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PERCEPÇÕES DE ALUNOS COM CEGUEIRA ADQUIRIDA um estudo de caso Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Ficha catalográfica elaborada por Mariana Brandão Silva CRB -1/3150 Percepções de alunos com cegueira adquirida : um estudo de caso / Priscilla Pinzetta. – São Paulo : Editora Dialética, 2023. 112 p. Pinzetta, Priscilla.P661p Inclui bibliografia. ISBN 978-65-252-7639-7 1. Deficiência visual. 2. Cegueira adquirida. 3. Educação inclusiva. I. Título. www.editoradialetica.com Copyright © 2023 by Editora Dialética Ltda. Copyright © 2023 by Priscilla Pinzetta. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada ou reproduzida – em qualquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico, fotocópia, gravação etc. – nem apropriada ou estocada em sistema de banco de dados, sem a expressa autorização da editora. @editoradialetica /editoradialetica EQUIPE EDITORIAL Editores Profa. Dra. Milena de Cássia de Rocha Prof. Dr. Rafael Alem Mello Ferreira Prof. Dr. Tiago Aroeira Prof. Dr. Vitor Amaral Medrado Designer Responsável Daniela Malacco Produtora Editorial Yasmim Amador Controle de Qualidade Marina Itano Capa Tebhata Spekman Diagramação Wallace Santos Preparação de Texto Nathália Sôster Revisão Responsabilidade do autor Assistentes Editoriais Jean Farias Larissa Teixeira Ludmila Azevedo Pena Thaynara Rezende Estagiários Diego Sales Laís Silva Cordeiro Maria Cristiny Ruiz CDD-371 AGRADECIMENTOS Primeiramente quero agradecer a Deus por estar realizando o so- nho de publicar meu primeiro livro. A Santo Antônio que sempre me abençoa. Aos meus pais por terem me proporcionado uma boa educação que possibilitou que chegasse até aqui. Ao meu marido Elton e meu filho Enzo, por estarem ao meu lado, apoiando minhas escolhas. As minhas “bebês” Lolla e Kiara que sempre permaneceram jun- tas comigo durante a escrita. A Profª Drª Renata Cristina Oliveira Barrichelo Cunha por ser essa professora excepional que me auxiliou durante todo o curso de Mestrado. A Profª Drª Fátima Inês Wolf de Oliveira que teve grande in- fluência em minha formação como professora de Deficiência Visual. A minha amiga e companheira na gestão escolar, Maria Lúcia. Juntas formamos a “dupla imbatível”. Agradeço de coração aos meus alunos: Cicero, Claudenir, Elza, José Antônio e Josué que aceitaram participar da minha pesquisa, sem vocês nada disso seria possível! A todos meus alunos que contribuíram para minha evolução como professora de Deficiência Visual ao longo desses anos de docência. A todos que de alguma forma contribuíram para a realização deste livro. Tão cegos são os homens, que chegam a gloriar- se da própria cegueira! (Santo Agostinho) LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas APAE Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais AVC Acidente Vascular Cerebral BCP Benefício de Prestação Continuada CAIS Centro de Atenção à Inclusão Social CORDE Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência DV Deficiência Visual ECA Estatuto da Criança e do Adolescente IBC Instituto Benjamin Constant IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INSS Instituto Nacional do Seguro Social IPI Imposto sobre Serviços Industrializados LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional OM Orientação e Mobilidade OMS Organização Mundial da Saúde ONU Organização das Nações Unidas PNS Pesquisa Nacional de Saúde PPP Projeto Político Pedagógico SAMPE Serviço de Adaptação de Materiais Pedagógicos UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciên- cia e a Cultura PREFÁCIO Dizer ou, na verdade, repetir que só conhece a escuridão quem já viu a luz é, talvez, uma redundância poética que, apesar de profunda e verdadeira, nem sempre permite uma imersão real ao mundo daque- les que perderam a capacidade de enxergar a luz ou que já nasceram sem essa capacidade. E a poesia, com toda a subjetividade que a caracteriza como uma das mais belas Artes, e com todas as suas redundâncias, pode não dar conta de expressar a real dimensão das dificuldades vividas por aqueles que não podem enxergar com os olhos da visão... e que dependem dos outros sentidos, e também dos sentidos e sentimentos de outrem. Porém, sentimentos alheios podem carecer, ou carecem de fato, também de um olhar, no mínimo, um tanto mais objetivo, um tanto mais científico, quando se trata de compreender o mundo das pessoas que per- deram a capacidade da visão ou que já nasceram sem ela. O olhar poético e a subjetividade, assim como os sentimentos re- sultantes, são e continuarão sendo necessários, pois, sem eles, até mesmo a ciência perde muito da sua força. Mas é na ciência, sem dúvida algu- ma, que podem ser encontrados os meios e os caminhos para concretizar tudo ou parte daquilo que nem mesmo os mais puros sentimentos conse- guem expressar, e menos ainda concretizar. Poesia, subjetividade e sentimentos podem e devem caminhar de mãos dadas, portanto, como procura demonstrar o Trabalho de Mestra- do que agora resulta no livro aqui prefaciado. O livro retrata um trabalho científico, com todos os rigores me- todológicos inerentes, mas que, na sua essência, resulta da convivência cotidiana com um grupo de pessoas cegas, num trabalho voltado para a Educação Especial, que, é preciso admitir, dependeu de um grande es- forço pessoal para se tornar verdadeiramente científico, isto é, para que fossem deixados de lado os sentimentos e a subjetividade. Aos dias, na verdade, anos, de convivência com o grupo de pessoas cegas, somam-se horas e horas de embates e proposições metodológicas junto à orientação, e também a colegas que prestaram grandes contribui- ções, para, enfim, chegar-se a um consenso no sentido de separar a subje- tividade da objetividade, como se isto fosse de fato humanamente possível. O resultado, tão objetivo quanto possível, é o que segue apresen- tado no presente livro, com o firme e quase único propósito de acrescen- tar um pouco de luz aos olhos daqueles que podem fazer um pouco ou muito para aqueles que vivem sem a capacidade de enxergar a luz. Trata-se de um resultado que procura mostrar quais são as per- cepções, subjetivas e objetivas, de pessoas com cegueira adquirida, isto é, que perderam o sentido da visão em algum momento das suas vidas. Nes- tes anos atuando na educação de pessoas com deficiência visual observei diversas questões sobre o seu desenvolvimento e os sentidos remanescen- tes que funcionam de forma complementar, e não isolada, principalmen- te sobre afirmações não cientificamente comprovadas de que a perda da visão leva ao desenvolvimento maior dos demais sentidos. O desejo de aprofundar o conhecimento nessa área foi surgin- do com o passar dos anos, em virtude das observações e indagações que foram emergindo da experiência do trabalho docente realizado com os alunos com cegueira adquirida. Compreender a subjetividade dessas pessoas, principalmente o impacto causado pela perda da visão, e também a objetividade da ques- tão, isto é, suas novas necessidades, é tarefa fundamental para o processo de reabilitação e inserção social, tarefa essa que deve ser abraçada com ênfase maior por autoridades e políticas públicas, mas que se estende também a cada um de nós. Nesse sentido, a leitura e a compreensão desta obra pode signi- ficar um passo a mais para a reinserção de pessoas com cegueira adqui- rida na sociedade. Ao leitor este livro oferece, portanto, “ouvir” o pensar e o sentir de pessoas com cegueira adquirida, bem como conhecer suas necessida- des elementares para se reinserirem na vida cotidiana, no mercado de trabalho, na vida social, enfim. Recomenda-se ler com carinho... com objetividade, com subjetividade! A autora SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................................15 CAPÍTULO 1: DEFICIÊNCIAS, CEGUEIRA, INCLUSÃO E CIDADANIA..........19 1.1 Deficiências e Cegueira...................................................................................191.1.1 Pessoas com deficiência: estigmas e preconceitos..........................................19 1.1.2 Cegueira e preconceitos: processo histórico.....................................................20 1.2 Baixa Visão e Cegueira Congênita ou Adquirida........................................24 1.2.1 Baixa Visão....................................................................................................................24 1.2.2 Cegueira congênita.....................................................................................................24 1.2.3 Cegueira adquirida.....................................................................................................25 1.3 Cegueira Congênita e Cegueira Adquirida: diferenças de percepções......26 1.4 Cegueira e Impactos Psicossociais...............................................................27 1.5 Cegueira, Educação e Reabilitação..............................................................30 1.6 Processo Atual da Educação: Legislação e outros aspectos....................33 1.7 Reabilitação, Inclusão, Educação e Cidadania...........................................36 1.7.1 Inclusão: histórico e conceitos...............................................................................36 1.8 Inclusão: Aspectos legais e Educação..........................................................42 1.8.1 Aspectos legais.............................................................................................................42 1.8.2 Integrar ou incluir: inclusão e cidadania............................................................48 CAPÍTULO 2: METODOLOGIA.......................................................................53 2.1 Contexto da Pesquisa.....................................................................................54 2.2 A Prática Educacional no Cais – Diadema/SP............................................56 2.2.1 Descrição do CAIS – Diadema................................................................................56 2.2.2 O Projeto Político Pedagógico do CAIS – Diadema..........................................59 2.2.3 Cais: sala de recursos de Deficiência Visual e atividades.............................61 2.3 A Pesquisa de Campo.....................................................................................65 2.3.1 Tipo de pesquisa........................................................................................................65 2.3.2 Local da pesquisa.......................................................................................................67 2.3.3 Participantes: critérios de escolha e caracterização.......................................67 2.3.4 Procedimentos e coletas de dados.......................................................................69 2.3.5 Forma de análise das entrevistas.........................................................................70 CAPÍTULO 3: RESULTADOS, ANÁLISE E DISCUSSÃO.................................71 3.1 Resultados e Análise......................................................................................71 3.1.1 Histórico de vida.........................................................................................................71 3.1.2 Histórico da aquisição da cegueira.......................................................................73 3.1.3 Trabalho e ocupação..................................................................................................77 3.1.4 Escolaridade..................................................................................................................80 3.1.5 Mudanças de hábitos e rotinas..............................................................................82 3.1.6 Mudanças de comportamento...............................................................................85 3.1.7 Percepções diante dos métodos adotados na prática da reabilitação.......90 3.2 Discussão e Conclusões.................................................................................95 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................99 REFERÊNCIAS.....................................................................................105 15 INTRODUÇÃO A reabilitação de pessoas que perderam a visão em alguma fase de sua vida é um tema bastante relevante, bem como pensar em metodo- logias e recursos significativos visando a sua inclusão ou, na verdade, a sua readaptação ao cotidiano social. Trata-se de uma população que necessita de apoio e acolhimento frente aos eventuais e diferentes traumas surgidos em sua vida, devido à sua nova condição, para a qual não foi preparada. Um dos aparelhos públicos do Município de Diadema é o Centro de Atenção à Inclusão Social (CAIS) que foi fundado em 1993 e con- siste em um local com professores especializados que atendem crianças em idade escolar e munícipes com diagnóstico ou hipótese de deficiên- cia, Transtorno do Espectro Autista (TEA), dificuldades acentuadas de aprendizagem e altas habilidades/superdotação.1 No CAIS também há o trabalho direto com os alunos com defi- ciência visual com atendimentos de: - Braille; - Sorobã; - Orientação e Mobilidade. Na presente pesquisa, serão analisados esses programas e as me- todologias utilizadas no atendimento de três homens e duas mulheres com cegueira adquirida. O problema de pesquisa busca analisar como as metodologias educacionais utilizadas com pessoas com deficiência visual afetam as per- cepções dos alunos e como podem auxiliar na aprendizagem e reabilita- ção, bem como na construção da autoestima. Neste estudo parte-se da hipótese de que as metodologias educacio- nais utilizadas para pessoas com deficiência visual adquirida podem con- tribuir para o processo de construção e resgate de autoestima, bem como 1 No CAIS existem salas de recursos que atendem às seguintes áreas da deficiência: Deficiência Intelectual; Deficiência Auditiva; Deficiência Visual; Deficiência Física; Transtornos do Espectro autista – TEA; Estimulação; Serviço de Adaptação de Ma- terial Pedagógico. PRISCILLA PINZETTA 16 para sua adequação à nova condição de vida. Além disso, supõe-se que a atuação profissional pode fazer a diferença no processo de reabilitação. Este trabalho teve como objetivo principal melhor compreender as percepções dos alunos com cegueira adquirida, diante do processo de reabilitação junto à Sala de Recursos de Deficiência Visual do Centro de Atenção à Inclusão Social – CAIS, no munícipio de Diadema - S.P. De forma mais específica, o trabalho buscou: - Identificar e analisar distintas metodologias que auxiliam o bem-estar e a autonomia dos alunos na sua reabilitação e reinserção social. Descrita de forma mais detalhada no segundo capítulo deste tra- balho, a metodologia mostra que foi desenvolvida uma pesquisa quali- tativa, que, conforme Gerhart e Silveira (2009, p. 31) “não se preocupa com a representatividade numérica, mas, sim, com o aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma organização, etc.”. Para tanto, a pesquisa será apoiada em entrevistas com os sujeitos, por meio de instru- mento baseado em questões semiestruturadas. Os participantes desta pesquisa foram cinco alunos com cegueira adquirida, na faixa etária compreendida entre quarenta e setenta anos, ten- do como critério de escolha a participação dos mesmos na sala pesquisada. Os critérios para a escolha dos sujeitos estão detalhados no capí- tulo 2 referente à metodologia do trabalho. O local da pesquisa foi no município de Diadema – SP, no CAIS (Centro de Atenção à Inclusão Social) especificamente na Sala de Recur- sos de Deficiência Visual. Os dados foram coletados durante o atendimento com os alu- nos, por meio da observação direta por parte da pesquisadora/educa- dora, e também de instrumento de pesquisa na forma de entrevistas com os participantes. Espera-se que a pesquisa auxilie na compreensão daspercepções dos alunos e possa, dessa forma, trazer resultados positivos para a apli- cação futura de métodos diversos que potencializem, sobretudo, a au- toestima dos educandos, de modo a facilitar o seu processo de ensinar-e- -aprender e aprender-e-ensinar. O livro segue apresentado em três capítulos. O primeiro capítulo traz a fundamentação teórica, contendo informações, conceitos e reflexões sobre as deficiências, a cegueira, a educação inclusiva. PERCEPÇÕES DE ALUNOS COM CEGUEIRA ADQUIRIDA 17 O segundo capítulo traz a metodologia aplicada à pesquisa, a descrição do tipo de pesquisa, local, participantes e procedimentos para coleta de dados. O terceiro capítulo apresenta os resultados colhidos, a análise e a discussão, isto é, o confronto entre a fundamentação teórica e a prática encontrada entre os sujeitos da pesquisa no CAIS Diadema. O trabalho é finalizado com as considerações finais que comple- tam a sua compreensão. 19 CAPÍTULO 1: DEFICIÊNCIAS, CEGUEIRA, INCLUSÃO E CIDADANIA Este capítulo, de fundamentação teórica da pesquisa, apresenta uma visão geral e alguns aspectos históricos e conceituais sobre as deficiên- cias e o mundo das pessoas com deficiência. Isto é, a forma como elas foram vistas e tratadas ao longo da evolução histórica da humanidade, forma essa quase sempre significadas por preconceitos e discriminação, salvas as exce- ções construídas em momentos mais atuais, quer por meio de trabalhos de conscientização, quer por meio de uma legislação voltada para a inclusão. 1.1 DEFICIÊNCIAS E CEGUEIRA 1.1.1 Pessoas com deficiência: estigmas e preconceitos Conforme Souza (2008) apud Almeida e Araújo (2013), em geral, as pessoas com algum tipo de deficiência enfrentam problemas que não dependem exclusivamente da deficiência em si, mas, sim de conflitos por elas vividos quanto ao que elas são de fato e ao que as faz pensar que são. Isso geralmente ocorre em função da percepção social construída sobre a deficiência, que costuma ser entendida como algum tipo de doença. No dizer de Macedo (2008) a deficiência faz com que as pessoas estejam mais sujeitas a condições de opressão social e estigmatização cultu- ral, o que resulta em rejeição e exclusão social, e isso é observado em todos os povos, da antiguidade aos dias atuais. A pessoa deficiente tem, portanto, a sua identidade justificada pela dimensão biológica, mas, ao mesmo tem- po, também influenciada, sobremaneira, pela dimensão cultural presente na sociedade na qual ela está inserida. Ou seja, a dimensão cultural acaba moldando o comportamento da pessoa com deficiência visual. Brumer, Pavei e Mocelin (2004) ressaltam dois aspectos que de- vem ser considerados como geradores do sentimento de discriminação frente às pessoas com deficiência. Um deles é a própria legislação sobre o assunto que, se de um lado busca oferecer proteção, de outro lado ca- racteriza essas pessoas como frágeis e inferiores. O segundo aspecto re- PRISCILLA PINZETTA 20 fere-se ao desrespeito por parte de pessoas que não possuem as mesmas necessidades da pessoa com deficiência. Ainda Brumer, Pavei e Mocelin (2004) dizem que, além disso, o sentimento de inferioridade por parte da pessoa com deficiência começa, muitas vezes, a ser construído dentro da própria casa, no seio da sua fa- mília, quando e onde ela é vista e tratada como incapaz de realizar certas atividades ou tomar decisões por si mesma. Não é incomum que essa pessoa seja subestimada em suas potencialidades, resultando assim numa identidade social tardia, isto é, numa dificuldade maior em estabelecer uma vivência fora de casa, junto à sociedade. Por identidade social tardia Almeida e Araújo (2013) dizem que pode-se compreender o maior tempo demandado para que a pessoa ad- quira consciência das suas potencialidades e do seu papel na sociedade, isto porque, enquanto supostamente protegida no seio da família, ela constrói uma imagem de si mesma como alguém inferior, que vai depender eterna- mente dos outros. Ou seja, a deficiência em si pode ter significado menor para a construção da identidade social da pessoa, do que tem a imagem so- cial que ela começa a viver desde cedo ou desde que adquire a deficiência. Dito de outra forma, ainda seguindo as colocações dos mesmos au- tores, o impacto gerado pela cegueira possui significados ainda muito mais amplos para a pessoa, considerando o modo como ela vai se ver ou se po- sicionar diante da sociedade. Começa pelo fato dela se sentir diferente em relação aos demais, e se estende para a forma como ela vive essa diferença. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), mostram que 6,2% da população bra- sileira possui algum tipo de deficiência, considerada em quatro tipos: au- ditiva, visual, física e intelectual. (AGÊNCIA BRASIL, 2015). Complementando os dados acima, Felicetti et al (2016) dizem que pessoas cegas ou com baixa visão compõem uma população de mais de 6,5 milhões de indivíduos, sendo desse total cerca de meio milhão de pessoas são cegas, isto é, com incapacidade total de enxergar. 1.1.2 Cegueira e preconceitos: processo histórico O sentido da visão ou a visão propriamente dita é um dos meios pelo qual o indivíduo consegue perceber o mundo à sua volta, bem como interpretar e interferir sobre esse mundo. Porém, conforme Felicetti et al (2016), existe uma ideia generalizada de que a visão é o primeiro sentido, normalmente utilizado para a percepção e a interação com o mundo exte- PERCEPÇÕES DE ALUNOS COM CEGUEIRA ADQUIRIDA 21 rior. Ou seja, segundo os autores, em uma hierarquia entre os sentidos, con- sidera-se que a visão está no topo, como um sentido superior aos demais. Essa ideia generalizada vem do fato de que quando a pessoa pos- sui cegueira ou baixa visão, ela tem necessidade de encontrar outro modo de interação com o mundo exterior, seja pelo uso mais apurado dos de- mais sentidos, seja por meio de um processo de reabilitação, mas, em geral, de forma às vezes problemática e até mesmo traumática, tendo em conta as diferentes maneiras como cada indivíduo percebe a sua defi- ciência e a sua reabilitação. (FUNDAÇÃO DORINA NOWIL, 2015, apud FELICETTI et al, 2016). Para Miriam Lira e Luciane Schlindwein (2008) a história da humanidade mostra um duro processo de desvalorização e de exclusão social para com as pessoas com algum tipo de deficiência, normalmente considerada uma doença. O tratamento diferenciado reservado a essas pessoas costuma advir de uma interpretação no sentido de que a de- ficiência visual carrega um forte estigma, quase sempre relacionado à desgraça, castigo e morte. Ainda segundo as mesmas autoras, somente a partir do século XVI começa a surgir, na Itália, uma preocupação com a educação de pes- soas cegas, numa iniciativa do médico Girolínia Cardono, que iniciou testes para o aprendizado de leitura por meio do tato. Em seguida apa- recem obras sobre o assunto e novas iniciativas foram difundindo ideias e ganhando força, sendo criada em Paris, no ano de 1784, a primeira escola para cegos. A técnica utilizada era a impressão de textos em relevo, permitindo ao aprendiz cego tatear as letras. Já pelo século XIX, na Eu- ropa e nos Estados Unidos, começaram a surgir escolas para cegos, ainda usando a mesma técnica de leitura em relevo. Conforme Lira e Schlind- wein (2008), nesse mesmo século, Louis Braille, desenvolveu o sistema que hoje leva o seu nome, com caracteres em relevo para escrita e leitura por meio do tato com os dedos. O sistema Braille possibilitou um grande desenvolvimento na educação da pessoa com deficiência visual. As autoras complementam afirmando que, no Brasil, o início do atendimento às pessoas com deficiência visual aconteceu durante o Im- pério de Dom Pedro II, quando foi criada no Rio de Janeiro a fundação Imperial Instituto de Meninos Cegos, no ano de 1854, fundação essa que, com o advento da República, passou a se chamar Instituto Benja- min Constant(IBC), em homenagem ao próprio, que havia dirigido o educandário por vinte anos. PRISCILLA PINZETTA 22 Depois disso, somente em 1926 é que seria criada outra insti- tuição semelhante, o Instituto São Rafael, em Belo Horizonte, e no ano seguinte, o Instituto Profissional para Cegos Padre Chico, na cidade de São Paulo. Seguindo as colocações de Lira e Schlindwein (2008), vale observar que esses cuidados para com a educação das pessoas cegas não eliminam, no entanto, o preconceito que sempre existiu em rela- ção a elas, sendo muito comum considerar que a falta de visão torna a pessoa frágil e vulnerável. Para quem enxerga normalmente, existe o desconhecimento do que é ser cego, como é conviver com as outras pessoas, agir e interagir com o meio. O conhecimento existente sobre as limitações causadas pela falta de visão costuma ser, quando muito, teórico, de tal forma que até mesmo professores costumam não conhecer as limitações e as potencia- lidades de um aluno cego em sua classe. “Há uma tendência cultural da pessoa vidente considerar este indivíduo como limitado, e, consequen- temente, incapaz ou deficiente” (LIRA; SCHLINDWEIN, 2008, p. 176). Sobre o termo alteridade, Carlos Skliar (1999) esclarece que o mesmo pode ser compreendido como tudo aquilo que se refere a contras- te, distinção ou diferença, o que leva à compreensão de que a alteridade é uma situação ou uma qualidade relacionada à diferença ou diferenças. No entanto, conforme se observa tanto em Skliar (1999) quan- to em Anderson Vargas (2011), a alteridade, ao invés de ser vista de fato como uma qualidade, acaba se transformando numa relação de exclusão e até mesmo de preconceito, quando se pensa em normalida- de, isto é, a ideia de que tudo existe ou deve existir dentro de um certo padrão de normalidade. Com base em Lev Vygotsky (1997, in Lira e Schlindwein, 2008), a psicologia histórico-cultural e a história dos cegos nos indicam que a percepção dominante sobre os cegos, hoje, é a de que a cegueira, mais do que um defeito ou uma debilidade, é uma forma peculiar de desenvolver uma personalidade, já que exige da pessoa atitudes e força criativa para se situar no mundo à sua volta. Importante ressaltar: [...] que ainda sobrevive em lendas, contos e provérbios, a cegueira sugere uma enorme infelicidade, medo, respeito e o tratamento do cego como indefeso e abandonado. Mas, ao mesmo tempo, a crença de que a cegueira desenvolve na pessoa forças místicas su- periores que lhe davam uma visão espiritual substitutiva da visão PERCEPÇÕES DE ALUNOS COM CEGUEIRA ADQUIRIDA 23 que perdeu. Homero era cego e conta-se que Demócrito cegou a si mesmo para dedicar-se à filosofia porque o dom filosófico se intensificava com a cegueira; o Talmud se refere a cegos como “pessoas com abundância de luz”, e nos ditos populares se consi- derava o cego como uma pessoa com “luz interior”. Finalmente, no cristianismo, se incluiu o cego entre “os últimos na Terra” que se converteriam “nos primeiros no Paraíso” (VYGOTSKY, 1997 apud LIRA; SCHLINDWEIN, 2008, p. 177). Numa segunda etapa ou em um novo posicionamento da visão sobre a cegueira, a visão mística começa a ser substituída por uma visão biológica, visão essa que vai predominar por todo o século XVIII. A ciên- cia substitui a mística, assim como a experiência e o estudo substituem o pré-julgamento, gerando, então, uma nova compreensão da cegueira e, como consequência, o início da educação da pessoa cega de modo a incorporá-la à vida social e à cultura. Conforme Lira e Schlindwein (2008), embora seja considerada um avanço, essa nova concepção é objeto de discussão por parte de Vygotsky, a partir da ideia então mantida de que os cegos haviam sido dotados pela própria natureza de um “sexto sentido”, isto é, uma capa- cidade de visão por meios que as pessoas videntes não possuíam. Seus estudos indicam que existe uma compensação fisiológica, sim, mas que pode haver uma compensação sociopsicológica, isto é, um reposicio- namento da pessoa cega em relação ao seu meio e não propriamente o desenvolvimento de algum tipo especial de sentido. Ou seja, a pessoa cega torna-se, sim, diferente da pessoa vidente nas suas relações com o meio, mas essa diferença não é dada por nenhuma capacidade especial em substituição ao sentido da visão. Uma terceira e última etapa ou, na verdade, uma concepção mais atual na compreensão da cegueira, já pelo decorrer do século XX, con- forme ainda Lira e Schlindwein (2008), adentra o terreno científico ou sociopsicológico, visto que nasceu das reflexões surgidas da psicologia social. Essa etapa, atual, não carrega a ingenuidade de pensar que a falta do sentido da visão é compensada de forma natural por outras capaci- dades ou outros sentidos. Ao contrário, sugere que a pessoa cega pode, sim, desenvolver habilidades com base nas suas limitações e, desse modo, interagir com o meio em que vive. PRISCILLA PINZETTA 24 1.2 BAIXA VISÃO E CEGUEIRA CONGÊNITA OU ADQUIRIDA De acordo com a Fundação Dorina Nowil (2015) apud Felicet- ti et al (2016), a cegueira costuma ser categorizada em dois grupos: o grupo de indivíduos cegos, que são aqueles desprovidos totalmente do sentido da visão, seja de forma congênita, seja de forma adquirida; e o grupo de indivíduos com baixa visão, isto é, pessoas que têm o sentido da visão comprometido. 1.2.1 Baixa Visão Existe diferença entre a baixa visão e alguns problemas mais co- muns de visão, como a miopia e a hipermetropia, que podem ser corrigi- dos por meio de cirurgias ou com o uso de lentes corretivas. Conforme Felicetti et al (2016) a baixa visão ocorre por conta de algum comprometimento no funcionamento visual e não pode ser corri- gida, quer com o uso de lentes, quer por meio de cirurgias oftalmológicas. A pessoa com baixa visão tem dificuldades quanto à percepção da luz ou até mesmo a percepção de contrastes. 1.2.2 Cegueira congênita Na definição da cegueira congênita existem diferenças entre as colocações de alguns autores no que se refere à faixa etária em que se manifesta. Para Tamires S. Almeida e Filipe V. Araújo (2013) a cegueira con- gênita refere-se àquela em que a pessoa já nasce com ela, pode ocorrer desde antes ou durante o nascimento. Conforme Suelen Felicetti et al (2016) a cegueira congênita é as- sim chamada quando se manifesta já no nascimento ou durante os pri- meiros anos de vida. Para Eliana Ormelezzi (2000) a cegueira é classificada como con- gênita quando ocorre no nascimento ou até os cinco anos de idade, le- vando em conta que até essa idade a maturação visual ainda está se aper- feiçoando. Até que por volta dos cinco anos, a acuidade visual da criança se iguala à acuidade visual da pessoa adulta. Além de mais específica no seu esclarecimento, a autora acrescenta ainda que se nascer cega ou se perder a visão antes da idade de cinco anos, a criança não terá retenção de imagens visuais, o que significa que ela não terá uma memória visual como base para suas construções mentais. PERCEPÇÕES DE ALUNOS COM CEGUEIRA ADQUIRIDA 25 Essa observação é muito importante quando se trata das diferen- ças de percepções entre as pessoas com cegueira congênita e aquelas com cegueira adquirida, como será visto mais adiante. Ormelezzi (2000) e Felicetti et al (2016) mostram que são diversas as causas que podem resultar na cegueira congênita, indo desde alguma lesão até alguma enfermidade que tenha comprometido o globo ocular. De modo mais específico, Almeida e Araújo (2013) acrescentam que: [...] as causas de cegueira congênita se referem a condições genéticas (exemplos: distrofias retinianas hereditárias, atrofia óptica, microf- talmia, catarata e glaucoma congênito, retinoblastoma) ou adquiri- das no período intrauterino (rubéola, toxoplasmose, citomegaloví- rus, exposição a tóxicos como fumo, álcool, drogas, medicamentos ou radiação, distúrbios metabólicos) ou extrauterino (hemorragia intracraniana, asfixia intraparto, oftalmia neonatal - conjuntivite,retinopatia da prematuridade) (ALMEIDA; ARAÚJO, 2013, p. 6). As informações acima foram colhidas por Almeida e Araújo (2013) em um trabalho realizado por Brito e Veitzman (2000) no Depar- tamento de Oftalmologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, trabalho esse que, segundo suas autoras, mostrou a deficiência na coleta de informações sobre as causas de comprometimento visual infantil nos países em desenvolvimento. As coletas existem, mas, quase sempre, rea- lizadas em escolas para cegos e hospitais especializados, isto pelo fato de serem os estudos populacionais muito custosos e demorados. 1.2.3 Cegueira adquirida Conforme descrevem Felicetti et al (2016), a cegueira adquirida é tida como a perda da visão já na fase adulta da pessoa e costuma ser chamada também de cegueira adventícia. Almeida e Araújo (2013) acrescentam que a cegueira adquirida pode ser súbita ou progressiva, dependendo pode acontecer repentina- mente, como no caso de um acidente, por exemplo, ou de acontecer a partir de um processo evolutivo, como no caso de algum tipo de enfermidade. Em termos de significado para a pessoa, dizem os mesmos au- tores que a cegueira súbita pode ser dividida em dois estágios: o choque imediato e a recuperação subsequente. No caso da cegueira progressiva o choque traumático pode ser ainda maior, pelo fato de a pessoa conviver com a perda antes mesmo que ela aconteça por completo. PRISCILLA PINZETTA 26 Felicetti et al (2016) complementam dizendo que existem causas diversas também para a cegueira adquirida, tais como doenças infeccio- sas, enfermidades sistêmicas e traumas oculares resultantes de acidentes das mais diversas naturezas. 1.3 CEGUEIRA CONGÊNITA E CEGUEIRA ADQUIRIDA: DIFERENÇAS DE PERCEPÇÕES A cegueira é, sem dúvida, uma deficiência muito impactante na vida das pessoas, porém, como se pode observar nas colocações abaixo, existem diferenças na forma de percepção dessa ocorrência, dependen- do do tipo de cegueira: se congênita, se adquirida e, nessa última, se súbita ou progressiva. Conforme Amiralian (2003) e também Almeida e Araújo (2013) a cegueira adquirida significa, antes de tudo, uma ruptura nos padrões até então estabelecidos pela pessoa como vidente, trata-se de uma ruptura nesses padrões em termos de comunicação e mobilidade, o que interfere no trabalho, na recreação e até mesmo nos sentimentos em relação a si mesma. Os dois estágios da cegueira adquirida, o choque imediato e a recuperação subsequente, apresentam-se primeiro como uma desperso- nalização, na qual a pessoa perde praticamente todas as suas referências, seguindo-se, geralmente, de uma depressão, que parece ser uma espécie de defesa contra a dissolução do ego. O isolamento e o afastamento afeti- vo são consequências da personalidade repentinamente destruída. Ainda no dizer de Amiralian (2003) e Almeida e Araújo (2013), no caso de cegueira progressiva pode até não ocorrer o processo de des- personalização, sendo, então, a depressão menos severa, mas isso se dá por conta da fase de lamentação que acontece antes, isto é, a pessoa tem um tempo anterior para se amoldar às perdas que estão por vir. A pessoa pode se preparar para o evento futuro, inclusive buscando apoio e procu- rando meios para conviver com a deficiência. Isso significa que o impacto da perda de visão pode ser menor ou até estar ausente. Já a perda súbita da visão, conforme acrescentam Almeida e Araújo (2013), é sempre muito mais traumática, abalando sobremaneira os sentimentos da pessoa e, por conseguinte, causando sofrimentos bas- tante significativos. O estágio de recuperação é bem mais problemático e não se limita apenas a uma reordenação no modo de viver, pois o lado psicológico se torna bastante afetado. PERCEPÇÕES DE ALUNOS COM CEGUEIRA ADQUIRIDA 27 Dizem ainda Almeida e Araújo (2013) que além das diferenças traumáticas por conta da cegueira adquirida de forma súbita ou progres- siva, existem diferenças também entre a cegueira congênita e a cegueira adquirida. Mas essas diferenças vão além do próprio trauma ocasionado pela cegueira, pois esse vai depender das percepções que a pessoa tem do mundo à sua volta, por conta das suas experiências de vida. As pessoas com cegueira congênita possuem e relatam experiências, percepções e sentimentos diferentes daqueles relatados por pessoas com cegueira ad- quirida. Pessoas com cegueira congênita apresentam algumas dificulda- des na capacidade de processamento cognitivo quando comparadas às pessoas com cegueira adquirida, levando-se em conta apenas a questão da cegueira. Isto porque a ausência do sentido da visão desde cedo cau- sou uma lacuna, à medida que impediu a apreensão dos estímulos. No caso da pessoa com cegueira adquirida não existe a lacuna causada pela não apreensão dos estímulos, mas isso até certo ponto, pois tudo vai depender da fase da vida em que ela adquiriu a cegueira. Assim, da mesma forma que uma pessoa cega de nascimento não é igual a uma pessoa com cegueira adquirida, também esta última pode ser diferente de outras pessoas com cegueira adquirida, dependendo do momento em que a perda ocorreu. Esse momento pode significar condicionantes pes- soais e aprendizagens totalmente diferentes. Para a pessoa com cegueira congênita, mesmo se ressentindo pelo fato de não poder enxergar, como as demais, não existe, no entanto, sentimentos de perda, tendo em conta que ela nunca viveu a experiência de enxergar. Além disso, a cegueira desde cedo está incorporada à sua vida e desde cedo foi aprendendo a conviver com isso, desenvolvendo meios e condições para tal. Finalizando, Martins (2006) e Almeida e Araújo (2013) dizem haver a suposição de que as pessoas com cegueira congênita não padecem das ideias de perda, tragédia ou de infortúnio, visto que não tiveram o seu mundo empobrecido numa fase qualquer da vida. Da mesma for- ma, acredita-se que a aprendizagem desde cedo impede a existência de um constrangimento em relação aos modos de realizar as coisas. Não há, portanto, uma experiência de uma ruptura e perda. 1.4 CEGUEIRA E IMPACTOS PSICOSSOCIAIS Conforme Felicetti et al (2016), apesar dos avanços observados na inclusão de pessoas com deficiência, dentre elas a pessoa cega – com direi- tos garantidos, inclusive, na Constituição Federal Brasileira em vigência, PRISCILLA PINZETTA 28 promulgada no ano de 1988 e pela Lei da Acessibilidade (Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015), que estabelece o estatuto da pessoa com deficiência, entre outras medidas – ainda persiste o preconceito social a contribuir para com as dificuldades de adaptação entre pessoas cegas ou com baixa visão. Conforme Sá e Simão (2010) apud FELICETTI et al (2016, p. 43), é comum pessoas cegas ou com baixa visão serem rotuladas como “incapazes, assexuados, promíscuos, incapazes de dialogar [...]”, mas, ao tempo, como “[...] possuidores de memória extraordinária, embora possam se desenvolver no mesmo ritmo que uma pessoa vidente, quan- do estimulados”. Por conta disso, como sugerem os autores, os impactos sociais na vida da pessoa cega ou com baixa visão são marcantes na sua formação, podendo ser, tão ou mais determinantes do que as dificulda- des físicas propriamente ditas. Também Almeida e Araújo (2013) lembram que além dos aspec- tos orgânicos, a cegueira implica também em questões psicossociais, e dizem ainda que esses últimos afetam a subjetividade da pessoa, pois esta sobrevive diante de um imaginário coletivo que a percebe ou como um coitado, pecador ou, ao mesmo tempo, como um sábio. Ou seja, a per- cepção social sobre a pessoa cega afeta o seu desenvolvimento psíquico, tendo em conta suas relações sociais inerentes ao seu viver. Os estigmas e estereótipos criados socialmente refletem indivi- dualmente, isto é, influenciam o modo de ser da pessoa cega, impedindo, inclusive, a sua manifestação própria, a sua individualidade. Em outras palavras, a pessoa cega se desenvolve em função do que a sociedade pensa ou espera dela,o que é, na verdade, um impacto psicossocial bem maior que o impacto físico. Enquanto o impacto físico diz respeito às limitações da pessoa quanto à sua mobilidade e outros afazeres, o impacto social sig- nifica ou reflete, antes de tudo, um sentimento de perda de valor perante os outros. Na verdade, também outros tipos de deficiências causam fenô- menos parecidos, isto é, sentimento de inferioridade diante das pessoas que não possuem deficiência. Observa-se, portanto, que apesar de todos os avanços para a in- clusão de pessoas com deficiência, dentre elas a pessoa cega ou com bai- xa visão, falta ainda um avanço essencial, que é a mudança de concep- ção e, consequentemente, de atitude por parte da sociedade, mudança essa no sentido de perceber que a pessoa cega ou com visão limitada não é diferente de qualquer outra pessoa que enxergue normalmen- te, ou seja, nem coitada nem detentora de qualidades extraordinárias, como mostra a citação abaixo. PERCEPÇÕES DE ALUNOS COM CEGUEIRA ADQUIRIDA 29 É certo que a cegueira impõe limites e consequentemente deman- da adaptações, pois acredita-se que na vida cotidiana a visão é o sentido mais importante e usado. Entretanto, o cego possui infi- nitas possibilidades de conhecer o mundo em que vive por meio dos outros sentidos. Desse modo, o cego tem capacidades de de- senvolvimento como qualquer pessoa, mas esse processo não se dá de maneira automática, como uma substituição de um sentido por outro, pois se trata de um processo de aprendizagem como outro qualquer (NUNES; LOMONACO, 2008 apud ALMEIDA; ARAÚJO, 2013, p. 8). Conforme Lira e Schlindwein (2008) o sentido da visão assume importância significativa, na medida em que a realidade é categorizada em grande parte pela visão, inacessível para a pessoa cega. Na verdade, outras modalidades de deficiência que interferem nas relações entre as pessoas também significam dificuldades quanto à inserção social e à in- clusão, dificuldades essas que se evidenciam já no seio da família, onde a pessoa com deficiência usualmente recebe tratamento diferente, exclu- sivo, distinto do tratamento dado aos demais. Para as autoras, essa dife- renciação no tratamento pode acontecer tanto quando a pessoa com defi- ciência é considerada um fardo como também quando é superprotegida, pois, de qualquer forma, o tratamento a afastaria dos demais. Almeida e Araújo (2013) mostram que expressões como “coita- do”, “pobrezinho”, “tão bonitinho e cego”, que costumam ser dirigidas a pessoas cegas, de um lado demonstram uma espécie de compaixão, mas de outro lado reforçam os estereótipos historicamente construídos. Ain- da no que se refere ao relacionamento com o mundo e com outras pes- soas, os autores relatam que preconceito e exclusão foram manifestados até mesmo em seus estudos práticos, ocasião em que os sujeitos da pes- quisa procuraram se esquivar do assunto. Em síntese, a cegueira em si é apenas parte das dificuldades, pois estas se aprofundam nas relações com o outro, isto é, na vida social, meio e ocasião em que a subjetividade do sujeito é constituída. Ou seja, a ques- tão maior para a aceitação e inclusão está na falta de conhecimento e pre- paro da sociedade. Outra questão refere-se à corporeidade, isto é, a ima- gem que a pessoa tem do seu corpo. No caso da pessoa cega essa imagem também é afetada e sofre limitações. Assim, sendo a imagem corporal ou o corpo propriamente dito, um reflexo das experiências percebidas pela pessoa no meio social, haverá diferenças nessa imagem entre uma pessoa vidente, uma pessoa com cegueira congênita, e uma pessoa com cegueira PRISCILLA PINZETTA 30 adquirida. Em se tratando apenas das pessoas com cegueira congênita ou com cegueira adquirida, cada uma delas adquiriu um conhecimento de mundo de forma diferente, com reflexões e significados diversos, o que as levam a ter uma visão também plural em relação à sua imagem corporal. Cristiana B. de Almeida (2005) presta maiores esclarecimentos à questão da corporeidade, afirmando que tanto as pessoas videntes quanto as pessoas cegas dependem do relacionamento social para estabelecer a sua corporeidade, ou seja, não formam sozinhas a imagem ou o esquema cor- poral. Conforme a autora, cegos congênitos necessitam do toque corporal e também da verbalização com as pessoas próximas, como os familiares ou responsáveis, para construírem a imagem do próprio corpo. Quando as conversas não se dão de forma bem estabelecida, elementos não falados da comunicação oral, tais como posturas, gestos e expressões faciais, entre ou- tros, podem permanecer ausentes e, consequentemente, comprometer ou mesmo corromper a imagem que o cego congênito formará do seu corpo. No trabalho de Almeida e Araújo (2013) as questões acima levam a outras indagações, no sentido de se procurar saber, por exemplo, como a pessoa com cegueira congênita imagina os órgãos do corpo, como ela pode sentir o corpo que não consegue ver, ou, ainda, de que modo essas pessoas olham, veem e revelam o próprio corpo na ausência do sentido da visão. Essas questões tornam diferentes a experiência de cada pessoa cega, seja por cegueira congênita, seja por cegueira adquirida, sendo que essa experiência, apesar de bastante subjetiva, vai ser impactada ainda mais pe- los fatores sociais, isto é, pela forma como as relações pessoais contribuem para a construção dessa experiência. E como já visto, a sociedade não cos- tuma tratar a pessoa cega da mesma maneira que trata a pessoa vidente. 1.5 CEGUEIRA, EDUCAÇÃO E REABILITAÇÃO Em diversos trabalhos, como em Silveira e Sequeira (2002), Sil- va (2008) e Silva, Gomes e Silva Júnior (2017), por exemplos, o termo “reabilitação” aparece como predominante quando se trata de cegueira adquirida, sugerindo, assim, oferecer ao indivíduo uma nova forma de convívio social. A reabilitação pura e simples, porém, parece um tanto limitada, no sentido de que existem muitos outros aspectos que precisam ser considerados, tal como se busca mostrar neste tópico, que incluem também a educação do indivíduo, isto é, a oportunidade de desenvol- ver-se socialmente e culturalmente. A questão da leitura, por exemplo, tratada em momento posterior deste trabalho, é um exemplo de como PERCEPÇÕES DE ALUNOS COM CEGUEIRA ADQUIRIDA 31 é preferível trabalhar a educação como um todo e não apenas a simples reabilitação, muito embora, este último termo possa aparecer em diver- sos momentos também como sinônimo de educação. Conforme Almeida e Araújo (2013) e Felicetti et al (2016) exis- tem dificuldades para a pessoa cega estabelecer uma convivência harmo- niosa com o meio no qual vive, independente da cegueira ser congênita ou adquirida, razão pela qual ela precisa um planejamento ou uma edu- cação do seu corpo sem a percepção visual. Afora a interação com o meio e os sujeitos, essa educação visa também superar os traumas psicológicos, envolvendo, então, formas de adaptação aos mais diversos ambientes. Nessa adaptação, o aspecto mobilidade aparece em primeiro lugar, isto é, como uma primeira fase a ser superada. Felicetti et al (2016) acrescentam que, em casos de cegueira ou da baixa visão causados por doenças, existe a possibilidade do diagnós- tico precoce, sendo que isto pode ser um elemento facilitador na dimi- nuição dos efeitos traumáticos advindos com a perda. Pode também o diagnóstico precoce, em muitos casos, possibilitar à pessoa a utilização de certos recursos ópticos ou não ópticos, ou, ainda, uma combinação de ambos os tipos, que venha a funcionar como facilitadores nos processos de adaptação. Para os casos de baixa visão, recursos ópticos como lentes ou combinações de lentes podem possibilitar melhorias na visão, de lon- ge ou de perto. Com o mesmo propósito, recursos não ópticos também possibilitam formas de melhor conviver com a deficiência, consistindo os mesmos em adaptações no ambiente e nos objetos de contato. Assim, fa- tores como iluminação e contrastes nas cores são adaptações ambientais, enquantoque a utilização de equipamentos especiais como visores e bo- nés, entre muitos outros, são adaptações individuais. Ou seja, de um lado pode-se preparar e adequar o ambiente para que a pessoa possa usufruir melhor da sua baixa visão, de outro lado, uma série de objetos apropria- dos trata de preparar a própria pessoa para ambientes diversos. Para as pessoas cegas existem recursos não ópticos diversos, como o sistema Braille, reglete e punção, sorobã, bengala, cão guia, sin- tetizadores de voz2, entre outros, que permitem a esses sujeitos tanto a mobilidade pelos espaços em geral quanto à leitura de compreensão do 2 Do Sistema Braille aos modernos sintetizadores de voz, existem recursos diversos para auxiliar a aprendizagem e outros afazeres da pessoa cega. O reglete e punção, por exemplo, são instrumentos criados para a escrita em Braille, enquanto que o So- roban, utilizado para as funções matemáticas, na atualidade vem sendo substituído por softwares que equipam aparelhos celulares, tablets e computadores em geral. PRISCILLA PINZETTA 32 mundo à sua volta e para além do seu entorno. De certo modo, conforme França-Freitas e Gil (2000) apud Felicetti et al (2016), tais recursos per- mitem aos cegos uma vida mais próxima daquela vivida por pessoas vi- dentes. Ressalta-se, no entanto, que mesmo sendo instruído desde muito cedo a utilização prática de tais equipamentos, principalmente os recur- sos facilitadores de acessibilidade, ainda podem existir dificuldades na utilização dos mesmos, bem como pode haver também, de forma ainda mais significativa, dificuldades em relação ao desenvolvimento físico e psicológico. De fato, o desenvolvimento motor e intelectual pode perma- necer bastante limitado, por conta das limitações próprias das percepções visuais. Ou seja, os recursos são entes de auxílio, mas não significam a superação das dificuldades, pelo menos de grande parte delas. Mesmo considerando todos os recursos que podem ser coloca- dos à disposição da pessoa cega ou com baixa visão, bem como a sua adaptação para o uso de tais recursos, é necessário perceber, conforme mostrado em Brasil (2015), que é preciso também oferecer condições de acessibilidade nos espaços públicos, sendo este, inclusive, um requi- sito fundamental no que diz respeito às garantias de cumprimento dos direitos dessas pessoas. Ocorre, conforme a referida fonte, que, independentemente da cegueira ou da baixa visão, a pessoa precisa desde cedo adaptar-se para a convivência com pessoas videntes, e isso, muitas vezes se dá por meio de um processo conflituoso, isto é, que não atende às necessidades da pes- soa, começando pelas condições físicas para a mobilidade. Ainda Brasil (2015) mostra que os espaços públicos precisam ser implementados com requisitos de acessibilidade, de modo a auxiliar no processo de adaptação. Requisitos como: piso tátil, adequação do mo- biliário urbano e sinalização de travessias de ruas são essenciais para a mobilidade da pessoa cega. O piso tátil, por exemplo, serve como sinalização de calçadas e vias, enquanto que os alertas sonoros podem indicar pontos que exigem maior atenção. Além disso, também o transporte público deve se adequar no sentido de oferecer facilidades para a locomoção e, consequentemen- te, a mobilidade. Por outro lado, existe a necessidade de adequação das pessoas cegas ou com baixa visão a esses implementos, ou seja, há a de- manda por um maior empenho da educação. PERCEPÇÕES DE ALUNOS COM CEGUEIRA ADQUIRIDA 33 1.6 PROCESSO ATUAL DA EDUCAÇÃO: LEGISLAÇÃO E OUTROS ASPECTOS Conforme Janete L. Monteiro (2012) e também a Fundação Do- rina Nowil (2015), no âmbito internacional, um dos marcos rumo à jus- tiça e equidade sociais no que tange à integração ou inclusão de pessoas com deficiência na sociedade é a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 13 de dezembro de 2006, em reunião da Assembleia Geral. O feito serviu como comemoração do Dia Internacional dos Direitos Humanos. No Brasil, a integração da pessoa com deficiência encontra ba- lizamento na Lei nº 7.853/89 (BRASIL, 1989) e no Decreto nº 3.298/99 (BRASIL, 1999), que forma a base de uma política nacional que dita as principais normas de acessibilidade e ainda outros aspectos relacio- nados à inclusão. Ainda com o propósito de integração ou inclusão da pessoa com deficiência foi criada a Coordenadoria Nacional para a In- tegração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), o órgão respon- sável pela Assessoria da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República que, por sua vez, “... é responsável pela gestão de políticas voltadas para a integração da pessoa com deficiência, tendo, como eixo focal, a defesa de direitos e a promoção da cidadania” (FUN- DAÇÃO DORINA NOWIL, 2019). O Brasil possui ainda uma legislação mais específica sobre a acessibilidade, dada pelo Decreto-lei nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004 (BRASIL, 2004). O referido decreto é conhecido como Lei de Acessibili- dade e busca atender às necessidades específicas de pessoas com deficiên- cia, estipulando prazos para o desenvolvimento e execução de projetos arquitetônicos e urbanísticos, bem como projetos nas áreas de comunica- ção e informação e de transporte coletivo, entre outros. Dentre os principais direitos estendidos às pessoas cegas no mun- do e no Brasil, está a garantia da cidadania, isto é, a igualdade de oportu- nidades com as demais pessoas, a acessibilidade em vias e equipamentos públicos ou privados, a acessibilidade à internet e a utilização de softwares especiais, e, principalmente, à educação, um dos pilares da cidadania. De modo mais específico, pode-se citar a Lei nº 8.213/91 (BRA- SIL, 1991), que promove a inserção de pessoas com deficiência no mun- do do trabalho, estabelecendo e regulamentando cotas para pessoas com deficiência, além de planos de benefícios da Previdência, entre outras providências, como a que consta no Art. 93, referente à contratação de pessoas por parte de empresas mais de 100 funcionários. As empresas PRISCILLA PINZETTA 34 são obrigadas a contratar beneficiários reabilitados ou pessoas com defi- ciência, na seguinte proporção: Quadro 1 - Sistema de cotas – pessoas com deficiência Quantidade de funcionários Porcentagem de beneficiários reabilitados Até 200 funcionários 2% De 2001 a 500 funcionários 3% De 501 a 1000 funcionários 4% Acima de 1000 funcionários 5% Fonte: FUNDAÇÃO DORINA NOWIL (2019). No que se refere ao estabelecimento de normas diversas sobre mudanças ambientais visando eliminar as barreiras arquitetônicas, a As- sociação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) mantém a NBR 9050, de setembro de 1994, destinada à acessibilidade e locomoção de pessoas com deficiência física, visual, mental severa ou profunda. Por essa norma, em conjunto com outras determinações legais, pessoas nessas condições, ainda que menores de dezoito anos, ou seus representantes legais, po- derão adquirir veículos de fabricação nacional, destinados ao transporte de passageiro ou de uso misto, com isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Na mesma esteira, a Lei nº 11.126, de 27 de junho de 2005 (BRASIL, 2005), apresenta regulamentação sobre a utilização de cães guias, garantindo à pessoa com deficiência visual ingressar e permane- cer em todos os locais públicos ou privados de uso coletivo, com seus respectivos animais. Com data mais recente, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, está em vigor desde 02 de janeiro de 2016 (BRASIL, 2016) e apresenta um texto com regras e orientações diversas que buscam promover e garantir os direitos e liberdades das pessoas com deficiência, sempre com o obje- tivo final de inclusão social e cidadania. Conforme Monteiro (2012) um dos principais objetivos e também desafios da educação para pessoas com deficiência visual, além daqueles relacionadosaos fatores psicossociais, reside na mobilidade e na acessibi- PERCEPÇÕES DE ALUNOS COM CEGUEIRA ADQUIRIDA 35 lidade, razão pela qual não é apenas a pessoa cega que precisa ser reeduca- da, mas toda a sociedade, pois ao lado das barreiras físicas coexistem tam- bém as barreiras sociais, prejudicando ou deixando de facilitar a liberdade de ir e vir com segurança. A educação deve buscar, portanto, garantir por todos os meios a mobilidade e a acessibilidade, não devendo esta última fi- car restrita aos espaços físicos, mas, ao contrário, estender-se também aos espaços e bens culturais aos cidadãos que, independentemente das suas incapacidades físicas, são também possuidores de direitos e deveres. A argumentação da autora é importante, pois apesar da Lei nº 10.098/2000 (BRASIL, 2000), regulamentada pelo Decreto nº 5296/2004 (BRASIL, 2004), versando sobre acessibilidade para os deficientes senso- riais ou com mobilidade reduzida, as dificuldades para essas pessoas ain- da são enormes, estando muito longe de terem seus direitos respeitados, ou seja, possuem direitos assegurados, mas carecem de tê-los respeitados na forma da lei e no comportamento das pessoas em geral. A razão, segundo Monteiro (2012), é que, historicamente, pes- soas com deficiência sempre percorreram caminhos difíceis, se depa- raram com os mais diversos obstáculos, sofreram percalços no âmbito social, sendo, este último aspecto o mais relevante, pois é no seio da so- ciedade que acontecem os estigmas, entre outras atitudes negativas que conduziram à exclusão, simplesmente por não se enquadrarem naquilo que é considerado como padrão de normalidade. Em grande parte esses estigmas ainda persistem, e um dos pilares da educação deve ser a sua superação, para que assim se possa chegar à verdadeira inclusão. A inclusão social é, portanto, uma grande conquista para o reco- nhecimento e a legitimação dos direitos dos deficientes na socie- dade. Ela garante que estes indivíduos frequentem as escolas regu- lares, convivam e compartilhem os mesmos espaços sociais que as pessoas sem deficiência, usufruam o direito de ir e vir com segu- rança, efetivem seus deveres civis, trabalhem, enfim, sejam sujeitos socialmente participativos nas diferentes esferas da sociedade e em diferentes cidades, países e continentes (MONTEIRO, 2012, p. 6). Ainda Monteiro (2012) acrescenta que o movimento pela inclu- são ganhou uma dinâmica global, e não apenas no âmbito brasileiro, para a disseminação da ideia de igualdade de oportunidades para todos, o que inclui a aceitação das diferenças e dos diferentes. PRISCILLA PINZETTA 36 Ou seja, não basta que as pessoas com deficiência estejam pre- paradas para conviver em sociedade, é preciso também que a sociedade esteja preparada para conviver com elas. Por outro lado, conforme esclarecem Clara Silva, Werley Gomes e Agenor Silva Júnior (2017), o correto seria que a pessoa com deficiên- cia, seja ela cadeirante ou cega, tenha à sua disposição as condições ideais de mobilidade e acessibilidade sem que precise, necessariamente, depen- der de outras pessoas, ou seja, que ela possa se locomover e acessar os espaços públicos por conta própria. Ainda se está muito longe disso, porém, os primeiros passos já foram dados, pois, afinal, os acessos aos equipamentos, às escolas e à possibilidade de educação são fatores essenciais para garantir o exer- cício da cidadania à pessoa com deficiência, mesmo porque, segundo os autores, a cidadania inclui também a garantia de acesso a melhores condições socioeconômicas. 1.7 REABILITAÇÃO, INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E CIDADANIA Conforme se procura mostrar neste tópico, a inclusão é tema bastante recente na história da humanidade. Um breve histórico sobre o assunto mostra que o mais comum sempre foi a exclusão, marcada tanto pela indiferença em relação às pessoas com deficiência, como também pelo “descarte”, isto é, pelo abandono, notadamente nos casos de crianças nascidas com deficiências aparentes. 1.7.1 Inclusão: histórico e conceitos A forma de conviver com a cegueira não é a mesma quando se trata de cegueira congênita e cegueira adquirida. “O indivíduo que nasce com o sentido da visão, perdendo-a mais tarde, guarda memórias visuais, consegue se lembrar de imagens, luzes e cores que conheceu, e isso é mui- to útil para a readaptação” (GIL, 2000, p. 8). Também Almeida e Araújo (2013) evidenciam diferenças de percepção e de experiências entre as pessoas com cegueira congênita e aquelas com cegueira adquirida, acrescentando que, no segundo caso a experiência de vida pode atuar como fator positivo para a readaptação, não deixando de considerar, num primeiro momento, a superação dos entraves traumáticos e outros aspectos emocionais. Historicamente, conforme mostram Susan Stainback e William Stainback (1999), as pessoas com deficiência eram segregadas a ponto de PERCEPÇÕES DE ALUNOS COM CEGUEIRA ADQUIRIDA 37 serem excluídas da sociedade e eram até mesmo mantidas escondidas em suas residências ou em clínicas e instituições especializadas. No Brasil, a discussão sobre inclusão ganha força na década de 1990, sobretudo através da Declaração de Salamanca (1994). Assim, de conquista em conquista, as pessoas com deficiência, por meio da legislação, têm garantido por princípios e direitos a igualda- de, que, conforme Maria Teresa Mantoan (2003) e também Marcos Maz- zotta (2005), responsabiliza a escola para as adaptações às peculiaridades de todos os alunos e alunas. Cumpre destacar que Mantoan (2003) e Mazzotta (2005) trazem abordagens ligeiramente diferentes sobre os diversos aspectos da inclu- são, muito embora com um objetivo comum, qual seja, o da convivência da pessoa com deficiência na sociedade em condições de igualdade, res- peitando as suas individualidades. Enquanto Mazzota se prende aos deta- lhes mais práticos ou técnicos, como a legislação, por exemplo, Mantoan busca destacar os aspectos mais humanitários, como, na distinção que faz entre integrar e incluir, visto que, no primeiro caso, trata-se de uma capacitação da pessoa com deficiência para o desempenho das funções sociais, enquanto que no segundo caso a questão se refere à convivência e aceitação da pessoa no meio social. Conforme procura deixar claro Mantoan (2003), a inclusão é, an- tes de tudo, uma questão de aceitação ou, de um novo olhar da sociedade sobre as pessoas com deficiência. Esse novo olhar pode ser melhor com- preendido quando se pensa na vida social das pessoas com deficiência e não apenas na sua capacitação profissional, ou seja, é preciso ir muito além da simples adaptação da pessoa ao ambiente, é preciso que ela seja realmente incluída nesse ambiente. Em termos mais técnicos ou práticos, conforme destaca a autora, as primeiras adaptações foram mudanças fí- sicas nos edifícios escolares que atendiam às deficiências físicas em geral, notadamente sob o aspecto da mobilidade, com a substituição de escadas por rampas, adaptações de banheiros e outros equipamentos. Já num segundo momento da inclusão no Brasil, do qual tratam Mantoan (2003) e também Marta Gil (2000), o foco se torna mais abran- gente, deixando de centrar apenas na pessoa com deficiência, para buscar a necessária adaptação das instituições para um atendimento de qualida- de. Não basta a inserção, mas, também, viabilizar recursos e estratégias que garantam o bom atendimento. PRISCILLA PINZETTA 38 Gil (2000, p. 9) esclarece que: [...] além da perda do sentido da visão, a cegueira adquirida acar- reta também outras perdas emocionais, das habilidades básicas (mobilidade, execução das atividades diárias), da atividade profis- sional, da comunicação, e da personalidade como um todo. Tra- ta-se de uma experiência traumática, que exige acompanhamento terapêutico cuidadoso para a pessoa e para sua família. A leitura de Maria J. Silveira e Arménio Sequeira (2002) mostra que a capacidade de percepção e participação no mundo social, inclu- sive ou principalmente, no que se refereàs oportunidades, possui uma estreita relação com os órgãos da visão, tendo em conta que os mesmos podem ser vistos como uma das principais formas de coleta e de troca de informações entre os seres humanos. Em outras palavras as colocações dos autores permitem afirmar que a visão é a comunicação propriamente dita, sendo que o seu déficit pode significar uma forma de isolamento em relação ao meio que, por sua vez, afeta toda a vida social, com uma provável redução de oportunidades. Cutsforth (1966) apud Silveira e Sequeira (2002, p. 451) descreve o que considera os dois tipos mais comuns de reação à cegueira adqui- rida: “a compensação ou a retração”. No primeiro caso a pessoa procura provar a si mesma e aos demais, que a inadequação, isto é a incapacidade não existe. No segundo caso a pessoa aceita a inadequação como ava- liação válida do seu ego e, por conta disso, cria em torno de si uma fal- sa segurança, no sentido de dispensar qualquer tipo de ajuda, chegando mesmo a adotar condutas agressivas. A evolução de um tipo de reação para outro é possível, quer por conta da evolução psicológica própria da pessoa, quer pelo trabalho de avaliação e intervenção realizado por pro- fissionais e instituições apropriadas. Conforme Flávia Santos (2004) a cegueira na fase adulta repre- senta um trauma bastante profundo, sendo que, na maioria das vezes, muitos aspectos emocionais são abalados em decorrência da diminuição da capacidade de coleta de informações. De todos os sentidos é por meio da visão que mais se captam informações do mundo exterior para enten- der, compreender e interpretar esse mundo. Além disso, os olhos, quando em condição saudável, funcionam como um dos mais ativos meios de comunicação, muitas vezes superando até mesmo a fala. PERCEPÇÕES DE ALUNOS COM CEGUEIRA ADQUIRIDA 39 Ainda em Santos (2004) é possível ater-se ao fato de que os olhos e, consequentemente, a visão, passam por modificações ao longo da vida de uma pessoa, que ocorrem mais notadamente a partir dos 40 anos de idade. No entanto, essas modificações são de alguma forma, previstas e esperadas, podendo, inclusive, serem controladas ou mesmo tratadas pela medicina ou pelo uso de equipamentos apropriados, na forma de lentes corretivas. Nenhuma dessas alterações, no entanto, afeta tanto a pessoa quanto a cegueira adquirida de um momento para outro, visto que essa última, mesmo que surgida aos poucos, não faz parte dos planos de vida da pessoa, vindo daí o grande abalo emocional resultante. De acordo com Mazzotta (2005) e Isaías Pessotti (1984, apud Sil- va, 2008) e Penélope Campos (2008), de um modo geral, a deficiência é vista, sobretudo, sob o prisma da capacidade do indivíduo em se adaptar socialmente. Assim, devido à menor capacidade do indivíduo em respon- der às demandas da sociedade, as formas de lidar com pessoas crianças deficiência foram diferentes ao longo do tempo. Até o século XV as crian- ças que nasciam “deformadas” eram sacrificadas, ou seja, “descartadas”, da sociedade. Tanto na Grécia quanto na Roma Antiga existia o costume de se abandonar crianças, principalmente aquelas com deficiência, sendo que em Roma eram simplesmente jogadas nos esgotos. Porém, também segundo Pessotti (1984) apud Silva (2008) e Campos (2008), ainda na Idade Média, em algumas regiões da Europa, os deficientes podiam encontrar abrigo nas Igrejas. Outros tinham suas vidas preservadas, porém em funções imbuídas de grandes preconceitos, como a de “bobos da corte”, por exemplo, isto é, pessoas destinadas a di- vertir a nobreza; notadamente as pessoas com deficiência intelectual. Até mesmo Martinho Lutero, o grande reformador religioso e criador da pri- meira igreja protestante, via os deficientes a partir de um ponto de vista nada humano, pois para ele os deficientes intelectuais, por exemplo, eram seres diabólicos que mereciam castigos para serem purificados. Para ou- tras formas de deficiência a visão era basicamente a mesma. Entre os séculos XVI e XIX, a sorte das pessoas com deficiência ad- quire um novo rumo, porém, segundo Mazzotta (2005) e também Pessotti (1984) apud Silva (2008) e Campos (2008), continuavam isoladas do resto da sociedade, “protegidas” em asilos, conventos e albergues. Foi nesse pe- ríodo, segundo o autor, que surgiu o primeiro hospital na Europa destinado ao tratamento de pessoas com deficiência intelectual, abrindo assim espaço para se pensar no abrigo de outros tipos de pessoas deficientes. Porém, lem- PRISCILLA PINZETTA 40 bra também que a grande maioria das instituições dessa época não passava de prisões, sem tratamento especializado nem programas educacionais. Mazzotta (2005) indica que somente no século XX é que as pes- soas com deficiência passaram a ser vistas como cidadãs, adquirindo assim direitos e deveres de participação na sociedade, porém, diz o autor, sob uma ótica muito mais assistencial e caritativa do que propriamente um reconhecimento de igualdade. Essa igualdade passa a ser reconhecida so- mente em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela qual todo o ser humano tem direito à educação. Ou seja, ainda que falte o reconhecimento de fato, por parte da sociedade, ao menos esse reconhe- cimento passa a existir na forma de um documento de âmbito mundial. No Brasil, conforme mostram Silva (2008) e Campos (2008), co- meça a ocorrer nos anos 1960 alguma organização por parte de parentes de pessoas com deficiência e ainda no início dessa década aparece uma referência legal para a Educação Especial, expressa na Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1961 (BRASIL, 1961). Essa lei determinava que, dentro do que fosse possível, a educa- ção das pessoas com deficiência - tratadas, então, como “excepcionais” - deveria, enquadrar-se no sistema geral de educação. Mas é nos Estados Unidos, a partir dos anos 1970, que se avançou nas pesquisas e teorias de inclusão, havendo, porém, uma motivação particular para estes estu- dos: a existência de mutilados da Guerra do Vietnã. De qualquer modo, uma lei sobre educação de pessoas com deficiência (Lei nº 9414, de 1975) dá início naquele país à Educação Inclusiva estabelecendo as necessárias mudanças nos currículos. Conforme Mazzotta (2005), na década de 1980 a questão da in- clusão adquire um contorno global e surgem declarações e tratados mun- diais que passam a defender a inclusão em larga escala. Essas declarações, segundo o autor, são em grande parte resultados das lutas e das muitas ações em favor das minorias, desencadeadas na década anterior. Mantoan (2003), tratando da inclusão de crianças com deficiên- cia no ensino regular, ressalta o importante passo dado em 1994, ano em que foi assinada na Espanha a Declaração de Salamanca, por dirigentes de mais de oitenta países reunidos, representando um dos mais impor- tantes documentos de compromisso de garantia de direitos educacionais, que proclama as escolas regulares inclusivas como o meio mais eficaz de combate à discriminação. Nesta declaração ficam determinados direitos iguais às crianças, independentemente de suas condições físicas, intelec- tuais, sociais, emocionais ou linguísticas. Essa menção é importante na PERCEPÇÕES DE ALUNOS COM CEGUEIRA ADQUIRIDA 41 medida em que considera que o caminho para a inclusão plena da pessoa na sociedade, inclusive no mercado de trabalho, começa pela inclusão na educação ou, mais ainda, pela quebra de tabus, preconceitos e outras bar- reiras, o que pode ser conseguido somente por meio do convívio natural e cotidiano das pessoas com deficiência nos mais diferentes meios sociais, começando pela escola. No Brasil, conforme citam Mantoan (2003) e Mazzotta (2005), a partir da promulgação da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), e com reflexo que se estenderam pela década de 1990. O atendimento educacio- nal especializado às pessoas com deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino, passou a constar com o amparo legal, sendo que a Lei Federal nº7853 de 1989 (BRASIL, 1989) prevê a oferta obrigatória e gra- tuita da Educação Especial nos estabelecimentos públicos de ensino. A lei prevê também a punição de um a quatro anos e multa aos dirigentes de ensino que recusarem e suspenderem sem justa causa a matrícula de um aluno. Nessa mesma década, o Brasil aprovou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que reitera os direitos garantidos na Constituição: “atendimento educacional especializado para pessoas com deficiência”. De forma mais específica, em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases, nº 9394, se ajusta à Legislação Federal e aponta que a educação de pessoas com deficiência deve dar-se preferencialmente na rede regular de ensino. Porém, mais do que uma questão legal, a inclusão social é uma questão de humanidade e justiça: A exclusão social nas escolas lança as sementes do descontenta- mento e da discriminação social. A educação é uma questão de di- reitos humanos, e os indivíduos com deficiências devem fazer par- te das escolas, as quais devem modificar seu funcionamento para incluir todos os alunos (STAINBACK e STAINBACK, 1999, p. 21). A mensagem acima, segundo Susan Stainback e William Stain- back (1999) foi transmitida pela Conferência Mundial de 1994 da Organi- zação das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNES- CO, em referência às necessidades educacionais especiais. A mensagem procura tornar evidente que: [...] o ensino inclusivo é a prática da inclusão de todos - indepen- dentemente de seu talento, deficiência, origem socioeconômica ou origem cultual – em escolas e salas de aula provedoras, onde PRISCILLA PINZETTA 42 todas as necessidades dos alunos são satisfeitas (STAINBACK e STAINBACK, 1999, p. 21). Os autores vão além, e dedicam a obra aqui referenciada a mos- trar, entre outros pontos importantes, que a inclusão escolar não trata apenas do âmbito escolar propriamente dito e sim da preparação do in- divíduo para a vida em comunidade e, talvez até o mais importante, da preparação da comunidade para a inclusão das pessoas com deficiência. Ou seja, não basta apenas preparar o indivíduo e a escola, mas sim prepa- rar a própria sociedade. Este é o papel da escola. O ganho resultante das atitudes inclusivas é para todos, dizem Stainback e Stainback (1999), enfatizando que além de uma atitude huma- nitária e de justiça, a inclusão significa benefícios gerais para a sociedade. Segundo os autores, capacitação e participação são aspectos fundamentais para o bem-estar do indivíduo com deficiência, mas são também fatores de benefícios para a sociedade, no sentido de que essas pessoas podem contri- buir socialmente tanto quanto aquelas que não têm nenhuma deficiência. 1.8 INCLUSÃO: ASPECTOS LEGAIS E EDUCAÇÃO 1.8.1 Aspectos legais Conforme Ricardo Ceccim (2001) os principais aspectos da in- clusão estão relacionados aos direitos humanos, sobre os quais são inú- meros os debates e também os acontecimentos históricos. O autor cita a Assembleia Geral das Nações Unidas, de dezembro de 1982 e seu Pro- grama de Ação Mundial para Pessoas com Deficiência, dizendo que a mesma tem servido de fonte permanente de consulta a todos os países interessados na luta pela defesa dos direitos e da cidadania das pessoas com deficiência. O autor lista algumas recomendações destinadas ao tra- tamento que deve ser dispensado em relação às deficiências e/ou às pes- soas com deficiência, tais como: Prevenção: para evitar o surgimento, a proliferação ou o agrava- mento de deficiências. Reabilitação: entendida como um processo que visa levar o porta- dor de deficiência ao alcance de níveis funcionais, mentais, sociais ou físicos ótimos, de maneira a poder modificar sua vida. PERCEPÇÕES DE ALUNOS COM CEGUEIRA ADQUIRIDA 43 Equiparação de oportunidades: processo através do qual a socie- dade se torna acessível a todos, com remoção de barreiras arqui- tetônicas, reformas legislativas, aumento de participação comu- nitária no âmbito da educação e do emprego para a população de deficientes das zonas urbanas e rurais (CECCIM, 2001, p. 27). Em relação às medidas a serem tomadas é sugerida a: Participação de pessoas portadores de deficiências em tomadas de decisões; Ações comunitárias, envolvendo como prioridade a prestação de serviços na comunidade; Formação de pessoal, seja para treinar pessoal habilitado para detectar na comunidade de- ficiências de maneira precoce; Informação e educação do público sobre direito e deveres dos deficientes (CECCIM, 2001, p. 29). Destaca-se, portanto, a ideia fundamental de que a participação das pessoas com deficiência deve ser vista como a parte principal do pro- cesso de inclusão, tendo em conta que ninguém melhor que essas pessoas conhece as dificuldades existentes e também suas expectativas em relação à participação com igualdade na sociedade. Em outra Assembleia Geral das Nações Unidas surgiu a Resolu- ção nº 48/96 de 20 de dezembro de 1993 (ONU, 1993), conforme mostra Ceccim (2001), fica estabelecido que as normas se fundamentam histo- ricamente, objetivando um caráter de alcance generalizado a muitos paí- ses, porém não compulsório. Ou seja, o que se estabelece como norma geral para os direitos das pessoas com deficiência fica submetido às raí- zes históricas de cada sociedade, advindo daí o caráter não compulsório daquilo que é estabelecido por este organismo mundial. A mesma Reso- lução revisa os conceitos de incapacidade mental e deficiência, a partir dos três preceitos básicos, já citados: prevenção, reabilitação e conquista da igualdade de oportunidades. A deficiência fica conceituada como toda perda da normalidade ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica. A deficiência fica, então, entendida como perda ou limita- ção de oportunidades de participação na vida comunitária em condições iguais às demais pessoas. Quanto aos preceitos básicos, ficam definidos sob duas formas: primárias, medidas que impeçam a produção de deterioração física, sen- sorial, intelectual e psiquiátrica. Na secundária, procura-se impedir que uma deterioração já instalada produza uma deficiência ou limitação fun- PRISCILLA PINZETTA 44 cional permanente. Ou seja, dentro do processo e do trabalho de garantia dos direitos, não é suficiente o esforço para a inclusão, mas também o esforço no sentido prevenção das deficiências ou do seu agravamento. Tanto Mantoan (2003) quanto Mazzotta (2005) destacam que a determinação ou a orientação da Organização das Nações Unidas em relação à garantia dos direitos de todos começa e caminha pela educa- ção: a educação plena, em todos os sentidos, tanto para as pessoas com deficiência, no sentido de inclui-las em todos os setores da sociedade, quanto a sociedade em geral, no sentido de abrir espaço para a aceitação natural da convivência. Ou seja, a garantia dos direitos das pessoas com deficiência só se torna suficiente à medida que a própria sociedade fizer o reconhecimento natural desses direitos. Contudo, a Declaração Mundial sobre Educação para Todos - nos moldes em que foi aprovada pela Conferência Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem, na con- ferência ocorrida em Jomtiem, Tailândia, em março de 1990 (JOMTIEM, 1990) - delega às autoridades nacionais, estaduais e municipais a respon- sabilidade pelo oferecimento de Educação Básica, produzindo, para tanto, um Plano de Ação com vistas a satisfazer as necessidades básicas de apren- dizagem, servindo de referência e guia a governos, organismos internacio- nais, instituições de colaboração bilateral, Organizações Não Governamen- tais (ONGs) e a todos os envolvidos com a meta de educação para todos. A Declaração de Salamanca é citada por muitos autores, dentre eles, Mantoan (2003) e Mazzotta (2005), aqui tomados como referência. A Declaração é resultado da Conferência Mundial sobre necessidades educacionais especiais: Acesso e Qualidade, promovida pelo governo da Espanha e pela