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Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 1 Texto para o livro “Grandes questões atuais do Direito Tributário”. Vol. 8 São Paulo: Dialética, 2004. Autor: Ricardo Mariz de Oliveira “COFINS-IMPORTAÇÃO” E “PIS-IMPORTAÇÃO” SUMÁRIO. I - Natureza jurídica da contribuição social sobre a importação de bens ou serviços. II - Objetos de importação: bens e serviços. A questão da sujeição passiva no caso da importação de serviços. Alguns exemplos. III - A “não-cumulatividade” com a COFINS e a contribuição ao PIS. A questão da isonomia. IV - Alíquotas distintas. Novamente a questão da isonomia. V - A base de cálculo. Trato constitucional. VI – A natureza dos “créditos” e o seu regime de tributação perante o imposto de renda da pessoa jurídica e a contribuição social sobre o lucro. *********************** *********************** Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 2 I - NATUREZA JURÍDICA DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE A IMPORTAÇÃO DE BENS OU SERVIÇOS A primeira preocupação que se deve ter no estudo de qualquer tributo deve ser a identificação da natureza jurídica do mesmo, a partir da qual seguramente surgirão diversas conseqüências, assim como quaisquer outras considerações e constatações em torno desse tributo necessariamente deverão estar em conformidade com essa sua natureza. No caso da contribuição social sobre a importação de bens ou serviços, uma das conseqüências práticas dessa identificação é a percepção da impropriedade das denominações dadas à mesma pela lei ordinária – referidas no título deste estudo-, além de outras decorrentes, como veremos no desenrolar deste texto. Vejamos, pois, como a contribuição do inciso IV do art. 195 da Constituição Federal, inserido pela Emenda Constitucional n. 42, de 30.12.2003, pode e deve ser identificada, prosseguindo depois com a análise da Lei n. 10865, de 30.4.2004, sendo certo que a legislação com base na qual este texto está sendo escrito é a vigente na data da sua conclusão, isto é, em 11.7.2004. 1 Vale ressaltar de início que a natureza jurídica da nova contribuição, assim como a de qualquer outro tributo, deve ser extraída primeiramente da própria Constituição, e depois das leis infraconstitucionais que o regem, até porque uma eventual desconsideração, por estas, da real identidade do tributo concebida na Lei Magna, pode chegar a desfigurá-lo e a tornar inconstitucionais normas dessas leis que se afastem do tributo tal como ele deve ser. Destarte, apenas se houver absoluta conformidade da lei ordinária com a competência constitucional relativa ao tributo em questão, aquela poderá ser usada como fonte de pesquisa sobre a natureza jurídica da exação por ela disciplinada. Neste mister, a primeira observação cabível é quanto à própria dicção da disposição constitucional outorgante da competência da União Federal para instituir essa contribuição social destinada ao financiamento da seguridade social, ou seja, à maneira de expressão contida no inciso IV do art. 195. 1 A propósito desta data, dedico este trabalho à minha filha Thais, pelo seu trigésimo aniversário hoje cumprido. Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 3 Segundo esse dispositivo, é permitida a instituição de contribuição destinada a financiar a seguridade social “do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar”. Além disso, não se pode olvidar que a mesma Emenda Constitucional n. 42 deu ao inciso II do parágrafo 2º do art. 149 redação segundo a qual as contribuições sociais e as de intervenção no domínio econômico a que se refere o “caput” do artigo “incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços”. Tendo em vista que as contribuições sociais do “caput” do art. 149 também abrangem as destinadas à seguridade social, é claro que o inciso II do seu parágrafo 2º abarca a nova fonte de financiamento desse setor público inserida no inciso IV do art. 195, tendo vindo ao ordenamento jurídico juntamente com ela. Veremos adiante que as duas prescrições constitucionais estão justapostas, embora a do art. 195 seja mais ampla do que a do art. 149. Portanto, a contribuição em causa incide sobre a importação de bens ou de serviços, o que é fundamental para identificar a sua natureza jurídica, eis que para a determinação da natureza jurídica específica de cada tributo deve- se atentar para a respectiva hipótese de incidência, ou melhor, para a materialidade descrita na norma constitucional atributiva da respectiva competência tributária. Isto vem confirmado no âmbito das normas gerais de direito tributário destinadas à explicitação das disposições constitucionais sobre esse ramo do direito - normas estas baixadas segundo a competência prevista no art. 146 da Constituição, ou recepcionadas como tal -, onde encontramos no art. 4º do Código Tributário Nacional (CTN) o preceito segundo o qual: “Art. 4º - A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: I – a denominação e demais características formais adotadas pela lei; II – a destinação legal do produto da arrecadação.” Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 4 Desse dispositivo da lei complementar, apenas a exclusão da relevância da destinação da arrecadação merece algum reparo e deve ser entendida com tempero 2, eis que é a destinação da arrecadação de determinados tributos para a seguridade social que lhes confere identidade para este fim. Afora isto, a definição desse dispositivo do CTN é irreparável, e dela se retira principalmente a prescrição de que é pelo fato gerador que se identifica a natureza específica do tributo, prescrição esta que está de acordo com a afirmação retro no sentido de que tal natureza deve ser identificada a partir da materialidade tributária descrita e conferida pela Carta Constitucional. Destarte, ainda que em virtude dessa sua destinação comum todas as contribuições sociais para o financiamento da seguridade social pertençam a uma categoria própria - ou um gênero -, elas não se identificam entre si, diferenciando-se exatamente em decorrência da hipótese de incidência de cada uma delas, a qual confere a cada uma a sua natureza específica distinta das demais. A grande divisão do gênero tributos, reconhecida e proclamada em nosso direito tributário, distingue três espécies chamadas “impostos”, “taxas” e “contribuições”. Mas, em cada uma dessas espécies vamos encontrar tributos distintos exatamente por serem distintas as suas hipóteses de incidência ou em virtude das suas destinações. Assim também é com a espécie contribuições, dentre as quais vamos encontrar subespécies distintas, como a das contribuições destinadas à seguridade social, mas dentro desta ainda vamos encontrar sub-subespécies de diferentes tributos, porque diferentes são as suas hipóteses de incidência. 2 O dispositivo volta-se para diferenciar a obrigação tributária do posterior momento da destinação da respectiva arrecadação, que é matéria já pertencente à outra norma jurídica, inclusive não tributária. Mas mesmo isto merece cuidado quanto à sua compreensão e aplicação, para que não seja passado um cheque em branco ao arbítrio do poder arrecadatório. Como se sabe, a jurisprudência tem recusado validade a determinados tributos exatamente em virtude de indevidos desvios na sua aplicação, ou a indevidas vinculações da sua arrecadação. Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 5 Por isso, não é importante chamar o agrupamento composto pelas contribuições da seguridade social de um gênero, ou de uma categoria, ou dizer que elas pertencem a uma espécie - para atender à clássica separação das espécies impostos, taxas e contribuições do gênero tributos -, caso emque as contribuições para a seguridade social são subespécies e os seus diferentes tipos são sub-subspécies, porque uns e outros termos são expressões adotadas para categorização dos tributos, mas onde o essencial é constatar a hipótese de incidência de cada um deles, além da destinação que, no caso, é relevante para se completar a identificação do grupo a que a espécie pertence. É através deste processo, neste último aspecto e exclusivamente em razão dele, que se separa o imposto de renda como uma espécie tributária distinta em relação à contribuição social sobre o lucro, a despeito de que ambas as exações incidam sobre uma mesma materialidade, e ainda que algumas regras relativas à quantificação das suas bases de cálculo sejam diferentes. Pois quanto às contribuições sociais destinadas ao financiamento da seguridade social, conquanto agrupadas por esta finalidade que lhes é comum, distinguem-se entre si exatamente devido às suas distintas hipóteses de incidência. Partindo-se desta premissa, interessa-nos no presente estudo verificar apenas que a contribuição da seguridade social sobre a importação de bens ou serviços não se confunde – é espécie tributária distinta - com as contribuições da seguridade social sobre receitas (inclusive faturamento), assim como cada uma delas se distingue da contribuição sobre o lucro, ou da contribuição sobre remunerações do trabalho, ou da contribuição sobre a receita de concursos de prognósticos, embora todas elas sejam destinadas à seguridade social. Por isso, pode-se dizer que tem uma certa lógica e justificativa a figuração da contribuição sobre importações em inciso do “caput” do art. 195 distinto do inciso onde estão localizadas as contribuições sobre as receitas, inclusive sobre o faturamento. Claro que este ponto não é fundamental, tanto que no inciso I, embora em alíneas destacadas, estão previstas diversas espécies distintas entre si, mas, no caso da contribuição sobre importações, a sua Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 6 separação em inciso próprio pontua a distinção entre ela e as anteriores contribuições sobre as receitas. 3 Desta assertiva deflui que, a todo rigor, não são apropriadas as denominações “PIS/PASEP-importação” e “COFINS-importação” que constam da Lei n. 10865, a qual disciplina a cobrança destas novas modalidades de contribuições. Esses nomes somente se justificam na prática para facilitar a compreensão do sistema de uma e outra sub-divisão daquela que na essência é uma única contribuição, inclusive tendo em vista a posterior compensação de cada uma dessas partes com, respectivamente, a efetiva e verdadeira contribuição ao PIS e a efetiva e verdadeira COFINS. Neste particular, portanto, novamente o art. 4º do CTN vem demonstrar a absoluta irrelevância do “nomen juris” do tributo para se saber da sua verdadeira e específica natureza jurídica. A propósito disto, voltaremos a ver outra impropriedade quando tratarmos da importação de bens. Mesmo a subdivisão da única contribuição em duas partes, e com alíquotas atribuídas a cada uma delas, é essencialmente inconsistente, já que havendo uma única hipótese de incidência - importação de bem ou importação de serviço - há uma única e mesma natureza jurídica específica. Portanto, também isto se destina àquele objetivo prático acima referido, o qual, contudo, não transmuda a essência do tributo, e poderia ter sido atingido por outros mecanismos. Sendo assim, e para finalizar estas observações preliminares, resta notar que a contribuição do inciso IV do art. 195 pode incidir sobre a importação de bens ou sobre a importação de serviços, cujo conteúdo específico será estudado mais adiante. Por ora, fique consignado que a incidência do art. 195, inciso IV, é muito mais ampla do que a prevista em geral para as demais contribuições sociais no art. 149. Realmente, nesta está referida a possibilidade da criação de 3 Mas há outras consequências derivadas da separação de incisos, a primeira das quais, relevante neste estudo, é a inaplicabilidade do parágrafo 9º do art. 195 à contribuição sobre a importação de bens ou serviços, como será analisados nos capítulos III e IV. Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 7 contribuições sociais sobre a importação de “produtos”, mas no art. 195 a previsão é de contribuição sobre a importação de “bens”, que, como veremos, é muito mais abrangente do que aquela. Mas não há incongruência ou contrariedade entre essas duas prescrições constitucionais, pois uma delas é genérica ao abarcar todas as contribuições sociais autorizadas pelo art. 149, e não apenas as destinadas ao financiamento da seguridade social, ao passo que estas estão com disciplina própria e específica no art. 195, onde nada impede ter havido o alargamento contido no seu inciso IV. Claro que haverá quem sustente que os dois dispositivos constitucionais devem se harmonizar por inteiro, de modo que a referência ampla do art. 195 deveria ficar entendida nos limites mais restritos do art. 149. Todavia, não deve ser assim, pelas razões expostas e também porque não parece que o inciso II do parágrafo 2º do art. 149 tenha restringido o campo de incidência mais largo autorizado pelo art. 195, inciso IV, inclusive tendo-se em vista que a alocução “importação de produtos estrangeiros”, constante daquele, está precedida pela palavra “também”, que dá idéia de não exclusividade. De qualquer modo, sobrepõe-se na solução desta suposta contradição o princípio da especialidade, recomendado para o afastamento de toda e qualquer aparente antinomia entre normas do ordenamento jurídico, principalmente quando sediadas no mesmo diploma legal. II - OBJETOS DE IMPORTAÇÃO: BENS E SERVIÇOS – A QUESTÃO DA SUJEIÇÃO PASSIVA NO CASO DA IMPORTAÇÃO DE SERVIÇOS - ALGUNS EXEMPLOS Conforme visto no capítulo anterior, a Constituição Federal autoriza a instituição de contribuição social destinada ao financiamento da seguridade social que incida sobre a importação de bens ou sobre a importação de serviços, tendo essa competência tributária sido exercida através da Lei n. 10685, a qual adveio da Medida Provisória n. 164, de 29.1.2004. Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 8 Podemos passar agora à completa identificação desses dois objetos de importação, para se compreender por inteiro e em detalhes a hipótese de incidência da contribuição, tendo o cuidado de comparar as disposições da lei ordinária com o inciso IV do art. 195, eis que aquelas podem ficar aquém deste, mas não podem extravasá-lo. Conceito de bens importados Uma imediata advertência a ser feita é no sentido de que o inciso IV do art. 195 da Constituição não se refere a produtos ou a mercadorias, mas, sim, à contribuição devida pelo “importador de bens”. Como visto no capítulo precedente, embora a previsão para as contribuições sociais em geral seja no sentido de que também podem incidir sobre a importação de produtos, conforme o disposto no art. 149, parágrafo 2º, inciso II, as contribuições sociais destinadas à seguridade social têm o seu campo de incidência fixado na importação de bens, e não apenas e especificamente na de produtos. Considerando que o termo “produto” tem alcance menos abrangente do que o termo “bem”, ou melhor, considerando que produto é somente uma espécie do gênero bens, constata-se desde logo a maior amplitude conferida pelo inciso IV do art. 195, que, na verdade, é de alcance muito extenso. Realmente, “bem” é conceito definido pelo Código Civil, e, participando da discriminação da competência tributária, deve ser entendido tal como é definido por esse código, eis que, quando a Constituição adota termos do direito privado, estes devem ser compreendidos com o mesmo significado que possuem neste ramo do direito. Este é um preceito de hermenêutica jurídica consagrado na melhordoutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, e acabou por ser transformado em norma do direito positivo pelo art. 11, inciso I, letra “a”, da Lei Complementar n. 95, de 26.2.1998, lei esta que foi promulgada no cumprimento da determinação do parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e que se impõe obrigatoriamente ao legislador quando da confecção das leis em geral, inclusive das emendas constitucionais. Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 9 No tocante às normas constitucionais que outorgam competências tributárias esse preceito adquire uma particular importância, a qual é revelada no art. 110 do CTN, norma esta que explicita as discriminações de rendas tributárias constantes da Constituição e, assim fazendo, declara textualmente que “a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, ..., para definir ou limitar competências tributárias”. Portanto, “bem” não é apenas “produto”, ou mesmo “mercadoria”, pois é palavra com alcance muito mais amplo, não apenas na linguagem vulgar, como também dentro do direito privado. A propósito deste aspecto terminológico, pode-se, por outro lado, constatar como está certo o art. 4º do CTN ao declarar a irrelevância da denominação do tributo adotada pela lei. Com efeito, confundindo-se inteiramente, a Lei n. 10865, depois de decompor a contribuição em duas e de apelidar cada uma de PIS/PASEP e COFINS, diz que são incidentes na “Importação de Produtos Estrangeiros ou Serviços - PIS/PASEP – Importação” e “Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social devida pelo Importador de Bens Estrangeiros ou Serviços do Exterior – COFINS – Importação”. (grifos apostos) Claro que, somente por isso, ninguém vai cometer o desatino de dizer que uma parte da contribuição somente pode incidir sobre produtos, enquanto que a outra pode incidir sobre bens em geral. Assim, há que se investigar no direito privado o que se entende por “bem”. Ora, segundo o Código Civil, além dos bens imóveis, há os bens móveis, conceituados pelo art. 82 como sendo os suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração de substância ou da sua destinação econômico-social. Tão importante quanto esta conceituação genérica é a lista das espécies de bens que se consideram móveis para todos os efeitos legais, lista esta constante do art. 83 e que inclui as energias com valor econômico, os direitos Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 10 reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes, e, também, os direitos pessoais de caráter patrimonial e as respectivas ações. Isto significa que, pelo art. 83, a importação de direitos pessoais com característica patrimonial, mesmo não tendo existência corpórea, mas tendo movimento virtual de fora para dentro do País, está no campo de incidência da contribuição previsto no art. 195, inciso IV, da Constituição. O mencionado aspecto do movimento evidentemente é indissociável da hipótese de incidência, e será abordado em detalhes mais adiante, quando for tratada a importação de serviços, onde ele se apresenta coberto de mais dificuldades. Contudo, no tocante à importação de bens, por ora basta registrar que não é apenas a aquisição de um bem móvel no exterior que pode dar origem à obrigação tributária, mas, sim, a aquisição do mesmo seguida da sua trazida física ou virtual para dentro do País. Além de outras razões que serão vistas adiante, esse requisito está expresso no art. 3º, inciso I, da Lei n. 10865, o qual diz que o fato gerador é “a entrada de bens no território nacional”, sendo complementado, neste aspecto, pelo art. 5º, inciso I, segundo o qual é contribuinte “o importador, assim considerada a pessoa física ou jurídica que promova a entrada de bens estrangeiros no território nacional”. Voltando à ampla conceituação de bem, verifica-se, por exemplo, que um direito de patente registrado no exterior é um tipo de bem móvel segundo a definição da lei civil, o qual, se adquirido e trazido para registro no nosso Instituto Nacional da Propriedade Industrial, constitui-se em importação de bem passível de incidência da contribuição, segundo o inciso IV do art. 195 da Constituição. De tudo o que foi dito conclui-se que a contribuição pode incidir sobre a importação de todo e qualquer bem segundo a definição do Código Civil, mas desde que seja bem suscetível de movimento, pois a hipótese de incidência se caracteriza pelo ingresso de bens no território nacional. Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 11 Por consequência, o objeto de importação passível de incidência da contribuição necessariamente tem que ser um bem móvel, como considerado pelo referido código, estando excluídos os bens imóveis. Não obstante, a Lei n. 10865 não usou a competência constitucional em toda a sua extensão, pois, em resumo: - no inciso I do art. 4º ela determina o momento de ocorrência do fato gerador da contribuição sobre a importação de bens como sendo a data do registro da declaração de importação, mas esse evento não existe em todo e qualquer caso, inclusive, por exemplo, na trazida de direitos pessoais de natureza incorpórea, dentre estes os direitos de patentes; - no art. 7º ela estabelece a base de cálculo como sendo o valor aduaneiro que servir ou serviria de base para o cálculo do imposto de importação, com determinados acréscimos, mas esse valor também não se aplica a todas as coisas, inclusive aos direitos de patentes e outros direitos pessoais de natureza incorpórea com cunho patrimonial. 4 Destarte, quando a lei não exija declaração de importação, ou quando não haja valor aduaneiro para incidência do imposto de importação, não se dá a ocorrência do fato gerador das contribuições sobre importação de bens, ainda que a lei pudesse ter disciplinado essas situações dentro da mais ampla competência que lhe foi outorgada pela Constituição. Uma consideração adicional que pode ser levantada a este propósito, diz respeito ao referido inciso I do art. 4º da Lei n. 10865, podendo-se pensar que a interpretação do mesmo seria outra, diferente da acima apresentada, isto é, que o momento de ocorrência do fato gerador seria o do registro da declaração de importação somente quando houvesse exigência legal desse documento e dessa providência, de tal modo que, nos casos em que ela não seja aplicável, outro seria o momento de ocorrência do fato gerador. Contudo, não é bem assim, pois, se não for aplicável o inciso I do art. 4º, não haverá outro 4 A definição legal de valor aduaneiro somente contempla os “royalties” como parte integrante do custo de mercadorias (vide capítulo V), além de que na aquisição da titularidade de direitos de propriedade industrial a contraprestação paga é preço de aquisição, e não “royalty”. Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 12 inciso no qual a situação possa ser enquadrada, e faltaria um aspecto essencial da hipótese de incidência, sem o qual não nasce a obrigação tributária. O mesmo ocorre com o art. 7º, pois se não houver valor aduaneiro, não há como aplicar o inciso I, e o inciso II somente se refere à importação de serviços, faltando, portanto, outro aspecto da hipótese de incidência, indispensável à existência da obrigação tributária. Vale dizer, nestas situações não se completa a hipótese de incidência por faltarem dois aspectos essenciais a ela, que são o temporal e o quantitativo. Esta situação atual, de menor previsão da incidência na lei ordinária, pode vir a ser alterada, mas dependerá de modificação legislativa. Conceito de serviços importados O conceito de serviços importados também não é isento de dúvidas, e até mesmo acarreta maiores dificuldades teóricas e deaplicação prática, pela própria natureza dos mesmos. Vejamos inicialmente o que se deva entender por serviço, e depois o que seja serviço importado, voltando àquele tema do movimento. Quanto ao primeiro ponto, o conceito de serviço deve ser determinado conforme a lei civil, sem interferência do que dispõe a Lei Complementar n. 116, que baixa as normas gerais relativas ao ISS, define conflitos de competência quanto a esse imposto e relaciona os serviços por ele tributáveis. A aplicação do direito privado deriva do fato de que a Constituição adotou um conceito desse ramo do direito para definir a competência tributária, e, quando ela assim faz, o conceito do direito privado subsiste para efeitos tributários sem qualquer possibilidade de alteração pelas respectivas leis. Este aspecto, necessariamente implícito na própria definição constitucional de rendas tributárias, está explicitado no art. 110 do CTN, acima transcrito. Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 13 Assim, serviço é toda prestação consistente numa obrigação de fazer 5, não sujeita às leis trabalhistas, podendo constituir-se por toda e qualquer espécie de atividade laboral lícita, material ou imaterial. Veja-se, a propósito, o disposto nos art. 593 e seguintes do Código Civil. No tocante à lei que disciplina a instituição e a cobrança do ISS, contém uma lista exaustiva de serviços tributáveis, a qual tem sua razão de existir apenas porque a Constituição Federal somente admite a cobrança desse imposto sobre os serviços que estejam previstos em lei complementar (art. 156, inciso III). Essa exigência constitucional, contudo, não é extensiva à contribuição sobre a importação de serviços, em virtude do que em tese é possível haver algum tipo de serviço não constante da lista do ISS e, não obstante isso, ser sujeito à contribuição. Ao contrário, é possível que algum item da lista da Lei Complementar n. 116 inclua alguma prestação que não seja serviço, tal como ocorreu com a locação de bens móveis na lei complementar anterior à de n. 116, caso em que essa previsão será írrita para a incidência da contribuição, além de ser inconstitucional para efeito do ISS. Portanto, essa lista do ISS tem pouca serventia quanto às contribuições sobre importação de serviços. Outrossim, mesmo a previsão constante dessa lei complementar, de incidência do ISS sobre serviços provenientes do exterior e cuja prestação se tenha iniciado fora do País (parágrafo 1º do art. 1º), não tem maior utilidade para a análise da hipótese de incidência da contribuição social, não apenas pelos diferentes termos utilizados pela lei do ISS e pelos dispositivos constitucionais e ordinários que tratam da contribuição, como também, e principalmente, porque, com relação à importação de serviços tributáveis pela contribuição, a Lei n. 10865 possui disposições específicas e distintas. Em conclusão, a Lei Complementar n. 116 pode servir apenas subsidiariamente para a verificação do cabimento da contribuição em um ou 5 Embora em alguns casos haja uma obrigação com duplo conteúdo, um de fazer e outro de dar, como ocorre nas empreitadas, principalmente nas de lavor e de material. Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 14 outro caso, cuja exigência, contudo, terá que encontrar os seus fundamentos na própria normatização constitucional e ordinária da contribuição. Prosseguindo agora com a análise da conceituação do que seja serviço importado, para isto recorramos ao que determina a Lei n. 10865 a este respeito, para depois verificarmos se ela está compatível com o inciso IV do art. 195 da Magna Carta. Assim, cumpre verificar que o parágrafo 1º do art. 1º dessa lei define o campo de incidência da contribuição, quando se tratar de serviços, nos seguintes termos: “Parágrafo 1º - Os serviços a que se refere o ‘caput’ são os provenientes do exterior, prestados por pessoa física ou por pessoa jurídica residente ou domiciliada no exterior, nas seguintes hipóteses: I – executados no País; ou II – executados no exterior, cujo resultado se verifique no País.” Em suma, de acordo com esse dispositivo, duas são as possibilidades de serviços serem alcançados pelas exações, desde que prestados por pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no exterior: - serem serviços executados no Brasil, ou - serem serviços executados no exterior, mas cujo resultado se verifique no Brasil. Antes de prosseguir na análise destas duas possibilidades, devemos observar que o art. 5º da mesma lei define os contribuintes da contribuição, sendo relevante destacar que o sujeito passivo pode ser: - a pessoa física ou jurídica aqui residente ou domiciliada, que contrate serviços de residente ou domiciliado no exterior, ou Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 15 - o beneficiário do serviço, na hipótese em que o contratante também seja residente ou domiciliado no exterior. Não existe qualquer incompatibilidade entre a Constituição e as normas legais que fixam a incidência sobre serviços prestados por pessoas físicas ou jurídicas, assim como na tomada dos mesmos por pessoas físicas ou jurídicas. Realmente, quanto à primeira afirmação não há qualquer óbice à extensão do campo de incidência a todos os serviços importados, independentemente da qualidade de quem os presta, e quanto à segunda é a própria Carta Constitucional que prescreve no parágrafo 3º do art. 149: “Parágrafo 3º - A pessoa natural destinatária das operações de importação poderá ser equiparada a pessoa jurídica, na forma da lei. Estabelecida esta premissa, pode-se prosseguir. Pois bem, o art. 5º demonstra claramente que busca situar no pólo passivo da relação jurídica tributária uma pessoa subordinada à jurisdição brasileira, que seja a contratante ou a beneficiária dos serviços prestados pela pessoa residente ou domiciliada no exterior. Isto é importante porque, sob o ponto de vista do elemento pessoal da relação jurídica tributária, isoladamente considerado, é irrelevante que o contratante (encomendante) do serviço seja residente ou domiciliado aqui ou fora do nosso território, pois no primeiro caso ele é o sujeito passivo e no segundo caso a sujeição passiva se desloca para o beneficiário do serviço. Isto nos permite perceber, ainda apenas perante o art. 5º, que se o contratante (encomendante) do serviço estiver aqui residindo ou domiciliado, pouco importaria que o uso do serviço se desse dentro ou fora do País, para que ele fosse o contribuinte. Já quando o contratante (encomendante) do serviço residir e for domiciliado no exterior, o serviço tem que beneficiar alguma pessoa residente ou domiciliada no Brasil, para que ela seja o sujeito passivo, mas também pouco importaria que o uso do serviço ocorresse dentro ou fora do País. Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 16 Estas observações, como ressaltado acima, situam-se apenas na norma legal pertinente à sujeição passiva da obrigação tributária, contida no art. 5º da Lei n. 10865. Entretanto, ao lado do art. 5º, o parágrafo 1º do art. 1º vem estabelecer a regra de incidência apenas se o serviço for executado dentro do Brasil (inciso I) ou se for executado no exterior, mas neste caso produzir resultado que se verifique no Brasil (inciso II). Da junção dos dois dispositivos, a conclusão que se tira é no sentido de que: - a sujeição passiva do contratante (encomendante) do serviço, residente ou domiciliado no Brasil, depende de o serviço ser executado no Brasil ou produzir resultado aqui verificado, e - a sujeição de terceira pessoa que não a contratante (encomendante) do serviço depende de o contratante não ser nem residente nem domiciliado no Brasil, e também depende dos mesmos requisitos, isto é, de que o serviço seja executado no Brasil ou produza efeito verificado no Brasil, alémde que, neste caso, o terceiro deve ser o beneficiário do serviço. Passo seguinte é a verificação do sentido da expressão “cujo resultado se verifique no País”, constante do inciso II do parágrafo 1º do 1º da Lei n. 10865. Partindo-se dos pressupostos acima, constata-se que ela pode atingir uma das seguintes situações: - ser relativa a serviço prestado no exterior, pactuado com contratante aqui residente ou domiciliado, quer ele seja o beneficiário do serviço, quer o beneficiário seja um terceiro; - ser relativa a serviço prestado no exterior, pactuado com contratante residente e domiciliado no exterior, mas em benefício de alguma pessoa residente ou domiciliada no Brasil. Em qualquer dos casos, pode-se notar que, além do elemento comum de se tratar de serviço desenvolvido por não residente ou não Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 17 domiciliado no Brasil, a exigência de benefício somente se manifesta quando o contratante (encomendante) não for nem residente nem domiciliado no País, ao passo que no caso de ele ser aqui residente ou domiciliado, ele será o contribuinte e a incidência será independente de quem for o beneficiário, não pressupondo que seja alguém aqui residente ou domiciliado. Nesta ótica do art. 5º, portanto, poderia haver incidência na hipótese extrema de serviço executado no exterior, em benefício de pessoa residente ou domiciliada no exterior e também utilizado no exterior. Acontece, entretanto, que uma tal incidência extravasaria o campo constitucional de incidência da contribuição e também entraria em choque com a definição do fato gerador, constante do art. 1º, parágrafo 1º, da Lei n. 10865. Realmente, a competência tributária está prevista no art. 195, inciso IV, da Constituição Federal como sendo devida pelo “importador de bens ou serviços do exterior”, sendo também admitido cobrá-la “de quem a lei a ele (ao importador) equiparar”. Não se perca de vista ainda que o art. 149 da Constituição, no inciso II do seu parágrafo 2º, prescreve que as contribuições sociais (inclusive as da seguridade social) “incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços”. Quer dizer, a previsão constitucional de incidência tem em mira uma situação material em que haja um componente essencial, que é a trazida de serviço para o País, o que pode fundamentar a contestação (1) da validade da norma contida na Lei n. 10865, art. 1º, inciso I, de tributação de serviços executados dentro do território nacional, e (2) da extensão que se queira dar à norma de tributação, para o fim de chegar a atingir serviços prestados no exterior, em benefício do próprio encomendante ou de terceiro, mas para uso no exterior. Alguém pode imaginar que estas duas possibilidades seriam válidas com base na permissão constitucional de a lei equiparar outras pessoas ao importador de serviço, contida na parte final do inciso IV do art. 195 da Constituição Federal. Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 18 Contudo, não é correta esta intelecção da permissão constitucional, a qual pode, quando muito, possibilitar deslocar para alguém que não seja o próprio importador a condição de importador por equiparação, como, por exemplo, a do arrematador de bens estrangeiros levados a leilão, ou mesmo a prevista na Lei n. 10865 para o beneficiário, no Brasil, de serviço advindo do exterior mas contratado por não residente e não domiciliado no País, ou ainda a do parágrafo único do art. 5º, segundo o qual “equiparam-se ao importador o destinatário de remessa postal internacional indicado pelo respectivo remetente e o adquirente de mercadoria entrepostada”. Qualquer dessas situações é legítima por se conformar com a equiparação constitucionalmente admitida e não afastar o elemento essencial da hipótese de incidência derivada da competência constitucional, ou seja, do núcleo dessa hipótese, que é a importação de serviço. Já no caso de serviço executado no Brasil, a incidência fica num terreno de dúvida sobre se seria válida apenas porque o prestador seja residente ou domiciliado no exterior, até porque, segundo outros conceitos tão discutidos na área do imposto de renda, ele pode ser considerado como “doing business in Brazil”. A respeito desta dúvida, é possível argumentar que o prestador, sendo residente ou domiciliado no exterior e estando no Brasil para aqui prestar o serviço, independentemente de se caracterizar ou não como “doing business in Brazil” está carregando consigo, de fora para dentro, o potencial necessário ao trabalho. Trata-se, entretanto, de mero argumento, e não de real fundamento jurídico, pois o que vale não é o cabedal potencial de habilidades necessárias para a prestação do serviço, mas, sim, a efetiva realização deste. Seja como for, em geral essa discussão não acarreta qualquer efeito prático, pois se o trabalho for aqui executado e, por isso, não puder ser tributado pela contribuição sobre importação, poderá sê-lo pelas contribuições sobre receitas (PIS e COFINS), neste caso se for possível caracterizar a capacidade tributária passiva do prestador no Brasil através do art. 126, inciso III, do CTN, segundo o qual aquela capacidade independe de estar a pessoa jurídica Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 19 regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou profissional. Destarte, somente nos casos em que o serviço seja prestado esporadicamente no Brasil, por não residente em trânsito e sem a fixação de uma estrutura que possa caracterizar um estabelecimento – a unidade econômica ou profissional referida pelo art. 126 do CTN -, pode subsistir a dúvida quanto à disposição da lei, relativa à incidência da contribuição sobre importação de serviço quando este seja integralmente prestado no território nacional. Adiante encontraremos a solução para estas indagações. Outrossim, ante o núcleo da hipótese de incidência constitucionalmente estabelecida, seria mais séria a eventual pretensão de tributação de serviço prestado no exterior, por não residente e não domiciliado no Brasil, em benefício de residente ou domiciliado no Brasil, mas para uso fora do Brasil, somente porque o encomendante ou o beneficiário do mesmo seja pessoa aqui residente ou domiciliada, isto é, somente por se encontrar uma das exigências para a incidência - residência ou domicílio do prestador no exterior - e também se encontrar uma das condições para estabelecimento da sujeição passiva. A solução em torno de uma pretensão como esta, assim como das indagações anteriores, advém da norma constitucional e do aprofundamento da indagação sobre se há necessidade de internação do serviço para se completar o fato da importação, ou se neste se inclui também o serviço executado e consumido fora do País em benefício de pessoa residente ou domiciliada no País. Além disso, tendo em vista a norma infra-constitucional constante do art. 1º, parágrafo 1º, inciso II, é necessário determinar se ocorre o que ela descreve como serviço ‘“cujo resultado se verifique no País”, e também é necessário entender melhor a norma do inciso I desse parágrafo, quando alude a serviços “executados no País” . Realmente, mesmo que a norma constitucional abrangesse serviços prestados e consumidos no exterior, se a norma infra-constitucional não Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 20 prescrevesse específica hipótese de incidência neste sentido não ocorreria o nascimento de qualquer obrigação tributária. Já vimos que, com a importação de bens, a lei ficou aquém do campo de incidência previsto na Constituição. Por outro lado, uma errônea compreensão do inciso I do parágrafo 1º do art. 1º pode conduzir à conclusão de ele ser contrário à Lei Maior. Neste quadro, impõe-se analisar as duas questões em conjunto, para se esgotar o tema desta questão, pois é tão importante determinar o alcance da normaconstitucional outorgante da competência tributária quanto o alcance da norma infra-constitucional emitida no exercício dessa competência. Uma colocação inicial de capital importância é que a incidência prevista no inciso IV do art. 195 da Constituição não se define pelo fato de que o prestador de serviço residente ou domiciliado no exterior seja pago com recursos saídos de dentro da economia nacional, remetidos daqui para o exterior. Realmente, este não é o critério correto para se saber quando haja importação de serviços, a começar pelo fato de que a Lei n. 10865 não se refere ao meio de pagamento quando define a hipótese de incidência, nem a norma constitucional o contempla como elemento integrante do campo de incidência. Também é assim com a importação de bens, que não é sujeita à incidência porque o respectivo pagamento ocorra com recursos originados de dentro do Brasil, ou por esta ou aquela tratativa financeira entre o exportador e o importador. Desta maneira, quando muito a forma de pagamento poderia ser adotada como um elemento subsidiário para confirmação de outro mais essencial, ou seja, de que alguém do exterior está sendo remunerado por alguém do Brasil porque efetuou alguma prestação de serviço a este, prestação esta – e aqui está a essência da hipótese de incidência – consistente num serviço mandado de fora para dentro do Brasil. Este, sim - o serviço vir de fora para dentro do Brasil -, é aspecto essencial e indissociável da hipótese prevista constitucionalmente, estando, portanto, envolvida a internação do serviço. Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 21 A esta conclusão se chega até léxica e etimologicamente, pois a palavra “importação” traz a noção de portar (carregar, levar, transportar) para dentro. O dicionário “Novo Aurélio Século XXI”, explica que “importação” vem de “importar”, e acrescenta que se trata de “ato de importar”, “aquilo que se importou”, “introdução em um país, estado ou município de mercadorias procedentes de outro”, ou ainda “introdução” (Editora Nova Fronteira, p. 1084). Nesse mesmo dicionário, o verbete “importar”, por sua vez, indica que a palavra significa “fazer vir de outro país, estado ou município; trazer para dentro”, e esclarece que “importar” vem do latim “importare” (idem, ibidem). Ora, na língua latina outro não é o sentido da palavra, pois “importare”, segundo o “Dicionário Escolar Latino-Português” do Ministério da Educação (1955, p. 437) significa em sentido próprio “trazer para dentro; importar”, e sentido figurado significa “introduzir”. Ademais, pode-se perceber esta idéia de movimento de fora para dentro também no parágrafo 3º do art. 149 da Constituição, o qual permite que a pessoa natural seja equiparada à pessoa jurídica para os fins de incidência das contribuições sociais, quando ela for “destinatária das operações de importação” (grifo aposto), dado que na palavra “destinatária” está subjacente a noção do envio de algo com destino a alguém, no caso, por força das demais palavras do texto, o envio do exterior para dentro do País. A ideia de movimento também pode ser encontrada no próprio parágrafo 1º do art. 1º da Lei n. 10865, quando prescreve que “os serviços ... são os provenientes do exterior ...” (grifo acrescido), onde “provenientes” significa “vindos de” e se completa com a noção de serem os serviços vindos do exterior. 6 6 A força expressiva da palavra “provenientes” e a sua adequação à “importação” não ficam prejudicadas pelo fato de que esse dispositivo aparentemente encerra uma contradição ao usar essa palavra e a seguir prescrever a possibilidade de o serviço ser executado dentro do País. Quanto a isto, veja-se o comentário já apresentado acima, e constate-se abaixo que não há qualquer contradição após a correta inteligência do texto legal. Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 22 Outrossim, quanto à importação de bens, já vimos que os incisos I dos art. 3º e 5º dessa mesma lei aludem expressamente à entrada no território nacional. Destarte, se a contribuição é uma só, incidindo tanto sobre a importação de bens quanto sobre a importação de serviços, este aspecto do ingresso no Brasil é inerente às duas possibilidades, ou melhor, aos dois objetos de importação. Esta incursão no léxico e nos termos usados pela Constituição e pela Lei n. 10865 não é meramente acadêmica nem destituída de fundamento jurídico de alcance prático, uma vez que a doutrina jurídica e a jurisprudência dos nossos tribunais sempre sustentaram que, na interpretação dos textos legais, as palavras devem ser entendidas no seu sentido comum, quando elas forem de uso corriqueiro, e no seu sentido técnico pelo qual são entendidas no campo de atividade especializada a que se referem, quando for o caso. Já vimos antes que este preceito de hermenêutica hoje é norma para ser obedecida até pelo legislador quando do fazimento das leis, inclusive das emendas constitucionais, por força do art. 11 da Lei Complementar n. 95, já referida acima. Ora, como termo comum e popular ou como termo técnico, a palavra “importação” encerra essa ideia de movimento de fora para dentro, acrescentando-se que, na sua utilização técnica, ela se desdobra na sua adoção pelos agentes econômicos e na sua compreensão no seio do ambiente jurídico, mas sempre com a mesma significação. Uma vez fincada a ideia de que a importação envolve sempre e necessariamente a noção de um movimento originando-se no exterior e findando no País, não se pode deixar de notar que tal movimento tanto pode ser físico como pode ser meramente ideal, pois na hipótese de incidência está envolvida uma prestação de serviço. Sendo assim, o movimento pode ser físico se o serviço for consubstanciado em algo com representação material - não quanto ao suporte físico de trabalhos essencialmente intelectuais, mas quanto à própria manifestação ou resultado do trabalho, quando consistente em uma coisa material, o que ocorre principalmente nas empreitadas -, mas também pode ser Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 23 consubstanciado em algo com representação apenas virtual, o que ocorre quando o serviço se manifesta apenas pela transferência de uma prestação imaterial. A possibilidade de um movimento simplesmente virtual é mais comum e factível na prestação de serviço, mas também pode ocorrer na importação de bens, a propósito da qual pode-se lembrar da internação virtual de bens por meios eletrônicos, e também que estes podem se subdividir, conforme o entendimento corrente, em mercadorias (quando de prateleira) e em serviços (quando personalizados). Tendo presentes todas as considerações expostas, não é difícil atingir duas conclusões, a saber: - que a expressão “executados no País”, constante do inciso I do parágrafo 1º do art. 1º, necessariamente envolve a concretização final de um serviço no Brasil, mas cuja execução se tenha iniciado no exterior e tenha sido trazida para ser completada aqui, associando-se, portanto, a essa idéia de movimento físico ou virtual de fora para dentro; - que a expressão “cujo resultado se verifique no País”, constante do inciso II do parágrafo 1º do art. 1º, também está associada a essa idéia de movimento físico ou virtual de fora para dentro, refletindo-se sobre um serviço executado inteiramente no exterior e enviado para uso dentro do território nacional. Estas duas conclusões estão assentadas solidamente em todos os fundamentos retro-expostos, mas principalmente no inquebrantável vínculo existente entre os dois incisos e a disposição da cabeça do parágrafo, que alude a “serviços ... provenientes do exterior” e assim ilumina a correta compreensão das duas hipóteses enfeixadas no dispositivo. Isto significa que para a Lei n. 10865, se o serviço for executado no Brasil a tributação depende de ter sido iniciadofora das suas fronteiras, e se for executado inteiramente no exterior, a tributação depende do local da fruição da utilidade derivada do serviço, que deve ser dentro do País. Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 24 Estes, pois, os sentidos das expressões legais “executados no País” e “cujo resultado se verifique no País”. E o que dizer de um serviço cujo fruidor seja pessoa aqui residente e domiciliada 7, mas que seja prestado no exterior e fruído lá fora? Neste caso não se dá a ocorrência do fato gerador da contribuição sobre a importação de serviços, pois os únicos elementos da hipótese de incidência, neles presentes, são um prestador de serviços residente e domiciliado no exterior e uma pessoa fruidora dos serviços residente ou domiciliada no Brasil. Além disso - e aqui mais uma vez destaca-se o fator essencial -, neste caso não há o movimento ao menos virtual do serviço de fora do território nacional para dentro dele, nem é relevante, como visto que o pagamento do mesmo ocorra com recursos advindos de dentro do País. Para se confirmar a verdade do afirmado nos parágrafos precedentes, recorde-se que a obrigação tributária somente nasce quando estejam presentes todos os elementos ou aspectos da sua hipótese legal de incidência, quais sejam, o núcleo, o material ou quantitativo, o pessoal, o temporal e o espacial. Ora, na situação em análise há a presença do elemento pessoal - a pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil, portanto sujeita à jurisdição brasileira, e, pois, possível integrante de relação jurídica tributária determinada pela lei brasileira -, como também há um elemento do núcleo do fato gerador, que é a pessoa prestadora do serviço residente ou domiciliada no exterior. Mas falta a integração desse núcleo exatamente naquilo que lhe é mais essencial e indispensável, que é o movimento físico ou virtual de ingresso do resultado do serviço no território nacional. 7 Na hipótese extrema, o fruidor até poderia não ser residente nem domiciliado no Brasil. Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 25 Do que também se pode entender a dualidade de possibilidades de sujeição passiva constante do art. 5º, a qual pode ser atribuída ao próprio contratante (encomendante) do serviço, aqui residente ou domiciliado, ou ao beneficiário do serviço, aqui residente ou domiciliado, quando o contratante resida ou seja domiciliado fora. É que em qualquer caso o sujeito passivo é o destinatário e usuário do serviço dentro do Brasil, seja ele o próprio contratante que aqui reside ou se domicilie, seja um terceiro aqui residente ou domiciliado, quando a contratação tenha sido feita em seu benefício por alguém residente ou domiciliado no exterior. Aqui cabe uma outra consideração importante, consistente em que resultado não deve ser entendido como qualquer benefício para alguém no Brasil, ou como qualquer contribuição para posteriores atividades de uma empresa no Brasil. Se fosse assim, isto é, se bastasse qualquer benefício ou contribuição desse tipo, todo e qualquer serviço prestado a uma pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil, qualquer que fosse o local de produção e de uso do mesmo, seria considerado importação desse serviço. Assim ocorreria, por exemplo, quando alguém fosse tratar da sua saúde em hospital no exterior e retornasse curado ao nosso país. Todavia, não é assim, pois, ao contrário, o resultado do serviço é o ato de obter o produto do mesmo, ou a constatação da sua própria existência completa e da sua entrega para consumo e utilização pelo respectivo destinatário. Assim, quando o serviço é produzido e utilizado no exterior, é lá que ele é executado e é lá que se verifica o resultado do mesmo. Destarte, os dois incisos do parágrafo 1º do art. 1º se completam para explicar as duas possibilidades em que se manifesta a importação de serviços, uma delas cobrindo serviços iniciados fora e concluídos dentro do Brasil, e a outra atingindo serviços realizados inteiramente fora do País mas com resultados aqui utilizados. Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 26 Note-se que o mesmo raciocínio é válido para o imposto de importação e para a própria contribuição sobre importação de bens. Com efeito, ninguém conseguiria sustentar com sucesso a incidência desses tributos somente pelo fato de uma pessoa residente ou domiciliada no Brasil adquirir bens no exterior, ainda que os pagasse com recursos financeiros originados do Brasil, mas recebidos esses bens, mantidos e utilizados fora do território nacional. Quanto à contribuição sobre a importação de serviços, com igual ou maior ênfase pode-se constatar o absurdo de pretender que atinja serviços utilizados no exterior por pessoas aqui residentes ou domiciliadas. Realmente, se assim fosse, qualquer brasileiro em viagem no exterior teria que recolher a contribuição sobre todas as utilidades que obtivesse e consumisse no exterior, tais como alimentação, hospedagem, transporte, diversões, etc, além de ter que pagar o que pode ser legitimamente cobrado, ou seja, o imposto de importação e a contribuição sobre importação referentes aos bens que trouxesse para o Brasil em excesso ao limite legal da bagagem. Por fim, note-se que o abandono dessa ideia de movimento de fora para dentro poderia produzir o contrassenso se um serviço aqui produzido por uma pessoa residente e domiciliada no exterior, em benefício de uma pessoa residente ou domiciliada no Brasil, mas para utilização fora do território nacional, ser considerada importação de serviço. 8 Enfim, o elemento-chave para a incidência da contribuição em apreço é a entrada física ou virtual, no território brasileiro, do resultado gerado pelos serviços, e é exatamente neste sentido que se deve entender e aplicar a expressão contida no inciso II do parágrafo 1º do art. 1º da Lei n. 10865, quando alude a que ocorre a incidência quanto a serviço “cujo resultado se verifique no País”, e também é este o sentido em que se deve entender a expressão do inciso I, que alude a serviços “executados no País” 8 Pouco importa, para a validade desta observação, que a receita de tal serviço pudesse ser sujeita à incidência da verdadeira COFINS e da verdadeira contribuição ao PIS, isto é, das contribuições sobre receitas. Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 27 Esta compreensão da norma da lei é a mais adequada – e mesmo a única adequada - à sua literalidade e à sua teleologia, além de se tratar de uma interpretação absolutamente conforme à Constituição. Alguns exemplos servem para ilustrar o alcance do conceito de serviços importados, a partir desta compreensão da norma legal. No texto acima já foi mencionada a não incidência das contribuições sobre serviços de hospedagem prestados no exterior, que se consumam – são executados - no exterior, onde são verificados os seus efeitos. Na mesma situação estão os serviços de médicos, hospitais e outros semelhantes, totalmente realizados no exterior, também já citados Neste último caso, nenhuma relevância existe nos fatos de a pessoa submetida a tratamento no exterior residir e ser domiciliada no País, e de retornar a este com os benefícios obtidos. O mesmo ocorre com treinamento no exterior, a despeito de o benefício para o “trainee” - a “expertise” adquirida - poder vir a utilizado no Brasil. Outros gastos que podem envolver serviços, mas não importação de serviços, são aqueles relacionados a congressos e outros eventos realizados no estrangeiro, tais como a participação em feiras de exposição e promoção de produtos e serviços brasileiros. Ainda que haja benefícios para futuras exportações de produtos e serviços nacionais, os fatos se realizam fora das nossas fronteiras, e os serviços prestadospelos organizadores desses certames ou por terceiros se materializam lá fora, onde são executados e onde ocorre a verificação dos respectivos resultados. Assim também, pelos mesmos motivos, todas as despesas incorridas com pesquisa de mercado e propaganda e publicidade feitas no exterior para promoção de produtos e serviços brasileiros não correspondem à importação de serviços. Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 28 Nas feiras e outros conclaves, é comum haver aluguel de estandes, cujo custo também não corresponde a serviços importados, até porque sequer se constituem em prestação de serviço, tendo disciplina própria pelo direito privado (art. 565 e seguintes do Código Civil), distinta da definição de serviços (art. 593 e seguintes), aplicando-se aqui o disposto nos art. 109 e 110 do CTN. Na manutenção de escritórios e outros estabelecimentos no exterior, por pessoas jurídicas sediadas no Brasil, também não há importação de serviços quanto aos gastos incorridos por eles, mesmo quanto a serviços que eles consumam. Assim, por exemplo, serviços de consultoria prestados fora do Brasil ao estabelecimento no exterior não representam importação de serviços, embora em alguns casos de consultoria prestada no exterior à empresa no Brasil possa haver importação de serviço, quando haja a entrada virtual do resultado da mesma. A mesma distinção é cabível para os serviços de advocacia realizados no exterior: se forem trabalhos de consultoria jurídica ao estabelecimento no exterior, ou de defesa em processos judiciais ou extrajudiciais no estrangeiro, não são serviços importados. Mas se a situação for de consultoria à empresa no Brasil, recebida aqui e aqui utilizada, poderá tratar- se de importação de serviços. Um outro exemplo envolve despesas para o cumprimento de garantias de qualidade de produtos exportados, que podem incluir serviços prestados e componentes utilizados na prestação da garantia. Tratando-se de serviço executado por terceiros no exterior em benefício dos importadores, não são serviços importados, pouco importando que haja algum tipo de responsabilidade técnica ou econômica da exportadora sediada no Brasil, tanto quanto não há importação de bens, independentemente da origem dos componentes ou de outros bens empregados. Serviços prestados no exterior por agentes de exportação também não se enquadram no conceito de serviços importados, ou serviços cujos Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 29 resultados são verificados no Brasil, pois eles se completam – são executados - no exterior através da localização dos adquirentes das exportações brasileiras. Neste caso, não há qualquer relevância no fato de que o pedido do importador seja aceito pela exportadora nacional, independentemente de o agente ter atuado ou não com preços e condições pré-estabelecidos pela exportadora, ou de o recebimento do pedido pelo agente fechar o contrato de venda, ou de o agente encaminhar o pedido para aceitação pela exportadora. Em qualquer dessas situações, o trabalho de agenciamento se esgota no exterior, embora algumas delas possam envolver condições para a concretização do contrato de compra e venda ou para determinar o nascimento do direito à comissão. Já foi mencionado acima que, segundo a Constituição, os pagamentos pela aquisição de direitos imateriais com natureza patrimonial, definidos pela lei como bens móveis, são passíveis de incidência da contribuição sobre a importação de bens, mas não estão incluídos nas hipóteses de incidência previstas na Lei n. 10865. Foi citada como exemplo a aquisição de direitos de propriedade industrial. Hipótese próxima, embora não igual, é a de “royalties” relativos à cessão da exploração de marcas, patentes ou outros direitos de propriedade industrial, cuja propriedade permaneça com o respectivo titular. Para eles não há incidência em virtude de não se tratar de prestação de serviços, assemelhando-se aqueles pagamentos aos aluguéis pela cessão do uso de outros bens. Entretanto, isto é assim no caso em que a remuneração seja relativa tão-somente à cessão do uso dos referidos direitos, e não nos contratos mistos, em que, juntamente com a permissão do uso de uma patente ou de uma marca, haja prestação de serviços necessários ao uso, com ou sem transferência de tecnologia. Neste caso, se a tecnologia for enviada para a empresa no Brasil, com vistas a ser aqui utilizada, há importação de serviço, o mesmo ocorrendo com outros serviços técnicos, podendo a incidência da contribuição limitar-se à específica contraprestação da transferência de tecnologia ou da prestação de serviço, ainda que para o limite de dedutibilidade da despesa ou custo perante o Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 30 imposto de renda deva ser considerado o valor total daquelas utilidades e dos “royalties”. Finalmente, vejamos o tratamento devido aos prêmios de seguro contratado no exterior, em que há o ingresso virtual de um benefício ou de uma utilidade no Brasil em benefício da pessoa assegurada. Apesar disso, não incide a contribuição porque não se trata de serviço, dado que o contrato de seguro é um contrato típico e nominado, previsto nos art. 757 do Código Civil, contrato este que é distinto do contrato de serviço, que também é tipificado pelo mesmo código nos art. 593 e seguintes. Novamente neste caso aplicam-se os art. 109 e 110 do CTN, cumprindo acrescentar que os diferentes tipos contratuais não são criações artificiais do direito civil, divorciadas da realidade fática e da natureza das coisas. Realmente, as prestações de um e de outro contrato são nitidamente distintas entre si, pois no contrato de seguro o prestador entrega a garantia de indenização em caso de sinistro (atividade-fim do prestador e objeto do contrato), a partir dos esforços e dos recursos financeiros da comunidade composta por todos os seus segurados, sendo a sua atividade de organização da estrutura securitária um mero instrumento (atividade-meio) para a obtenção do fim (objeto) do contrato, ao passo que no contrato de serviço este é a atividade- fim do prestador e o objeto do contrato. Leia-se isto no art. 757 – “pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados” –, no art. 593 – “a prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial, reger-se-á pelas disposições deste Capítulo” -, e no art. 594 – “toda espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição”. Claro que, tanto na hipótese de seguro quanto na de outros contratos, a distinção é irrelevante para efeito da COFINS e da contribuição ao PIS incidentes sobre as receitas de pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil, pois Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 31 para estas o tipo contratual não afeta o fato relevante de haver receita, ou melhor, o campo de incidência das mesmas abarca todas as receitas de qualquer tipo. Entretanto, para a contribuição sobre importações há inafastável relevância da natureza da prestação, dado que ela somente incide sobre a importação de serviços, e estes são conceituados pela lei civil diferentemente de outros contratos. III - A “NÃO-CUMULATIVIDADE” COM A COFINS E A CONTRIBUIÇÃO AO PIS – A QUESTÃO DA ISONOMIA A contribuição social sobre a importação de bens ou serviços apareceu no nosso ordenamento jurídico como uma extensão das anteriormente existentes contribuições sobre as receitas, inclusive sobre o faturamento (COFINS e PIS), muito embora, como visto no primeiro capítulo deste estudo, tenha natureza jurídica distinta destas. Essa extensão foi motivada por interesses arrecadatórios e, em menor escala, sob a justificativa de igualar a oneração tributária da produção nacionalperante os bens e serviços vindos de outras praças. Claro que esta última razão poderia ter sido atingida por outros mecanismos, como também já se sabe de situações em que, ao contrário da desculpa oficial, a nova contribuição acaba por sobre-onerar produtos e serviços nacionais. Desponta, portanto, o objetivo maior de arrecadação, no já poluído ambiente de insaciáveis exações tributárias de toda ordem. Dentro deste cenário, apresentou-se justamente a reclamação dos setores produtivos no sentido de que a nova contribuição não deveria esgotar-se em si, devendo ser deduzida das contribuições sobre as receitas. Esta pretensão não foi plenamente atendida quando da promulgação da Emenda n . 42, mas foi o nascedouro do disposto no parágrafo 12 do art. 195, introduzido por essa emenda juntamente com o inciso IV. Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 32 A mesma reclamação já havia em relação à contribuição ao PIS e à COFINS, a propósito das quais não é este o espaço para tecer considerações em torno do sistema que lhes foi trazido pelas Leis n. 10637, de 30.12.2002, e 10833, de 29.12.2003, ambas alteradas profundamente pela Lei n. 10865. No tocante à contribuição sobre importações, em sua inter-relação com a COFINS e com a contribuição ao PIS, a análise da problemática da não- cumulatividade exige uma visão global de vários dispositivos constitucionais. O primeiro deles é o parágrafo 9º do art. 195, introduzido pela Emenda Constitucional n. 20/88, e o segundo é justamente o parágrafo 12 do mesmo artigo, os quais têm a seguinte redação: “Parágrafo 9º - As contribuições sociais previstas no inciso I 9 deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica ou da utilização intensiva de mão- de-obra. ..... Parágrafo 12 - A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do ‘caput’, serão não-cumulativas.” 10 Na Emenda n. 42, ao lado do parágrafo 12, surgiu o parágrafo 13, com a seguinte redação: “Parágrafo 13 - Aplica-se o disposto no parágrafo 12 inclusive na hipótese de substituição gradual, total ou parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a 11, pela incidente sobre a receita ou o faturamento.” 9 O inciso I refere-se às contribuições sobre a folha de salários e os demais rendimentos do trabalho prestado por pessoas físicas, sobre a receita ou o faturamento, e sobre o lucro. 10 A alínea “b” do inciso I alude às contribuições sobre a receita ou o faturamento, e o inciso IV às contribuições sobre a importação de bens ou serviços do exterior. 11 Esta alínea diz respeito às contribuições sobre a remuneração do trabalho de pessoas físicas. Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 33 Não se esqueça, portanto, que os parágrafos 12 e 13 entraram na Constituição juntamente com a permissão da instituição de contribuições sobre importações e com a admissão de que as contribuições da pessoa jurídica sobre remunerações de trabalho sejam substituídas por outras contribuições sobre a receita ou o faturamento. Finalmente, é necessário lembrar do parágrafo 4º, acrescido ao art. 149 pela Emenda n. 33/03, o qual diz: “Parágrafo 4º - A lei definirá as hipóteses em que as contribuições incidirão uma única vez.” Desse conjunto de disposições constitucionais pode-se verificar que não é o parágrafo 12 do art. 195 que autoriza a incidência não-cumulativa da COFINS e da contribuição ao PIS, como muitas vezes se supõe. Aliás, antes da Emenda n. 42, que trouxe o referido parágrafo 12, a Lei n. 10637 já instituíra para a contribuição ao PIS o que se convencionou chamar de “regime não- cumulativo”, e nessa lei já havia previsão de que o mesmo deveria ser estendido à COFINS. Tais possibilidades para a legislação ordinária, na verdade, promanavam do já existente parágrafo 9º do art. 195, com a sua prescrição de a lei poder instituir alíquotas ou bases de cálculo distintas para as contribuições destinadas à seguridade social referidas no inciso I do mesmo artigo, desde que o faça para determinadas atividades econômicas ou para situações em que haja utilização intensiva de mão-de-obra. Neste quadro, quando a Emenda n. 42 introduziu os parágrafos 12 e 13, deu a ilusória impressão de que a não-cumulatividade da COFINS e da contribuição ao PIS teria passado a ser disciplinada por eles, principalmente pelo parágrafo 12. Mas não é assim, o que é muito fácil de demonstrar em adição à alusão já feita ao parágrafo 9º. Realmente, o parágrafo 12 não prescreve obrigatoriamente a não- cumulatividade, pois apenas transfere a sua possibilidade para o que a lei ordinária vier a determinar, de modo que nada teria acrescentado ao regime Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 34 jurídico-constitucional já existente com o parágrafo 9º antes da Emenda n. 42, e seria até redundante com este. Além disso - e aqui está o cerne do significado do parágrafo 12 - ele não contém norma que seja dirigida às contribuições sobre as receitas, isoladamente consideradas, quando se poderia pensar que ele estaria prescrevendo a não-cumulatividade das mesmas. Entretanto, observado atentamente, verifica-se que não é isto o que diz o parágrafo 12, pois o que ele prescreve é que a contribuição sobre a importação de bens ou serviços pode ou não ser cumulativa com as contribuições sobre receitas, nos setores de atividades econômicas para os quais a lei estipular este ou aquele regime. Duas observações confirmam esta afirmação, sendo que a primeira está no próprio parágrafo 12, o qual se refere tanto às contribuições sobre receitas quanto às contribuições sobre importações. Ora, se o parágrafo 12 dissesse respeito à não-cumulatividade das contribuições por ele referidas, isoladamente consideradas, ele também seria aplicável isoladamente às contribuições sobre importações, as quais, contudo, são essencial e inevitavelmente monofásicas e de incidência única, dado que incidem sobre o fato isolado de cada importação, sem qualquer operação anterior em cadeia produtiva ou circulatória de uma coisa que pudesse gerar cumulatividade a ser excluída. Com razão, ao contrário de um bem em circulação, que pode passar por sucessivas fases do ciclo econômico de circulação, e em que a cada nova fase se pode deduzir o tributo incidente na fase anterior, na importação não há uma contribuição sobre importação a ser deduzida de uma anterior contribuição sobre importação, porque não há uma importação de algo anterior à importação desse mesmo objeto, assim como após a importação não há outra importação da mesma coisa. Observe-se que, ao contrário de outros tributos que, por sua natureza, podem ser multifásicos, os que incidem sobre o comércio exterior são de incidência única, embora excepcionalmente possa haver mais de uma entrada Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 35 ou mais de uma saída de um mesmo bem, se ele entrar, sair e voltar a entrar, ou vice-versa. Mesmo nestas hipóteses os fatos geradores e bases de cálculo das diversas e correspondentes obrigações tributárias serão sempre distintos, sem qualquer interferência de uns sobre outros que os antecedam ou sucedam. Logo, não seria materialmente possível aplicar o parágrafo 12 à contribuição sobre importação de bens ou serviços perante ela própria, o que demonstra que esse parágrafo se refere à não-cumulatividade entre esse tipo de contribuição e o outro tipo de contribuição por ele também referido, que é o relacionado às receitas. A segunda observação confirmatória de que o parágrafo 12 não contém uma autorização constitucional de não-cumulatividade da COFINS e da contribuição ao PIS, isoladamente consideradas, mas, sim, a permissão para que elas sejam não cumulativas com a contribuição sobre importação debens ou serviços, consiste em que se trata de diferentes espécies tributárias, aspecto este já suficientemente abordado no capítulo I retro. Sendo assim, compreende-se porque a Emenda Constitucional n. 42 tenha previsto a possibilidade de a lei admitir evitar a incidência economicamente cumulativa entre essas duas espécies tributárias distintas. O legislador constituinte derivado foi tímido ao atender as reclamações contra a criação de um novo tributo que poderia vir a onerar a produção econômica já sobrecarregada por outras contribuições e outras espécies tributárias, pois limitou-se a admitir essa possibilidade e a transferi-la para a deliberação do legislador ordinário, ao invés de impô-la obrigatoriamente desde logo. Mas não se pode deixar de reconhecer que, tecnicamente falando, ao atribuir esta possibilidade, ele encontrou justificativa no fato de se tratarem de espécies tributárias inconfundíveis e de também poderem ter diferentes destinações específicas das suas arrecadações dentro do orçamento geral da seguridade social. Neste aspecto, por exemplo, a contribuição ao PIS é regida pelo art. 239 da Constituição Federal. Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 36 Por isso, a compensação entre elas dependeria de norma expressa, e foi conveniente que a sua possibilidade ficasse exprimida no próprio texto constitucional. Independentemente do mérito dessa prescrição, cabe observar que o texto do parágrafo 12 contém uma impropriedade ao aludir à não- cumulatividade entre distintas categorias tributárias, pois juridicamente ela jamais existiria, da mesma maneira que juridicamente não se pode falar em incidência cumulativa entre o ISS e o ICMS apenas porque, no ciclo de produção e circulação, um dos insumos da produção do bem sujeito ao ICMS quando posto em circulação tenha sido um serviço tributado pelo ISS. Também não se alega haver cumulatividade entre o imposto de importação e o IPI ou o ICMS, apenas porque o produto importado também fica sujeito a estes dois tributos. Nesses casos ocorre múltipla oneração econômica da cadeia produtiva e circulatória de uma determinada coisa, em decorrência da incidência de mais de um tributo, seja num mesmo momento, seja em momentos distintos dessa cadeia, mas não, incidência cumulativa no sentido jurídico. Sendo assim também com a contribuição sobre importações, a COFINS e a contribuição ao PIS, o objetivo do parágrafo 12 do art. 195, a despeito da sua impropriedade terminológica, é tão-somente aliviar esse tipo ônus econômico derivado das múltiplas incidências de contribuições destinadas à seguridade social, o que mais apropriadamente seria exprimido se o texto tivesse utilizado termos mais corretos, tais como “compensação” ou, melhor ainda, “dedução”. O parágrafo 13 do mesmo art. 195 vem em confirmação do sentido exato do parágrafo 12, uma vez que ele também alude à não-cumulatividade da contribuição sobre receita que vier a ser instituída em substituição à atual contribuição patronal sobre as remunerações, a qual, por todas as razões facilmente perceptíveis, será mais uma incidência sobre receitas, mas com feições distintas - arrecadação, fiscalização, destinação, etc - da COFINS e da contribuição ao PIS, e inigualável sob qualquer aspecto com a contribuição sobre a importação de bens ou serviços, mas igualmente podendo ser “não- cumulativa” com estas três. Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 37 À vista de tudo, só resta constatar que a compensação das contribuições em tela, no exato sentido acima exposto, consta da Lei n. 10865, ao permitir que do valor da COFINS e da contribuição ao PIS seja deduzido o valor derivado das importações de bens e serviços tributados pela respectiva contribuição, nas hipóteses listadas no seu art. 15. Neste particular, não existe qualquer inconstitucionalidade na sistemática adotada por essa lei, em conjunto com a das Leis n. 10637 e 10833, no sentido de limitar as deduções ou condicioná-las a este ou àquele evento, bem como de estabelecer as hipóteses em que cabem ou não deduções sobre o valor a recolher. Realmente, além de a não-cumulatividade não ser ínsita à natureza desse tipo de contribuição, como não existe uma norma constitucional mandatória da não-cumulatividade, esta depende da lei ordinária, que pode concedê-la ou não, e, em concedendo, pode impor hipóteses, limites ou condições. Todas as restrições legais são válidas, mas as discriminações de regimes suscitam a questão da isonomia, aparentemente ferida pela legislação ordinária. Mas não existe ofensa a esse princípio constitucional, pois, quanto às contribuições do inciso I do art. 195, o parágrafo 9º expressamente admite tratamentos diferenciados nas bases de cálculo ou nas alíquotas, os quais ficam apenas condicionados a que se fundamentem em haver intensivo emprego de mão-de-obra ou se tratar de atividades econômicas distintas, pois estes são os parâmetros de discrímen autorizados pelo referido parágrafo 9º, além de dever ser observado o “substantive due process of law”, sempre exigido para evitar desvios e abusos no exercício do poder de legislar. Isto, portanto, vale para as contribuições arroladas no inciso I do art. 195, ao qual se refere expressamente o parágrafo 9º, abrangendo, por conseguinte, as contribuições sobre receitas, isto é, as verdadeiras COFINS e contribuição ao PIS. Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 38 Já quanto à contribuição sobre a importação de bens ou serviços, prevista no inciso IV e assim destacada do inciso I, tendo ademais natureza jurídica específica e distinta daquelas outras (conforme o capítulo I retro), não se sujeita ao disposto no parágrafo 9º, motivo pelo qual a sua “não- cumulatividade” com a COFINS e a contribuição ao PIS subordina-se apenas ao que dispõe o parágrafo 12. Ora, enquanto os critérios de discriminação do parágrafo 9º são a utilização intensiva de mão-de-obra e a atividade econômica, o parágrafo 12 reporta-se somente a setores de atividade econômica. Isto significa que a lei pode conceder o direito de deduzir a contribuição sobre a importação de bens ou serviços perante a COFINS e a contribuição ao PIS para alguns setores de atividade econômica e não o conceder para outros setores, fazendo discriminação perfeitamente autorizada pela Constituição, desde que, como sempre e em qualquer matéria, os requisitos do devido processo legal substantivo sejam observados. Portanto, na prática pode-se afirmar que de uma maneira geral a sistemática de descontos das Leis n. 10637 e 10833, abrangendo também a contribuição sobre importações nos termos do art. 15 da Lei n. 10865, está conforme a Lei Maior. Finalmente, é necessário considerar o parágrafo 4º do art. 149, segundo o qual cabe à lei determinar os casos em que as contribuições sociais e as de intervenção no domínio econômico devem incidir uma única vez. Esse dispositivo demonstra a preocupação do poder constituinte derivado quanto à incidência em cascata ou “in idem” das múltiplas exações que tolerou sejam instituídas sobre a economia nacional, mas tanto comporta a instituição monofásica de qualquer das referidas contribuições, quanto comporta que apenas uma delas possa vir a ser cobrada, com exclusão das demais. Artigos São Paulo / SETEMBRO 2004 39 IV – ALÍQUOTAS DISTINTAS – NOVAMENTE A QUESTÃO DA ISONOMIA Este capítulo é uma continuidade das observações feitas na parte final do capítulo anterior, quanto à discriminação de tratamentos prevista nos parágrafos 9º e 12 do art. 195 da Constituição Republicana, mas agora para trazer à lume a questão da isonomia perante a existência de diferentes alíquotas para a contribuição social sobre a importação de bens ou serviços. Em síntese: - o parágrafo 9º autoriza, exclusivamente para as contribuições do inciso I, que a lei dê tratamentos diferenciados quanto às