Buscar

Um_olhar_sociologico_sobre_o_privilegio

Prévia do material em texto

Saúde Soc. São Paulo, v.27, n.4, p.1019-1032, 2018 1019 DOI 10.1590/S0104-12902018180590
Um olhar sociológico sobre o privilégio epistémico 
da biomedicina: desconstruindo a metanarrativa1
A sociological view on the epistemic privilege of 
biomedicine: deconstructing the metanarrative
1	 Este	artigo	inscreve-se	numa	pesquisa	teórica	realizada	no	âmbito	de	um	projeto	de	doutoramento	em	sociologia	financiado	pela	Fundação	
para	a	Ciência	e	Tecnologia	(referência:	SFRH/BD/63242/2009).
Correspondência
Colégio de S. Jerónimo, Apartado 3.087. Coimbra, Portugal. 
CEP 3000-995.
Cláudia Nogueira
Universidade de Coimbra. Centro de Estudos Sociais. Coimbra, 
Portugal.
E-mail: claudia@ces.uc.pt
Resumo
Apesar do crescente reconhecimento público da sua 
incompletude e da necessidade de a fazer dialogar 
com outros saberes, a biomedicina continua a 
figurar	como	metanarrativa,	como	modelo	médico	
epistemologicamente	superior,	definidor	e	regulador	
do	que	se	entende	por	“saber	médico”.	É	na	persistência	
dessa	representação	de	superioridade	que	reside	um	
dos	grandes	obstáculos	–	senão	mesmo	o	maior	–	à	
criação	de	uma	efetiva	ecologia	de	saberes	no	campo	
dos	cuidados	de	saúde.	Com	base	numa	revisão	da	
literatura sobre o tema, este artigo toma justamente 
por	objetivo	a	desconstrução	da	versão	essencialista	
da	superioridade	biomédica,	evidenciando	o	modo	
como	essa	suposta	superioridade	é,	na	verdade,	
decorrente de um complexo quadro sociocultural de 
produção	histórica.	Assim,	revisitando	a	literatura	
existente, o artigo desenvolve perspectiva condensada 
em	torno	dos	principais	pilares	da	construção	do	
poder hegemónico da biomedicina no contexto da 
modernidade	ocidental,	a	saber:	(1)	a	ligação	umbilical	
da	biomedicina	à	ciência	moderna	e	à	sua	trajetória	de	
colonização;	(2)	o	processo	de	anatomoclínica	e	o	modo	
como, por esse processo, a biomedicina se estabeleceu 
como	poder	normativo/regulador,	passando	a	auferir	
legitimidade	e	proteção	por	parte	dos	Estados;	(3)	a	
suposta	maior	eficácia	da	biomedicina	no	quadro	de	
sua maior compatibilidade com os novos imperativos 
capitalistas;	e	(4)	a	constituição	de	forte	movimento	
profissional	 biomédico	 e	 suas	 estratégias	 de	
fechamento	na	construção	de	sua	hegemonia.
Palavras-chave:	Biomedicina;	Metanarrativa;	Poder	
Hegemónico;	Desconstrução	Sociológica;	Ecologia	
de	Saberes.
Saúde Soc. São Paulo, v.27, n.4, p.1019-1032, 2018 1020 
2	 Lyotard	(2003)	utiliza	o	termo	“metanarrativa”	para	designar	toda	a	forma	discursiva	de	saber	que,	num	dado	momento,	tem	capacidade	
de	agregar	um	nível	superior	de	consenso	em	relação	a	uma	multiplicidade	de	jogos	de	linguagem,	passando	a	representar	um	discurso	
superior	de	legitimação,	ao	qual	são	atribuídos	poderes	diversos,	como	o	de	descrever	e	prescrever	a	realidade	humana	com	base	numa	
ideia	de	progresso.
3	 Atendendo	à	limitação	de	espaço	e	ao	objetivo	do	artigo,	opta-se	por	não	desenvolver	esses	sistemas	terapêuticos,	referenciando-os	de	
forma	lata	e	superficial,	que	não	traduz,	obviamente,	sua	complexidade.	Ainda	assim,	há	um	aspecto	que	devemos	realçar,	respeitando	
sua	diversidade	e	heterogeneidade.	De	facto,	o	universo	desses	sistemas	terapêuticos	está	longe	de	poder	ser	tratado	em	“bloco”,	como	
um	universo	homogéneo.	A	título	de	exemplo,	muitos	deles	têm	em	comum	uma	visão	integral	e	sistémica	do	ser	humano,	no	entanto	
importa	não	esquecer	que	essa	não	é	necessariamente	uma	visão	inerente	ou	efetivamente	praticada	por	todos	os	sistemas,	de	forma	
inequívoca	e	universal	 –	consulte-se,	a	propósito,	Capra	 (1982,	p.	296-297)	a	 respeito	da	prática	de	alguns	terapeutas	da	medicina	
tradicional	chinesa,	nem	sempre	caracterizada	por	verdadeiro	holismo.	Esta	nota	de	rodapé	serve,	portanto,	para	alertar	à	necessidade	
de se atender a essa diversidade sempre que, ao longo do texto, nos referimos a esses sistemas terapêuticos, o que acontece, aliás, já 
a	seguir,	no	mesmo	parágrafo	desta	nota,	quando	nos	referimos	à	visão	holística	de	muitos	desses	sistemas,	em	contraponto	à	visão	
fragmentada	da	biomedicina.	Sublinhe-se:	referimo-nos	a	“muitos”,	mas	não	a	todos.
Introdução
Firmada	 sob	 a	 crença	 de	 representar	 um	
metasaber, uma verdade única, universal e 
globalizante, a biomedicina exibe-se nas modernas 
sociedades ocidentais como metanarrativa2	(Lyotard,	
2003).	Carreando	uma	 inevitável	 “distorção	da	
construção	do	conhecimento	histórico”	 (Gomes;	
Meneses,	2011)	 –	no	caso,	uma	distorção	sobre	os	
modos	de	construção	do	saber	médico	–,	tal	aspiração	
hegemónica ressoa nos discursos do senso comum, 
traduzindo aquilo que podemos designar como um 
dos grandes ecos de sua gigantesca capacidade de 
afirmação	 regulatória.	Com	efeito,	diariamente,	
de	 forma	 inconsciente	 e	 automática,	 todas/os	
nós – incluindo cientistas sociais – a veiculamos 
simplesmente	como	“a	medicina”,	 reservando	as	
especificações	 terminológicas	para	as	práticas	
terapêuticas	 ou	 sistemas	 de	 cura	 que	não	 são	
tidos	como	reais	ou	 legítimos	 (Hahn;	Kleinman,	
1983),	 como	é	o	 caso,	 entre	outras,	da	medicina	
tradicional	chinesa,	medicina	ayurvédica,	medicina	
antroposófica	ou	homeopatia.
No campo do crescente reconhecimento, 
em âmbito internacional, da importância de se 
edificar	um	novo	paradigma	de	cuidados	de	saúde	
que	atenda	à	integralidade	humana,	é	imperativo	
que	se	 resgate	do	plano	da	“inferioridade”	ou	da	
“não	 existência”	 a	multiplicidade	de	 sistemas	
terapêuticos3	 silenciados	e	desperdiçados	pelas	
sociedades	modernas	ocidentais	 (Santos,	 1995;	
Santos;	Meneses;	Nunes,	2004)	quando	do	processo	
de	hegemoneização	da	biomedicina.	Sob	a	ótica	
de	uma	“ecologia	de	saberes”	 (Santos,	2007),	 tais	
sistemas	 revelam-se,	 de	 facto,	 de	 valiosíssima	
Abstract
Despite	 the	 growing	 public	 recognition	 of	 its	
incompleteness and its need to make it dialog 
with	other	knowledges,	biomedicine	continues	 to	
figure	as	a	metanarrative,	as	an	epistemologically	
superior medical model, defining and regulating 
what	 is	meant	by	 “medical	knowledge”.	One	of	
the great obstacles – if not the greatest – to the 
creation	of	an	effective	ecology	of	knowledges	 in	
the	field	of	health	care	lies	in	the	persistence	of	this	
representation	of	superiority.	Based	on	a	review	of	
the literature about the subject, this article aims 
precisely	at	deconstructing	the	essentialist	version	
of	 biomedicine’s	 superiority,	 showing	how	 this	
supposed	superiority	results,	in	fact,	from	a	complex	
sociocultural	 framework	of	historical	production.	
In this sense, revisiting the existing literature, the 
article develops a condensed perspective around the 
main pillars of the construction of the hegemonic 
power	of	biomedicine	 in	 the	context	of	Western	
modernity:	(1)	the	umbilical	connection	of	biomedicine	
to	modern	science	and	its	colonization	trajectory;	(2)	
the	anatomical-clinical	process	and	how	biomedicine	
established itself, through this process, as a 
normative/regulatory	power,	gaining	 legitimacy	
and	protection	by	the	States;	(3)	the	alleged	greater	
effectiveness of biomedicine in the context of 
its	greater	compatibility	with	 the	new	capitalist	
imperatives;	and	 (4)	 the	constitution	of	a	strong	
biomedical professional movement and its closing 
strategies	in	the	construction	of	its	hegemony.
Keywords: Biomedicine;	Metanarrative;	Hegemonic	
Power;	Sociological	Deconstruction;	Ecology	 of	
Knowledges.
Saúde Soc. São Paulo, v.27, n.4, p.1019-1032, 2018 1021 
importância, ainda mais quando se atenta ao facto 
de	–	no	âmbito	daquele	que	é	um	campo	de	saberes	
e	práticas	 “extremamente	múltiplo	e	sincrético”	
(Andrade;	Costa,	2010,	p.	499)	–	muitos	deles	irem	
ao	encontro	de	uma	visão	integral	e	sistémica,	em	
contraponto	à	perspectiva	dualista	e	fragmentada	
da	biomedicina	(Capra,	1982;	Luz,	2005;	2014).	Ora,	o	
estabelecimento de verdadeiro diálogo entre saberes 
no campo da saúde implica, necessariamente, a 
construção	de	efetiva	equidade	entre	adiversidade	
desses saberes mediante o reconhecimento de igual 
valor	epistémico.	Pensamento	ecológico,	segundo	
Santos	 (2007),	é	aquele	que	dissolve	hierarquias,	
não	aceitando	a	imposição	de	um	saber	sobre	outros.	
Um pensamento ecológico aplicado ao campo da 
saúde	será,	então,	aquele	que,	não	rejeitando	ou	
subestimando o papel da biomedicina, lhe reconhece, 
todavia, a incompletude, considerando a urgente 
necessidade	de	a	colocar	em	 interação	e	diálogo	
horizontal	com	outras	formas	de	saber.	Posto	isso,	
um	passo	fundamental	na	edificação	de	uma	ecologia	
de saberes na área da saúde residirá, antes de tudo, 
na	desconstrução	do	 “privilégio	 epistémico”	da	
biomedicina.	Partindo	dessa	premissa,	este	artigo	
toma	como	objetivo	essa	desconstrução	mediante	
revisão	da	literatura	sobre	o	tema.
Desconstruir	o	pretenso	privilégio	epistémico	da	
biomedicina passa por inscrevê-la em seu complexo 
quadro	 de	 produção	 histórica,	 entendendo-a	
como um sistema terapêutico entre muitos 
outros,	construído	num	contexto	social	e	cultural	
determinado e, portanto, fundado sobre um 
conjunto	específico	de	valores,	premissas,	crenças	
e	problemáticas	(Hahn;	Kleinman,	1983;	Kleinman,	
1980;	Lock;	Nguyen,	2010).	A	biomedicina	é,	então,	
no	âmbito	deste	artigo,	 objeto	de	 compreensão	
sociológica a partir do contexto histórico da 
modernidade ocidental – conjuntura sociocultural 
da	qual	emergiu	e	 se	desenvolveu	até	os	nossos	
dias.4	A	desconstrução	que	aqui	se	propõe	ocorre	
mediante	quatro	pontos,	que	correspondem	àquilo	
que aqui se entende serem os principais pilares de 
construção	do	poder	hegemónico	da	biomedicina.	
A	eles	se	chegou	por	meio	de	revisão	da	literatura	
4	 É	desse	modo	que,	no	âmbito	deste	artigo,	se	utiliza	o	termo	“medicina	científica	moderna”	em	alternância	com	o	termo	“biomedicina”.	
Ambos	os	conceitos	se	referem	ao	mesmo	modelo	médico.
sobre	o	 tema,	aliada	a	um	esforço	 individual	de	
síntese,	 articulação	 e	 condensação	das	 várias	
abordagens	identificadas.	O	primeiro	ponto	dedica-se	
à	compreensão	do	suposto	privilégio	epistémico	da	
biomedicina	pela	sua	“ligação	umbilical”	à	ciência	
moderna	e	à	sua	trajetória	de	colonização.	O	segundo	
ponto dedica-se ao modo como a biomedicina foi 
ao encontro dos ideais modernos e se estabeleceu 
como	poder	normativo.	O	terceiro	ponto	questiona	
o	 reconhecimento	 público	 da	 (suposta)	maior	
eficácia	do	modelo	biomédico,	granjeado	a	partir	
de	meados	do	século	XIX,	relativizando-o	no	quadro	
da sua compatibilidade com os novos imperativos 
capitalistas.	Finalmente,	o	quarto	ponto	dedica-se	à	
importância	da	constituição	de	um	forte	movimento	
profissional	 biomédico	 e	 suas	 estratégias	 de	
fechamento,	ativadas	no	sentido	da	monopolização	
dos	cuidados	oficiais	de	saúde.
A ligação umbilical à ciência moderna 
e à sua trajetória de colonização
O	gigantesco	capital	simbólico	granjeado	pela	
biomedicina melhor se compreende se atentarmos 
no	 seu	 contexto	 sociocultural	 de	 produção	 –	 a	
modernidade	ocidental	–,	mais	especificamente	no	
culto	exacerbado	ao	cientificismo,	que	se	constitui,	
por assim dizer, como a grande marca ideológica que 
perpassa	todo	o	projeto	da	modernidade.	De	facto,	
não	é	sem	motivo	que	a	modernidade	é	 também	
conhecida por Era da Razão ou Era da Ciência.	
Inaugurada	com	a	revolução	científica	cartesiana/
newtoniana	dos	séculos	XVI-XVII,	a	modernidade	
ocidental	fez	assentar	seu	projeto	de	emancipação	
numa	hipercientificização	da	realidade,	ou	seja,	num	
verdadeiro monopólio da racionalidade cognitivo-
instrumental	da	ciência	 (Santos,	 2000),	da	qual	
fez derivar todas as suas audaciosas promessas de 
abundância	e	prosperidade.	Alicerçada	nos	princípios	
materialistas,	dualistas	e	deterministas	de	Descartes	
e	Newton,	a	ciência	moderna	 teve	capacidade	de	
se	naturalizar	como	única	explicação	possível	do	
real,	ao	ponto	de	“não	o	podermos	conceber	senão	
nos	termos	por	ela	propostos”	(Santos,	2000,	p.	79).
Saúde Soc. São Paulo, v.27, n.4, p.1019-1032, 2018 1022 
A	afirmação	da	ciência	como	única	 forma	de	
conhecimento	válido	tem	em	sua	origem	não	apenas	
razões	de	ordem	epistemológica,	mas	também	razões	
de	ordem	económica,	 social	e	política	 (Foucault,	
1992,	1999;	Mignolo,	2003;	Santos,	2000;	Santos;	
Meneses;	Nunes,	2004).	Com	efeito,	traduzindo-se	
facilmente	em	desenvolvimento	técnico,	a	ciência	
moderna	não	tardou	a	se	associar	ao	capitalismo	
nascente,	passando	a	representar	um	sem	fim	de	
potencialidades de prosperidade material e social, 
em ruptura com tudo aquilo que se pretendia superar 
do	passado.	Desde	então,	e	no	mesmo	passo	em	que	
foi	capaz	de	transformar	“os	critérios	de	validade	
do	conhecimento	em	critérios	de	cientificidade	do	
conhecimento”,	a	ciência	moderna	“conquistou	o	
privilégio	de	definir	não	só	o	que	é	ciência,	mas,	
muito	mais	do	que	 isso,	 o	 que	 é	 conhecimento	
válido”	 (Santos;	Meneses;	Nunes,	 2004,	 p.	 19).	
Paralelamente,	 a	 consolidação	dessa	 soberania	
epistémica	 inscreve-se	num	processo	bem	mais	
amplo e bem mais complexo, que se situa para lá 
das fronteiras histórias e culturais que o viram 
nascer.	Apresentando-se-lhe	 a	negatividade	 de	
outros	saberes	como	espelho	refletor	de	sua	 tão	
almejada positividade, a ciência moderna empreende 
verdadeiro	projeto	de	asfixia	da	validade	dessas	
“epistemologias	outras”	 (Meneses,	 2008,	 p.	 6),	
expedindo-as	 para	 posições	 de	 inferioridade	
(Mignolo,	 2003;	Santos,	 2007;	Santos;	Meneses;	
Nunes,	 2004);	 a	 partir	 daí,	 elas	 passam	a	 ser	
declaradas	como	“não	existentes	ou	descritas	como	
reminiscências	do	passado”	(Meneses,	2008,	p.	6).	
Cumpre-se esse projeto por via do acoplamento 
à	 expansão	 colonial	 –	 outro	 grande	 projeto	 da	
modernidade –, numa simbiose perfeita que serve aos 
audaciosos intentos de ambos os empreendimentos, 
ciência	e	colonialismo.
De	 facto,	 conforme	 aponta	 a	 teoria	 crítica	
implicada com o pensamento pós-colonial, a 
deslegitimação	dos	saberes	dos	povos	conquistados	
–	os	chamados	povos	do	“Sul”	–	constituiu-se	como	
uma	das	mais	ardilosas	estratégias	de	sucesso	da	
constituição	daquilo	que	Mignolo	 (2005)	 –	numa	
adaptação	da	 terminologia	de	Wallerstein	 (1974)	
–	designa	por	“sistema	mundo/moderno	colonial”.	
Ao reduzirem a imensa diversidade de saberes 
dos	povos	conquistados	a	meras	manifestações	de	
irracionalidade que necessariamente devem ser 
submetidas	à	única	fonte	de	saber	verdadeiro	–	o	
conhecimento	científico	–,	os	agentes	colonizadores	
veem facilmente chanceladas suas práticas de 
subordinação	e	 “domesticação”,	proclamando-as	
em nome de supostos “projetos ‘civilizadores’, 
libertadores	ou	emancipatórios”	(Santos;	Meneses;	
Nunes,	2004,	p.	 23).	No	mesmo	passo	em	que	se	
expande	à	custa	desse	verdadeiro	“epistemicídio”,	
como	lhe	chama	Santos	(2007),	o	projeto	imperialista	
robustece globalmente o poder hegemónico do 
conhecimento	científico	moderno,	transformando-o	
num	“regime	de	verdade”	(Foucault,	1992).
O	percurso	da	biomedicina	inscreve-se	e	funde-
se, portanto, nesse mesmo percurso sócio-histórico 
da	ciência	moderna,	porquanto	é	justamente	no	seio	
dessa racionalidade que ela nasce e se consolida 
conforme	hoje	a	conhecemos.	É,	portanto,	na	medida	
em	que	se	encontra	tão	visceralmente	vinculada	à	
racionalidade	científica	moderna	que	a	emergente	
biomedicina se consolida, ela própria, como “regime 
de	verdade”	 (Foucault,	 1992)	ou	 “metanarrativa”	
(Lyotard,	 2003),	 colonizando	 e	 deslegitimando	
todos os outros saberes terapêuticos ou sistemas 
de cura, tenham eles sido produzidos nas modernas 
sociedades	ocidentais,	nos	países	do	oriente	ou	nos	
chamados	países	do	Sul.
Essa	 não	 é,	 todavia,	 uma	 transformação	
automática.	Durante	praticamente	 todo	o	século	
XVIII,	 conhecimentos	e	práticas	 terapêuticas	de	
carácter	não	científico	–	designadamente,	a	teoria	
humoral	desenvolvida	por	Galeno	e	determinadas	
práticas da medicina tradicional chinesa – ocupam 
lugar	em	círculos	médicosde	muitas	sociedades	
ocidentais, a tal ponto que a acupuntura chega 
mesmo, por esta altura, a ser praticada em hospitais 
públicos	da	França	e	da	Inglaterra	(Bivins,	1997).	Um	
marco	histórico	se	dá,	todavia,	em	meados	do	século	
XVIII,	encarreirando	a	emergente	medicina	moderna	
numa	trajetória	cientificista	que	vem	minar,	por	
completo,	 sua	possibilidade	 de	 aproximação	 a	
outros sistemas de cura ou formas de conhecimento 
terapêutico.	Trata-se	da	publicação,	em	1761,	da	obra	
De sedibus et causis morborum,	na	qual	Morgagni	
apresenta	 relação	entre	as	 lesões	dos	cadáveres	
e	as	manifestações	das	doenças.	É	a	partir	daqui,	
com efeito, que se inicia consistentemente aquilo 
Saúde Soc. São Paulo, v.27, n.4, p.1019-1032, 2018 1023 
que	Foucault	 (1977)	designa	por	anatomoclínica,	
um	 processo	 que	marca	 o	 início	 da	medicina	
científica	moderna.
É	colossal	a	mudança	de	perspectiva	que	então	se	
opera.	A	partir	do	momento	em	que	se	admite	que	os	
sintomas	são	manifestações	de	lesões,	todo	um	novo	
campo	epistemológico	se	descerra,	 incompatível	
com	“explicações	outras”	que	não	sejam	as	que	se	
fundamentem	em	critérios	de	positividade,	próprios	
da	racionalidade	científica	moderna.	Com	a	nova	
visão	da	anatomoclínica,	estabelece-se	uma	ligação	
visceral	entre	 lesão	e	doença	que	vem	autorizar	
a	 redução	de	 todo	o	processo	de	adoecimento	a	
fatores	biológicos.	Subsumindo	 todo	o	processo	
de	adoecimento	à	 lesão,	a	nascente	biomedicina	
“ganha	poder	absoluto	sobre	a	doença,	na	medida	em	
que	nada	do	que	ocorre	escapa	aos	seus	domínios”	
(Camargo	Junior,	1992,	p.	212).
O nasc imento da c l ín ica, a 
cumplicidade com os ideais modernos 
e a conquista do poder normativo
As conquistas anteriormente descritas só se 
tornam	possíveis	graças	a	correlatas	transformações	
no	espaço	hospitalar,	onde	são	criadas	as	condições	
para	a	realização	das	observações	necessárias	ao	
estabelecimento	das	descrições	anatomopatológicas.	
De	facto,	a	movimentação	epistemológica	que	instaura	
uma	nova	 racionalidade	médica	 –	 a	 científica	 –	
acontece	a	par	de	profundas	alterações	nos	papéis	e	
modos	de	funcionamento	da	instituição	hospitalar.	
É	nessa	reconfigurada	instituição	que	a	emergente	
biomedicina fermenta o poder hegemónico, que, 
entretanto,	extravasa	para	a	esfera	social	e	política.
Segundo	Foucault	 (1977),	a	partir	de	finais	do	
século	XVIII,	o	hospital	deixa	de	ser	um	 local	de	
“assistência	aos	pobres”	para	se	transformar	numa	
escola,	num	espaço	privilegiado	de	 exercitação	
científica,	onde	“a	verdade	se	ensina	por	si	mesma”	
(Foucault,	 1977,	p.	 77).	 “A	verdade”	 erigida	pela	
racionalidade	anatomoclínica	torna-se	dispositivo	
primordial	na	configuração	de	modelos	de	suposta	
inteligibilidade humana, retroalimentando, assim, 
ainda	mais,	o	privilégio	epistémico	diante	de	outras	
racionalidades.	O	propósito	maior	da	clínica	deixa	
de	estar	na	singela	busca	pela	cura	dos	indivíduos	
–	na	antiga	“arte	de	curar”	(Luz,	2005)	–	para	residir	
na	transformação	de	casos	individuais	em	modelos	
descritivos	e	explicativos	das	doenças,	a	partir	dos	
quais	são	construídos	sistemas	classificatórios	de	
diagnósticos.	É	assim	que,	na	viragem	do	século	
XVIII	para	o	século	XIX,	como	descreve	Foucault	
(1977),	 se	 descobre	 uma	 prática	médica	 não	
mais	 regida	pela	saúde,	mas	pela	 “norma”	e	sua	
incessante	reprodução.
Justamente pela capacidade de prescrever 
a norma, a emergente biomedicina integra-se 
habilmente no complexo modelo de tecnologias 
disciplinares das modernas sociedades ocidentais 
(Foucault,	1977,	1992)	–,	afiançando,	desse	modo,	sem	
qualquer	dificuldade,	a	hegemonia	política	e	social	
diante	de	outros	saberes	terapêuticos.	Tal	capacidade	
decorre, em grande medida, da estreita cumplicidade 
com	a	lógica	capitalista	moderna.	Ao	visar	a	máxima	
rentabilidade económica, a lógica de mercado 
capitalista faz com que o organismo humano passe 
a	 ser	 visto	 como	 espécie	 de	 prolongamento	da	
maquinaria	 industrial,	daí	decorrendo,	a	respeito	
dele,	uma	conceção	 instrumental	 e	mecanicista	
que	se	acha	em	perfeita	sintonia	com	a	nova	visão	
médica	reducionista,	fortemente	influenciada	por	
Descartes	e	Newton.	Com	o	capitalismo	emergente,	
o	 corpo	é,	 então,	 transformado	numa	“realidade	
biopolítica”,	no	mesmo	passo	em	que	a	medicina	
científica	moderna	é	convertida	na	sua	estratégia	
primordial	(Foucault,	1992).
Sob	a	égide	da	racionalidade	moderna	ocidental,	
a	biomedicina	é,	pois,	autorizada	a	erigir	uma	nova	
metáfora sobre o corpo, sendo-lhe concedido o direito 
de patologizá-lo e restaurá-lo em nome de uma 
norma	corporal	instituída.	Estamos	perante	aquilo	
que	Foucault	 (1999,	p.	 131)	designa	por	biopoder: 
um poder que	age	sobre	os	 corpos,	definindo-os	
como apropriados ou inapropriados, e cuja mais 
alta	 função	não	é	matar,	mas	“investir	a	vida	de	
cima	 a	 baixo”.	O	 biopoder, esclarece	 Foucault	
(1999),	desenvolveu-se	mediante	a	articulação	dos	
fenómenos	da	vida	com	a	autoridade	política,	tendo	
assumido duas formas principais, relacionadas 
entre	si.	A	primeira	tem	início	no	século	XVII	e	diz	
respeito	a	uma	“anatomopolítica	do	corpo	humano”,	
ou seja, um conjunto de procedimentos disciplinares 
Saúde Soc. São Paulo, v.27, n.4, p.1019-1032, 2018 1024 
que concebem o corpo como máquina, reclamando 
o	seu	adestramento,	a	ampliação	das	suas	aptidões,	
a	extorsão	das	suas	 forças	e	sua	docilidade,	com	
o objetivo de maior utilidade, aproveitamento 
económico	e	 integração	em	sistemas	de	controlo	
(Foucault,	1980,	1999).	A	segunda	forma	desenvolve-
se	a	partir	de	meados	do	século	XVIII	e	centra-se	
numa	 “biopolítica	 da	 população”,	 isto	 é,	 num	
conjunto	de	intervenções	e	controlos	reguladores	do	
“corpo-espécie”	–	a	saúde,	a	natalidade,	a	longevidade,	
a	mortalidade	etc.	 –,	 com	base	na	 ideia	de	que	a	
“população”	 constitui	 uma	questão	 económica	
e	política	 (Foucault,	 1999).	O	biopoder	 trata,	 em	
síntese,	de	distribuir	os	seres	humanos	em	termos	
de	valor	e	utilidade	–	qualificando-os,	medindo-os,	
avaliando-os e hierarquizando-os –, operando pela 
norma	(Foucault,	1999).	A	norma	emerge,	pois,	nesse	
contexto,	como	princípio	orientador	“que	tanto	pode	
aplicar-se a um corpo que se quer disciplinar como a 
uma	população	que	se	deseja	regularizar”	(Foucault,	
2005,	p.	 302),	 residindo	na	biomedicina	o	 lócus 
privilegiado	da	sua	construção	e	emanação	(Foucault,	
1977,	1992).	É	assim	que,	a	partir	do	século	XIX,	a	
emergente	medicina	científica	deixa	de	constituir	
apenas o corpus de	técnicas	de	cura	e	do	saber	que	
elas requerem, passando igualmente a envolver 
conhecimento	e	definição	do	ser humano modelo, 
assumindo uma postura normativa que a legitima 
“a	reger	as	relações	físicas	e	morais	do	indivíduo	e	
da	sociedade	em	que	vive”	(Foucault,	1977,	p.	39).
A	biomedicina	–	que	pode,	então,	ser	interpretada	
como	tecnologia	de	poder	centrada	na	vida	(Foucault,	
1999)	–	introduz	uma	inteligibilidade	sobre	o	corpo	
que o situa na bipolaridade do normal e patológico, 
do	normal	e	anormal,	do	puro	e	impuro	(Douglas,	
1991;	Foucault,	1977).	Um	ideal	de	saúde,	perfeição	
e pureza corporal passa a balizar o modus operandi 
das	práticas	 biomédicas,	 servindo	de	 roteiro	 à	
definição	da	necessidade	de	correção	dos	corpos	
marcados	pelo	signo	do	desvio.	No	mesmo	passo	
em que se instala a hegemonia da normalidade, 
científica	e	politicamente	avalizada,	 instala-se	a	
“função	soteriológica”	(de	“salvação”)	da	biomedicina	
(Good,	 1994).	Essa	promessa	 salvífica	 revela-se	
tanto	mais	eficaz	quanto	vai	ao	encontro	de	uma	
nova narrativa da existência, a saber, a moderna 
ideologia individualista, cuja emergência se articula 
com	o	florescimento	e	desenvolvimento	do	sistema	
capitalista.	Com	base	na	aceitação	de	referenciais	
de normalidade, o corpo transforma-se na sede da 
“soberania	do	ego”	(Le	Breton,	2002,	p.	8),	símbolo	
de poder, independência e sucesso, submetido 
permanentemente	à	luz	dos	holofotes	da	sociedade.Indo	para	lá	da	dimensão	estritamente	individual,	
o carácter regulatório da biomedicina revela-se, em 
última análise, no modo como se globaliza enquanto 
“vocabulário	social”,	por	via	da	imposição	dos	“seus	
modelos etiológicos, nosológicos, profiláticos e 
terapêuticos”	(Cruz,	2007,	p.	21).	Restituindo	a	ordem	
ao corpo individual, a biomedicina contribui para a 
tão	desejada	ordem	do	corpo	social,	passando	assim	
a auferir, da parte dos Estados, o “testemunho de 
validade	e	a	proteção	legal”	(Foucault,	1977,	p.	21).
A e f i các ia compara t iva da 
biomedicina e sua articulação com 
o capitalismo
Articulando-se com o poder regulatório antes 
descrito,	 a	 institucionalização	da	biomedicina	
no	 espaço	 público	 como	 “medicina	 oficial”,	 a	
partir	da	segunda	metade	do	século	XIX,	aparece	
obviamente ligada ao reconhecimento público 
de	sua	eficácia	 terapêutica.	Ainda	que,	em	certa	
medida, tal reconhecimento se associe aos seus 
efetivos	resultados	 terapêuticos,	 importa	 ir	além	
dessa	 leitura	 imediatista,	 buscando	 as	 razões	
sócio-históricas menos óbvias – e, por isso, menos 
visibilizadas –, desse mesmo reconhecimento público 
que, paulatinamente, faz eclipsar o reconhecimento 
da	eficácia	de	modalidades	terapêuticas	tradicionais	
ou	não	científicas	(Bakx,	1991;	Cant;	Sharma,	1999).
Atente-se, nesse sentido, ao movimento de forte 
adesão	dos	setores	operários	ao	modelo	biomédico	a	
partir	de	finais	do	século	XIX;	nele	se	verifica	estreita	
articulação	entre	as	difíceis	condições	de	vida	e	
salubridade desses grupos, suas necessidades de 
sobrevivência e os novos e intransigentes imperativos 
capitalistas	de	produtividade.	Com	efeito,	dadas	as	
condições	laborais	extremamente	difíceis	e	precárias,	
os acidentes de trabalho eram, por essa altura, muito 
frequentes e muito graves, sendo que era justamente 
nesse campo que a biomedicina revelava maior 
Saúde Soc. São Paulo, v.27, n.4, p.1019-1032, 2018 1025 
eficácia	 (Menéndez,	2005).	Por	outro	 lado,	nesse	
mesmo	período,	eram	igualmente	os	setores	operários	
aquelas que mais sofriam as consequências negativas 
das	doenças	infecciosas	–	registadas,	nesse	final	de	
século,	como	uma	das	principais	causas	de	morte	das	
populações	urbanas.	Iniciada	a	reversão	desse	quadro,	
eleva-se	a	perceção	positiva	desses	grupos	ao	redor	
da biomedicina, atribuindo-lhe papel fundamental na 
redução	dessas	doenças	–	mesmo	quando	essa	redução	
se devia a outros fatores5 – e passando a aderir, cada 
vez	mais,	às	suas	práticas	terapêuticas	(Capra,	1982;	
Menéndez,	2005).
Relacionada	 com	 o	 caráter	 regulatório	 da	
ideologia	capitalista,	a	perceção	positiva	da	eficácia	
da	biomedicina	por	parte	dos	setores	operários	é	
reflexo	do	carácter	de	urgência	sentido	por	eles	na	
resolução	de	suas	enfermidades.	Adoecer	traduzia-
se	em	deixar	de	trabalhar	e	no	enorme	risco	de	ficar	
desempregado/a,	comprometendo	dramaticamente	
as	condições	de	sobrevivência	de	 toda	a	 família.	
Retornar	ao	mercado	de	trabalho	tornava-se,	pois,	
urgente,	implicando,	necessariamente,	restauração	
imediata	do	estado	de	 saúde	 (Menéndez,	 2005). 
Enformando	novas	representações	sobre	a	saúde	e	
a	doença,	a	nova	relação	das	classes	operárias	com	
o	“tempo”	é,	pois,	determinante	na	compreensão	da	
racionalidade	implícita	no	aumento	da	sua	demanda	
pelo	saber	biomédico	e	consequente	relativo	menor	
recurso aos sistemas de cura e práticas terapêuticas 
não	científicas	a	que	antes	recorriam	em	primeira	
instância.	 Os	 novos	 imperativos	 capitalistas	
revelam-se,	com	efeito,	incompatíveis	com	práticas	
tradicionais cujos processos terapêuticos se 
baseiam num relativo maior respeito pelos ritmos 
naturais	e	biológicos	do	organismo	humano.	Tais	
5	 Importa	assinalar,	a	propósito,	o	estudo	realizado	pelo	epidemiologista	McKeown	(1976	apud	Capra,	1982,	p.	117-118),	que	veio	mostrar,	
relativamente	à	realidade	inglesa,	que	o	declínio	da	mortalidade	a	partir	da	segunda	metade	do	século	XIX	se	deveu	muito	mais	à	melhoria	
global	das	condições	de	vida	do	que	às	novas	práticas	biomédicas.	O	autor	concluiu	que	até	mesmo	o	controlo	das	doenças	infecciosas	
resultou,	sobretudo,	de	um	incremento	nas	condições	de	vida	(nutrição,	higiene	e	salubridade)	e	só	secundariamente	da	ação	dos	novos	
medicamentos.
6	 De	facto,	importa	estabelecer	uma	“ponte”	com	o	que	se	desenvolveu	anteriormente,	a	respeito	da	ligação	da	biomedicina	à	ciência	
moderna	e	ao	colonialismo.	Para	além	da	ligação	ao	capitalismo,	devemos	relembrar	que	a	“suposta	maior	eficácia	da	biomedicina”	se	
articula	com	o	projeto	imperial	de	imposição	da	ciência	como	único	saber	válido	e	legítimo.	Perpetrando	aquilo	que	Santos	(2007)	designa	
por	“epistemicídio”,	o	projeto	colonialista	conduziu,	como	se	viu,	a	uma	descredibilização	de	outras	epistemologias	terapêuticas,	o	que	
veio	favorecer	a	visão	social	sobre	a	eficácia	biomédica.	Isso	aconteceu	tanto	por	meio	de	formas	mais	diretas	–	como	a	legitimação	da	
profissão	biomédica	–	como	por	vias	mais	genéricas,	associadas	à	ascensão	do	projeto	colonial	da	modernidade	(Santos;	Meneses;	Nunes,	
2004)	–	por	exemplo,	a	erradicação	de	saberes	locais	sobre	a	biodiversidade	pela	escolarização	e	devastação	ambiental	ou	a	perseguição	
judicial	a	atores	ditos	“curandeiros”.	Todas	essas	formas	de	epistemicídio	vieram,	obviamente,	diminuir	as	alternativas	ou	as	condições	
anteriores	de	eficácia	dessas	“epistemologias	outras”.
práticas	–	que,	dependendo	da	abordagem,	podem	até	
ser	qualificadas	como	expectantes	ou	miméticas,	em	
virtude da forma como procuram imitar a natureza 
(Laplantine,	 1991,	p.	 162)	 –,	ainda	que	continuem	
a representar importante recurso para muitos 
setores	da	sociedade	(incluindo	para	o	operariado),	
vão	assim	perdendo	poder	simbólico	em	favor	da	
biomedicina, a qual pode ser qualificada como 
“medicina	de	urgência”	 (Capra,	 1982;	Menéndez,	
2005).	Com	a	 ideologia	capitalista	a	definir	essa	
condição	de	urgência,	ocorre	um	“abalo	terapêutico”,	
um	rompimento	com	a	visão	de	cura	ancestral,	que	
explica,	a	par	do	 “epistemicídio”	de	que	se	 falou	
anteriormente,6	a	perceção	social	positiva	granjeada	
pela	biomedicina	a	partir	de	finais	do	século	XIX.
Importa enfatizar, portanto, que a maior 
eficácia	terapêutica	atribuída	à	medicina	científica	
moderna	entre	finais	do	século	XIX	e	princípios	do	
século	XX	decorre	de	uma	combinação	de	fatores	
reais	e	imaginários,	que	se	ligam	tanto	à	aplicação	
de práticas realmente efetivas como ao emprego de 
práticas	indiferentes	ou	até	negativas,	em	linha	com	
uma	proposta	de	resolução	de	problemas	de	saúde	
originados	num	contexto	de	produção	capitalista	
(Menéndez,	2005).	Paradoxalmente,	o	compromisso	
estabelecido	entre	o	modelo	biomédico	e	a	ideologia	
capitalista	–	assente	na	insensibilidade	às	causas	
extrabiológicas	das	doenças	–,	que	contribuiu	para	
que ele se tornasse hegemónico, representa, nos dias 
de hoje, um dos fatores que mais contribui para a sua 
descredibilização.	Como	refere	Queiroz	(1986,	p.	310),
É	 possível	 dizer,	 sem	 contradição,	 que	 num	
certo	momento,	a	medicina	científica	 tornou-se	
hegemónica	exatamente	por	se	mostrar	compatível	
Saúde Soc. São Paulo, v.27, n.4, p.1019-1032, 2018 1026 
com	o	“ethos”	capitalista	e,	num	outro	momento,	
tornou-se inviável exatamente por se mostrar 
excessivamente	comprometida	com	esse	“ethos”,	
perdendo assim a sua independência e autonomia, 
ainda que relativas, face ao sistema social em que 
atua.	Na	medida	em	que	a	sua	funcionalidade	ao	
sistema	significa	 tomar-se	 insensível	às	causas	
reais	de	doenças	 (que	muitas	vezes	 residem	na	
forma	como	a	vida	é	organizada	pela	sociedade)	e	às	
soluções	que	implicariam	em	melhoria	do	nível	de	
saúde	de	uma	população,	a	medicina	tem	produzido	
serviços	extremamente	caros	e	ineficazes,	dois	[dos]	
sintomas	principais	de	sua	crise.
De	facto,	no	trilho	do	reducionismo	biologista,	a	
teoria	dos	germes	proposta	por	Pasteur	(1822-1895)	
e	Koch	(1843-1910),	respetivamentena	França	e	na	
Alemanha,	veio	instaurar,	em	meados	do	século	XIX,	
um	modelo	monocausal	de	explicação	da	doença,	
cuja	influência	não	apenas	adentrou	o	século	XX,	
como	ainda	se	 faz	sentir	nos	nossos	dias	 (Lock;	
Nguyen,	2010;	Queiroz,	1986).	Com	a	circunscrição	
da	 procura	 da	 doença	no	 corpo	 individual	 e	 a	
transformação	desse	mesmo	corpo	num	“campo	
de	batalha”,	a	teoria	microbiana	vem	promover	um	
ponto	de	inflexão	epistemológica,	a	partir	do	qual	
passa-se	a	desenvolver	verdadeira	obsessão	com	a	
identificação	do	“inimigo”	e	a	descoberta	das	“balas	
mágicas”	para	derrotá-lo	(Bastos,	1997,	p.	78).
A	 partir	 de	 finais	 do	 século	XIX,	 o	 foco	na	
doença	 infecciosa	 torna-se,	pois,	predominante,	
levando progressivamente “ao obscurecimento de 
concepções	que	destacavam	a	multicausalidade	
das	doenças”	 (Bastos,	 2002,	p.	 74)	 e	defendiam,	
para	sua	erradicação,	a	atenção	a	fatores	de	ordem	
extrabiológica	 (Lock;	Nguyen,	 2010;	Queiroz,	
1986).	Assim,	 justamente	numa	altura	em	que	as	
doenças	 cada	vez	mais	 se	 relacionavam	com	as	
condições	de	trabalho	e	de	vida	próprias	do	contexto	
socioeconómico	capitalista,	a	medicina	científica	
moderna	 transformava-se	 “numa	racionalização	
para	não	se	 lidar	com	as	causas	verdadeiras	das	
doenças	num	modo	que	pudesse	ser	disfuncional	
para	o	crescimento	do	sistema	produtivo”	(Berliner,	
1982	apud	Queiroz,	1986,	p.	313).
Ao difundir a ideia de que a origem de todas 
as	 doenças	 individuais	 e	 coletivas	 residia	 na	
proliferação	de	germes,	a	 teoria	microbiana	veio	
incentivar	a	intervenção	na	ordem	social	–	todavia,	
não	enquanto	 transformações	sociais	profundas	
que dirimissem as desigualdades, mas como 
monitorização	de	fatores	de	contágio	e	propagação	
das	doenças	 infecciosas	pela	 implementação	de	
medidas	de	 carácter	higienista.	Objetivando	a	
saúde	de	toda	a	coletividade,	a	medicina	científica	
moderna	ganha,	então,	revigorado	poder	regulatório,	
com	a	atribuição,	por	parte	dos	Estados,	do	papel	de	
policiamento	da	 implementação	dessas	medidas	
(Foucault,	 1992;	 Lock;	Nguyen,	 2010).	 É	 assim	
que,	a	partir	de	finais	do	século	XIX,	a	emergente	
biomedicina	assume	nova	feição,	a	de	“medicina	da	
força	de	trabalho”,	direcionada	para	o	“controle	da	
saúde e do corpo das classes mais pobres para torná-
las mais aptas ao trabalho e menos perigosas para as 
classes	mais	ricas”	(Foucault,	1992,	p.	97).	Iniciando-
se na Inglaterra e rapidamente se disseminando 
por	 toda	a	Europa,	essa	atribuição	de	poderes	à	
biomedicina,	por	parte	dos	Estados,	é	fundamental	
na	compreensão	da	construção	da	sua	legalidade	e	
autoridade pública, no âmbito de um processo em 
que	a	progressiva	aquisição	do	monopólio	dos	atos	
terapêuticos se traduz, concomitantemente, numa 
“desapropriação	do	saber	popular	em	saúde”	(Catão,	
2011,	p.	79).
Para	além	da	dimensão	higienista,	associada	
à	saúde	pública,	outra	consequência	 importante	
da	 teoria	microbiana	da	doença	é,	como	antes	se	
referiu,	 a	 “obsessão”	que	a	medicina	 científica	
moderna passa a desenvolver na descoberta das 
“balas	mágicas”	que	permitirão	aniquilar	o	“inimigo”	
(Bastos,	1997,	p.	78).	Com	efeito,	a	revolução	fármaco-
terapêutica que vinha sendo germinada desde os 
primeiros	anos	do	século	XIX	beneficia	de	enorme	
impulso	a	partir	do	momento	em	que	começam	a	
ser isolados os microrganismos responsáveis pelas 
doenças	infecciosas.	Paul	Ehrlich	(1854-1915),	autor	
da	célebre	expressão	“balas	mágicas”,	é	justamente	
quem vem colocar “a terapêutica experimental 
no	 patamar	 das	 disciplinas	 científicas”	 (Pita,	
2006,	p.	49)	com	suas	descobertas	revolucionárias	
no	 tratamento	da	 sífilis.	Ao	 combater	uma	das	
doenças	mais	mortais	e	temidas	há	vários	séculos,	
o	“milagroso”	medicamento	de	Ehrlich	–	o	famoso	
salvarsan – vem estabelecer terminantemente “o 
Saúde Soc. São Paulo, v.27, n.4, p.1019-1032, 2018 1027 
primado	da	ação	terapêutica	do	medicamento	e	da	
sua	capacidade	de	atuação,	relativamente	à	força	
curativa	da	natureza”	(Pita,	2006,	p.	50),	mobilizando	
a	farmacologia	para	o	centro	da	intervenção	médica.
Justapondo-se	de	forma	perfeita	à	nova	concepção	
de	“urgência	terapêutica”,	incentivada	pelos	novos	
estilos de vida da era capitalista, o fármaco passa 
a	figurar	como	um	dos	elementos	mais	populares	
da	 biomedicina	 e	 um	 dos	maiores	 símbolos	
da	 sua	 eficácia.	 E,	 na	mesma	medida	 em	 que	
significa	crescente	manifestação	de	confiança	na	
ciência, representa um retrocesso no recurso a 
soluções	 terapêuticas	não	 farmacológicas	 –	não	
científicas	–,	sujeitando-as	a	um	progressivo	processo	
de	 descredibilização	 e	 desqualificação	 social	
(Lopes,	2010).	Com	efeito,	ainda	que	as	modalidades	
terapêuticas tradicionais continuem a existir, o 
certo	é	que,	a	partir	de	finais	do	século	XIX,	elas	
vêm a perder reconhecimento e valor social em prol 
da	farmacologização	(Lopes	et	al.,	2012)	–	processo	
que,	desde	o	início,	se	alimenta	da	medicalização	da	
vida e concomitante desenvolvimento da indústria 
farmacêutica, dois fenómenos intimamente ligados 
ao	capitalismo.
Movimento profissional biomédico 
e estratégias de fechamento na 
construção da dominação
Entre	 os	 fatores	 que	 contribuíram	 para	 a	
hegemonia	do	modelo	biomédico,	a	maior	ou	menor	
eficácia	dos	atos	médicos	é,	como	defende	Luz	(2014,	
p.	 19),	questão	de	menor	 importância,	sobretudo	
quando confrontada – como aqui se tem vindo a fazer 
–	com	a	questão	da	compatibilidade	entre	esse	mesmo	
modelo	e	as	“características	culturais”	do	contexto	
no	qual	se	impôs.	Foi	essa	compatibilidade,	aliás,	
aliada	ao	facto	de	o	método	científico	se	ter	tornado	
independente	quer	do	médico,	quer	do	paciente,	que	
veio	permitir	a	constituição	de	uma	forte	corporação	
profissional,	elemento	fundamental	no	modo	como	a	
biomedicina veio a conseguir “superar as medicinas 
concorrentes”	(Luz,	2014,	p.	19).
A	 história	 do	 processo	 de	 dominação	 da	
biomedicina	 liga-se,	 com	 efeito,	 à	 história	 da	
constituição,	 no	 seu	próprio	 seio,	 de	um	 forte	
movimento profissional, investido, desde o 
início,	 de	um	conjunto	de	 esforços	 tendentes	à	
monopolização	dos	cuidados	de	saúde,	mediante	
estratégias	de	pressão	institucional.	Comumente,	
o	Medical	Registration	Act	 de	 1858, no	Reino	
Unido, é	 referenciado	 como	marco	 histórico	
do	 início	desse	movimento.	Com	ele,	 é	 criado	o	
General	Medical	Council (GMC),	mediante	o	 	qual	
é	 conferido	à	profissão	médica	 –	 biomédica	 –	 o	
direito de se autorregular, bem como o monopólio 
do	 título	de	médico,	baseado	num	registo	oficial	
de	praticantes	policiados	pelo	próprio	GMC	(Saks,	
2005,	p.	201).	Esse	movimento	veio	 reivindicar	o	
direito	de	submeter	as	práticas	médicas	ao	crivo	
da cientificidade, estabelecendo seu próprio 
conhecimento como o único válido e aceitável, 
conquistando assim o poder de desacreditar outras 
filosofias e práticas terapêuticas concorrentes, 
classificando-as	como	 inapropriadas	e	 ilegítimas	
e,	portanto,	como	desmerecedoras	da	legitimação	e	
apoio	estatal	(Cant;	Sharma,	1996;	Frohock,	2002;	
Saks,	2005).
Tal	não	 significa,	porém,	que	a	biomedicina	
tenha passado a dominar por completo os cuidados 
de	saúde	nas	modernas	sociedades	ocidentais.	Na	
verdade, há evidências de que outras modalidades 
terapêuticas	tenham	continuado	a	atrair	a	atenção	
de grande número de pessoas, mesmo a partir 
da	segunda	metade	do	século	XIX,	altura	em	que	
a	medicina	 científica	moderna	ganha	crescente	
poder	 (Bakx,	 1991;	Saks,	 2005).	Algumas	dessas	
práticas,	 como	a	homeopatia,	no	caso	específico	
do	Reino	Unido,	chegam	mesmo,	por	esta	altura,	a	
serem	praticadas	por	profissionais	da	biomedicina,	
apesar	da	 forte	 oposição	dos	 corpos	 líderes	do	
recém-formado	movimento	corporativista	 (Saks,	
2005;	Sharma,	1992).	Estamos,	todavia,	perante	uma	
persistência	que	se	 torna	cada	vez	mais	difícil	à	
medida	que	a	enorme	força	dos	movimentos	médicos	
vai conseguindo persuadir os Estados a restringir 
o	financiamentoda	formação	médica	a	escolas	de	
medicina convencional, a introduzir sistemas de 
acreditação	e	requisitos	de	licenciamento,	bem	como	
a	codificar	as	práticas	médicas	lícitas,	diferenciando-
as	das	práticas	irregulares	(Frohock,	2002).
Entre	finais	do	século	XIX	e	princípios	do	século	XX,	
nos	casos	específicos	de	Estados	Unidos	e	Reino	Unido,	
Saúde Soc. São Paulo, v.27, n.4, p.1019-1032, 2018 1028 
o	profissionalismo	biomédico	 tinha	 já	alcançado	
elevado grau de sucesso no fechamento ocupacional 
da	prática	médica,	granjeando	o	obscurecimento	
do	pluralismo	terapêutico	até	então	vigente	(Saks,	
2003).	Wallis	e	Morley	(1976	apud	Saks,	2003,	p.	41),	
representantes da perspectiva funcionalista aplicada 
à	área	da	saúde,	vêm	contribuir	para	a	reprodução	
da abordagem mainstream	 sobre	as	 razões	dos	
privilégios	da	profissão	biomédica,	sustentando	que	
a	explicação	para	tal	fechamento	–	para	o	período	
e	espaços	geográficos	 referenciados	 –	 reside	na	
maior	capacidade	tecnocientífica	da	biomedicina	
em	oferecer	respostas	às	necessidades	do	mundo	
moderno.	Mike	Saks	(2003),	referência	na	investigação	
sobre	o	processo	de	profissionalização	na	biomedicina,	
vem rejeitar essa perspectiva essencialista, adotando 
uma	posição	 relativista,	que	enfatiza	a	análise	
das	 interações	 entre	 os	 interesses	 dos	 grupos	
ocupacionais	concorrentes.
Com efeito, situando-se na mesma linha 
relativista desenvolvida no ponto anterior, Saks 
(2003)	 rejeita	a	 ideia	de	que	a	profissionalização	
biomédica,	baseada	no	 fechamento	e	exclusão	de	
praticantes	de	outros	sistemas	médicos,	se	associe	de	
forma	linear	ao	aumento	da	sua	eficácia.	Desde	logo,	
esse	argumento	não	é	válido	para	o	caso	específico	
do	Reino	Unido	,	uma	vez	que	o	Medical	Registration	
Act	 de	 1858	 surgiu	muito	 antes	 da	 revolução	
farmacológica	e	de	outros	avanços	no	diagnóstico	
e	tratamento	que	ocorreram	já	no	século	XX	(Saks,	
2003,	p.	42).	Essa	ideia	não	se	sustém	igualmente	
para	o	caso	dos	Estados	Unidos,	já	que	nesse	país	o	
nível	em	que	se	encontrava	o	conhecimento	médico	
na	 segunda	metade	do	 século	XIX	era	 também	
limitado	 (Starr,	 1982	apud Saks,	2003,	p.	43):	os	
maiores	avanços	 científicos	na	medicina	norte-
americana	vieram	a	ser	verificados	apenas	a	partir	
do	século	XX	(Berlant,	1975	apud Saks,	2003,	p.	43).
A	 abordagem	neo-weberiana	das	profissões,	
segundo	Saks	(2003,	2005),	é	aquela	que	melhor	dá	
conta	da	conceptualização	do	poder	da	profissão	
biomédica,	 na	medida	 em	que	 contempla	uma	
análise	dos	interesses	ocupacionais	e	das	estratégias	
ativadas no sentido do controlo do mercado e do seu 
fechamento	no	âmbito	daquela	que	é,	na	verdade,	
uma	ordem	social	pluralista.	Saks	 (2003)	crê	que	
é	 justamente	o	 fechamento	social,	por	exclusão,	
que melhor caracteriza o processo de emergência 
da	profissão	biomédica	e	seu	domínio	sobre	outros	
agentes	da	área	da	saúde.
Berlant	 (1978	apud	Franco,	2010)	 –	autor	neo-
weberiano	igualmente	tido	como	referência	nesse	
domínio	de	análise	 –,	 tomando	por	base	a	 teoria	
weberiana	da	monopolização,	considera	que	uma	
das	mais	bem-sucedidas	estratégias	de	fechamento	
da	profissão	biomédica	consistiu	na	manutenção	
da	 escassez	 do	 serviço,	 o	 que	 foi	 possível	 pelo	
estabelecimento	 das	 instituições	 de	 formação	
médica	e	pela	capacidade	de	persuasão	do	Estado	a	
um	tratamento	legal	preferencial.	Essas	estratégias	
vieram	permitir	a	 eliminação	dos	 competidores	
externos,	 condição	 essencial,	 segundo	Berlant	
(1978,	apud	Franco,	2010),	para	o	estabelecimento	
de	qualquer	monopólio.
No	 início	do	 século	XX,	 a	American	Medical	
Association (AMA) diligenciou	a	realização	de	uma	
grande pesquisa, cujo objetivo primordial passava 
por	 conhecer	 as	 escolas	médicas	 dos	Estados	
Unidos e Canadá, garantindo que se revestiam 
de	sólida	base	científica.	Essa	pesquisa	 resultou	
na	publicação,	 em	 1910,	do	documento	Medical 
education in the United States and Canada: a report 
to The Carnegie Foundation for the Advancement 
of Teaching,	de	autoria	de	Abraham	Flexner.	Esse	
documento, conhecido como Relatório Flexner, 
veio a se traduzir num verdadeiro ponto de viragem 
na	história	da	profissionalização	biomédica,	não	
apenas	na	América	 do	Norte,	mas	 também	em	
muitas outras sociedades modernas ocidentais 
(para	onde	acabou	por	 ser	 exportado).	 Fixando	
rígidas	diretrizes	de	 cientificidade,	 o	Relatório 
Flexner	 serviu	para	a	AMA	exercer	pressão	sobre	
os estados norte-americanos para o encerramento 
de	um	elevado	número	de	 escolas	médicas	que,	
presumivelmente,	não	obedeciam	aos	requeridos	
padrões	de	positividade.	Como	resultado,	apenas	um	
restrito	número	de	instituições	foram	consideradas	
como	estando	dentro	desses	padrões,	 sendo	as	
demais escolas – a maioria – declaradas como 
irregulares	e,	portanto,	legalmente	forçadas	a	fechar	
(Capra,	 1982,	p.	 140).	Alcançando,	nesses	 termos,	
uma	drástica	redução	e	restrição	na	oferta	do	ensino	
médico,	o	movimento	profissional	biomédico	veio,	
assim,	a	dar	gigantescos	passos	na	consolidação	
Saúde Soc. São Paulo, v.27, n.4, p.1019-1032, 2018 1029 
do	fechamento	e	monopolização	da	área	da	saúde,	
conseguindo,	simultaneamente,	que	seus	serviços	
se tornassem bens altamente escassos e detentores 
de	elevado	prestígio	e	status	social	(Saks,	2003).
Em	meados	do	século	XX,	em	praticamente	todo	o	
mundo moderno ocidental, e muito especialmente nos 
Estados	Unidos	e	Reino	Unido,	a	profissão	biomédica	
tinha-se tornado extremamente poderosa, em virtude 
da	 reforma	 flexneriana	da	educação	médica,	do	
suporte	(legal	e	financeiro)	crescentemente	oferecido	
pelos	Estados	(Saks,	2003)	e	da	constante	reafirmação	
do	método	científico,	encarado	como	verdade	única	
e universal, válida para todos os tempos e lugares do 
mundo	(Bakx,	1991).	Dessa	forma,	no	mesmo	passo	em	
que	a	profissão	estendia	seus	poderes	e	a	ortodoxia	
biomédica	se	consolidava,	as	práticas	terapêuticas	que	
não	se	enquadravam	na	ideologia	científica	passavam	
a	ser	vistas	como	crenças	marginais,	 resquícios	
pré-modernos	ou	até	mesmo	como	formas	de	heresia	
(Bakx,	1991;	Frohock,	2002).
Após aquele que pode ser considerado como 
um	período	de	 eclipse	 (Bakx,	 1991),	 assiste-se,	
durante	as	décadas	de	1960	e	1970	–	no	âmbito	dos	
chamados	movimentos	de	contracultura	 –,	à	 (re)
emergência	do	interesse	das	populações	modernas	
ocidentais por sistemas terapêuticos tradicionais 
ou	não	científicos.	Importa	sublinhar,	todavia,	que	
a crescente visibilidade e reconhecimento desses 
sistemas	não	vem	destronar	a	biomedicina	da	sua	
posição	de	hegemonia	(Cant;	Sharma,	1996,	1999;	
Collyer,	2004),	o	que	é	bem	revelador	do	modo	eficaz	
com	que	soube	construir	o	seu	projeto	de	dominação.
Considerações finais
Segundo	Boaventura	de	Sousa	Santos	(2007),	o	
pensamento	moderno	ocidental	é	abissal,	assente	
em	distinções	visíveis	e	invisíveis,	sendo	que	estas	
últimas	são	estabelecidas	mediante	linhas	radicais,	
que	inviabilizam	a	copresença	do	universo	“deste	
lado	da	 linha”	com	o	universo	“do	outro	 lado	da	
linha”.	Esse	“outro	lado	da	linha”	é	produzido	como	
realidade	que	não	existe	–	ou	que,	pelo	menos,	não	
existe	numa	lógica	de	horizontalidade.	No	campo	
do conhecimento, elucida o autor, “o pensamento 
abissal	consiste	na	concessão	à	ciência	moderna	
do	monopólio	 da	 distinção	 universal	 entre	 o	
verdadeiro	e	o	falso”	 (Santos,	2007,	p.	5).	Do	 lado	
de	cá,	está	a	verdade	científica;	do	lado	de	lá,	“não	
há	conhecimento	real;	existem	crenças,	opiniões,	
magia, idolatria, entendimentos intuitivos ou 
subjetivos, que, na melhor das hipóteses, podem 
tornar-se	objetos	ou	matéria-prima	para	a	inquirição	
científica”	(Santos,	2007,	p.	5).
A	metáfora	do	pensamento	abissal	afigura-se	
bastante interessante e adequada para ilustrar o 
modo como a biomedicina se impôs como modelo 
médico	hegemónico	nas	 sociedades	modernas	
ocidentais.	Umbilicalmente	ligada	à	ciência	moderna,	
o	modelo	biomédico	nasce	e	desenvolve-seno	“lado	de	
cá	da	linha”,	naturalizando-se	e	universalizando-se	
como epistemologicamente superior a todas as outras 
formas de saber terapêutico, sendo estas últimas 
remetidas,	claro	está,	para	o	“lado	de	lá	da	linha”.	Ora,	
o estabelecimento de um pensamento pós-abissal na 
área	da	saúde	–	condição	fundamental	para	a	criação	
de	uma	verdadeira	“ecologia	de	saberes”	–	implica,	
necessariamente,	que	se	reconheça	a	persistência	
do	pensamento	abissal,	pois	só	assim	é	possível	
pensar	e	agir	para	além	dele	(Santos,	2007,	p.	27).	
Por	mais	que	a	necessidade	desse	reconhecimento	
nos possa parecer algo de redundante – atendendo a 
uma	certa	retórica	política/social	que	parece	fazer	
crer	que	se	vive	numa	época	de	grande	respeito	pela	
pluralidade	de	saberes	–,	certo	é	que	a	“realidade	
abissal”	continua	a	existir	no	campo	dos	cuidados	
de	saúde,	sinalizando-nos	essa	urgência.	De	facto,	na	
prática,	e	não	obstante	o	crescente	reconhecimento	
público da sua incompletude, a biomedicina continua 
a	figurar	como	modelo	médico	epistemologicamente	
superior	 (Luz,	2005,	2014),	pautando	e	regulando	
o	que	se	entende	por	“saber	médico”.	E	é	aí,	nessa	
representação	de	 superioridade,	 que	continua	a	
residir	um	dos	maiores	obstáculos	à	criação	de	uma	
“ecologia	de	saberes”	na	área	médica.
Diante	do	reconhecimento	dessa	persistência,	
torna-se bastante clara a importância de as 
ciências	sociais	reavivarem,	no	palco	da	produção	
académica,	 o	 processo	 de	 hegemoneização	 da	
biomedicina, rememorando seu carácter de 
construção	 sociocultural.	 Foi	 com	base	 nessa	
percepção	que	este	artigo	se	propôs	olhar	para	lá	
da	versão	essencialista	da	(suposta)	superioridade	
biomédica,	mostrando	como	essa	 superioridade	
Saúde Soc. São Paulo, v.27, n.4, p.1019-1032, 2018 1030 
decorre, na verdade, de um complexo quadro 
de	 produção	 histórica	 –	 sociocultural	 –,	 não	
correspondendo,	de	 todo,	à	 tradução	de	um	valor	
epistemológico naturalmente superior a outros 
sistemas	de	cura	ou	de	conhecimento	terapêutico.
Foi	então	possível,	por	meio	de	uma	revisão	da	
literatura sobre o tema, revisitar sinteticamente 
os	principais	eixos	de	sustentação	da	construção	
do gigantesco poder simbólico da biomedicina no 
contexto	da	modernidade	ocidental.	Revisitámos,	
em	primeiro	 lugar,	 a	 ligação	da	biomedicina	 à	
racionalidade cognitiva-instrumental da ciência 
moderna, percebendo como a permeabilidade a 
essa racionalidade lhe conferiu estatuto de “regime 
de	verdade”	ou	de	“metanarrativa”,	catapultando	
instantaneamente todos os outros sistemas de 
cura e práticas terapêuticas para o “lado de lá da 
linha”.	Revimos,	em	segundo	lugar,	o	processo	de	
anatomoclínica	 e	o	modo	como,	por	 intermédio	
dele, a biomedicina se compatibilizou com os ideais 
modernos	e	se	estabeleceu	como	poder	normativo/
regulador, passando a auferir, por parte dos Estados, 
prova	de	validade	e	proteção	legal.	Reexaminámos,	
em terceiro lugar, aquela que se constitui como uma 
das	mais	“eficazes”	narrativas	do	modelo	biomédico,	
a	saber,	a	ideia	de	que	a	sua	hegemonização,	iniciada	
de	modo	mais	pujante	em	meados	do	século	XIX,	se	
deveu, em grande medida, ao reconhecimento público 
da	sua	maior	eficácia	diante	de	outros	 saberes.	
Questionou-se	essa	suposta	maior	eficácia	biomédica,	
relativizando-a no quadro da sua compatibilidade 
com os novos imperativos capitalistas, os quais, 
entre	outros	aspectos,	 ressignificaram	a	relação	
das	classes	 trabalhadoras	com	a	noção	de	 tempo	
e	 os	 processos	naturais/expectantes	 de	 cura.	
Finalmente,	 num	último	ponto,	 revisitámos	 a	
importância	da	constituição	de	um	forte	movimento	
profissional,	colocando	em	evidência	a	forma	como	
esse	movimento,	mediante	hábeis	estratégias	de	
pressão	institucional,	veio	a	conseguir	consolidar	o	
privilégio	epistémico	da	biomedicina.
Apesar	da	clara	 intersecção	entre	a	crescente	
insatisfação	social	com	os	efeitos	iatrogénicos	do	
reducionismo	biomédico	e	a	gradativa	manifestação	
de interesse e procura pelos saberes terapêuticos 
não	 científicos,	 a	 biomedicina	 não	 deixa	 de	
produzir e reproduzir, nos dias que correm, sua 
hegemonia	 (Franco,	2010;	Luz,	2005,	2014).	Hoje,	
como	antes,	a	criação	e	a	negação	do	“outro	lado	da	
linha”	fazem	parte	dos	seus	princípios	e	práticas	
hegemónicas	 (Santos,	2007).	A	diferença	está	no	
enorme desafio que os saberes terapêuticos do 
“outro	 lado	da	 linha”	 lhe	 têm	vindo	a	colocar	em	
virtude	da	 forte	pressão	social	que	os	 fazem	sair	
dos	antigos	lugares	de	invisibilidade.	Em	face	desse	
desafio,	o	modelo	biomédico	tem	vindo	a	fazer	uso	
de	 estratégias	 reatualizadas	de	 reafirmação	da	
sua	soberania	epistémica,	muito	particularmente	
pela	 pressão	 institucional	 exercida	pelos	 seus	
movimentos	corporativistas.	Uma	das	mais	recentes	
estratégias	de	preservação	dessa	soberania	 tem	
residido	na	tentativa	de	apropriação	ou	cooptação	
de	algumas	das	técnicas	terapêuticas	desses	outros	
saberes, desapropriando-os dos seus próprios 
sistemas de conhecimentos e submetendo-os aos 
cânones	epistemológicos	científicos	(Franco,	2010).	
Essa	não	é,	de	resto,	uma	estratégia	inovadora	da	
biomedicina,	mas	uma	estratégia	crescentemente	
utilizada	por	todas	as	manifestações	do	pensamento	
abissal,	situadas	“do	lado	de	cá	da	linha”	(Santos,	
2007).	Uma	estratégia,	adite-se,	que	nos	recorda	–	
a	nós,	cientistas	sociais	 –	da	 importância	de	não	
repousarmos na nossa capacidade reflexiva e 
autorreflexiva,	exercitando	sempre	a	atenção	plena	
às	novas	formas	de	reprodução	dos	saberes	e	poderes	
hegemonicamente	instituídos.
Referências
ANDRADE,	J.	T.;	COSTA,	L.	F.	A.	Medicina	
complementar no SUS: práticas integrativas sob 
a	luz	da	antropologia	médica.	Saúde e Sociedade, 
São	Paulo,	v.	19,	n.	3,	p.	497-508,	2010.
BAKX,	K.	The	“eclipse”	of	folk	medicine	in	
Western	society.	Sociology of Health & Illness, 
Hoboken,	v.	13,	n.	1,	p.	20-38,	1991.
BASTOS,	C.	A	pesquisa	médica,	a	SIDA	e	as	
clivagens da ordem mundial: uma proposta de 
antropologia	da	ciência.	Análise Social,	Lisboa,	
v.	32,	n.	140,	p.	75-111,	1997.
BASTOS,	C.	Ciência, poder, ação:	as	respostas	à	
sida. Lisboa:	Imprensa	de	Ciências	Sociais,	2002.
Saúde Soc. São Paulo, v.27, n.4, p.1019-1032, 2018 1031 
BIVINS,	R.	The	body	in	balance.	In:	PORTER,	R.	
Medicine:	a	history	of	healing:	ancient	traditions	
to	modern	practices.	New	York:	Barnes	&	Noble,	
1997.	p.	94-117.
CAMARGO	JUNIOR,	K.	R.	(Ir)racionalidade	
médica:	os	paradoxos	da	clínica.	Physis,	Rio	de	
Janeiro,	v.	2,	n.	1,	p.	203-230,	1992.
CANT,	S.;	SHARMA,	U.	Introduction.	In:	CANT,	
S.;	SHARMA,	U.	Complementary and alternative 
medicines:	knowledge	in	practice.	London:	Free	
Association,	1996.	p.	1-24.
CANT,	S.;	SHARMA,	U.	A new medical pluralism? 
Alternative medicine, doctors, patients and the 
state.	London:	Routledge,	1999.
CAPRA,	F.	Ponto de mutação.	São	Paulo:	Cultrix,	
1982.
CATÃO,	M.	Ó.	Genealogia do direito à saúde: 
uma	reconstrução	de	saberes	e	práticas	na	
modernidade.	Campina	Grande:	EDUEPB,	2011.
COLLYER,	F.	The	corporatisation	and	
commercialisation	of	CAM.	In:	TOVEY,	P.;	
EASTHOPE,	G.;	ADAMS,	J.	The mainstreaming of 
complementary and alternative medicine studies in 
social context.	London:	Routledge,	2004.	p.	81-99.
CRUZ,	A.	Metáforas	que	constroem,	metáforas	que	
destroem:	a	biomedicina	como	vocabulário	social.	
O Cabo dos Trabalhos,	Coimbra,	n.	2,	p.	1-33,	2007.
DOUGLAS,	M.	Pureza e perigo: ensaio sobre as 
noções	de	poluição	e	tabu.	Lisboa:	Edições	70,	1991.
FOUCAULT,	M.	O nascimento da clínica.	Rio	de	
Janeiro:	Forense	Universitária,	1977.
FOUCAULT,	M.	Power/knowledge: selected 
interviews	&	other	writings,	1972-1977.	New	York:	
Pantheon,	1980.
FOUCAULT,	M.	Microfísica do poder.	Rio	de	
Janeiro:	Graal,	1992.
FOUCAULT,	M.	A ordem do discurso.	São	Paulo:	
Loyola,	1999.
FOUCAULT,	M.	Em defesa da sociedade.	São	
Paulo:	Martins	Fontes,	2005.
FRANCO,	L.	O processo de institucionalização 
das medicinas alternativas e complementares:o	caso	da	acupuntura	em	Portugal.	2010.	Tese	
(Doutorado	em	Sociologia)	–Universidade	Nova	de	
Lisboa,	Lisboa,	2010.
FROHOCK,	F.	M.	Moving	lines	and	variable	
criteria:	differences/connections	between	
allopathic	and	alternative	medicine.	The Annals 
of the American Academy of Political and Social 
Science,	Thousand	Oaks,	v.	583,	p.	214-232,	2002.
GOMES,	C.;	MENESES,	M.	P.	História	e	
colonialismo:	por	uma	inter-historicidade.	
Recueil Alexandries,	[S.l.],	À	Traduire, déc.	2011.	
Disponível	em:	<https://bit.ly/2PYg2cC>.	Acesso	
em:	4	maio	2018.
GOOD,	B.	J.	Medicine, rationality and experience: 
an	anthropological	perspective.	Cambridge:	
Cambridge	University	Press,	1994.
HAHN,	R.;	KLEINMAN,	A.	Biomedical	practice	
and	anthropological	theory:	frameworks	and	
directions.	Annual Review of Anthropology,	Palo	
Alto,	v.	12,	n.	117,	p.	305-333,	1983.
KLEINMAN,	A.	Patients and healers in the context 
of culture.	Berkeley:	University	of	California	
Press,	1980.
LAPLANTINE,	F.	Antropologia da doença.	São	
Paulo:	Martins	Fontes,	1991.
LE	BRETON,	D.	Antropologia del cuerpo y 
modernidad.	Buenos	Aires:	Nueva	Visión,	2002.
LOCK,	M.;	NGUYEN,	V.-K.	An anthropology of 
biomedicine.	Chichester:	Wiley-Blackwell,	2010.
LOPES,	N.	Consumos	terapêuticos	e	pluralismo	
terapêutico.	In:	LOPES,	N.	Medicamentos e 
pluralismo terapêutico: práticas e lógicas sociais 
em	mudança.	Porto:	Afrontamento,	2010.	p.	19-85.
LOPES,	N.	et	al.	O	natural	e	o	farmacológico:	padrões	
de	consumo	terapêutico	na	população	portuguesa. 
Saúde e Tecnologia,	Lisboa,	n.	8,	p.	5-17,	nov.	2012.
LUZ,	M.	T.	Cultura	contemporânea	e	medicinas	
alternativas:	novos	paradigmas	em	saúde	no	fim	
do	século	XX.	Physis,	Rio	de	Janeiro,	v.	7,	n.	15,	
p.	145-176,	2005.
Saúde Soc. São Paulo, v.27, n.4, p.1019-1032, 2018 1032 
LUZ,	M.	T.	A arte de curar versus a ciência das 
doenças:	história	social	da	homeopatia	no	Brasil.	
Porto	Alegre:	Rede	Unida,	2014.
LYOTARD,	J.-F.	A condição pós-moderna.	Lisboa:	
Gradiva,	2003.
MENÉNDEZ,	E.	L.	El	modelo	médico	y	la	salud	de	
los	trabajadores.	Salud Colectiva,	Lanús,	v.	1,	n.	1,	
p.	9-32,	2005.
MENESES,	M.	P.	Epistemologias	do	Sul.	Revista 
Crítica de Ciências Sociais,	Coimbra,	n.	80,	p.	5-10,	
2008.
MIGNOLO,	W.	Os	esplendores	e	as	misérias	
da	ciência:	colonialidade,	geopolítica	do	
conhecimento	e	pluriversalidade	epistémica.	
In:	SANTOS,	B.	S.	Conhecimento prudente para 
uma vida decente: um discurso sobre as ciências 
revisitado.	Porto:	Afrontamento,	2003.	p.	667-709.
MIGNOLO,	W.	A	colonialidade	de	cabo	a	rabo:	
o	hemisfério	ocidental	no	horizonte	conceitual	
da	modernidade.	In:	LANDER,	E.	A colonialidade 
do saber: eurocentrismo e ciências sociais: 
perspetivas	latino-americanas.	Buenos	Aires:	
Clasco,	2005.	p.	71-103.
PITA,	J.	R.	Farmácia,	medicamentos	e	
microbiologia	em	Miguel	Bombarda.	In:	PEREIRA,	
A.	L.;	PITA,	J.	R.	Miguel Bombarda (1851-1910) e as 
singularidades de uma época.	Coimbra:	Imprensa	
da	Universidade	de	Coimbra,	2006.	p.	49-60.
QUEIROZ,	M.	S.	O	paradigma	mecanicista	da	
medicina ocidental moderna: uma perspectiva 
antropológica.	Revista de Saúde Pública,	São	
Paulo,	v.	20,	n.	4,	p.	309-317,	1986.
SAKS,	M.	Orthodox and alternative medicine: 
politics,	professionalization	and	health	care.	
London:	Sage,	2003.
SAKS,	M.	Medicine	and	complementary	medicine:	
challenge	and	change.	In: SCAMBLE,	G.;	HIGGS,	P.	
Modernity, medicine and health:	medical	sociology	
towards	2000.	London:	Routledge,	2005.	p.	198-215.
SANTOS,	B.	S.	Toward a new common sense.	New	
York:	Routledge,	1995.
SANTOS,	B.	S.	A crítica da razão indolente: 
contra	o	desperdício	da	experiência.	Porto:	
Afrontamento,	2000.
SANTOS,	B.	S.	Para	além	do	pensamento	abissal:	
das	linhas	globais	a	uma	ecologia	dos	saberes.	
Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, 
n.	78,	p.	3-46,	2007.
SANTOS,	B.	S.;	MENESES,	M.	P.;	NUNES,	J.	A.	
Introdução:	para	ampliar	o	cânone	da	ciência:	a	
diversidade	epistemológica	do	mundo.	In:	SANTOS,	
B.	S.	Semear outras soluções: os caminhos da 
biodiversidade	e	dos	conhecimentos	rivais.	Porto:	
Afrontamento,	2004.	p.	19-101.
SHARMA,	U.	Complementary medicine today: 
practitioners	and	patients.	London:	Routledge,	1992.
WALLERSTEIN,	I.	The modern world-system: 
capitalist agriculture and the origins of the 
European	world-economy	in	the	sixteenth	
century.	New	York:	Academic	Press,	1974.
Agradecimentos
Manifesto o meu agradecimento a toda a equipa editorial, bem 
como aos revisores científicos pelos seus comentários e sugestões 
que muito enriqueceram este artigo.
Recebido: 14/09/2018
Aprovado: 17/10/2018

Mais conteúdos dessa disciplina