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Chame-vos clara luz, não sombra fria, Causa da vida, não irmão da morte, Filho da noite não, mas pai do dia. A uma trança de cabelos negros Diversa em cor, igual em bizarria Sois, bela trança, ao lustre de Sofala, Luto por negra, por vistosa gala, Nas cores noite, na beleza dia. Negra, porém de amor na monarquia Reinais senhora, não servis vassala; Sombra, mas toda a luz não vos iguala; Tristeza, mas venceis toda a alegria. Tudo sois, mas eu tenho resoluto Que sois só na aparência enganadora Negra, noite, tristeza, sombra, luto. Porém na essência, ó doce matadora, Quem não dirá que sois, e não diz muito, Dia, gala, alegria, luz, senhora? LEITURA COMPLEMENTAR No texto a seguir, Alcir Pécora discorre sobre a poesia seiscentista, reunida nas antologias FÊNIX RENASCIDA e POSTILHÃO DE APOLO, numa leitura que atualiza esse patrimônio poético para o leitor contemporâneo. EUFORIAS BARROCAS ALCIR PÉCORA A poesia portuguesa indicada sob o título de "barroca", ou mais prudentemente de "seiscentista", refere em larga medida o tempo de predominância do modelo estabelecido com base nos empregos poéticos de Luís de Góngora y Argote (1561-1627), que ultrapassa vastamente o século XVII ibérico. Como é sabido, as duas mais importantes recolhas em língua portuguesa de poesia "seiscentista" ou "barroca" são as antologias Fênix Renascida e Postilhão de Apolo, ambas efetuadas por eruditos do século XVIII, resistentes às novas perspectivas antigongóricas surgidas nele. Um dado bem elucidativo a respeito desse choque de temperamentos artísticos num mesmo tempo histórico pode ser estabelecido quando se percebe que a publicação da segunda edição da Fênix (1746) — que corrige e aumenta a primeira (1716-1728) —, sai à luz no mesmo ano 148