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A Morte de Jesus em Eça de Queirós

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que o deixou o vinho narcotizado e o sofrimento...” (Queirós 1997:987). 
Entretanto, alguma coisa dá errado:
Estendemos Jesus na esteira. Demos-lhe a beber 
os cordiais, chamamo-lo, esperamos, oramos... Mas 
ai! Sentíamos, sob as nossas mãos, arrefecer-lhe o 
corpo!... Um instante abriu lentamente os olhos, uma 
palavra saiu-lhe dos lábios. Era vaga, não a 
compreendemos... Parecia que invocava seu pai, e que 
se queixava de um abandono... Depois estremeceu; 
um pouco de sangue apareceu-lhe ao canto da boca... 
E, com a cabeça sobre o peito de Nicodemus, o Rabi 
ficou morto! (Ib., p. 988.)
Apesar do abatimento que se apodera dos seguidores essênios, “era 
necessário, para bem da terra, que se cumprissem as profecias”, e assim a 
farsa continua: o corpo do Mestre é enterrado numa caverna, “talhada na 
rocha, por trás do moinho...” (ib.). Um colega de viagem de Teodorico, o 
ilustre historiador alemão Topsius — que no sonho funciona como uma 
espécie de Virgílio da Divina comédia, guiando o narrador através da 
Jerusalém antiga —, faz uma conclusão de sabor amargo:
Depois de amanhã, quando acabar o Sabá, as 
mulheres de Galiléia voltarão ao sepulcro de José de 
Ramata [José de Arimatéia], onde deixaram Jesus 
sepultado... E encontram-no aberto, encontram-no 
vazio!... "Desapareceu, não está aqui!..." Então Maria 
de Magdala [Maria Madalena], crente e apaixonada, 
irá gritar por Jerusalém — "ressuscitou, ressuscitou!" 
E assim o amor de uma mulher muda a face do 
mundo, e dá uma religião mais à humanidade! (Ib., p. 
989.)
Mas, se o anticlericalismo de Eça em A relíquia chega a ponto de 
denunciar o Cristianismo como fundado numa falsificação histórica, assim 
como as ignominiosas relíquias que eram despudoradamente 
comercializadas por todo o mundo, mas principalmente na Europa católica, 
o romancista português em outros textos propõe ainda um outro novo 
retrato de Jesus Cristo. Nos contos “A morte de Jesus” (1870) e “O suave 
milagre” (1898), Eça, ignorando a divindade de Cristo, apresenta-o como 
uma personalidade comprometida com o combate à opressão e a 
preocupação com os mais pobres, alguém que veio ao mundo com a missão 
de pregar e lutar por uma sociedade mais justa e equânime (ver Bueno 
2007). Em suma, a obra queirosiana representa o anticlericalismo dos tipos 
II e III, conforme classificação proposta anteriormente.
FONTES DAS IMAGENS
1. http://wiki.ued.ipleiria.pt/wikiEducacao/images/8/81/Novo.jpg
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