pela atividade do turismo, quando feita sem planejamento, fiscalização ou responsabilidade. É por isso que, atualmente, a discussão em torno da temática de bens patrimoniais não deve desconsiderar a conjuntura do turismo. No mesmo raciocínio, Carlos (2017) afirma que o patrimônio se estabelece no mercado turístico por suas particularidades que se tornam uma nova mercadoria neste segmento, se convertendo, para além de uma questão econômica, uma política de marketing. Antes do título de patrimônio mundial, a imagem da baía e as cadeias montanhosas já fazia do Rio de Janeiro uma referência visual no mundo, ao mesmo tempo que “[...] trouxe uma diversidade de pessoas, de diferentes locais, línguas e costumes que contribuíram para a formação do patrimônio cultural carioca” (MELLO, 2012, p. 36). 3. Considerações Finais O patrimônio cultural tangível provoca distinções nos grandes centros urbanos permanecendo entre as transformações do tempo e espaço, e na cidade do Rio de Janeiro não é diferente. Possuindo inúmeros bens tombados por instituições legítimas, alguns se destacam mais que outros a partir do seu potencial turístico, como os patrimônios mundiais que são evidenciados por sua visibilidade internacional. Os patrimônios que se consolidam como atrativo turístico representam a imagem cultural da cidade em um mercado que, ao mesmo tempo que valoriza esses espaços, pode torna-los excludentes. Bertoncello (2017) afirma que ações condicionam a visibilidade e a acessibilidade desses atrativos aos turistas, seguindo os interesses econômicos e do capital. Segundo o autor, mesmo com uma diversidade de lugares com manifestações culturais que podem se transformar em atrativo, só se tornarão destino ou bem turístico os lugares nas quais essas manifestações sejam organizadas e planejadas com objetivos próprios para este fim. Dessa forma, um dos interesses do trabalho é relacionar o modo de como o patrimônio, a partir da ótica do turismo, pode ser influenciado pela atividade econômica e de como o multiculturalismo, que visa reconhecer, valorizar e incorporar comunidades que são constrangidas pelo processo de globalização, deve ser incluído nas políticas culturais para possibilitar circunstâncias favoráveis de produção e manutenção de bens e manifestações culturais assim como o acesso a eles. Na cidade do Rio de Janeiro, segundo o Plano de Requalificação do Centro do Rio de Janeiro (2021), a Secretaria Municipal de Cultura foca em políticas públicas tanto de valorização da diversidade cultural da população como na democratização do acesso da mesma aos bens culturais, tendo como um dos eixos estratégicos a gestão participativa, que conta com diversos setores culturais da cidade para discussão e apoio em projetos culturais. O turismo cultural envolve a curiosidade e o descobrimento de produtos significativos e com expressão e valores únicos do trabalho humano (BERTONCELLO, 2017), do mesmo modo que o patrimônio carrega em sua essência essa autenticidade que se manifesta a partir do contato e do diálogo com o outro, provocando e reforçando diferenças existentes. Assim, as políticas de preservação – a partir da perspectiva multicultural – se tornam fundamentais para a proteção, legitimação e visibilidade de bens culturais e para o reconhecimento de grupos minoritários que resistem às tendências de homogeneização do mundo globalizado. 4. Referências Bibliográficas ALVES, Elder Patrick Maia. Diversidade cultural, patrimônio cultural material e cultura popular: a Unesco e a construção de um universalismo global. Soc. estado. vol.25, n.3, pp.539-560, 2010. BERTONCELLO, Rodolfo. Patrimonio cultural, geografia y turismo: la ciudad como destino de turismo cultural. In: PAES, Maria Tereza D.; SOTRATTI, Marcelo A. 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