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DIREITO E CULTURA Veyzon Campos Muniz (Organizador) DIREITO E CULTURA 1.ª edição MATO GROSSO DO SUL EDITORA INOVAR 2023 Copyright © dos autores e das autoras. Todos os direitos garantidos. Este é um livro publicado em acesso aberto, que permite uso, dis- tribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que sem fi ns comerciais e que o trabalho original seja corretamente citado. Este trabalho está licenciado com uma Licença Crea- tive Commons Internacional (CC BY- NC 4.0). Veyzon Campos Muniz (Organizador). Direito e Cultura. Campo Grande: Editora Ino- var, 2023. 100p. PDF ISBN: 978-65-5388-102-0 DOI: doi.org/10.36926/editorainovar-978-65-5388-102-0 1. Direito. 2. Justiça. 3. Cultura. I. Muniz, Veyzon Campos. CDD – 340 Editora-Chefe: Liliane Pereira de Souza Diagramação: Vanessa Lara D Alessia Conegero Capa: Juliana Pinheiro de Souza Conselho Editorial Prof. Dr. Alexsande de Oliveira Franco Profa. Dra. Aldenora Maria Ximenes Rodrigues Profa. Dra. Care Cristiane Hammes Prof. Dr. Carlos Eduardo Oliveira Dias Profa. Dra. Dayse Marinho Martins Profa. Dra. Débora Luana Ribeiro Pessoa Profa. Dra. Franchys Marizethe Nascimento Santana Profa. Dra. Geyanna Dolores Lopes Nunes Prof. Dr. Guilherme Antonio Lopes de Oliveira Prof. Dr. João Vitor Teodoro Profa. Dra. Juliani Borchardt da Silva Profa. Dra. Jucimara Silva Rojas Profa. Dra. Lina Raquel Santos Araujo Prof. Dr. Marcus Vinicius Peralva Santos Profa. Dra. Maria Cristina Neves de Azevedo Profa. Dra. Nayára Bezerra Carvalho Profa. Dra. Ordália Alves de Almeida Profa. Dra. Otília Maria Alves da Nóbrega Alberto Dantas Profa. Dra. Roberta Oliveira Lima Profa. Dra. Rúbia Kátia Azevedo Montenegro Prof. Dr. Sílvio César Lopes da Silva Editora Inovar Campo Grande – MS – Brasil Telefone: +55 (67) 98216-7300 www.editorainovar.com.br atendimento@editorainovar.com.br DECLARAÇÃO DOS AUTORES Os autores se responsabilizam publicamente pelo conteúdo desta obra, garantindo que o mes- mo é de autoria própria, assumindo integral responsabilidade diante de terceiros, quer de natu- reza moral ou patrimonial, em razão de seu conteúdo, declarando que o trabalho é original, livre de plágio acadêmico e que não infringe quaisquer direitos de propriedade intelectual de tercei- ros. Os autores declaram não haver qualquer irregularidade que comprometa a integridade des- ta obra e que o conteúdo do artigo não reflete a opinião da editora, do conselho editorial e nem do organizador do livro. PREFÁCIO DIREITO & CULTURA EM TEMPOS DE RECONSTRUÇÃO Veyzon Campos Muniz Doutorando e Mestre em Direito Sigmund Freud, em sua reflexão psicanalítica, traduzia a for- mação do Estado como expressão de força pela qual a supraindivi- dualidade estatal se sobrepunha às liberdades individuais. Regista- -se, de pronto, que a produção cultural de per si é, justamente, fruto da criatividade individual. O pai da psicanálise referia que o poder da “comunidade se estabelece como ‘Direito’, em oposição ao poder do indivíduo, condenado como ‘força bruta’”1. Desse modo, a substituição poder do indivíduo pelo da comunidade constituir-se-ia como o “pas- so cultural decisivo”. Fato é que a separação entre Direito e Cultura, ao longo do tempo, ganhou proporções extremadas por pensamentos exclusivis- tas e doutrinas ortodoxas e, assim, o que deveria ser entendido como relação cooperativa (e não como tensionamento) tornou-se argumen- to de autoridade para intolerância. O Secretário Especial de Cultura, cargo criado com a extinção do Ministério da Cultura, do Governo na- zifascista que ocupou o Poder Executivo federal brasileiro, entre 2018 e 2022, plagiando um discurso do Ministro da Propaganda nazista ale- mão da década de 1940, sem pudores e sem vergonha, em rede na- cional, vociferou: “A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa [...] ou então não será nada”. Errou e desviou-se do marco civilizatório proposto pela Consti- tuição Federal de 1988. A Constituição Cidadã, em seu artigo 215, es- tabelece que o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentiva- rá a valorização e a difusão das manifestações culturais. É dever es- 1 FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 40. tatal proteger as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo ci- vilizatório nacional. Políticas públicas, ao seu turno, devem atender a defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro, a produção, a promoção e a difusão de bens culturais, a formação de pessoal quali- ficado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões, a demo- cratização do acesso aos bens de cultura, e a valorização da diversi- dade étnica e regional. Em verdade, a inter-relação entre Direito e Cultura é algo indu- bitavelmente salutar e, em muitos aspectos, fundamental à compre- ensão de ambas facetas humanas. O Direito (e outros campos do co- nhecimento) aliado às manifestações culturais se oxigena, se atualiza, e se torna sensível às pessoas, ao tempo e ao espaço em que se si- tua. A Cultura, enquanto processo de desenvolvimento civilizatório, se constrói, se descontrói e se aperfeiçoa sob balizas jurídicas e valores constitucionalmente almejados. Assim, em planos material e estético, são diversos e inclusivos os potenciais imbricamentos entre manifes- tações culturais e expressões de múltiplos saberes. É, nesse sentido, que a presente coletânea de estudos con- temporâneos apresenta um amplo e plural panorama. “AÇÃO MA- NIFESTO SOCIOCULTURAL, BRAZILIAN WAY: UMA TIPOLOGIA PARA EXPLICAR AS DESIGUALDADES DA PARTICIPAÇÃO POLÍTI- CA”, de Marcos Sales Bezerra; “O GOVERNO BOLSONARO E O ‘AU- TORITARISMO SOCIALMENTE IMPLANTADO’”, de Amanda Rangel Bittencourt; “PROBLEMÁTICAS RESULTANTES DA ESCOLHA DO TOMBAMENTO COMO MEIO ACAUTELATÓRIO NO MUNICÍPIO DE FORTALEZA: UM ESTUDO DE CASO DO EDIFÍCIO SÃO PE- DRO”, de Cheyenne de Oliveira Alencar, Beatriz Carvalho Arruda Ber- nardino, Francisco Humberto Cunha Filho e Juliana Rodrigues Barre- to Cavalcante; “UMA ANÁLISE TRANSDISCIPLINAR DAS NARRATI- VAS SOBRE A LIBERDADE RELIGIOSA DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ NO QUE TANGE AOS PROCEDIMENTOS DA MEDICINA: O QUE DIZ A JURISPRUDÊNCIA APLICADA PELO STF?”, de Luana da Cunha Lopes, Maria Bernadete de Sousa Carvalho Monte, Lucélia Ke- ila Bitencourt Gomes, João de Deus Carvalho Filho, Dariely de Carva- lho Monte Amaral, Pedro Eduardo Bitencourt Gomes, Jane Gabriela Soares de Lemos, Geilson Silva Pereira, Maria do Carmo Amaral Bri- to e Ivonalda Brito de Almeida Morais; “‘UMA FAZENDA GRANDE É UM PEQUENO REINO’: DIREITO PENAL E CASTIGOS ESCRAVIS- TAS NO BRASIL DO SÉCULO XIX”, de Mario Davi Barbosa, constro- em um verdadeiro ecossistema que busca possibilitar reflexões cientí- ficas com vista ao aprimoramento e à efetividade social e sustentável do direito à cultura. O livro se encerra com “‘VIDA EM MARTE?’: DESI- GUALDADES ESTRUTURAIS E DESENVOLVIMENTO EM XEQUE”, do signatário em coautoria com Cássio Nardão Martin. Tomando as palavras de Margarezeth Menezes, cantora, com- positora e gestora cultural, em sua posse como Ministra da Cultura, após o obscurantismo jurídico e político vivido pelo país, assevera-se que “a cultura é base primordial para a educação […] é fator de de- senvolvimento econômico e social, de inclusão e cidadania, mas, aci- ma de tudo, qualifica e conscientiza uma ideia profunda de democra- cia”.2 Destarte, mesmo indicando-se que os textos são de responsabi- lidade exclusiva de seus autores e autoras – não representando, ne- cessariamente, uma opinião ou posicionamento coletivamente assen- tido –, tem-se na presente complicação educativa a força da criativida- de expressa em letras e um potente movimento de resistência cultural nas páginas que seguem.2 TV BRASILGOV. Transmissão de cargo no Ministério da Cultura. Disponível em: https:// www.youtube.com/watch?v=yqCu-LBK-LM. Acesso em 06/02/2023. https://www.youtube.com/watch?v=yqCu-LBK-LM https://www.youtube.com/watch?v=yqCu-LBK-LM SUMÁRIO CAPÍTULO 01 11 AÇÃO MANIFESTO SOCIOCULTURAL: UMA TIPOLOGIA PARA EXPLICAR AS DESIGUALDADES DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA Marcos Sales Bezerra doi.org/10.36926/editorainovar-978-65-5388-102-0_001 CAPÍTULO 02 28 O GOVERNO BOLSONARO E O “AUTORITARISMO SOCIALMEN- TE IMPLANTADO” Amanda Rangel Bittencourt doi.org/10.36926/editorainovar-978-65-5388-102-0_002 CAPÍTULO 03 42 PROBLEMÁTICAS RESULTANTES DA ESCOLHA DO TOMBA- MENTO COMO MEIO ACAUTELATÓRIO NO MUNICÍPIO DE FOR- TALEZA: UM ESTUDO DE CASO DO EDIFÍCIO SÃO PEDRO Cheyenne de Oliveira Alencar Beatriz Carvalho Arruda Bernardino Francisco Humberto Cunha Filho Juliana Rodrigues Barreto Cavalcante doi.org/10.36926/editorainovar-978-65-5388-102-0_003 CAPÍTULO 04 55 UMA ANÁLISE TRANSDISCIPLINAR DAS NARRATIVAS SOBRE A LIBERDADE RELIGIOSA DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ NO QUE TANGE AOS PROCEDIMENTOS DA MEDICINA: O QUE DIZ A JURISPRUDÊNCIA APLICADA PELO STF? João de Deus Carvalho Filho Lucélia Keila Bitencourt Gomes Luana da Cunha Lopes Maria Bernadete de Sousa Carvalho Monte Dariely de Carvalho Monte Amaral Pedro Eduardo Bitencourt Gomes Jane Gabriela Soares de Lemos Geilson Silva Pereira http://doi.org/10.36926/editorainovar-978-65-5388-102-0_001 http://doi.org/10.36926/editorainovar-978-65-5388-102-0_002 http://doi.org/10.36926/editorainovar-978-65-5388-102-0_003 Maria do Carmo Amaral Brito Ivonalda Brito de Almeida Morais doi.org/10.36926/editorainovar-978-65-5388-102-0_004 CAPÍTULO 05 74 “UMA FAZENDA GRANDE É UM PEQUENO REINO”: DIREI- TO PENAL E CASTIGOS ESCRAVISTAS NO BRASIL DO SÉ- CULO XIX Mario Davi Barbosa doi.org/10.36926/editorainovar-978-65-5388-102-0_005 CAPÍTULO 06 88 “VIDA EM MARTE?”: DESIGUALDADES ESTRUTURAIS E DE- SENVOLVIMENTO EM XEQUE Cássio Nardão Martin Veyzon Campos Muniz doi.org/10.36926/editorainovar-978-65-5388-102-0_006 SOBRE O ORGANIZADOR 99 ÍNDICE REMISSIVO 100 http://doi.org/10.36926/editorainovar-978-65-5388-102-0_004 http://doi.org/10.36926/editorainovar-978-65-5388-102-0_005 http://doi.org/10.36926/editorainovar-978-65-5388-102-0_006 D IR EI TO E C U LT U R A 11 CAPÍTULO 01 AÇÃO MANIFESTO SOCIOCULTURAL: UMA TIPOLOGIA PARA EXPLICAR AS DESIGUALDADES DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA Marcos Sales Bezerra Universidade Federal do Espírito Santo Vitória - Espírito Santo ORCID: 0000-0002-0152-7037 e-mail: mbezerra.adm@gmail.com RESUMO O Racismo estrutural estabelece desafios na sociedade brasileira, e irá organizar as diferentes maneiras que grupos sociais escolhem os mecanismos de Participação Política (PP). O objetivo deste arti- go é incorporar o conhecimento já acumulado sobre o fenômeno PP, com anotações da tipologia de Warren (2014), titulada Ação Manifes- to Sociocultural. Por meio da pesquisa bibliográfica e documental, foi apresentado uma pesquisa descritiva conceitual a respeito da recen- te área Psicologia Política, Teorias Raciais no Brasil e discussão sob a tipologia de Warren (2014) refletindo seus benefícios nas práticas, apresentado como exemplo, o evento Bekoo das Pretas. No campo das Ciências Sociais Aplicadas, é reduzida a discussão de novas ti- pologias articulada a novas áreas como a Psicologia Política, e no contexto atual desenvolver explicações analíticas é uma ação criati- va para entender o conceito e fenômenos sociais relacionadas ao di- reito a PP. Foi possível constatar que, a tipologia pode ser emprega- da nos estudos que desejam aprofundar explicações das desigualda- des, com afinco, aqueles que se relacionam aos fenômenos estrutu- rais, a citar o racismo e outras formas de opressão. Palavras-chave: Racismo. Ação Manifesto Sociocultural. Participa- ção Política. Juventudes. Estudos organizacionais. mailto:mbezerra.adm@gmail.com 12 ABSTRACT Structural Racism establishes challenges in Brazilian society, and will organize the different ways that social groups choose the mecha- nisms of Political Participation (PP). The objective of this article is to incorporate the knowledge that has already been accumulated about the PP phenomenon, with annotations from the typology of Warren (2014), entitled Ação Manifesto Sociocultural. Through bibliographical and documentary research, a conceptual descriptive research was presented regarding the recent area of Political Psychology, Racial Theories in Brazil and discussion on the typology of Warren (2014) reflecting its benefits in practice, presented as an example, or Bekoo das event Pretas. In the field of Applied Social Sciences, it is reduced to the discussion of new typologies articulated to new areas such as Political Psychology, and in the current context, developing analytical explanations is a creative action to understand or conceive and social phenomena related to or directly to PP. It was possible to verify that, the typology can be used by studies that wish to deepen explanations of inequalities, like those that are related to structural phenomena, cit- ing racism and other forms of oppression. Keywords: Racism. Action Sociocultural Manifesto. Political Partici- pation. Youths. Organizational studies. Introdução O processo de redemocratização no Brasil nos pós ditadura dos anos 1960, restaurou os processos políticos, as novas ordens direcionaram à luz das antigas experiências democráticas um outro olhar, ao qual a plenitude dos direitos políticos viria ser alcançada pela nova Carta Constitucional chamada justamente de constituição cidadã, que proclamou a vigência do “Estado Democrático de Direito” (MARTINS, 2005 p. 13). Muito embora, a transição engendrada pe- los discursos políticos sobre a implicação do uso semântico dos ter- mos Estado democrático de direito, fora questionada pelos peritos ju- ristas e cientistas políticos, está implicação utilizada para nomear a nova democracia provocou várias alusões: será que existem diferen- tes espécies de Estado democrático, em meio às quais o nosso Es- tado se distingue por ser de direito? Mas, se, ao contrário, quem diz 13 “Democrático” já diz “de Direito”, quem nesse vasto mundo seria ca- paz de imaginar um tipo de Estado que é “democrático” e ao mesmo tempo não é “de Direito”? (MARTINS, 2005 p. 15). Hoje, as discussões acerca da Participação Política (PP) e re- presentação emergem, e não só se direcionam como categoria ana- lítica da agenda de estudos à democratização da administração polí- tica, outras preocupações sucedem está área (DIANI, M.; BISON, I., 2010). Aqui, destacamos a presença de novos posicionamentos que ganham notoriedade dentro dos espaços políticos, isso significa re- fletir, a partir do conhecimento trazido pelo saber crítico subalterno, que desconfia do modelo estabelecido pelo saber ocidental branco (WALSH, 2019). Dentro destas experiências, cito revés vivencias po- líticas da recente categoria do Brasil, as juventudes (BRASIL, 2013). Para constatar, uso como exemplo, as manifestações de rua prota- gonizadas pelas juventudes em 2013, que dentre a pluralidade de grupos denunciaram através de reivindicações, a citar, o extermínio da juventude negra (CABRALDOS SANTOS; HAJIME YAMAMOTO, 2018). Assim, Warren (2014) interessada em explicar os significados dos diferentes grupos que participaram estabeleceu um quadro analí- tico conceitual para explicar diferentes modalidades de organizações do ativismo civil na sociedade brasileira. Este artigo é fruto das dis- cussões dos encontros da disciplina de Psicologia Política do mes- trado acadêmico em Administração de uma Universidade Pública Fe- deral do Sudeste do Brasil e parte da dissertação de mestrado titu- lada “A juventude negra participa descendo até o chão, chão, chão: consciência política ao som do Bekoo das Pretas” (BEZERRA, 2021). Aqui, pretendemos discutir a tipologia IV, que trata do conceito de Ação manifesto sociocultural (WARREN,2014) significativo para ex- plicar as desigualdades da PP, e contribuir conceitualmente para pes- quisas dos Estudos Organizacionais, a fim de ampliar explicações para compreender que, os mecanismos não institucionais para a PP são fundamentais para a afirmação dos direitos de grupos excluídos da sociedade. O capítulo foi estruturado da seguinte maneira, sucinta re- flexão acerca do campo da Psicologia Política no Brasil, apresenta uma breve discussão das teorias raciais no Brasil, campo que pos- 14 suí abertura em relação ao conceito de Warren (2014). Posteriormen- te, dedicamos um tópico para explicar a tipologia IV, o conceito Ação manifesto sociocultural, que é derivado no período do ciclo das polí- ticas públicas das juventudes (TATAGIBA, 2014). E por fim, apresen- tamos um espaço de PP, que possuí elementos do conceito de War- ren (2014), o evento Bekoo das Pretas, que traduz num espaço po- lítico cultural não-institucional, que possibilita a juventude negra pro- duzir discussões críticas, que visam garantir o direito a PP das juven- tudes com suas diferenças. 2. Desenvolvimento 2.1. Psicologia Política: breves articulações teóricas no Brasil Frente às limitações presentes das diferentes teorias que bus- cam explicar fenômenos de comportamento político, alguns tendem a revisar criticamente o comportamento do fenômeno Participação Política (PP) (PRADO, 2001; SANDOVAL, 1989, 1998, 2001; SILVA, 2001, 2002; ALMEIDA; CORREIA, 2012; VILAS; SABUCENO, 2013). Porém, verifica-se que nas primeiras articulações teóricas, sobre a PP, as literaturas do norte-global abordaram para analisar a predispo- sição de pessoas a participar em ações coletivas e movimentos so- ciais se baseando no conceito de frames (SANDOVAL; SILVA, 2016). Ao longo das análises com base nesta abordagem, novas pesquisas apontaram inovações elucidando que, o processo da PP e consciên- cia política dos indivíduos advindo do aspecto estático e fragmenta- do típico das análises dos frames, também derivam de outras intera- ções (SANDOVAL; SILVA, 2016). Nesta perspectiva a consciência política seria parte do proces- so de dominação daqueles que detêm o poder (SANDOVAL; SILVA, 2016). Para os autores, para haver quaisquer mudanças na consciên- cia, antes deveria haver uma disputa simbólica, envolvendo significa- dos de como questões ideológicas, sistemas culturais e os discursos partem de um local intersubjetivo para o universo cultural, ou seja, os autores observam e desvendam as nuanças presentes na relação do indivíduo com o sistema sociocultural (SANDOVAL; SILVA, 2016). As- sim Sandoval (1994) constrói seu Modelo Conceitual de Consciência 15 Política (MCCP), a partir da análise do esquema de consciência operá- ria proposto por Alan Touraine em seu estudo clássico titulado La con- ciénce ouvière, todavia ele direciona, uma conceituação preocupada com categorias psicopolíticas, e não nos fatos de ação coletiva ou nos acontecimentos específicos que cercam os atores, tal como ocorre da análise de frames (SANDOVAL; SILVA, 2016). Porém, reserva críticas ao esquema de Alan Touraine, ao fato de o autor ignorar a percepção da capacidade do indivíduo intervir no cotidiano em função do alcance dos seus interesses (SANDOVAL, 1994). É apontado que o conceito de consciência estaria relacionado ao engajamento do comportamento social em busca do autointeres- se de classe (SANDOVAL, 1994). Assim, Sandoval (1994) acrescen- ta uma nova dimensão, denominada de predisposição para interven- ção ou vontade de agir coletivamente, e propõe uma definição pró- pria do que seria consciência. Para Sandoval (1994), a consciência é uma relação psicossocial que está relacionada a significados que as pessoas atribuem com suas vivências do cotidiano. Para Sandoval e Silva (2016), a consciência não é um estado pragmático, ela tem sig- nificados individuais que estão relacionados ao ambiente social que é integrado pelo indivíduo, a consciência norteia o comportamento em relação em como o indivíduo avalia determinado conduta ou fato vivenciado (SANDOVAL; SILVA, 2016). A área da Psicologia Política irá atua de maneira interdiscipli- nar na construção de um MCCP dispondo de dimensões capazes de compreender a consciência política dos sujeitos predispostos ou não às ações coletivas e movimentos sociais (SANDOVAL; SILVA, 2016). Contrário ao modo fragmentado, estático, típico de frames dos estu- dos sociológicos (SANDOVAL; SILVA, 2016), para Sandoval e Silva (2016) o processo de construção da consciência, está envolto numa disputa simbólica, com significados ideológicas, culturais e os discur- sos se originam de um local intersubjetivo do universo cultural. San- doval e Silva (2016) abarcam-se numa preocupação não apenas a fatos específicos, no entanto a fatores psicopolíticos, e reconhecem que o interesse da PP está relacionado ao engajamento individual, autointeresse de classe e do grupo (SANDOVAL; SILVA, 2016). Para Sandoval e Silva (2016), contrário a análise de frames, que considera a separação dos aspectos sociológicos e psicológicos 16 ao avaliar um fenômeno social, eles consideram a consciência de modo psicossociológico, os saberes estão interligados e são plurais. A consciência é organizada em diferentes dimensões do MCCP não são hierárquicas, elas se relacionam entre si, e são capazes de pro- mover uma análise da realidade social. Os autores caminham por um enfoque integrado trazido pela análise psicossociológica, pelo aspec- to sociológico que dedicasse analisar as estruturas sociais; e psico- lógico que de ênfase às categorias particulares, como: gênero, idade e etnia, são entendidos juntos. Assim, a epistemologia do MCCP se apresenta na perspectiva do interacionismo simbólico, inserida pelo pragmatismo (SANTOS, 2021), pois busca-se compreender o fenô- meno construído por interações já vivenciadas, analisado pelo pes- quisador à posteriori, sendo o resultado destas ações nos mais diver- sos cenários, ser também a consequência das interações dos sujei- tos que vivenciaram este espaço. 2.2. Teorias Raciais no Brasil: breves reflexões O Brasil é estruturalmente racista (ALMEIDA, 2019) sua desi- gualdade social, exclusão e discriminação, são práticas coloniais que predispõem a categoria política juventudes a organizar-se a Partici- pação Política (PP) em revés espaços políticos, o racismo se estabe- lece também na política, o que faz a juventude negra (JN) encontrar- -se nos espaços não-institucionais (BEZERRA, 2021). Este encon- tro, se torna mais que um desejo, é uma constante, por serem aque- les que oportunizam a JN como sujeitos de direitos sociais, romper a consciência do senso comum, e questionar o contexto histórico das desigualdades raciais (NAKASONE; DOS SANTOS, 2021). A desigualdade é um tema que foi negado por algum tempo na área da Administração (TEIXEIRA; OLIVEIRA; CARRIERI, 2020). As discussões mais próximas titulada Diversidade, só irá aparecer na agenda dos Estudos Organizacionais em literatura internacional, a par- tir dos anos 1990, no contexto nacional, irão se adensar a partir dos anos 2000 (TEIXEIRA, J. C., et. al., 2021). A diversidade é uma agen- da emergente relacional a categorias como; educação, economia, gê- nero, saúde e política, entretanto, o próprio ideário da compreensão da raça foi influenciado pela leitura de obras de pesquisadores nacio- 17 nais como Sylvio Romero e Euclides da Cunha seguindo a tese de es- tudiosos evolucionistas europeus do embranquecimento (SEYFERTH, 1989). Este período composto por teorias raciais comprovou o objeti- vo, de embranquecer a população, que veio após o período da escra- vização marcante na história de Brasil abarcando sérios problemas. Conforme Seyferth (1989) o fim da escravidão, era considera- do necessário para transformar o Brasil numa nação civilizada ligado pela imigração e colonização europeia. Porém, a autora afirma que, tal desejo não considerava estabelecer ao negro a saída da condição social de escravopara cidadão livre, mas à substituição do negro e mestiço pelo imigrante branco, este sim, considerado o trabalhador livre por excelência (SEYFERTH, 1989). Ou seja, o olhar civilizató- rio ao novo modelo de nação, não era incluso para todos os grupos (SEYFERT, 1989). Conforme traz Romero o propósito de embran- quecer a população se apresentou por bastante tempo no cenário brasileiro, sendo mais tarde o resultado desta purificação étnica a ser atingido pela infusão de sangue europeu um novo problema, a partir do cruzamento das três raças, a miscigenação (SEYFERTH, 1989). A escravidão da população negra, que se apresentava antes como pro- blema, teve como resultado, a prevalência de estigmas que ainda es- tão presentes em nosso cotidiano (SCHUCMAN, 2014). Segundo Seyferth (1989) a cor da pele foi característica clas- sificatória dos estudos científicos, como as concepções mais popula- res sobre as raças humanas, a forma dos cabelos e dos olhos, a es- tatura, diversos índices cranianos e faciais, o peso e o volume do cé- rebro, entre outros traços fenótipos, também toaram como diferenças raciais realizadas desde o século XIX (SANTOS, 2014). Outra ideia, era realizado pela abordagem da raça em termos de cultura e sta- tus econômico (SANTOS, 2014). De qualquer modo, o conceito de raça e racismo nas relações cotidianas, são coisas distintas. Seyfer- th (1989) descreve, que embora o racismo tenha sido inventado no século XIX, no âmbito de uma ciência das raças, e produzido por an- tropólogos, psicólogos, sociólogos, ensaístas e filósofos, cujo dogma afirmava a superioridade absoluta da raça branca sobre todas as ou- tras, por outro lado, o racismo surge na década de 1930, para identi- ficar um tipo de doutrina que, em essência, afirma que a raça deter- mina a cultura (SEYFERTH, 1995). 18 Aqui, entendemos que a categorização do termo raça não se vincula somente a determinismos biológicos, ela se apresenta estru- turalmente como mecanismo relevante que opera determinando sím- bolos e diferenças sociais, colocando pessoas em lugares, em re- lação da estrutura de poder estabelecida na sociedade (SANTOS, 2014). De forma breve, refletir por este olhar, é cogitar o quanto estar localizado em determinadas posições sociais te oportuniza ter aces- sos materiais e simbólicos (SCHUCMAN, 2014), desse modo, tam- bém obter com facilidade distintos ingressos nos espaços de PP. A lógica da raça dada pelo conceito de raça social, produzido pela ci- ência moderna do século XIX e XX, irá classificar os diferentes gru- pos, operando ainda nos dias atuais associado pelas características da cor e fenótipos das pessoas (SCHUCMAN, 2014). Tais elementos ainda prevalecem no imaginário dos sujeitos, como forma de classi- ficação, quando se associam a características e fenótipos das pes- soas consideradas negras (SEYFERTH, 1989). Nesta direção o con- ceito de raça é limitado ao mundo social, é um conceito baseado na classificação social negativa frente a outros grupos, nomeando nes- ta realidade construída, elementos que denotam ser positivos ou não destes grupos (Guimarães 2009, apud SANTOS, 2014). No Brasil, em particular desenvolveu-se uma prática de clas- sificação racial que se apoia em características fenotípicas e socioe- conômicas da pessoa (SANTOS, 2014). É a partir destes marcadores que Hall (2008, apud SANTOS, 2014 p. 31) nos propõe o que nomeia de teoria da articulação. Assim, o autor propõe uma conexão ou vín- culo que não se dá necessariamente a todos os casos, como fato de vida ou lei, mais algo que requer condições particulares (SANTOS, 2014). No que diz respeito ao que é ser negro no Brasil, certas con- dições devem ser entendidas como emergentes, as distinções que o processo excludente do racismo estrutural persegue, mesmo quando o negro ascendendo socialmente. No Brasil as relações de conveni- ência com o racismo são móveis, “conviver com a discriminação ra- cial, mesmo quando alcança a mobilidade social ascendente [...] ao mesmo tempo em que se busca evitar a exposição de seu caráter ex- cludente, mantêm-se os papéis definidos socialmente, condicionan- tes pelo racismo” (SANTOS, 2014, p. 25). 19 2.3 Participação Política e o conceito de Ação Manifesto Socio- cultural O fenômeno da Participação Política (PP) emerge no campo da Ciência Política, tendo sua construção muito atrelada ao Estado ou in- fluência por ele (MILBRATH, 1965). Estudos apontam que, as primei- ras articulações teóricas irão conferir ao homem branco, cis, detentor de bens, como o maior interessado ao campo da PP (MILBRATH, 1965). Junto a isso, eles ofertaram pouco protagonismo aos atores da socieda- de civil, mas ao atentar ao estudo de Pizzorno (1966), ele denota desta- car a influência dos ativismos e movimentos sociais, que a partir de “am- biciosas construções teóricas” (BORBA, 2012, p. 267) define ser a PP multidimensional. No Brasil, o pensamento clássico brasileiro se coloca de forma análoga aos estudos europeus, a PP se destaca pelos anos 1970, muito atrelada a ideia de sua existência após a Constituição Fe- deral de 1988, o que irá influenciar referenciais dedicados, quase que exclusivamente, a compreender a efetividade das Instituições Participa- tivas (MARTINS, 2005; LAVALLE, 2011; CAMPOS, 2011; AVRITZER, 2011). Neste estudo, destaca-se reconhecer outros aspectos, a exem- plo, quanto a influência de forma organizada de atores e grupos invisibi- lizados ao longo da história da PP no Brasil, a citar: a população negra. As pesquisas sobre PP da juventude exibem revés comporta- mentos, a demandas que se originam por reivindicações universais (ARAÚJO, 2016); e quando associadas a estudar a juventude negra (JN), destacam-se outros fatos sociais, como: extermínio, violência, desemprego e vulnerabilidade social (OLIVEIRA, 2016; CABRAL- DOS SANTOS; HAJIME YAMAMOTO, 2018; NAKASONE; DOS SANTOS, 2021). Portanto, ainda que na mesma condição juvenil, apura-se situações juvenis capazes de agenciar no âmbito da vida social, distintas experiências no mesmo grupamento social (ABRA- MO, 2005), que influenciará também o percurso da vida política. Em razão disso, é forçoso dizer que, os espaços institucionais não os re- cebem, e ao mesmo tempo, não corresponderam de maneira satis- fatória aos anseios da JN (BEZERRA, 2021). Com isso, parece-nos que há diferentes formas de PP, cujo o motivo se estruturam pelo ra- cismo estrutural (ALMEIRA, 2019) e discutir alternativas para eluci- dar seu funcionamento é relevante. 20 Hoje as discussões acerca das formas de participação se dire- cionam como categoria analítica da agenda de estudos à democrati- zação da Administração Pública, os mecanismos participativos cres- ceram com a democratização dos órgão públicos, alguns seminais apontam experiências sobre a efetividade e desafios das instituições participativas (ALMEIDA, D. C. R. DE, 2017) entretanto outras formas de participação vem indicando avanços no campo político da cidada- nia para além daqueles referentes às demandas no campo institucio- nal, destacam-se os movimentos sociais e ativismos sociais (WAR- REN, 2014). No artigo titulado “Dos movimentos sociais às manifestações de rua: o ativismo brasileiro no século XXI”, a autora Warren (2014) define um quadro analítico conceitual que nos permite distinguir di- versas modalidades de organização do ativismo civil na sociedade contemporânea apresentando uma tipologia de formas de participa- ção. A tipologia IV, o conceito de Ação manifesto sociocultural, é de- finido pela autora por “aquelas ações que apresentam expressão co- letiva em espaços públicos para a afirmação de direitos sociocultu- rais de populações que se sentem excluídas, discriminadas ou sem reconhecimento de suas singularidades” (WARREN, 2014, p. 15), es- tas manifestações socioculturais provocam visibilidade política atra- vés do reconhecimento das vivencias dos excluídos socialmente. A autora sinaliza que preditor a estas experiências, a importância desta ação é tida pelosentimento de busca do direito a participação, reco- nhecimento enquanto cidadãos na sociedade, desse modo, se orga- nizam coletivamente em espaços culturais que consideram singula- ridades e que reconhecem as diferenças, citando como exemplo, os “rolezinhos, marcha das vadias, etc.” (WARREN, 2014, p. 15). A compreensão da influência do Racismo estrutural (ALMEI- DA, 2019) para as JN está atrelado ao construto do fenômeno, que em diferentes formatos as excluem dos espaços institucionais de par- ticipação política, o conceito Ação manifesto sociocultural, cunhado por Warren (2014) apresenta pistas conceituais para explicar a inser- ção da JN nestas ações, é importante refletir que este conceito abar- ca aspectos que podem refletir as relações de trajetória, inserção e motivos da PP, incluindo a ausência do Estado em proporcionar me- canismos seguros aos jovens discriminados. 21 3. Discussão 3.1 Bekoo das pretas: Uma Ação manifesto sociocultural em ter- ras capixabas O evento Bekoo das Pretas que, sob a Organização de Eco- nomia Mista Criativa Afrocentrada do Instituto das Pretas (IDP), jun- to às ações para o enfrentamento ao racismo e combate a todas as opressões e violências, caracteriza-se como espaços de participação política da juventude negra (JN) capixaba (BEZERRA, 2021). Carnei- ro (2017) descreve o evento como uma festa organizada pelo coletivo e possui objetivo de integrar sujeitos num espaço fortalecendo a cul- tura urbana e negra. E Ferraz (2019) propõe o evento como uma fes- ta notória pensada e criada por mulheres negras tendo realizado des- file e blocos de carnaval na capital. Em registro jornalístico local, des- taco a reportagem definindo o evento, como uma manifestação com- posta e liderada por ativistas negras feministas, sendo criada e pen- sada para pessoas negras (GAZETA, 2017). O Bekoo das Pretas, em sua origem teve seu primeiro evento de forma gratuita, ocorrendo no beco das pulgas, no centro de Vitó- ria, capital do Espírito Santo, é uma manifestação composta por ati- vistas feministas negras, sendo criada por mulheres negras e pen- sada para pessoas negras (BEZERRA, 2021). Para a presidente do IDP, que organiza o Bekoo, Priscila Gama, o evento começou pela vontade de curtir uma festa de hip-hop que tivesse um olhar femini- no por trás, além disso, queria também se sentir respeitada. O even- to inicialmente realizado de forma colaborativa, sendo pensado e pro- tagonizada por mulheres negras do IDP. Assim, sem ter a alternativa na capital Vitória, a presidente junto a outras membras da organiza- ção iniciou o Bekoo das Pretas. Ao longo do evento, o som ecoa al- gumas vezes do microfone, com falas envolvendo a valorização do corpo negro, feminismo e empoderamento da mulher negra. Quan- to a isso, a presidente do IDP é categórica: O microfone (MIC) é em- pregado como manifesto, as nossas caras e corpos pretos é resistên- cia é protesto, mulheres negras no comando é protesto (BEZERRA, 2021). Um evento deste tamanho, na periferia da cidade, com pre- ços populares do ingresso à cerveja, é protesto, é resistência. É uma 22 forma de gritar que existimos, resistimos e também lutamos (BEZER- RA, 2021). Todas estas descrições são simbólicas para a JN, elas se as- semelham ao conceito de Warren (2014) pois se estabelece no en- contro expressado em espaços públicos que almejam afirmar como tão são significativas a existência de suas vivências, as percepções do lugar para a JN contribuem para que rompam o pensamento su- perficial trazido pelo senso comum ao analisar as situações do seu cotidiano conforme aponta Sandoval e Silva (2016). O evento tam- bém se consolida por constituir laços identitários solidários, capaz de representar não só as vozes advinda pelo discurso da fragilidade, ele oferece elementos de construção e valorização da identidade sociali- zando informações para a JN identificar-se enquanto uma pessoa ne- gra cidadã detentores de direitos sociais. Conforme aponta Sandoval e Silva (2016), a JN rompe o pensamento superficial trazido pela es- pontaneidade, ao analisar as situações do seu cotidiano implicando na possibilidade de ruptura das desigualdades. E não só, também in- fluenciado pelo encontro com diferentes identidades políticas negras e integrantes dos movimentos negros capixaba (BEZERRA, 2021). Consideração Finais O advento das formas de Participação Política (PP) se con- solidaram no Brasil após o processo de redemocratização atraves- sado pelo fenômeno do Racismo Estrutural, e demarcou profundas diferenças. Neste arrolamento, a recente categoria política intitulada juventudes terão revés comportamentos de acesso a mecanismos de acesso a PP, dentro deles a juventude negra irá utilizar os meca- nismos não institucionais de PP, com relação aos eventos culturais. Em razão disso, diferentes áreas irão se concentrar discussões teó- ricas sobre a PP, a Psicologia Política irá observar o processo de for- ma psicossocial, abarcando numa preocupação não apenas a fra- mes, o processo de construção da consciência dos sujeitos envoltos a PP apresenta significados psicológicos ou sociológicos, o processo de conscientização política se originam de um local intersubjetivo do universo cultural, as relações singularizam do cotidiano e as manei- ras do contato com o mundo, atribuem a importância a esta realida- 23 de, seja das instituições ou interações sociais pelos ativismo e movi- mentos sociais, como a tipologia Ação Manifesto Sociocultural. Esta análise permitiu inferir no evento Bekoo das Pretas que, a juventude negra (JN) tem auto-gestão, interesse em assuntos polí- ticos, com interações que ilustre a pertença e inclusão de diferentes grupos. Como achado, ressaltamos a importância da tipologia para os Estudos Organizacionais, pois ela apresenta abertura conceitual a pesquisas do campo que desejam analisar fenômenos estruturais, além de contribuir explicações para questionamentos sociais que ain- da se tem sobre importância para JN da conquista de espaços po- líticos, que sugerem modificações no âmbito da realidade. Espera- mos que está analise possa produzir reflexões sobre a importante (re) existência dos espaços não institucionais, pois eles são significa- tivos, ao contribuir para que a JN rompa o pensamento superficial tra- zido pela espontaneidade, ao analisar as situações do seu cotidiano, e concebem estes lugares como oportunidades de mudanças que im- plicam na possibilidade de ruptura das desigualdades, e ao acesso ao direito as discussões políticas. Referências Bibliográficas ABRAMO, H. W. BRANCO, Paulo. Condição juvenil no Brasil con- temporâneo. In: Abramo, H.; Branco, P.P.M. Retratos da juventude brasileira: análises de uma pesquisa nacional. São Paulo: Institu- to Cidadania; Fundação Perseu Abramo, 2005. ALMEIDA, S. L. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pó- len, 2019. ALMEIDA, D. C. R. DE. Os desafios da efetividade e o estatuto jurídi- co da participação: a Política Nacional de Participação Social. Revis- ta Sociedade e Estado, v.32, n. 3, setembro/dezembro, 2017. 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A produção deste trabalho contou com as produções de Guiller- mo O’Donnel, Paulo Sérgio Pinheiro e outros autores correlatos, entre- vistas, matérias jornalísticas e pesquisas sobre o tema. Palavras-chave:Violências; Bolsonaro; Autoritarismo socialmente implantado; Classes populares; Regimes democráticos. ABSTRACT This article aims to expose endemic violence and “socially rooted au- thoritarianism” in government transitions, highlighting the achieve- ments of the Bolsonaro’s government and all the legitimations that its leadership made possible, increasingly concealing violence that is “illegal” in democratic regimes and that was “legalized” in authoritar- mailto:bittencourt1-amanda%40hotmail.com?subject= 29 ian regimes, and whatever regime is implemented, the pour popula- tion live in a continuous parallel state of exception. The production of this articule includes works of Guillermo O’Donnel, Paulo Sérgio Pin- heiro and other related authors, interviews, journalistic articles and re- search on the subject. Keywords: violence; socially rooted authoritarianism; Bolsonaro; democratic regimes. INTRODUÇÃO O Bolsonarismo reserva para os tempos hodiernos uma caixa de surpresas não tão surpreendentes assim. O último ato foi o ata- que golpista em Brasília dos apoiadores do ex-presidente Jair Mes- sias Bolsonaro, no dia 08 de janeiro de 2023, onde estes invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, e já era previsto. O evento lamentável e violento não foi o primeiro durante o governo Bolsona- ro, e diante do teor que ocorreu, não parece ser o último, visto que a liderança de Bolsonaro é presente, porém não explícita e o movimen- to possui condições de concretizar insurreição, podendo se radicali- zar ainda mais.1 A força policial presente no local, a Polícia Militar do Distrito Federal, órgão integrante da Segurança Pública do Estado, que é direito e responsabilidade de todos, exercida para a preserva- ção da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimô- nio2, diante do evento, agiu com completa leniência e omissão. Além da forte influência da extrema direita e de ações do ex-presidente Jair Bolsonaro dentro das tropas, a insubordinação dessas forças diante ao poder civil eleito é um dos grandes desafios a serem enfrentados pelo atual governo.3 Importante ressaltar que, dias antes dos ataques golpistas, no dia 05 de janeiro de 2023, no Rio de Janeiro, Dierson Gomes da Silva, de 50 anos, morreu no quintal de casa após ter sido atingido por disparos durante uma operação da Polícia Militar (PM) na Cida- de de Deus, zona oeste do Rio, onde a vítima segurava um pedaço de madeira que foi confundido com um fuzil. No dia da morte, a PM 1 “Ataque golpista é sinal de força e fraqueza” – 11/01/2023 – Ilustríssima – Folha. 2 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 2022. art. 144, inciso V. 3 Entrevista de Daniel Hirata concedida à Gil Luiz Mendes. Revista Ponte. 30 disse que o pedaço de madeira “aparentava ser um fuzil, pendura- do em uma bandalheira” e que o caso será investigado internamen- te4. No dia 08/01/2023, durante o ato, foi possível presenciar um gru- po de golpistas cercando um policial militar montado em um cava- lo, eles seguravam pedaços de madeira ou de material semelhante, derrubando e agredindo o policial e o cavalo. Nenhum tiro foi dispa- rado na ocasião. As pessoas ali presentes defendem a intervenção militar e o rompimento da sociedade política do país. Não existe o aparato repressivo direcionado da mesma maneira que encontra, por exemplo, em favelas e periferias. A balança entre o que é tolerado e o que é reprimido, de como é to- lerado e como é reprimido, é uma coisa que tem que ser repensada no Brasil para que os Direitos Humanos sejam respeitados e, ao mesmo tempo, a democracia brasileira esteja garantida e protegida.5 Embora Bolsonaro esteja omisso e não está explicitamente apoiando os atos antidemocráticos, ele disputa certa influência e he- gemonia sobre as Forças Armadas e as forças policiais. Quando o bolsonarismo predomina nesse tipo de insti- tuição, o que nós temos é a produção do caos, que favo- rece o bolsonarismo. A estratégia é bastante clara nesse momento, desses grupos, de produzir o caos. Isso, inclu- sive, é encontrado de forma clara nos grupos bolsonaris- tas. E a maneira mais direta de produzir o caos é através da cooptação das Forças Armadas, das forças policiais. Isso que o Bolsonaro tentou fazer no caso da interven- ção na Polícia Federal, no Rio de Janeiro, na nomeação de pessoas para a Polícia Rodoviária Federal, a distri- buição de cargos, para membros da ativa da reserva do Exército. Esse tipo de atuação do bolsonarismo é o que constrói a possibilidade do caos que nós vimos em Brasí- lia e que potencialmente pode acontecer em outros luga- res também, onde isso for forte, hegemônico e influente.6 4 “Catador é morto por PM na Cidade de Deus; policial diz que confundiu pedaço de madeira com fuzil”. Jornal G1, 05/01/2023. 5 Op. cit., entrevista à Revista Ponte. 6 Idem. 31 Desde a sua posse como presidente, em 1º de janeiro de 2019, Jair Messias Bolsonaro lançou seu programa para aniquilar a Constituição de 1988, que trouxe de volta a democracia depois de mais de vinte anos de ditadura militar. O ex-capitão das Forças Arma- das sempre deixou claro seu desprezo pelo Estado de Direito, e des- de o início, já era previsto que ele tentaria uma guinada do populis- mo de extrema direita para o autoritarismo, deixando de lado os am- paros do Legislativo e do Judiciário.7 I – Violência endêmica e impunidade policial Após a Constituição de 1988, é necessário citar que a recon- quista da democracia representativa constitui uma barreira importan- te ao Poder do Estado, abrindo possibilidades para as lutas e as re- sistências populares possam se materializar, aumentando suas con- dições de defesa. No entanto, todas as pessoas podem usufruir for- mal e materialmente da referida reconquista da democracia? As clas- ses torturáveis, isto é, as classes populares (negros, pobres, mise- ráveis) e vistos como inimigos/indesejáveis dentro do sistema capi- talista, vivem em um contínuo regime de exceção paralelo, seja em regimes autoritários ou constitucionais. Os aparelhos repressivos no Brasil estão tomados pelo arbítrio, do terror e dos abusos das rela- ções de poder. Os governos de transição tratam os aparelhos poli- ciais como se fossem aparelhos neutros capazes de servir à demo- cracia e subestimam o legado autoritário em suas práticas.8 A política de segurança pública, nas suas linhas mais ge- rais e na maior parte dos estados durante os dois gover- nos da transição política, continua sendo a mesma vio- lência explícita e ilegal da ditadura. O combate contra o crime comum segue as linhas convencionais e anteriores à ditadura, enriquecidas pelas ilegalidades agregadas durante a militarização do policiamento ostensivo, aliás consagrado pela Constituição de 1988.9 7 PEREIRA, Jaime Marques; VANDENBERGHE, Fréderic. “O Brasil de Bolsonaro ou a estra- tégia do caos: Ninguém imaginou que Bolsonaro faria do Brasil uma vala comum para a Co- vid-19?”. Open Democracy, 06/05/2021. 8 PINHEIRO, Paulo Sérgio. Autoritarismo e transição. Revista usp, p. 46. 9 Idem, p. 46. 32 Para Paulo Sérgio Pinheiro, em muitos casos, como o Brasil, as transições políticas foram incapazes de assegurar uma das pe- dras de toque da democracia, qual seja, o controle institucional da violência ilegal praticada pelas autoridades públicas. Nos anos 1980, no final das ditaduras, ocorre o desafio aos novos regimes políticos de lidar com o monopólio da violência dentroda legalidade, e de fato, foi desafiador e ainda continua sendo porque os referidos governos não lograram em garantir o controle da violência, que é um dos requi- sitos da sociedade democrática.10 Em sociedades desiguais, as práticas legais e ilegais obede- cem a uma mecânica do que é mais eficiente e lucrativo, seja legal ou ilegal, e assim se constroem as políticas públicas. Dessa forma, a própria política pública “cria” a violência. Como por exemplo, o Rio de Janeiro, é uma cidade que vive uma sequência de chacinas (ope- rações policiais com três ou mais mortes) promovidas pelas polícias nos últimos anos. A chacina que ocorreu no Complexo da Penha, no dia 24 de maio de 2022, na zona norte da capital fluminense, teve um total de 25 mortos, sendo a terceira operação mais letal realizada pe- las forças de segurança no Estado. Carolina Grillo comenta que é as- sustador que esse tipo de ação sangrenta ocorra em pleno período democrático, e que além das mortes, as operações policiais são fa- lhas pois afetam a vida de toda uma comunidade. As alegações do governo são que a ação policial era para o combate ao tráfico de dro- gas, porém, essa operação especificamente foi para o cumprimen- to de mandados de prisão e judiciais que estavam indo ser executa- dos e estavam procurando criminosos. Supostas lideranças do Co- mando Vermelho estariam escondidas no local. E de fato, nas favelas da Penha, existe contenção armada oferecida pelo tráfico de drogas, uma resistência muito maior oferecida e por isso, passa a ser um lo- cal onde lideranças do Comando Vermelho há muitos anos moram. Quando perguntada sobre como essas operações prejudicam a vida dos moradores da comunidade, a antropóloga afirma que: Existem outras formas de sufocar a ação de uma organi- zação criminosa sem produzir custos tão altos para a po- pulação. Quatro escolas deixaram de funcionar hoje. To- dos os moradores da região foram impedidos de ir ao tra- 10 Idem, p. 47. 33 balho. E aí você fica imaginando que são regiões que já são pobres e acabam sendo ainda pauperizadas por con- ta das operações policiais.11 As relações de poder na sociedade brasileira se caracte- rizam pela ilegalidade e pelo arbítrio ao qual a maioria da população deve submeter-se, as práticas autoritárias não são afetadas pelas mudanças institucionais, nem pelas eleições livres e competitivas. O legado das transições políticas em muitos países, como o Brasil, é a persistên- cia de um nível extremamente alto de violência ilegal e de conflito violento, sem intervenção do sistema judiciá- rio na sociedade. A pretensão mais alentada, que esta- mos desenvolvendo numa pesquisa, é elaborar o concei- to de “autoritarismo socialmente implantado” e aplicá-lo numa linha provocada com grande claridade por Guiller- mo O’Donnell; autoritarismo que não termina com o co- lapso das ditaduras, mas que sobrevive às transições e sob os novos governos civis eleitos, porque independe da periodização política e das constituições.12 O autor Paulo Sérgio Pinheiro intitula “autoritarismo social- mente implantado” um fenômeno que já está tão enraizado no Bra- sil, onde as violências explícitas e “legalizadas” presentes em gover- nos autoritários são dissimuladas em constituições de regimes de- mocráticos. Essa dissimulação é o que mantém as violências e de- sigualdades, seja em microdespotismos do dia a dia ou na corrup- ção larga e clássica. A democracia só será efetiva quando a referi- da dissimulação desaparecer, e junto com ela, as desigualdades so- ciais (o que é impossível em um sistema capitalista) a que estão sub- metidas historicamente as classes populares.13 Nos conceitos desen- volvidos por Franz Fanon, zona do ser e zona do não ser, onde os conflitos na zona do ser são administrados através da paz perpétua, com momentos excepcionais de guerra e na zona do não ser temos uma guerra perpétua, com momentos excepcionais de paz14. Pode- -se dizer que as classes populares se encontram na zona do não ser, e as elites detentoras dos meios de produção permanecem na zona do ser, e enquanto sistema capitalista, a dinâmica das referidas desi- gualdades e violências prevalecerá eternamente, porque, alicerçado 11 Entrevista de Carolina Grillo cedida ao Observatório para a defensa dos direitos e liberdades. 12 PINHEIRO, op. cit., p. 48. 13 Idem, p. 48. 14 PIRES, Thula Rafaela de Oliveira. Direitos Humanos traduzidos em Pretuguês, p. 9 34 com as violências da colonização, esse sistema só consegue flores- cer sob a desigualdade e nas relações de poder. Nas zonas do não ser, a violência é mais presente e perfor- mática porque a demanda é sempre de guerra e sobrevivência, des- sa forma, a violência urbana é um elemento de carência social. Tal- vez seja simplório considerar apenas a circunstância da relação me- cânica e direta entre pobreza e crime violento, no entanto, é decisi- vo considerar como os fatores da desigualdade afetam o problema de crime no Brasil e na América Latina.15 Dessa forma, em um esta- do constante de guerra, o conceito de “paz” para essas populações é subjetivo. Por exemplo, no trecho da música “A cara do crime (nós incomoda)”, do Mc Poze do Rodo e Mc Cabelinho, dois cantores de funk e moradores das comunidades: Favela do Rodo, em Santa Cruz e Pavão-pavãozinho e Cantagalo, na Zona Sul, respectivamente e ambas no Rio de Janeiro: Que patricinha doida, quer entrar no carro bicho/Ago- ra vamo dar um giro/Leva ela nos alto pra ela ver o Rio todinho/Pega a visão como o Complexo tá lindo/Como o Complexo tá lindo/Tá na paz de Deus/Que permane- ça essa tranquilidade na comunidade, uh/Peço a lili’ dos amigo que estão privado, lili’/Saudade bate no meu pei- to dos cria que não estão mais aqui, aqui/(...)/Delegado não entende a filha dele do meu lado/Escondendo no su- tiã MD e baseado/Nóis para tudo, se pergunta quem é o pretin’/Eles não entendem de onde vem tanto dindin’/ Querem saber se é artista ou se é vagabundo/Não vou di- zer/Pesquisa meu nome no Google/Perfumado e trajado. Um artista pode se expressar de diversas formas com a sua arte, no caso do Poze do Rodo e do Cabelinho, eles dividem suas vivências na música, e suas vivências estão na zona do não ser, e “estar na paz de Deus e que a tranquilidade permaneça na comunidade”, significa es- tar em um momento excepcional de paz em um lugar de guerra perpé- tua, uma espécie de paz hierárquica. A identidade e o território são im- portantes nessa discussão, porque a identidade nunca é fixa, unitária e acabada, mas sempre um processo de tornar-se identidade.16 15 PINHEIRO, Paulo Sérgio. Violência, crime e sistemas policiais em países de novas democra- cias. p. 46. 16 DAMICO, J. G.; MAYER, D. E. Constituição de Masculinidades Juvenis em “contextos difí- ceis”: vivências de jovens nas periferias da França, p. 159 35 As referências identitárias expressam assimetrias e de- sigualdades sociais, disputam visões através de lingua- gens próprias, algumas dominantes, outras consideradas subculturas, por serem caracterizadas como marginais, periféricas, populares e faveladas. A recusa da cultura hegemônica por parte dos integrantes das assim chama- das “subculturas” se manifesta por meio de gestos, po- ses, movimentos, vestidos, palavras e expressões.17 As classes populares, estas que produzem a referida “subcul- tura” aos olhos da elite, também são vistas como classes perigosas, e a percepção das elites de que os pobres são perigosos é reforça- da pelo judiciário que acusa e pune apenas os crimes praticados pe- los indivíduos das classes mais baixas enquanto os crimes pratica- dos pelas elites ficam sem punição.18 Como por exemplo, em rela- ção aos integrantes do mercado ilegal de drogas, a sociabilidade das pessoas que compõem esse mercado e as demais é plural. Em mui- tos casos, a captura para esse mercado ocorre de forma gradual, em virtude de outras conexões estabelecidas de forma anterior ou simul- tânea.19 Dificilmente essas circunstâncias são levadas em considera-ção (de forma benéfica ao réu pertencente à minorias) na análise pro- cessual do crime, principalmente no crime de tráfico de drogas, onde a lei 11.343/2006 (Lei de Drogas) é subjetiva na diferenciação do tra- ficante de drogas e do usuário de drogas, dando azo para as mais di- versas corrupções policiais no momento de um flagrante, já que a pe- nas do usuário20 são: advertência sobre os efeitos da droga; presta- ção de serviços à comunidade; medida educativa de comparecimen- to a programa ou curso educativo; Enquanto as penas para o tráfico de drogas21 são de prisão, variando de 5 a 30 anos. Guillermo O’Donnel, ao comparar as hierarquizações sociais em microcenas nas cidades do Rio de Janeiro e Buenos Aires, ao dar exemplo do trânsito, “no Rio, o policial está quase ausente, e as poucas vezes que se faz presente (partindo da base que quem di- rige carro costuma estar na outra ponta de hierarquia social que o policial), tudo se ajeita – e a bagunça do trânsito continua imper- 17 GARCIA, Joana; GIL, Karine. Jovens em perigo ou perigosos? Sobre identidades construí- das e forjadas Jovens em perigo ou perigosos? Sobre identidades construídas e forjadas. 18 PINHEIRO. op. cit, p. 47. 19 GARCIA; GIL. Op. cit., p. 30. 20 BRASIL, Lei 11.343 de 23 de agosto de 2006, art. 28. 21 Idem, art. 33 e seguintes. 36 turbável.”22 Aqui, ele fala dentro da zona do ser, onde tudo se ajeita, na legalidade ou ilegalidade, as forças policiais não entram em guer- ra com a facilidade que entram na zona do não ser. O resultado das democracias latino-americanas não con- seguirem controlar a polícia faz com que persistam as práticas abusivas contra suspeitos e prisioneiros. A polí- cia de muitos países tem sido criticada pelo uso injusti- ficado da força física. Por exemplo, no Chile, as Nações Unidas criticaram a polícia por sua política de “primeiro atirar e depois perguntar”. No Brasil e em outros países, pratica-se a tortura que raramente é investigada e quando o é, os responsáveis nunca são punidos. Em todo o Brasil a polícia militar con- tinua a executar sumariamente os suspeitos e os crimino- sos. Em São Paulo 18 pessoas são mortas pela polícia por mês e no Rio a média é de 24. Muitas dessas vítimas vivem nas periferias pobres e as vítimas são dos grupos mais vulneráveis: os pobres, os negros e os sem-teto. Do ponto de vista da polícia militar, essas mortes são parte de uma estratégia de confronto com os criminosos. Os policiais vêem o império da lei como um obstáculo e não como uma garantia de controle social. O seu papel é o de proteger a sociedade de qualquer “elemento marginal” usando qualquer meio. Esses assassinatos são apoiados pelas elites e pelos pobres que em sua grande maioria são as principais vítimas. Nos 26 estados brasileiros, os crimes oficiais são julgados por cortes militares. Forma- das por oficiais militares e baseadas em investigações criminais de péssima qualidade, essas cortes em geral sancionam a impunidade de atos como assassinatos co- metidos pela polícia e outros crimes violentos.23 O que legitima os atos violentos e ilegais nas forças policiais é a certeza da impunidade. “O desastre da não aplicação da lei afeta a igualdade dos cidadãos perante a lei e cria dificuldades para o gover- no reforçar a sua legitimidade. Só fomenta o círculo de violência san- cionada oficialmente.”24 22 O’DONNELL, Guillermo. Contrapontos: autoritarismo e democratização, p. 125. 23 PINHEIRO, op. cit, p. 50. 24 Idem. 37 CONCLUSÃO No dia 13 de julho de 2022, o ex-presidente Jair Messias Bolso- naro, contrariando a Constituição Federal de 1988, em um discurso públi- co na cidade de Imperatriz (MA), declarou que: “as leis existem, ao meu entender, para proteger as maiorias, as minorias têm que se adequar.”25 O autor Guilherme Tommaselli, na sua pesquisa sobre a necropolítica presente nos dois primeiros anos do Governo Bolsonaro, explica que: A necropolítica, no Brasil de 2020 vai além da violência policial, que mata diariamente a população negra, pobre e indígena, ou seja, ela é igualmente a negação da exis- tência oficial desses sujeitos como cidadãos de direito e dignidade. O apagamento não é apenas físico, com a morte do corpo. A necropolítica se manifesta, também, no menor acesso à educação, ao lazer, à literatura, à felici- dade, à dignidade salarial, à vida plena, ao direito de ir e vir, à vida livre de medo. Todos esses elementos atingem, de forma evidente, a comunidade negra, indígenas, po- bres, mulheres, LGBTQI+, no Brasil. Assim, o olhar racializado, a partir do preto, da África, conforme nos ensina Mbembe (2016; 2018), conjugado ao conceito de Necropolítica é fundamental para analisar a conjuntura do Brasil, em 2020. O Brasil é um país estru- turalmente racista e de passado escravocrata, o qual não superou as mazelas da herança colonial, sendo, pois, uma sociedade racializada e organizada sob a perspec- tiva racista. Nesse caso, se fôssemos observar factual- mente os dados econômicos e sociais de nosso país, não restaria dúvida de que, ao menos ao Estado brasileiro, o que importa são vidas brancas. É importante dizer que esta análise de conjuntura não se restringe aos quase dois anos do governo de Jair Mes- sias Bolsonaro (2019-2020), mas procurei demonstrar como a política de governo implementada nestes dois anos vai na contramão das políticas estabelecidas no pe- ríodo da nova democracia brasileira, que se iniciou com a constituição de 1988. Ou seja, é importante não igno- rar o fato de que o tema é antigo e não é exclusivo des- te governo.26 25 “Bolsonaro contraria Constituição e diz que ‘minorias tem que se adequar’”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dzMtKvNUo9A; 26 TOMMASELLI, Guilherme Costa Garcia. NECROPOLÍTICA, RACISMO E GOVERNO BOL- SONARO. Caderno Prudentino de Geografia, p. 197. https://www.youtube.com/watch?v=dzMtKvNUo9A 38 Como já dito, o governo Bolsonaro legitimou violências contra minorias, mas esse tema não é novo e muito menos oriundo exclusiva- mente desse governo. “Pode-se dizer que, de 1500 até 2022, as políti- cas oficiais do Estado brasileiro caminharam majoritariamente, para o fortalecimento da racialização experimentada na colonização, com pe- quenas exceções, especialmente no período pós 1988”27, onde o au- toritarismo socialmente implantado estava funcionando intensamente. A vitória de Jair nas eleições de 2018, após um período de confusão política (2013-2016) que culminou no impe- achment de Dilma Rousseff em 2016, mostrou a nossa fragilidade democrática e além disso, trouxe com clarida- de o desejo da branquitude brasileira, contido por alguns anos, em manter os privilégios sociais conquistados atra- vés da estrutura racista que fundou o Brasil.28 Bolsonaro, muito antes de sua candidatura à Presidência, já possuía visibilidade em programas de TV de comédia ou sensaciona- listas, como o Superpop, na RedeTV! e o CQC, na Band, onde ele já destilava todo o seu discurso de desprezo a minorias, com falas pre- conceituosas e racistas, além dos discursos na Câmara dos Deputa- dos quando ainda exercia o cargo. A política de Bolsonaro não deve- ria ser surpresa, ao chegar no poder, ele continuou sendo legitimado e ovacionado pela maior parte da população branca, que o fez Presi- dente da República pelas vias democráticas. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi eleito Presidente da Repúbli- ca pela 3ª vez, pelas vias democráticas, numa vitória apertada contra o agora ex-presidente Jair Messias Bolsonaro (PL), e terá muitos de- safios pela frente. Nas palavras de Lilian Schwarcz29: Muito já se escreveu sobre o “day after”, o dia seguinte. Na história, muito dos decretos mais importantes são fei- tos no calor da hora. É nesse momento que as/os esta- distas mostram para o que vieram. Qual vai ser a voca- ção do governo. Não me parece acidental que dentre os despachos, re- gistros e medidas provisórias assinados por Lula no dia 1º de janeiro constar o decreto que suspende o registrode novas armas para o grupo de caçadores, atiradores e 27 Idem, p. 197. 28 Idem, p. 197. 29 SCHWARCZ, Lilian. Sobre a lógica “dos começos”. 39 colecionadores e a restrição para os clubes de tiro. Tam- bém não é coincidência a busca e a apreensão de armas pertencentes à deputada Carla Zambelli, que um dia an- tes do segundo turno, quando não era mais permitido o uso de armas para amadores, foi flagrada perseguindo um homem negro no bairro do Jardins em São Paulo, por ter se sentido desrespeitada. Pois é isso que dá ter uma arma por perto. Quem não tem recorre à polícia, proces- so, denuncia, mas não tenta matar. O governo Bolsonaro estimulou o uso de armas pela po- pulação civil como se elas aumentassem a segurança. A sensação de insegurança e de violência no Brasil é real. Mas não se resolve nada na violência. É preciso investir na infraestrutura, na educação, na saúde, no fim da fome, no combate à desigualdade de uma forma geral. Esses são os únicos gatilhos que merecemos. Armas nas mãos de civis significam arrependimento certo, significam jus- tiça por conta própria, o que não combinam com demo- cracia. Sempre acreditei na lógica simbólica dos “começos”. Estamos começando. A posse de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência da Re- pública realmente representou um recomeço. Todo recomeço exige uma despedida, e no caso, foi a despedida de tudo o que o governo Bolsonaro representou: uma sociedade armada, militarizada e hierár- quica, na qual homens brancos, heterossexuais e cristãos estão no comando e todos os outros se submetem a eles. Na qual a nature- za e a vida das pessoas são destruídas em favor da economia, inte- resses individuais contam mais do que o bem coletivo e a cultura, ci- ência e a educação são encaradas como supérfluas30. Por essas ra- zões, a atual governo terá enormes desafios. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS “Ataque golpista é sinal de força e fraqueza” – 11/01/2023 – Ilustrís- sima – Folha. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissi- ma/2023/01/ataque-golpista-em-brasilia-e-sinal-de-forca-e-fraqueza- -do-bolsonarismo.shtml. Acesso em: 13/01/2023. 30 LICHTERBECK, Philipp. “Posse de Lula: belo recomeço, dificuldades enormes”. Jornal DW, 04/01/2023. https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2023/01/ataque-golpista-em-brasilia-e-sinal-de-forca-e-fraqueza-do-bolsonarismo.shtml https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2023/01/ataque-golpista-em-brasilia-e-sinal-de-forca-e-fraqueza-do-bolsonarismo.shtml https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2023/01/ataque-golpista-em-brasilia-e-sinal-de-forca-e-fraqueza-do-bolsonarismo.shtml 40 “Bolsonaro contraria Constituição e diz que ‘minorias tem que se ade- quar’”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dzMtKv- NUo9A; acesso em: 19/01/2023. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 2022. ________. Lei 11.343 de 23 de agosto de 2006. 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