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enquanto se cantava, [...] e Pangloss, contrariamente ao uso, foi enforcado. No mesmo dia, a terra tremeu de novo com um ruído espantoso. (Ib., p. 31.) Marquês de Pombal [2] No entanto, para demérito do grande Voltaire e desapontamento de alguns leitores, que talvez também nutram o mesmo tipo de imagem da cultura portuguesa demonstrada pelo filósofo francês, não foi nada disso o que aconteceu na Lisboa destruída. Graças à extraordinária visão e capacidade de ação de um dos maiores estadistas portugueses, o Marquês de Pombal, as regiões devastadas pelo sismo foram socorridas com presteza, e Lisboa foi reconstruída em pouquíssimo tempo, sendo a primeira cidade do mundo a contar com edifícios construídos com estrutura à prova de terremotos. E, ainda, vários estudiosos atribuem às iniciativas de Pombal e dos cientistas portugueses o nascimento da sismologia. Pombal, que era primeiro-ministro à época, desestimulou e até mesmo proibiu manifestações religiosas que pudessem prejudicar os trabalhos de resgate e reconstrução da cidade. Ele, assim como muitas personalidades portuguesas do período, comungava dos ideais iluministas e tinha concepções e atitudes anticlericais: em outras palavras, Pombal era um crítico do comportamento da igreja católica e do seu clero, havendo sido responsável pela expulsão da Ordem de Jesus (os jesuítas) de Portugal e de suas colônias, o que evidentemente atingiu também o Brasil. A imagem de país supersticioso e obscurantista, cultivada por Voltaire erroneamente em seu texto ficcional, tinha de fato base na realidade social daquela nação, mas era muito mais em razão de uma condição compartilhada com todos os países europeus de hegemonia católica do que uma peculiaridade portuguesa. A igreja de Roma desde a Idade Média havia angariado grande poder político e econômico, e sua atuação por toda a cristandade sempre teve como objetivo manter seus privilégios e garantir seus interesses (como ocorreu e ocorre com qualquer religião oficial ou hegemônica), o que muitas vezes se chocava com os interesses de grupos políticos e estamentos sociais, e principalmente com a classe de pensadores e cientistas. Desses conflitos surgiu, da parte dos oponentes da igreja, uma forma de pensamento e ação que se denominou no século XIX de anticlericalismo. Apesar da noção ter sido definida nos oitocentos, sua manifestação é muito mais antiga, sendo encontrada já no período medievo. Em Portugal (o que deve ser uma surpresa para muitos) se diz que o anticlericalismo nasce junto com a própria língua portuguesa, e uma das suas primeiras expressões literárias se apresenta no Trovadorismo, o movimento literário inaugural de nossa língua, conforme veremos logo em seguida. 54