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As mesmas ideias anteriores se repetem, com alguma variação, em "Poema-orelha", que serviu de orelha para o livro Poemas, de 1959. Orelha "por onde o poeta escuta / se dele falam mal / ou se o amam". Uma orelha mais de fala do que de escuta, segundo o poeta, que já havia publicado "oito livros velhos / e mais um livro novo / de um poeta inda mais velho / que a vida que viveu". O poeta transforma "notícias humanas, / simples estar-no-mundo / e brincos de palavras" em "vítreos alçapões", compartimentos cheios de poesia que podem ser vislumbrados pelo leitor atento. Foi tudo vivido? Foi tudo inventado? Mentira e verdade se misturam? Nada disso importa; só a verdade da poesia é que conta: A orelha pouco explica de cuidados terrenos; e a poesia mais rica é um sinal de menos. "Oficina irritada" (Claro enigma,1951) contém uma proposta destruidora, corrosiva: a poesia vai fugir da própria poesia, e o poema que vai veiculá-la é um soneto, forma consagrada por séculos como canto de amor. Só que agora o canto é de desprazer, de antipatia, de impureza, diferente de tudo o que a poesia já propôs até então. Essa parte se fecha com "Conclusão", que retoma a discussão sobre a essência da poesia. Ela não é amor, não é memória, não é outono. Que é poesia, o belo? Não é poesia, e o que não é poesia não tem fala. Nem o mistério em si nem velhos nomes poesia são: coxa, fúria, cabala. Onde há poesia então? Ela deve ser encontrada em outros mundos, não aqui. De que se formam nossos poemas? Onde? Ninguém responde, muito menos o poeta, um ressentido. Ninguém sabe. 8. NA PRAÇA DE CONVITES Fonte [8] O poeta incluiu nesta parte o que ele chamou de exercícios lúdicos, ou brincadeiras, jogos com as palavras. Há a brincadeira dos apitos, a discussão municipal, estadual e federal entre os poetas, os modernismos das palavras do mundo contemporâneo, que imitam nomes de produtos infalíveis para casar, separar, amar e copular. Em "Áporo", um inseto perfura a terra até encontrar resistência do solo de minério enlaçado com raiz. O mistério enfim se resolve, e da terra brota uma orquídea sem simetria, sem geometria. A 117