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ele pode dispensar a linguagem denotativa, ou literal, e privilegiar a conotação, a polissemia, a ambiguidade, a plurissignificação, que serão abordados na próxima aula. Apresentamos acima, portanto, alguns traços que distinguem o discurso literário dos textos não-literários. É necessário que tais traços sejam sempre questionados na presença do que chamamos texto literário, para confirmarmos ou não sua adequação a tal ou qual texto. Quando dizemos, por exemplo, que não faz parte da obrigação da literatura transmitir um saber, será essa característica presente em qualquer tipo de obra a que chamamos literária, ou há exceções? Ou seria melhor modalizar a afirmação, dizendo que “em geral as obras literárias despreocupam-se com a transmissão de um saber”? Outra questão altamente controvertida é a da “função” da literatura no seio da sociedade. Até que ponto a literatura é ou não um artefato destinado a interferir na sociedade, como uma construção ética, ideológica, política, ou até onde a presença de traços sociais e ideológicos é apenas um cenário para o exercício da linguagem? Essas questões deverão ser sempre discutidas e refletidas por quem estuda literatura, e neste nosso curso veremos que a abordagem literária é uma escolha do estudioso da literatura. No decorrer do século vinte, principalmente, surgiram várias tendências de abordagens do texto literário, como o formalismo, o new criticism, o estruturalismo, a literatura e a psicanálise, a literatura e a sociedade, a crítica biográfica, a crítica imanentista, os estudos culturais etc. O estudo da literatura, portanto, não apresenta respostas fáceis e prontas, é necessário que o estudioso esteja permanentemente fazendo suas críticas, suas autocríticas e suas metacríticas. Para tanto, é necessário assumir uma posição diante do fato literário e desenvolver seus argumentos em favor de sua crença. OLHANDO DE PERTO O texto abaixo, de Roland Barthes, coloca em evidência a questão do saber relacionado à literatura. Leia-o atentamente e depois discuta com seu grupo as questões propostas. [...] Se, por não sei que excesso de socialismo ou de barbárie, todas as nossas disciplinas devessem ser expulsas do ensino, exceto uma, é a disciplina literária que deveria ser salva, pois todas as ciências estão presentes no monumento literário. É nesse sentido que se pode dizer que a literatura, quaisquer que sejam as escolas em nome das quais ela se declara, é absolutamente, categoricamente realista: ela é o real, isto é, o próprio fulgor do real. Entretanto, e nisso verdadeiramente enciclopédica, a literatura faz girar os saberes, não fixa, não fetichiza nenhum deles; ela lhes dá um lugar indireto, e esse indireto é precioso. Por um lado, ele permite designar saberes possíveis — insuspeitos, irrealizados: a literatura trabalha nos interstícios da ciência: está sempre atrasada ou adiantada em relação a esta, semelhante à pedra de Bolonha, que irradia de noite o que aprovisionou durante o dia, e, por esse fulgor indireto, ilumina o novo dia que chega. A ciência é grosseira, a vida é sutil, e é para corrigir essa distância que a literatura nos 5