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Os Batistas e a Tradição Cristã

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“Tradição, credos, liturgia, resgate e catolicidade são termos raramente utilizados no mundo
batista; pelo menos não em sentido positivo! Entretanto, os colaboradores de Os batistas e o
resgate da tradição cristã apresentam um bom argumento para que esse não seja o caso. Esta é
uma obra excelente, escrita por alguns dos melhores pensadores entre os batistas. Há muito
tempo precisávamos de um livro como este — por um longo tempo, e agora nós o temos.”
Daniel L. Akin,
presidente, Southeastern Baptist Theological Seminary
“Os batistas e o resgate da tradição cristã é uma contribuição de relevo ao debate sobre se os
batistas devem render-se às divergências doutrinárias com o propósito de se engajar na Grande
Tradição. Os autores respondem com um sonoro ‘não’. Os batistas, argumentam eles, podem e
devem encaixar a vida batista na tradição cristã mais ampla, e devem fazê-lo não somente do
ponto de vista doutrinário, mas também litúrgico. Os autores estão corretíssimos, e este livro é de
leitura obrigatória para pastores, professores e estudantes.”
Bruce R. Ashford,
reitor e deão, Southeastern Baptist Theological Seminary
“Com frequência, os batistas têm sido acusados de sectarismo por outras tradições eclesiásticas.
Infelizmente, algumas vezes merecemos, de fato, essa acusação! Portanto, este é um livro
bastante oportuno. Os batistas e o resgate da tradição cristã tece argumentos a favor de uma
visão cativante de catolicidade que é tipicamente batista, convictamente evangélica e
calorosamente ecumênica. Os editores reuniram um grupo de eruditos de primeira linha para
abordar essa visão sob uma variedade de perspectivas complementares. Pastores, teólogos e
outros líderes ministeriais batistas encontrarão muitas reflexões valiosas ao buscarem incorporar
a oração de Jesus para que seus seguidores sejam um só, assim como ele e o Pai são apenas um.”
Nathan A. Finn,
reitor e deão do corpo docente, North Greenville University
“Muitos associam a palavra ‘batista’ a uma mentalidade rigorosamente sectária. Mas, como essa
coleção de ensaios perspicazes bem demonstra, a tradição batista, em sua maior parte,
posicionou-se em continuidade com a igreja histórica e global. Este livro ajudará aqueles que
querem afirmar os elementos distintivos batistas sem recortá-los da tradição cristã mais ampla. É
possível ser batista e ter sensibilidade católica!”
Gavin Ortlund,
pastor sênior, First Baptist Church, Ojai, CA
“Como um intérprete das Escrituras orgulhoso de haver sido alimentado na tradição batista, este
volume demonstra as vastas riquezas do passado, ao mesmo tempo que providencia uma
orientação rumo à esperança para o futuro. Estou ansiosa por compartilhar com meus alunos o
que une as denominações cristãs e os elementos distintivos desse vasto e influente corpo de
crentes.”
Amy Peeler,
professora associada de Novo Testamento, Wheaton College
“Este livro reúne contribuições obrigatórias a respeito do pensamento e da prática batistas. Cada
contribuição é um exercício digno de teologia histórica, proporcionando uma estrutura que
merece ser recuperada e reconhecendo os elementos distintivos clássicos e as dádivas da teologia
batista para a igreja, enquanto olha para a frente e oferece propostas de como os batistas de hoje
podem ser mais ecumênicos, humildes e, o mais importante, fiéis. Esta coleção representa o
melhor que a teologia batista tem a oferecer através de seu foco nas Escrituras, na teologia, na
adoração e nas missões.”
Madison N. Pierce,
professor assistente de Novo
Testamento, Trinity Evangelical Divinity School
“Os batistas têm tanto direito à grande tradição da ortodoxia cristã quanto qualquer outro grupo,
e deveriam agir em consonância com isso, tomando posse do que essa constelação de estudiosos
de primeira linha chama de ‘catolicidade batista’. Lançando mão da autoridade final da Bíblia
para a fé cristã, esses autores conclamam os batistas a interpretar e aplicar os conteúdos sagrados
da Bíblia em comunhão com os santos e com as instruções do passado. A fé batista não é uma
forma de religião nova e unicamente moderna. É parte do que nós, algumas vezes, chamamos de
igreja católica (com ‘c’ minúsculo). E dispensar a sabedoria obtida ao longo de séculos de fé e
prática cristã ortodoxa é a receita para heresia e pecado. Que Deus abençoe nossas igrejas
batistas com um tempo de renovo, à medida que vão se apropriando das riquezas da história da
igreja!”
Douglas A. Sweeney,
deão e professor
de Divindade, Beeson Divinity School
Sumário
LISTA DE ABREVIATURAS
Prefácio à edição em português | Rafael N. Bello, Southern Baptist Theological
Seminary
Prefácio | Timothy George, Beeson Divinity School
Agradecimentos
Introdução | Matthew Y. Emerson, Oklahoma Baptist University; Christopher W.
Morgan, California Baptist University; e R. Lucas Stamps, Anderson University (SC)
1 - Batistas, a unidade da igreja e a tradição cristã | Christopher W. Morgan, California
Baptist University; e Kristen A. Ferguson, Gateway Seminary of the Southern Baptist
Convention
2 - Batistas, Sola Scriptura e o lugar da tradição cristã | Rhyne R. Putman, New
Orleans Baptist Theological Seminary
3 - Batistas, trinitarianismo clássico e a tradição cristã | Malcolm B. Yarnell II,
Southwestern Baptist Theological Seminary
4 - Batistas, cristologia clássica e a tradição cristã | R. Lucas Stamps, Anderson
University
5 - Batistas, eclesiologia clássica e a tradição cristã | W. Madison Grace II,
Southwestern Baptist Theological Seminary
6 - Batistas, interpretação clássica e a tradição cristã | Patrick Schreiner, Western
Seminary (OR)
7 - Batistas, adoração comunitária e a tradição cristã | Taylor B. Worley, Trinity
International University
8 - Batistas, batismo e a tradição cristã | Matthew Y. Emerson, Oklahoma Baptist
University
9 - Batistas, a Ceia do Senhor e a tradição cristã | Michael A. G. Haykin, The Southern
Baptist Theological Seminary
10 - Batistas, espiritualidade clássica e a tradição cristã | Dustin Bruce, Boyce College
11 - Batistas, estruturas denominacionais e a tradição cristã | Amy Carter Whitfield,
Southeastern Baptist Theological Seminary
12 - Batistas do Sul, evangelicalismo e a tradição cristã | David S. Dockery,
Southwestern Baptist Theological Seminary
13 - Batistas, cristianismo global e a tradição cristã | Soojin Chung, California Baptist
University
14 - Tensão racial, a tradição batista e a unidade cristã | Walter R. Strickland II,
Southeastern Baptist Theological Seminary
15 - Contribuições batistas à tradição cristã | Jason G. Duesing, Midwestern Baptist
Theological Seminary
16 - Conclusão: Por uma catolicidade batista | Matthew Y. Emerson, Oklahoma
Baptist University; e R. Lucas Stamps, Anderson University
APÊNDICE - Batistas, batistas batocatólicos e a tradição cristã | Steven R. Harmon,
Gardner-Webb University
ORGANIZADORES E COLABORADORES
LISTA DE ABREVIATURAS
B&H Broadman e Holman
CBS Convenção Batista do Sul
CH Contra as heresias
E&E Espada e espátula
IVP InterVarsity Press
JETS Journal of the Evangelical Theological Society [Revista da Sociedade Teológica
Evangélica]
JSNTSS Journal for the Study of the New Testament Supplement Series [Série de Anexos da
Revista para o Estudo do Novo Testamento]
NCA Novo Comentário Americano
PNPN Pais Nicenos e Pós-Nicenos
ODNB Oxford Dictionary of National Biography [Dicionário Oxford de Biografia Nacional]
PPN Pais Pré-Nicenos
PER Perspectivas em Estudos da Religião
SJT Scottish Journal of Theology [Revista Escocesa de Teologia]
SPCC Sociedade para a Propagação do Conhecimento Cristão
C
PREFÁCIO À EDIÇÃO EM PORTUGUÊS
Rafael N. Bello
The Southern Theological Seminary
om o avanço da tecnologia e do mundo midiático, passamos a valorizar o novo e olhar
com descaso para o que é antigo. Nossos dedos deslizam sobre as telas sempre renovando
nossas ideias. A suspeição da tradição vem também de mãos dadas com as revoluções
culturais. A beleza de um livro como o que você tem em mãos decorre do fato de que não
se trata de um apontamento para frente,para o futuro. Não, o presente livro nos convida a
sentarmos na sala de aula dos santos e aprender com eles. Aprender que nossa fé não nasceu
hoje, nem ontem, mas que tem um lastro. Essa fé pertence a nós e a nossos pais. Os batistas
podem olhar para a “fé de nossos pais” e, prontamente, rejeitá-la. Afinal, não somos nós a
congregação dos regenerados? O livro ensina belamente que a herança é parte recebida, e não
imposta. Entretanto, isso não invalida o fato de que a fé é também herança.
Os batistas sempre advogaram pela liberdade de consciência. Afinal de contas, esse é um
distintivo denominacional. Entretanto, essa liberdade não quer dizer que os batistas devam
negligenciar a tradição cristã. As Escrituras continuam a ser norma normans (a norma que
governa), mas a tradição cristã é a norma normata (a norma regida). Perceba que, apesar de a
tradição não usufruir o mesmo padrão das Escrituras, ela em si também é uma norma. Isso quer
dizer que estamos sempre medindo nossos pensamentos e interpretações de acordo com a
tradição cristã.
Neste livro, você ganhará um companheiro que não falará de tradição em termos abstratos.
Afinal, não se respeita a tradição somente por ser tradição. Por exemplo, o capítulo de R. Lucas
Stamps aborda a cristologia batista. Essa cristologia não surge ex nihilo, pois a fé que se afirma
em Jesus Cristo é o Jesus Cristo tal como resumido nos credos de Niceia e Calcedônia. A fé
antiga da forma como é resumida nos credos é simplesmente um julgamento sobre as Escrituras
para que não se tenha de fazer sempre de novo toda a exegese antiga. Dessa forma, revestimos os
credos de uma autoridade para que possamos prosseguir construtivamente rumo às nossas ações
morais. Essa autoridade nunca é final, mas, como goza de séculos de respeito, nosso caminhar
em direção a ela é respeitoso e contente. Diferentemente do zeitgeist atual, não olhamos para a fé
de nossos antepassados com desconfiança, mas com alegria. E essa alegria é contínua, mesmo
quando se vê em necessidade de reforma. Como diz Matthew Emerson neste livro, embora o
credobatismo consista em uma ruptura com a prática tradicional da igreja, é através dessa
reforma que a igreja permanece fiel. Ou seja, o credobatismo não é uma rejeição ao batismo da
igreja, mas um chamado a uma maior fidelidade bíblica. É um chamado a ouvir a voz de Cristo
da forma como ela é pronunciada.
O chamado do livro é para apreciarmos a herança batista. Como um jovem que não conhece a
história de seus antepassados e, assim, a negligencia, assim foram os batistas por muitos anos.
Mas é comum vermos que, com a maturidade, ansiamos por compreender melhor nossos hábitos
e passamos a buscar algumas curiosidades de nossas histórias. Hoje em dia, não é incomum ver
pais e avós investigando sua ancestralidade com serviços de DNA. Por que isso ocorre? Ora,
parece que, quando se esvai aquele impulso jovem inicial de querermos determinar o próprio
futuro, atingimos um ponto em que desejamos compreender por que chegamos até ali. Creio que
assim se passa com muitos batistas. O tempo irá convocá-los para si. Eles não verão a si mesmos
somente como separatistas. A realidade é que separatismo e biblicismo podem parecer honrosos
prima facie, mas, no fim, ambos confiam na independência intelectual do homem e têm muito a
ver com antropologia iluminista. Uma antropologia que é demasiadamente confiante na
capacidade moral e intelectual de investigação humana.
É comum, nos círculos de igrejas históricas tradicionais, ver certo esnobismo antibatista, como
se os batistas não pudessem participar do lastro histórico da tradição cristã. Contudo, esse
esnobismo pode acabar se houver uma leitura cuidadosa deste livro. Aqui estão alguns dos
jovens teólogos mais promissores dos Estados Unidos, como Patrick Schreiner e Rhyne Putman,
além de outros que já gozam de respeito na academia em geral (Michael Haykin e Christopher
Morgan). É inclusive nessa mescla santa que encontramos a sabedoria da igreja. Uma sabedoria
que nem despreza a juventude nem se esquece de seus anciões.
H
PREFÁCIO
Timothy George
Beeson Divinity School
á alguns anos, Mark Noll escreveu um artigo intitulado “So You’re a Baptist: What
Might That Mean?” [Então, você é um batista: o que isso pode significar?]. Nele, o autor
indaga: “Qual é a melhor forma de considerar os autoproclamados batistas do mundo?
Eles constituem um movimento com alguma coesão real? Ou o termo ‘batista’ é tão
flexível que designa apenas um conjunto vagamente definido de fragmentos heterogêneos
ocasionalmente reunidos em uma seção vagamente esboçada do panorama do mundo cristão?”.1
Essa última pergunta se refere ao fato de que há mais batistas residindo na América do Norte
do que em qualquer outro lugar — isso sem levar em consideração que os batistas têm presença
significativa em algumas regiões não ocidentais, como Nigéria, Brasil e Nagalândia, na Índia.
Em seu artigo “The Baptist Exception” [A exceção batista], Philip Jenkins observa que esse fato
faz dos batistas pontos fora da curva entre as comunidades cristãs do mundo. Na maioria dessas
comunidades, os cristãos do hemisfério sul têm ultrapassado em muito suas contrapartes do
hemisfério norte. Jenkins também adverte: “Os números apenas nada dizem a respeito da
natureza da fé ou da qualidade de sua prática”.2
A natureza da fé e a qualidade da prática, especialmente entre os cristãos batistas, são as
principais preocupações dos ensaios neste volume. Cada um dos colaboradores é um batista
convicto e francamente comprometido com a Grande Tradição da fé e do pensamento cristãos ao
longo dos séculos. Eles são defensores do que se tem chamado de “catolicidade batista”. Essa
abordagem pressupõe um engajamento crítico, mas indulgente, com toda a igreja, do passado e
do presente, ao lado do desejo de se mover para além das falsas polaridades entre, por um lado,
um individualismo baseado no Iluminismo e, por outro, uma imitação do relativismo pós-
moderno.
Esse projeto é revisionista apenas no sentido de que ousa desafiar o relato (relativamente)
recente da história batista, principalmente em termos de negativas de dissidência e não
conformidade. É possível, então, enfatizar determinados elementos distintivos batistas, como,
por exemplo, o batismo do crente, o governo congregacional da igreja, a separação entre igreja e
Estado e assim por diante, de modo que as questões mais significativas da fé cristã são
negligenciadas: a Bíblia, a Trindade, a salvação somente pela graça e até mesmo a oração de
Jesus para que seus discípulos sejam um, assim como ele e o Pai são um (Jo 17.20-26). Os
batistas começaram como uma minoria pequena e perseguida, na Inglaterra pré-revolucionária.
Como ardentes defensores da liberdade religiosa, os batistas sempre reagiram contra a imposição
de práticas e crenças que eles próprios consideravam não bíblicas. Isso, algumas vezes, levou à
nossa atitude de erguer grandes cercas, ao mesmo tempo que negligenciamos seus fundamentos.
As cercas têm seu lugar no sentido de demarcar a identidade eclesiológica, mas, sem uma
fundação sólida, não duram muito.
Visto em contexto mais amplo, este volume faz parte de um impulso protestante mais profundo
de reivindicar os fundamentos da ortodoxia cristã histórica — e de fazer isso, mais precisamente,
na qualidade de batistas — confessionais e evangélicos. No século XIX, o movimento de Oxford
tentou fazer isso dentro da tradição anglicana. O “Lutero católico” é um tema ensaiado entre os
cristãos de Augsburgo desde a Reforma. A obra de Nevin e Schaff, em Mercersburg, é outra
parte dessa trajetória. Mais recentemente, o falecido Thomas C. Oden, com sua obra a respeito da
exegese patrística e seu chamado à paleo-ortodoxia, inspirou muitos nessa direção tanto dentro
como fora de sua própria tradição metodista. Scott Swain e Michael Allen têm feito algo similar
em relação a seus companheiros presbiterianos. Entre os batistas, deveríamos observar a obra do
recém-formado Center for Baptist Renewal [Centro para a Renovação Batista],ao lado de outros
apelos à catolicidade batista pelos teólogos batistas Curtis Freeman, Steve Harmon e Elizabeth
Newman.
Seguindo todos esses movimentos refletidos nos ensaios deste volume, estão três convicções:
(i) A história conta. (ii) A teologia importa. (iii) O resgate renova. Levar essas frases a sério é
reconhecer a igreja como uma comunidade que tem memória, como uma comunidade não
somente de crentes batizados, conforme os batistas estão acostumados a defini-la, mas também
como uma comunidade de “crentes que se lembram”. Resgatar para renovar é também um
exercício de humildade. Devemos aprender a ouvir antes de falar. Nossos corações devem
tornar-se abertos a ensinamentos e mostrar-se flexíveis e dóceis — do latim docilitas, o termo
que Calvino usou para descrever sua própria conversão — antes de sermos capazes de oferecer
instrução aos outros. Isso quer dizer, entre outras coisas, que devemos superar o obstáculo da
desatenção e da cultura de competição. Tudo isso aponta para a centralidade de Jesus Cristo, que
é, ao mesmo tempo, o Salvador do mundo e o Senhor da igreja.
1 Mark Noll, “So You’re a Baptist – What Might That Mean?”, Books and Culture 17, nº 4 (julho/agosto 2011), p. 92.
2 Philip Jenkins, “The Baptist Exception”, Christian Century, 10 de maio de 2017, p. 61.
A
AGRADECIMENTOS
gradecemos a um bom número de amigos e colegas sem os quais este livro não teria sido
possível. Primeiro, somos gratos a Nathan Finn, por ter acreditado neste livro e por seu
apoio e condução inestimáveis nas fases preliminares do desenvolvimento deste projeto.
Em segundo lugar, queremos agradecer à B&H Academic, especialmente a Jim Baird,
Chris Thompson, Sarah Landers e Renée Chavez, pelo apoio a este volume e por nos guiar
calorosa e sabiamente ao longo de todo esse processo. Em terceiro lugar, somos gratos a todos os
colaboradores, por sua dedicação a este projeto. Em quarto lugar, agradecemos a Elliot Pinegar e
Maigen Turner, pela assistência editorial e administrativa. Em quinto lugar, expressamos uma
gratidão imensa às nossas esposas, que nos inspiram e ajudam de incontáveis formas. Por fim,
somos profundamente agradecidos a Deus, nosso Pai, que nos salvou por meio de nosso Senhor
Jesus Cristo, por seu Espírito Santo. Oramos para que este volume seja para a glória de nosso
Deus triúno, em quem toda a igreja é edificada como um só corpo.
N
INTRODUÇÃO
OS BATISTAS E A TRADIÇÃO CRISTÃ: 
O QUE NICEIA TEM A VER COM NASHVILLE?
Matthew Y. Emerson
Christopher W. Morgan
e R. Lucas Stamps
os últimos anos, parece haver crescido entre os evangélicos, inclusive entre os batistas, o
desejo por um enraizamento mais forte na tradição cristã. Os cristãos evangélicos (talvez
os nascidos a partir de 1980, em especial) parecem ter um anseio crescente pelas antigas
formas litúrgicas de adoração comunitária. Os evangélicos em todo o espectro teológico
estão perguntando como e por que essa geração é mais propensa às formas de adoração mais
tradicionais, e o porquê desse interesse pela prática e a doutrina da igreja primitiva.3 Além disso,
de um ponto de vista acadêmico, os eruditos evangélicos conservadores, igualmente, estão
buscando resgatar as fórmulas doutrinárias patrísticas e os métodos de interpretação pré-críticos.
Um exemplo recente é a obra Catolicidade reformada, de Michael Allen e Scott Swain.4 E, de
uma perspectiva eclesiológica, as igrejas evangélicas anseiam por um senso maior de
transcendência na adoração, além de uma expressão mais robusta e multifacetada da “fé que uma
vez por todas foi entregue aos santos” (Jd 3, ARA).
Algumas igrejas evangélicas estão experimentando atrito precisamente por causa dessas linhas,
pois os crentes insatisfeitos deixam as águas algumas vezes rasas do evangelicalismo da “igreja
baixa” em busca de um terreno eclesiástico, litúrgico e sacramental mais elevado. No entanto,
outras igrejas, como a Sojourn Church, em Louisville, Kentucky,5 a Redeemer Fellowship, em
Chicago, Illinois, e a Redeemer Fellowship, em Kansas City, Missouri, buscam combinar a
teologia evangélica conservadora com formas mais tradicionais de adoração. Essas igrejas
cooperam com a Convenção Batista do Sul — e, de fato, estão em meio às maiores congregações
de nossa denominação. Em outras palavras, essa não é uma discussão do tipo “torre de marfim”,
mas uma conversa que se estabelece entre os batistas do Sul e as igrejas que ali crescem.
Num contexto acadêmico batista, alguns batistas proeminentes no Reino Unido,6 bem como
um grupo treinado de batistas moderados na América do Norte,7 têm-se engajado em alguns
projetos para visualizar, de forma diferente e transformadora, a identidade batista no contexto da
tradição cristã mais ampla. Mas, com algumas importantes exceções, esses movimentos
contemporâneos por uma “catolicidade batista” não têm sido relativamente engajadores em
relação aos batistas conservadores na América do Norte. Os batistas e o resgate da tradição
cristã busca preencher essa lacuna, explorando algumas formas pelas quais os batistas
conservadores possam situar melhor a fé e a prática batistas dentro da tradição cristã histórica.8
Os batistas não precisam render seus distintivos doutrinários para se engajar nessa conversa,
nem deveriam buscar simplesmente imitar as crenças e práticas de outras tradições. Os batistas
têm muito a ensinar — e também a aprender — com o corpo maior de Cristo. Além disso, as
convicções batistas e as sensibilidades católicas não são mutuamente excludentes. De fato,
algumas preocupações da catolicidade batista, como, por exemplo, o desejo de contar com um
sacramentalismo mais robusto, têm importantes precedentes na própria tradição batista. Assim,
este trabalho deseja ser tanto retrospectivo como prospectivo — olhando para trás, para o melhor
da tradição batista, ao mesmo tempo que aponta o caminho adiante para os batistas no panorama
eclesiástico e cultural em constante mudança do século XXI.
Este volume inclui autores de várias instituições educacionais renomadas e também autores
minoritários. Esperamos que isso reflita o espírito católico que desejamos defender. O ensaio de
abertura, de Christopher 
Morgan e Kristen Ferguson, prepara o terreno, examinando o relevante tema da unidade cristã na
Escritura, e a forma como os batistas receberam esse ensino. Os ensaios subsequentes exploram a
forma como os batistas poderiam interagir com a tradição cristã e com o corpo maior de Cristo
em várias frentes distintas, inclusive com doutrinas cristãs fundamentais (como a Trindade e a
encarnação), práticas cristãs essenciais (como adoração, batismo e a Ceia do Senhor) e a
abordagem a questões contemporâneas (como, por exemplo, as relações interdenominacionais e
as tensões raciais). O Apêndice é uma resposta ao nosso trabalho escrita por um teólogo
ecumênico batista moderado, Steven Harmon. Na qualidade de batistas conservadores,
acompanhamos Harmon em algumas questões importantes. Nós o consideramos um
companheiro de viagem no caminho para recuperar o passado cristão pela causa da renovação
batista contemporânea e, alegremente, damos as boas-vindas à sua perspectiva por parte de um
setor diferente do movimento batista.
3 Veja, por exemplo, Gracy Olmstead, “Why Millennials Long for Liturgy: Is the High Church the Christianity of the Future?”,
American Conservative, 14 de janeiro de 2014. Disponível em: https://www.theamericanconservative.com/articles/why-
millennials-long-for-liturgy/.
4 Michael Allen e Scott R. Swain, Catolicidade reformada: a promessa de recuperação para a teologia e a interpretação bíblica
(Brasília: Editora Monergismo, 2021). Na introdução, Allen e Swain destacam um número de tendências recentes por todo o
panorama teológico em direção ao resgate do passado cristão.
5 A Sojourn Church está sob a direção de Mike Cosper na adoração, cuja obra Ritmos da graça busca resgatar as práticas
tradicionais e antigas de adoração num contexto contemporâneo. Veja Mike Cosper, Ritmos da graça: como a adoração da
igreja conta a história do evangelho(Brasília: Editora Monergismo, 2020).
6 Muitos volumes da série Paternoster’s Studies in Baptist History and Thought destacam esse interesse entre os batistas
britânicos.
7 Alguns teólogos batistas moderados que algumas vezes se identificam como “batocatólicos” são bons parceiros de diálogo.
Veja o manifesto programático “Re-Envisioning Baptist Identity: A Manifesto for Baptist Communities in North America”
(1997), de autoria de Mikael Broadway, Curtis Freeman, Barry Harvey, James Wm. McClendon Jr., Elizabeth Newman e
Philip Thompson, em https://www.baptistcenter.net/confessions/Re_envisioning_Baptist_Identity.pdf. Veja também Steven R.
Harmon, Towards Baptist Catholicity: Essays on Tradition and the Baptist Vision (Eugene, OR: Wipf & Stock, 2006);
Harmon, Baptist Identity and the Ecumenical Future: Story, Tradition, and the Recovery of Community (Waco, TX: Baylor
University Press, 2016); Barry Harvey, Can These Bones Live? A Catholic Baptist Engagement with Ecclesiology,
Hermeneutics, and Social Theory (Grand Rapids: Brazos, 2008); e Curtis W. Freeman, Contesting Catholicity: Theology for
Other Baptists (Waco, TX: Baylor University Press, 2014).
8 Quando utilizamos o termo “católico”, não queremos dizer “católico romano”. Em vez disso, estamos resgatando o significado
mais antigo de católico como “universal” ou “mundial” (grego, katholikos: kata, “pelo” + holos, “o todo”). Nesse sentido,
catolicidade é uma das quatro marcas da igreja, da forma como confessada no Credo Niceno: “Creio em uma igreja una, santa,
católica e apostólica”. Embora o Novo Testamento fale mais frequentemente da igreja (ekklesia) em termos locais, também faz
referência à igreja nesse sentido coletivo e universal (p. ex, Ef 1.22, 3.21, 5.23). Confessar a catolicidade da igreja, então, é
abraçar seu escopo universal e sua dimensão mundial — o corpo de Cristo que transcende espaço e tempo, província e
denominação. Uma catolicidade unicamente batista visa situar a visão batista dentro desse corpo de Cristo mais amplo. Como a
Reforma Protestante foi um movimento renovador dentro do cristianismo ocidental, também a visão batista é um movimento de
renovação dentro do protestantismo — uma renovação dentro da renovação, poderíamos dizer. Da mesma forma que
chamamos a igreja a uma fidelidade maior à Escritura (da forma como entendemos em termos de distintivos batistas), também
buscamos aprender com outras tradições. Somos devedores especialmente ao que muitos têm chamado de “Grande Tradição”
da reflexão cristã sobre o evangelho e seu Deus triúno. Outros grupos e teólogos batistas têm utilizado a noção de “catolicidade
batista” ou “batocatolicidade” (veja, por exemplo, o manifesto “Re-Envisioning Baptist Identity”), mas nós estamos procurando
reivindicar o direito a uma expressão particularmente evangélica desse impulso.
C
1
BATISTAS, A UNIDADE DA IGREJA 
E A TRADIÇÃO CRISTÃ
Christopher W. Morgan
e Kristen A. Ferguson
INTRODUÇÃO: A UNIDADE IMPORTA
omo batistas, prezamos a autonomia da igreja local e o sacerdócio de crentes; ao mesmo
tempo, também cooperamos na missão comum de plantar igrejas, mobilizar missionários,
educar pastores e prover alívio aos necessitados. Combinamos nossos recursos para que,
juntos, possamos fazer mais do que seria possível fazer sozinhos. Essa cooperação tem
sido transformadora, conquistando muito para a causa do Reino de Deus. Porém, muitos temem
que tal cooperação esteja desmoronando. O declínio do denominacionalismo, algumas questões a
respeito da efetividade institucional, desafios financeiros, prioridades de gerações, a diversidade
de entendimentos culturais, conflitos em meio a personalidades e instituições poderosas, bem
como as múltiplas matrizes de redes ministeriais, tudo isso é comumente citado como fatores
presentes nesse enfraquecimento.
Outro fator raramente é mencionado: nossa teologia da unidade da igreja. Sem uma
compreensão robusta da base teológica para a unidade 
da igreja, razões práticas para a unidade podem ser eventualmente removidas e rompidas. Nosso
contexto histórico mudará, as gerações se agarrarão a outras prioridades, as estratégias
financeiras irão variar e as estruturas e os sistemas institucionais se adaptarão adequadamente.
Mas nossa cooperação não tem de ser como uma “zona proibida”, e sim como “cabos de aço”,9
se nos unirmos à — e formos sustentados pela — realidade de nossa união com Cristo e uns com
os outros. Nossa cooperação pode ser fundamentada no ensino bíblico a respeito de nossa
unidade como igreja, vivendo em comunidade, crendo em sua verdade e servindo à sua missão.
Nossa convicção profundamente arraigada a respeito da unidade da igreja de Cristo pode
conduzir, de forma mais consistente, nosso amor genuíno uns pelos outros, nossa disposição de
ouvir uns aos outros humildemente em meio às diferenças culturais e de geração e nosso
comprometimento em servir uns ao lado dos outros, mesmo quando, eventualmente, divergirmos
em questões que não constituem a essência do cristianismo.
A unidade importa — sob o aspecto teológico e prático. Pode ser traçada por toda a história de
redenção, está embutida em toda a teologia cristã e tem implicação para as operações diárias da
vida da igreja local. A unidade é a doutrina central de nossa fé, que deveria informar nossos
corações e impulsionar nossas práticas.
Este capítulo discute questões relacionadas ao que a Bíblia diz a respeito de unidade,
especialmente a unidade da igreja. Consideraremos, em primeiro lugar, o relato histórico da
redenção e descobriremos que a unidade é pessoal, comum e cósmica. A seguir, destacaremos
alguns aspectos específicos da natureza da unidade — a saber, que a unidade é pactual,
transcendente, missional e inaugurada. Exploraremos mais o ensino altamente prático a respeito
da unidade que encontramos na Bíblia, defendendo que a unidade é realmente possível. E, por
fim, encerraremos o capítulo com uma revisão das confissões batistas e com o porquê de a
unidade ser — e dever ser — batista. Como esse tópico é muito vasto e integrado ao restante da
teologia, seguiremos Efésios como um guia e incorporaremos João 17 ao longo de nossa
trajetória.
A UNIDADE É PESSOAL, COMUM E CÓSMICA
Ao longo da história, o plano de Deus tem sido unir todas as coisas em Cristo, “todas as coisas,
tanto as do céu como as da terra” (Ef 1.10). Na grande narrativa da Palavra de Deus, vemos que
o plano divino incorpora as esferas pessoal, comum e cósmica, ao unir as pessoas a ele mesmo,
uni-las umas às outras e até mesmo unir o cosmos em Cristo.10
A Bíblia começa com Deus. Por toda a eternidade, nosso Deus triúno existe. O Pai, o Filho e o
Espírito são perfeitamente um, e existem como pessoas distintas dentro da unidade divina. O
Deus triúno criou todas as coisas por sua palavra, de uma forma que agradou a ele e que é boa
para sua criação (Gn 1–2; Jo 1). Gênesis repete: “E viu Deus que isso era bom”, indicando que
ele embutiu a própria bondade em sua criação (1.4, 10, 12, 18, 21, 25, 31). A declaração de
Deus, de que a humanidade foi criada à sua própria imagem, nos separa como os únicos capazes
e responsáveis por mostrar sua semelhança ao restante da criação (Gn 1.26). Limpos do pecado,
Adão e Eva estavam pessoalmente unidos a Deus sem medo, desfrutavam a comunhão recíproca
sem vergonha alguma e foram comissionados juntos para dominar sobre a criação, sem a
maldição.
A tentação logo confrontou Adão e Eva, e, ao desobedecerem à justa lei de Deus, romperam a
unidade tecida em sua boa criação. A queda rápida e definitiva de Adão e Eva ocorreu quando
ela viu, tomou, comeu e deu o fruto a Adão, e ele também comeu. Os portadores da imagem de
Deus, então, perceberam que estavam pessoalmente distanciados de Deus. Sabendo que estavam
nus, envergonharam-se e esconderam-se dele em temor (Gn 3.7-10). A comunhão deles foi
devorada pelo pecado quando experimentaram o afastamento recíproco, atribuindo
responsabilidade e suportando culpa (vv. 10-13). Expulsos de seu lar perfeito, o casal sabia que o
pecado deles trouxeracontenda e conflito relacional, ao serem afastados, ambos, da presença de
Deus (vv. 15-28). “Através da desobediência deles, o pecado entrou e lhes rompeu o
relacionamento com Deus, um com o outro e com a criação. O pecado de Adão, embora pessoal
e histórico, também é comum e cósmico, mergulhando toda a humanidade em pecado (Rm 5.12-
21) e resultando numa criação que anseia por liberdade (8.18-28).”11
Felizmente, a história bíblica continua a revelar que Deus mesmo traria paz por meio de uma
missão de reconciliação. Deus não somente trouxe a paz, como também seu próprio Filho é
chamado de “nossa paz”, ao orquestrar a reconciliação pessoal e comum dentro desse plano
cósmico de restauração (Ef 2.14). Por meio de sua morte e ressurreição, o Filho oferece perdão
total para o pecado e traz unidade em todas as três esferas. Como indivíduos, estamos unidos a
Cristo em sua morte e ressurreição, em que nos são dadas todas as bênçãos espirituais, incluindo
redenção, perdão, reconciliação, adoção e herança eterna (1.3-14; 2.1-10). Como igreja, somos
unidos a Cristo, que, por sua vez, nos une uns aos outros como seu povo, não importando nossa
etnia ou os pecados passados (2.11-22; 3.1-6). Finalmente, o cosmos está sendo unido pela obra
de Cristo, rumo à plena reconciliação na nova criação (1.9-10; 3.9-11).
Na consumação dos tempos, a obra de reconciliação será completa, e nós veremos realizado o
plano de Deus para unir todas as coisas em Cristo (1.9-10). Os crentes receberão a herança
prometida por causa de sua união pessoal com Cristo (1.11-14). A noiva de Cristo, o povo de
Deus em comunidade (5.22-33; Ap 19.6-9), estará reunida com ele nas bodas do Cordeiro (Ap
19.6-9). Como um povo unido, abrangeremos toda tribo, toda língua e toda nação (Ap 5.9),
primariamente identificado não mais por nossa diversidade, mas pela união com nosso Salvador
(Ef 2.14-15). Por fim, todo o cosmos passará, para que a nova criação, devidamente ordenada e
sujeita a Cristo, possa assumir seu lugar. Individual e cosmicamente, e em comunidade, o plano
de Deus no sentido da unidade será definitivamente concluído.
Da fundação do mundo à consumação dos tempos, o plano de Deus é convergir todas as coisas
em Cristo. Embora a humanidade tenha sido criada para experimentar a unidade perfeita, sua
queda em pecado rompeu a unidade entre ela própria e Deus, entre uma pessoa e outra, e entre a
própria humanidade e a criação. Por meio da obra salvadora de Cristo, que recebemos pela fé,
somos reconciliados com Deus, uns com os outros e com a criação. Aguardamos a consumação
da história, tempo no qual nossa união com Cristo, uns com os outros e com a nova criação será
totalmente realizada. Esse plano de unidade, como Efésios reitera, é todo para a glória de nosso
Criador, Sustentador, Redentor e Salvador.
A UNIDADE É PACTUAL
Entre a cruz e a nova criação, a igreja dá testemunho da reconciliação verdadeira, encontrada
somente em Cristo. Como cada membro do corpo é unido a Cristo, então o corpo, como um todo,
está unido a cada um de seus membros. De acordo com Efésios, para experimentar e demonstrar
essa comunhão entre os crentes, não devemos dissolver as realidades teológicas que definem a
unidade bíblica, mas, em vez disso, sustentá-las como pré-requisitos fundamentais nos quais essa
unidade se apoia.
Efésios descreve a entrada na igreja da nova aliança como baseada não na lei (2.15), mas na
morte e na ressurreição de Cristo (1.3-14; 2.1-10). Os filhos de Deus escolhidos, santos,
perdoados e redimidos (1.3-14) estavam alienados de Deus, mas, por meio da expiação de Cristo,
foram unidos a ele (2.1-10). Além disso, tendo sido ressurreto dentre os mortos e assentado à
mão direita de Deus nos lugares celestiais, Cristo não é somente o ponto necessário de acesso à
unidade, mas também, agora, “o cabeça sobre todas as coisas”, e foi dado à igreja, “a qual é o seu
corpo” (1.20-23). Fundamentalmente, a igreja é o povo de Deus da nova aliança, e cada membro
está pessoalmente reconciliado com Deus.
Paulo desvenda o mistério do plano de Deus para a unidade corporativa descrevendo a inclusão
dos gentios no povo de Deus (2.11-12). Pela natureza de seus nascimentos, os gentios estavam
fora de Israel, de modo que não tinham esperança de que o Messias pudesse, de alguma forma,
beneficiá-los.12 Após lembrá-los desse estado de desesperança, Paulo revela que os gentios
passaram a ser bem-vindos na nova aliança e foram “aproximados pelo sangue de Cristo” (v. 13).
Aqueles que uma vez estavam até mesmo sem a promessa de esperança agora podem ser plenos
participantes no plano de Deus de reconciliação, a despeito de sua posição na antiga aliança.
Portanto, a igreja não é apenas o povo da nova aliança reconciliado com Deus; é também o
povo da nova aliança reconciliado uns com os outros (2.11-22). Como uma só nova humanidade,
os judeus e os gentios, uma vez divididos, agora são unidos em Cristo (2.15). Cristo é “nossa
paz” e estabelece entre nós uma espécie de unidade que nega as divisões mundanas que, com
frequência, definem as normas sociais (2.14). Onde havia uma “parede da separação” (2.14),
agora há acesso comum ao Espírito de Deus e um novo edifício que tem em Cristo sua perfeita
pedra angular (2.18-21).
Embora essa nova aliança convide tanto judeus como gentios, não permite a entrada fora da
pessoa de Cristo. Em Efésios 2, vemos Paulo exortar aqueles que creem em Cristo para que
sejam unidos na base da fé em Cristo, e não no direito por nascimento. Por outro lado, Efésios 5
proíbe esse povo recém-unido de “conviver” com as pessoas imorais (5.7). Andrew T. Lincoln
descreve essa parceria proibida como sustentar “a conotação de envolvimento íntimo e
participação com a outra parte”.13 Após se tornarem “luz” por meio da união com Cristo, os
leitores de Paulo não devem identificar a si mesmos com as trevas por meio da participação com
os descrentes em atos pecaminosos (2.1-3; 5.8). Portanto, Paulo promove uma unidade que nega
os limites culturais, mas não uma unidade que nega Cristo.
Ao mesmo tempo que certamente há razões práticas para cooperar com os que estão fora da
igreja, o sentido bíblico de unidade refere-se à unidade da igreja. Os indivíduos que nada têm em
comum agora têm a coisa mais vital em comum: Cristo. A realidade teológica de nossa nova
identidade em Cristo reorienta nossas afinidades sociais e traz reconciliação onde uma vez a
divisão se fez presente.14 Éramos um povo separado, como estrangeiros alienados uns dos outros.
Agora, como novos homens (2.15), cidadãos de um novo reino (2.19) e pedras vivas num templo
novo e santo (2.21), somos um em Cristo.
Efésios, assim, salienta que nossa união pessoal com Cristo por meio de sua obra salvadora é
necessária para a unidade da nova aliança. Essa base teológica para a unidade fundamenta nossa
cooperação por uma causa comum. Também promove ampla motivação para reordenar alegações
que uma vez definiram nossas interações sociais, porque nossa nova identidade em Cristo
determina nossos laços mais estreitos.
A UNIDADE É TRANSCENDENTE
A unidade da igreja não somente define nossos relacionamentos com outros crentes; também
descreve o próprio Deus. Quando os indivíduos se unem a Cristo e, em seguida, uns aos outros, a
verdade sobre Deus é demonstrada. Por toda a carta aos Efésios, Paulo demonstra como Deus
revela seus atributos divinos por meio da união dos crentes a Cristo:
(...) segundo a riqueza da sua graça, que Deus derramou abundantemente sobre nós em toda a sabedoria e prudência.
(1.7-8)
(...) a suprema grandeza do seu poder para com os que cremos, segundo a eficácia da força do seu poder. (1.19)
(...) para mostrar, nos séculos vindouros, a suprema riqueza de sua graça, em bondade para conosco, em Cristo Jesus.
(2.7)
(...) para que, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus se torne conhecida, agora, dos principados e potestades nos
lugares celestiais. (3.10)
No desvendar de seu plano para a unidade e a restauração do cosmos por meio de Cristo, Deus
revela sua graça, sabedoria, poder ebondade.
Unidos a Cristo e uns aos outros, demonstramos parcialmente o caráter de Deus em nossas
vidas. Andando em boas obras, seguimos após nosso Pai (2.10). Antes mortos, mas agora vivos,
nós, que estamos unidos a Cristo, somos novas criaturas que não andam mais de acordo com os
caminhos do mundo, mas em boas obras, fazendo de nosso alvo o imitar o Pai, conforme ele
expõe à luz as obras antes realizadas em trevas (2.1-20; 4.1; 5.11-14). Individual e
coletivamente, agora exibimos o caráter de Deus ao mundo ao andar “de modo digno da vocação
a que fostes chamados” (4.1). Como igreja, somos chamados a viver em unidade (4.3, 13), em
santidade (4.24), na luz (5.8) e em sabedoria (5.15) — em tudo que reflete nosso Deus. Ao
andarmos dessa forma, portamos a imagem de Deus ao mundo e o glorificamos por meio da
demonstração parcial de quem ele é.
Nossa união com Cristo e uns com os outros também aponta para a unidade de Deus. Em
Efésios 4.1-6, Paulo escreve:
Rogo-vos, pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados, com toda a
humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor, esforçando-vos diligentemente por
preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz; há somente um corpo e um Espírito, como também fostes chamados
numa só esperança da vossa vocação; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é
sobre todos, age por meio de todos e está em todos.
Paulo fundamenta a realidade da unidade da igreja na unidade de Deus. O Pai, o Filho e o
Espírito são todos mencionados nessa passagem, mas a ênfase reside na unidade de Deus em
meio à singularidade de cada pessoa. No plano eterno de Deus, ele demonstra sua unidade por
meio de nossa unidade como igreja.
De modo similar, em sua oração sacerdotal, Jesus estabelece uma conexão entre sua própria
unidade com o Pai e nossa unidade como sua igreja. O Pai se revela a seu povo por meio de
Cristo. Ele diz haver manifestado o nome do Pai ao povo que o Pai lhe dera, e tornou conhecidas
por eles as palavras do Pai; assim, eles agora creem que o Pai enviou o Filho (Jo 17.5-8). Jesus,
então, identifica uma troca entre ele próprio e o Pai: Cristo devolve ao Pai aquelas pessoas que
lhe foram inicialmente dadas pelo Pai (v. 10). Mais adiante, Jesus destaca que o amor e a glória
experimentados entre o Pai e o Filho são revelados em seu povo, ao serem um só (vv. 10, 23).
Jesus também ora para que aqueles que creem que o Pai enviou o Filho possam ser um só. A
unidade do povo de Deus é estabelecida na unidade do Pai e do Filho. Jesus ora pela unidade de
seu povo por três vezes (vv. 11, 21 e 22). A justificativa de cada pedido é impressionante. A base
é a unidade do Pai com o Filho: “para que eles sejam um, assim como nós” (v. 11); “e como és
tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós” (v. 21); e “para que sejam um, como
nós o somos” (v. 22). De uma forma incrível, a união dos crentes em Cristo revela a unidade de
nosso Deus triúno e nela tem suas raízes.
A UNIDADE É MISSIONAL
Nossa unidade com Cristo e uns com os outros também testifica ao mundo que fomos
reconciliados com Deus — e que outros também podem sê-lo. A unidade bíblica alcança o
interior da igreja para ligar todos nós em Cristo, e alcança todas as pessoas, na esperança de que
elas também possam ser unidas a ele e à sua igreja. Pelo menos duas obrigações missionais
fluem de nossa união com Cristo. A primeira: ajudar outros a se reconciliarem com Deus por
meio do compartilhamento do evangelho. A segunda: aumentar a credibilidade do evangelho por
meio do viver em união.
Em Efésios, Paulo insta os crentes judeus e gentios a se unirem como um novo povo (2.13-22).
Contudo, seu intento para a unidade não acaba aí. Ao mesmo tempo que Paulo vê a unidade
como experimentada unicamente pelos crentes, sua missão é trazer mais pessoas a Cristo (3.8-
11). Paulo modela a missão da unidade em seu chamado para pregar aos gentios:
A mim, o menor de todos os santos, me foi dada esta graça de pregar aos gentios o evangelho das insondáveis riquezas
de Cristo e manifestar qual seja a dispensação do mistério, desde os séculos, oculto em Deus, que criou todas as coisas,
para que, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus se torne conhecida, agora, dos principados e potestades nos lugares
celestiais, segundo o eterno propósito que estabeleceu em Cristo Jesus, nosso Senhor. (Ef 3.8-11)
Paulo é chamado para proclamar a verdade de que os gentios agora são incluídos nas
promessas de Deus. Eles também podem ser unidos a Cristo. A possibilidade de união dos
gentios com Cristo é tão magnífica para Paulo que ele se considera indigno do chamado de
proclamá-la 
(v. 8). Para Paulo, o peso glorioso de sua missão é uma honra tão grande que ele se dispõe a
sofrer por essa causa (vv. 12-13). Portanto, Paulo compartilha o evangelho a partir de uma
apreciação e de um deslumbramento pelo fato de Deus se unir a seu povo por meio de Cristo.
Unidos a Cristo e uns aos outros, enfatizamos nosso testemunho verbal do evangelho com uma
testemunha visível. A união surpreendente de crentes judeus e gentios tem um poder incrível
para persuadir o mundo de que Deus está trabalhando. Efésios 3.10 sugere que a unidade da
igreja coletivamente ilustra a sabedoria de Deus. A unidade de judeus e gentios em Cristo alerta
os principados e potestades nas regiões celestiais de que o plano de Deus para a unidade cósmica
está avançando (1.10): “Por sua própria existência como nova humanidade, na qual a divisão
maior do mundo do primeiro século foi superada, a Igreja revela o segredo de Deus em ação e
anuncia derrota aos poderes celestiais inimigos e a superação das divisões cósmicas”.15 Num
mundo caído, no qual a desunião prevalece, a presença da unidade verdadeira entre os crentes
serve como uma janela do plano de Deus para o cosmos e atesta o poder do evangelho para
mudar vidas.
João 17 também destaca o propósito missional de Deus na unidade dos crentes com ele — e na
unidade dos crentes uns com os outros. Jesus ora para que, através da palavra e da unidade dos
crentes, o mundo possa crer nele: “Não rogo somente por estes, mas também por aqueles que
vierem a crer em mim, por intermédio da sua palavra; a fim de que todos sejam um; e como és
tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós; para que o mundo creia que tu me
enviaste” (vv. 20-21). 
A mensagem do evangelho é o meio pelo qual o mundo crerá em Cristo (v. 20), e a unidade dos
crentes testifica a eficácia dessa mensagem (v. 21). A unidade dos crentes demonstra a unidade
do Filho e do Pai, e o fato de que o Pai enviou o Filho. Então, nossa unidade não afeta
simplesmente nossa própria comunhão; também provê um testemunho convincente ao mundo de
que o evangelho é verdadeiro. Conforme as pessoas ouvem a Palavra e a veem promulgada na
unidade dos crentes, a mensagem do evangelho se torna ainda mais cativante.
Tanto Efésios como João 17 não proveem apenas reflexão teológica a respeito da unidade
bíblica; também demonstram o poder dela para fazer o evangelho avançar. O movimento da
história redentora prossegue até que todas as coisas sejam unidas em Cristo, no céu e na terra. Os
crentes participam desse movimento cósmico pela união compartilhando o evangelho que une
pessoas a Cristo e vivendo em unidade uns com os outros.
A UNIDADE É INAUGURADA
Ao mostrar ao mundo o propósito eterno de Deus em relação à união cósmica, demonstramos
que o reino de Deus já irrompeu sobre a história. Embora aguardemos sua completude final, uma
amostra desse reino já está presente na igreja. Deus está renovando todas as coisas, e já começou
a fazer isso com a igreja. Conforme vivemos a unidade que temos em Cristo nesse estágio
inaugural, vemos que a igreja já é una, mas também deve perseguir a unidade.
A igreja é una. A unidade da igreja é uma realidade presente. Efésios apresenta pelo menos três
verdades que levam em consideração a presença dessa unidade. Paulo ensina que a igreja já é
una por meio do seucabeça, Cristo, que é refletido nela, por meio da transformação dos gentios,
e do seu ensino sobre a conexão entre a unidade da igreja e a unidade de Deus.
Efésios 1.22-23 afirma que Cristo já foi feito nosso Cabeça, e que todas as coisas já estão sob
seus pés. Nossa comunhão como crentes está alicerçada na realidade de Cristo ser nosso Cabeça.
Assim, somos todos submissos à sua autoridade ao vivermos neste mundo (compare com 5.23).
Michael Horton assinala: “A igreja está sempre na extremidade recebedora em seu
relacionamento com Cristo; nunca é a redentora, mas sempre a redimida; nunca a cabeça, mas
sempre o corpo”.16 Juntos, como um corpo unido, requeremos a direção e a liderança de nosso
Cabeça, Cristo (4.15). Assim como Cristo já é o Cabeça da igreja, a igreja já é una sob esse
Cabeça.
Também sabemos que a igreja já é una porque a inclusão dos gentios é uma realidade presente.
Efésios 2.11-22 deixa claro que judeus e gentios, uma vez separados pela parede de hostilidade,
agora são um novo povo, membros de uma família, concidadãos e partes do mesmo templo
reunidas em Cristo. A descrição que Paulo faz dessa unidade repousa em uma distinção
temporal: “Lembrai-vos de que, outrora” (v. 11) e “Mas, agora” (v. 13). Agora, os gentios são
um só com os judeus, por causa da obra de Cristo. Eles não estão esperando que essa unidade
ocorra no futuro, mas são encorajados a desfrutá-la de imediato.
Finalmente, vemos que a unidade atual da igreja é um reflexo preciso da unidade de Deus. Em
seus comentários sobre Efésios 4.3-6, John Stott sustenta:
Devemos asseverar que só pode existir uma família cristã, só uma fé, esperança e batismo cristãos, e só um corpo de
cristãos, porque só há um Deus, Pai, Filho e Espírito Santo. Você não pode mais multiplicar igrejas porque não pode
multiplicar o número de Deus. Só há um Deus? Então, ele só tem uma igreja. A unidade de Deus é inviolável? Então,
também o é a unidade da igreja.17
A igreja manifesta a realidade da natureza de Deus, de modo que a igreja já é una porque o
próprio Deus também é uno.
Perceba que a unidade marca a igreja como um todo, ou o que, com frequência, é chamado de
a igreja universal. A unidade também marca a igreja local. Como já observamos, a reconciliação
de judeus e gentios em um novo povo se dá através de uma escala ampla. É extensa, relevante na
história da salvação e global, e requer a crença em uma espécie de igreja universal. Ainda que o
próprio fato de que a reconciliação de judeus e gentios em um só povo novo sirva como
evidência dos eternos propósitos de Deus para a unidade cósmica, também requer a visibilidade
da igreja e, portanto, da igreja local.18
Em suma, Efésios descreve a unidade como uma característica presente da igreja. Ela não se
antecipa a Cristo como seu Cabeça, mas se submete à autoridade dele agora. Os gentios não
aguardam a união com os judeus, mas podem desfrutar a plena comunhão agora. E a unidade da
igreja não demonstrará um dia a unidade de Deus; ela faz isso de imediato.
A igreja busca a unidade. Embora a unidade da igreja seja uma realidade presente, Paulo
ensina que ela deve continuar a buscar isso. Efésios 4.1-3 exorta a igreja a viver de acordo com
seu chamado, esforçando-se “diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da
paz”. A igreja não é a criadora dessa unidade, mas a ela é requerido perseverar em guardar e
promover a unidade que já foi estabelecida pelo Espírito.19
A igreja já é uma só, mas ainda não é totalmente una. Essa realidade de já/ainda caracteriza
não somente a unidade da igreja, mas também outros atributos seus. Donald Bloesch observa:
A igreja já é una, mas deve tornar-se mais visivelmente una [...] em fé e em prática. A igreja já é santa em sua fonte e em
seu fundamento, mas deve perseverar em produzir frutos de santidade em sua permanência temporária no mundo. [...] A
igreja já é apostólica, mas deve tornar-se mais conscientemente apostólica por meio da permissão para que o evangelho
reforme e, algumas vezes, até mesmo inverta, seus rituais e interpretações consagrados pelo tempo.20
De modo similar, Paulo apresenta o paradoxo do “já” e “ainda não” por toda a carta aos
Efésios. Ele diz que a igreja é a plenitude de Cristo (1.23), mas ainda deve ser preenchida (3.19;
4.13). A igreja é o novo povo (2.14-18), mas deve crescer e se tornar um povo maduro (4.13) e
assumir essa nova identidade (4.20-24). Da mesma forma, como igreja, já somos um só em
Cristo, ainda que devamos viver nossa unidade em humildade, mansidão, longanimidade e amor
(4.2).
A UNIDADE É POSSÍVEL
Pela graça de Deus, essa unidade é possível. Paulo estimula a igreja a valorizá-la, e nos chama a
vivermos juntos de tal forma que a adotemos e não a enfraqueçamos. Efésios 4.1-6 encoraja a
igreja a exigir as qualidades morais necessárias para a unidade; Efésios 4.7-16 explica que os
diversos dons são proporcionados à igreja para cultivar a unidade; e Efésios 4.17-32, por sua vez,
exorta os crentes a se envolverem em ações que construam a unidade.
Após discutir a realidade teológica da unidade em Cristo nos capítulos 1 a 3, em Efésios 4.1-3
Paulo nos chama a promover o desenvolvimento prático dessa unidade por meio da humildade,
da mansidão, da longanimidade, do suportar uns aos outros em amor e de um esforço diligente
no sentido de manter a unidade do Espírito no vínculo da paz. Paulo entende que a unidade deve
começar no coração, conforme a igreja local cultiva o tipo de cuidado e de bondade exigidos
quando se vive em comunidade com outros pecadores salvos pela graça. John Stott afirma:
“Muitos começam com estruturas (e estruturas de algum tipo são indispensáveis), mas o apóstolo
começa com qualidades morais”.21 A unidade da igreja, fundamentada nos ensinos teológicos dos
capítulos 1 a 3, lembra-nos que nossa unidade não se baseia na perfeita harmonia de pessoas que
partilham a mesma opinião e que têm afinidades em comum, mas está firmemente enraizada no
evangelho, que é marcado pela graça, pelo perdão, pelo amor e pelo sacrifício.
Depois que Paulo reitera a unidade de Deus e a unidade da igreja (4.4-6), Efésios 4.7 introduz a
diversidade dos dons concedidos à igreja unida: “E a graça foi concedida a cada um de nós
segundo a proporção do dom de Cristo”. A variedade dos dons garantidos à igreja é para edificar
o corpo “até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus”
(4.13). Paulo vê os dons concedidos por Cristo à igreja como ferramentas que devem ser
utilizadas para a promoção da unidade, especialmente no que se refere à fé e ao conhecimento de
Cristo (4.13).22 À medida que todos os crentes vão se envolvendo no ministério por meio de seus
dons, a igreja progride rumo à maturidade espiritual em Cristo.
As qualidades morais e os dons no corpo são supridos por Deus para tornar a unidade possível.
Efésios 4.17-32 aborda as ações dos crentes que afetam diretamente a unidade das igrejas locais.
Como membros uns dos outros, a igreja deve substituir o velho homem pelo novo (vv. 20-24) de
várias formas: deixando de lado a mentira e falando a verdade (v. 25), resolvendo rapidamente a
ira (v. 26), não roubando, mas trabalhando e doando generosamente (v. 28), e não falando de
forma corrupta, mas edificando uns aos outros (v. 29). De forma mais genérica, Paulo sumariza
que a igreja não deve caracterizar-se por amargura, cólera, ira, gritaria, blasfêmias ou malícia,
mas, em vez disso, deve ser benigna e compassiva, e perdoar uns aos outros (vv. 31-32). Ele
lembra, novamente, que esses novos hábitos crescem a partir de uma apreciação da realidade
teológica de que “Deus, em Cristo, vos perdoou” (v. 32). Cada uma dessas ordenanças tem
impacto direto na qualidade da vida em comunhão, na medida em que os crentes vivem unidos.
A lógica de Paulo nos ensinos práticos de Efésios 4 depende dos capítulos 1 a 3. Assim como é
possível para Deus fazer vivos os que estavam mortos (2.1-4), fazer cidadãos os que eram
estrangeiros (3.19) ou fazer um novo povo daqueles que eram inimigos (3.14-15),também é
possível para os redimidos viver essa unidade em Cristo. A aparente improbabilidade de unidade
da igreja — por causa de nossas diferenças, desacordos e divisões — faz dela uma testemunha
poderosa para o mundo e uma evidência de nossa salvação em Cristo. A habilidade sobrenatural
de renunciar a nossos egos, agendas, preferências e hábitos em benefício de outras pessoas
continua a demonstrar que Deus, de fato, nos fez um, assim como ele é um.
A UNIDADE É BATISTA?
A unidade é claramente bíblica e inteiramente cristã. Como a tradição cristã e boa parte deste
volume salientam, nós cremos na igreja, marcada pela unidade, pela santidade, pela verdade e
pela universalidade.
Mas a unidade é batista? Alguns podem sugerir que a unidade batista é um oxímoro. Afinal, as
igrejas batistas são notórias por causa de divisões, e é difícil identificar o número de
denominações batistas sem contar com algum grau avançado de estatística. As denominações e
instituições batistas se despedaçaram em controvérsias entre calvinismo/arminianismo, educação,
avivamentos, missões, escravidão, o Sábado, criação/evolução, a inerrância da Bíblia, o papel
das mulheres, estruturas de associação e mais. E as igrejas batistas também se dividiram por
muito menos.
Levando em consideração esses aspectos, muitos poderiam concluir que os batistas nada têm a
dizer a respeito de unidade. Tenha certeza de que muito mais ainda precisa ser dito, e uma
doutrina fundamental da unidade da igreja ainda precisa ser desenvolvida para os batistas.23 Mas
os batistas têm abordado o tópico da unidade da igreja — e de uma variedade enorme de
maneiras. Algumas das mais importantes incluem as confissões de fé batistas.24 Exemplos de
referências à unidade bíblica com Cristo e uns com os outros encontrados entre as confissões
batistas incluem os seguintes:25
Confissão de Fé de Thomas Helwys, 1611. A Confissão de Helwys faz menção à igreja como
unida entre si, à igreja como uma só, ainda que sejam muitas as congregações, e à igreja local
como o corpo de Cristo. A confissão também ensina que uma igreja local não deveria questionar
as prerrogativas de outras, que a Ceia do Senhor é uma ilustração da comunhão da igreja com
Cristo e que os membros da igreja deveriam amar uns aos outros.
Primeira Confissão de Fé de Londres, 1644. A Primeira Confissão de Fé de Londres provê uma
ampla descrição da convicção dos batistas a respeito da unidade. Em resumo, ela explica que a
unidade dos crentes está ligada à unidade da Trindade e à união de cada crente a Cristo. Na igreja
local, os crentes devem ter e valorizar a comunhão uns com os outros, assim como devem
suportar as faltas e os pecados dos outros em longanimidade. Da mesma forma, a igreja local,
embora seja um corpo único, deveria também andar lado a lado com outras igrejas locais, que
são companheiras de um só corpo na fé comum sob Cristo.
Segunda Confissão de Londres, 1689. A Segunda Confissão de Londres também inclui
abundante ensino doutrinário a respeito da unidade para os batistas. Para enfatizar a unidade
batista com outros cristãos e para evitar a perseguição, a confissão declara que segue o exemplo,
e até mesmo a maioria dos termos, de outras confissões cristãs relevantes.26
A confissão ensina que somente Cristo é o Cabeça da igreja, e a membresia na igreja é
entendida como pactual. A unidade da igreja é aplicada tanto a uma igreja universal como às
igrejas locais. Os membros da igreja são instados a prezar a unidade, enxergando-a como mais
significativa do que suas ofensas pessoais com os outros, orando pelo bem e pelo sucesso de
todas as igrejas, vivendo em comunidade uns com os outros e servindo uns aos outros em prol do
bem comum. O batismo é um sinal de nossa 
união com Cristo, e a Ceia do Senhor é um laço e um compromisso de nossa união com Cristo e
uns com os outros. A confissão termina da mesma forma que começa, ou seja, enfatizando a
união dos batistas com outros cristãos. Os batistas compartilham o núcleo das crenças cristãs em
comum com outros cristãos, esforçam-se para manter as discordâncias teológicas como uma
questão de ponto de vista e buscam unir-se e mostrar tanta concordância com outros crentes
quanto possível. A confissão destaca que a unidade da igreja permanece em meio à realidade de
algumas discordâncias entre igrejas locais e denominações, mostrando-se consistente com essa
realidade. A unidade da igreja também é consistente com o reconhecimento de níveis de
importância de várias doutrinas: aquelas da essência do cristianismo e aquelas de convicção ou
liberdade pessoal. Desse modo, a confissão insta aqueles que sustentam as doutrinas da essência
do cristianismo a que ponham de lado diferenças menores, abracem-se uns aos outros em amor e
mansidão, e concedam-se liberdade recíproca em questões menores.27
Fé e mensagem batista, 1925, 1963, 2000. As três edições de The Baptist Faith and Message [Fé
e mensagem batista] falam muito pouco da doutrina da unidade da igreja. Das Escrituras, é dito
que são “o centro verdadeiro da união cristã”, porém a unidade da igreja não é mencionada de
forma explícita nas seções a respeito da igreja, do batismo e da Ceia do Senhor, do reino, do
evangelismo e das missões, ou mesmo da mordomia. A edição de 1963 adiciona (e a edição de
2000 mantém) material a respeito da igreja universal, mas nada a respeito de unidade.
Em vez disso, Fé e mensagem batista fala de “cooperação”. A confissão insta os membros
individuais das igrejas e as próprias igrejas a cooperarem entre si pela organização de
associações e convenções, para os propósitos do reino. Essas organizações não devem carregar
autoridade sobre os crentes, sobre as igrejas ou umas sobre as outras; elas devem permanecer
voluntárias e consultivas, cooperando com missões, educação e ministérios de benevolência.
O artigo sobre cooperação continua: “A unidade cristã no sentido do Novo Testamento é
harmonia espiritual e cooperação voluntária para fins comuns, por vários grupos do povo de
Cristo”. Há uma referência não à unidade da igreja, mas à “unidade cristã”, e essa unidade não é
teologicamente fundamentada, mas definida pela prática. O artigo acrescenta que a cooperação
entre as denominações cristãs é “admitida e desejável” (edição de 1925) quando o alvo é justo e
quando não há “violação de consciência ou comprometimento da lealdade a Cristo e à sua
Palavra”.28
Fé e mensagem batista conclama as igrejas a trabalharem juntas, os cristãos a trabalharem
juntos e as denominações a trabalharem em conjunto. A confissão também convoca os cristãos a
trabalharem com todas as pessoas “de boa vontade em qualquer boa causa”,29 agindo com amor e
sem comprometer a lealdade a Cristo e à sua verdade.
Então, a unidade é batista? Sim, mas a unidade da igreja não é mais do que uma força motriz,
como era e como deveria ser. O melhor do que temos a respeito da unidade da igreja nas
confissões batistas tem origem nos antigos batistas. A Segunda Confissão de Londres é muito
melhor que as outras em termos de cobertura e profundidade a respeito da unidade da igreja, e a
próxima, nesses termos, seria a Primeira Confissão de Londres. Além disso, boa parte do melhor
material nas confissões batistas sobre esse tema foi destacada a partir da necessidade de evitar a
perseguição e de ser visto como cismático ou herético. Ademais, embora uma boa porção do
material a respeito da unidade da igreja tenha sido, de fato, escrita por batistas, um tanto
considerável da Segunda Confissão de Londres foi emprestado — copiado literalmente da
Confissão de Westminster e da Declaração de Savoy —, com origem, portanto, nos anglicanos,
não conformistas e puritanos. A Confissão de Fé da Filadélfia, de 1742, também faz referência à
unidade da igreja, mas se baseou na Segunda Confissão de Londres.
A unidade da igreja, aparentemente, não era conceituada nas confissões batistas desde 1742.
Isso quer dizer que o melhor material sobre a igreja em confissões batistas, em sua maior parte,
tem mais de trezentos anos, tendo sido emprestado deoutras tradições cristãs e parcialmente
produzido pela necessidade de se evitar perseguição.
A linguagem de “cooperação” emergiu como a base para o trabalho em conjunto. Ao mesmo
tempo que é um termo apropriado pelo que conceitua (a cooperação é, de fato, boa e desejável),
parece deslocar a abordagem de “trabalhamos juntos porque estamos unidos em Cristo” para
“cooperamos porque compartilhamos objetivos e uma missão” (o que também é bom, mas menos
permanente e mais dependente de relacionamentos extensos). Isso poderia, inadvertidamente,
fundamentar nossa unidade em assuntos práticos, em vez de fazê-lo com base numa teologia de
unidade da igreja.
Também é importante perceber que as maneiras pelas quais os batistas entenderam e
articularam a doutrina da unidade da igreja têm sido moldadas acentuadamente pelo contexto
histórico. Quando os batistas estavam sob perseguição pela Igreja da Inglaterra, a unidade era
prezada e buscada. Quando eles procuravam o evangelismo na fronteira americana, a unidade
frequentemente era tida como secundária. Quando os distintivos denominacionais eram
realçados, a unidade era negligenciada. Quando os ensinos cristãos históricos estavam sendo
redefinidos pelo liberalismo teológico, a unidade com igrejas de denominações de linhas
principais parecia uma deslealdade a Cristo e à sua verdade. Quando as agências e os seminários
denominacionais eram conduzidos majoritariamente por teologias moderadas e neo-ortodoxas, a
unidade soava como um compromisso. 
E, quando os cristãos são crescentemente perseguidos por todo o globo e marginalizados nesta
era pluralística, a unidade verdadeira da igreja parece, novamente, vital.
E a unidade da igreja é vital — mas não só por causa do contexto atual. A unidade da igreja é
uma doutrina central da fé cristã. A unidade da igreja é uma realidade espiritual essencial para
todo crente em Cristo. A unidade da igreja é um alvo belíssimo no plano eterno de Deus. E a
unidade da igreja é um agente transformador na missão de Deus. Somos unidos a Cristo e ao
todo da Trindade. Em Cristo, somos unidos uns aos outros e somos, agora, constituídos como o
povo de Deus, a igreja. Nossa unidade, como igreja, fundamenta nossa missão comum e obriga
nossa cooperação. Essa cooperação inclui igrejas trabalhando juntas, cristãos trabalhando juntos
e, tanto quanto seja bom e possível, denominações trabalhando juntas pelos propósitos do reino.
9 Essa linguagem foi utilizada por W. A. Criswell em seu discurso presidencial, no encontro anual da Convenção Batista do Sul
(SBC) em 1970, em Denver, Colorado. Veja Baptist Press, “Criswell Urges SBC: Hold Fast to Doctrine, Missions”,
comunicado de imprensa de 1º de junho de 1970. Disponível em: https://media.sbhla.org.s3.amazonaws.com/3003,01-Jun-
1970.pdf. Veja também James L. Sullivan, Rope of Sand with Strenght of Steel (Nashville: Convention Press, 1974); e o artigo
perspicaz de Roger S. Oldham, “Synergy, Cooperation, and Autonomy: The Southern Baptist Experience”, em Journal of the
Mid-America Baptist Theological Seminary (2017). Disponível em:
https://www.mabts.edu/sites/all/themes/midamerica/uploads/Oldham%20article%20jp%20edit%201%20proof1.pdf.
10 Este capítulo remete a Christopher W. Morgan, “Toward a Theology of the Unity of the Church”, em Why We Belong:
Evangelical Unity and Denominational Diversity, ed. Anthony L. Chute, Christopher W. Morgan, e Robert A. Peterson
(Wheaton, IL: Crossway, 2013), p. 19-36.
11 Morgan, p. 20.
12 F. F. Bruce, The Epistle to the Colossians, to Philemon, and to the Ephesians, New International Commentary on the New
Testament, org. por Ned B. Stonehouse, F. F. Bruce e Gordon D. Fee (Grand Rapids: Eerdmans, 1984), p. 294.
13 Andrew T. Lincoln, Ephesians, Word Bible Commentary 42, ed. Bruce M. Metzger, David A. Hubbard e Glenn W. Barker
(Grand Rapids: Zondervan, 1990), p. 326.
14 Veja Jarvis Williams e Thomas R. Schreiner, One New Man: The Cross and Racial Reconciliation in Pauline Theology
(Nashville: B&H, 2010).
15 Lincoln, Ephesians, p. 187.
16 Michael S. Horton, People and Place: A Covenant Ecclesiology (Louisville: Westminster John Knox, 2008), p. 31.
17 John R. W. Stott, The Message of Ephesians: God’s New Society, 2ª edição, série The Bible Speaks Today (Downers Grove,
IL: InterVarsity Press, 1992), p. 151.
18 Para saber mais a respeito da igreja local e/ou igreja universal, veja Morgan, “Theology of the Unity”, p. 19-36. Para mais a
respeito da igreja na história batista, veja Anthony L. Chute, Nathan A. Finn e Michael A. G. Haykin, The Baptist Story: From
English Sect to Global Movement (Nashville: B&H, 2015). Para mais a respeito de uma figura central nesses debates, veja
James A. Patterson, James Robinson Graves: Staking the Boundaries of Baptist Identity, Studies in Baptist Life, ed. Michael A.
G. Haykin (Nashville: B&H, 2012).
19 Edmund P. Clowney, The Church, Countours of Christian Theology (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1995), p. 79. [N.
do T.: edição em português lançada pela Editora Cultura Cristã].
20 Donald Bloesch, The Church: Sacraments, Worship, Ministry, Mission, Christian Foundations (Downers Grove, IL:
InterVarsity Press, 2002), p. 103.
21 Stott, Message of Ephesians, p. 148.
22 Harold W. Hoehner, Ephesians: An Exegetical Commentary (Grand Rapids: Baker Academic, 2002), p. 553.
23 Veja Christopher W. Morgan, “Baptists and the Unity of the Church”, Journal of Baptist Studies 7 (fevereiro de 2015), p. 4-5:
“Primeiro, perceba as aplicações e os contextos multifacetados: unidade na igreja local, unidade nos relacionamentos entre os
crentes e as famílias na igreja local, unidade em agências denominacionais, unidade numa denominação, unidade entre
segmentos de denominações (Estado, associações, organizações), unidade na ação e na visão ministeriais (programa
cooperativo, missões etc.), unidade entre denominações distintas, unidade entre etnicidades e estruturas sociais, e unidade com
todos os crentes em todas as igrejas verdadeiras. Segundo, considere a amplitude das fontes: confissões batistas, pactos
eclesiásticos, catecismos, documentos institucionais, tratados teológicos, comentários em passagens-chave, livros pastorais,
eclesiologias — sem considerar uma numerosa seleção de sermões de batistas representativos. Terceiro, note a ampla variedade
de tipos de batistas e como várias 
correntes abordariam uma teologia da unidade da igreja de forma distinta. Quarto, considere os contextos históricos sempre
mudando, e como cada contexto distinto molda a teologia da unidade da igreja. Unidade quando sob perseguição, unidade
quando há sucesso, unidade entre rivalidades denominacionais e unidade em meio à marginalização evangélica; tudo isso afeta
em que medida a unidade é discutida e entendida. Além disso, a unidade precisaria ser avaliada em sua ausência, examinando
as correntes batistas que têm tudo em comum — em denominações, organizações e igrejas locais. A prática (e até mesmo a
falta dela) ensina muito sobre teologia, especialmente a da unidade da igreja”.
24 Veja muitas confissões batistas em http://baptiststudiesonline.com/confessions-of-faith/. Numa conversa pessoal, o historiador
batista Tony Chute observou que o próprio fato de termos múltiplas confissões de fé diz muito a respeito dos batistas e da
unidade da igreja. Múltiplas confissões de fé podem ser boas, mas sua existência realça nossa tendência a continuar
adicionando distinções uns dos outros.
25 Para mais detalhes sobre o que essas confissões ensinam a respeito da unidade da igreja, veja Morgan, “Baptists and the
Unity”, p. 4-23.
26 Para o contexto dessas confissões, veja James M. Renihan, “Confessing the Faith in 1644 and 1689”, The Reformed Reader.
Disponível em: http://www.reformedreader.org/ctf.htm: “Essa Confissão, influente como é, talvez seja mais bem-compreendida
em seus panoramas históricos e teológicos. Ela não aparece do nada, como produto de um irromper repentino de conhecimento
teológico da parte de um autor ou de autores, mas, sim, da tradição de se produziruma boa Confissão, dependendo, de forma
significativa, das afirmações de Confissões reformadas mais antigas. Uma rápida olhada demonstrará que ela se baseia, em
larga escala, naquele que é o mais puritano dos documentos, a Confissão de Fé de Westminster de 1647. Uma inspeção mais de
perto revelará que está ainda mais intimamente relacionada à revisão da Confissão de Westminster, feita por John Owen e
outros, em 1658, popularmente conhecida como “Declaração e Plataforma de Governo de Savoy”. Em quase todos os casos, os
editores da Confissão Batista seguem as revisões dos editores de Savoy, quando diferem do documento de Westminster. Além
disso, os batistas fazem uso ocasional da fraseologia da Primeira Confissão de Fé de Londres. Quando o todo desse material for
levado em conta, há muito pouca coisa [...] nova e original da Confissão de 1677/89”.
27 A Confissão de Fé da Filadélfia (1742) segue essencialmente a Segunda Confissão de Londres (de 1689), e por isso não há
necessidade de citá-la aqui. De forma interessante e lamentável, não pude encontrar nenhum ensino direto a respeito da unidade
da igreja nas seguintes importantes confissões de fé batistas: os Princípios de Fé da Associação Sandy Creek (1758); a
Confissão de Fé de New Hampshire (1833); e o Resumo de Princípios (1859). Para saber mais, veja Morgan, “Baptists and the
Unity”, p. 4-23.
28 Comparação das edições de 1925, 1963 e 2000 de A fé e a mensagem batista, Convenção Batista do Sul. Disponível em:
http://www.sbc.net/bfm2000/bfmcomparison.asp. Veja “Cooperation” [Cooperação].
29 Comparação das edições de 1925, 1963 e 2000 de A fé e a mensagem batista: “The Christian and the Social Order” [O cristão
e a ordem social].
C
2
BATISTAS, SOLA SCRIPTURA E O LUGAR DA
TRADIÇÃO CRISTÃ
Rhyne R. Putman
New Orleans Baptist Theological Seminary
om seu romance A misteriosa chama da rainha Loana, publicado em 2004, Umberto
Eco, romancista e filósofo italiano já falecido, explorou a relação entre cognição,
memória e conhecimento literário. Eco contou a história de Yambo, um vendedor de
livros antigos de sessenta e poucos anos que acordou num hospital com um caso peculiar
de amnésia. Embora ele não se lembrasse de nada a respeito de sua vida e de sua família,
conseguia relembrar detalhes bastante específicos de cada livro, artigo e poema que já tivesse
lido.
Yambo reteve o que Eco descreveu como sua “memória pública”, mas nenhuma “memória
episódica” permanecera. Com sua memória pública, Yambo lembrava-se dos personagens,
viradas e mudanças de grandes obras de ficção, mas, sem sua memória episódica, ele não tinha
qualquer lembrança do contexto no qual os lera. Eco definiu a memória episódica como aquela
que “estabelece uma ligação entre quem somos hoje e quem temos sido, e, sem ela, quando
dizemos eu, referimo-nos apenas ao que sentimos agora, e não ao que sentimos antes, o que se
perde, como você diz, na neblina”.30 Ao longo do romance, Yambo tenta desvendar sua história
de vida por meio das páginas dos livros e revistas que moldaram sua vida pregressa, esperando
encontrar alguma semelhança com o que havia sido perdido.
Esse conto pós-moderno de memória segregada serve como uma analogia adequada ao
relacionamento entre muitos batistas e a tradição cristã. Muitos batistas têm um claro alcance da
memória pública da Escritura, mas muito pouca ou nenhuma memória episódica da tradição mais
ampla que a formou. Eles podem ser ortodoxos em suas conclusões teológicas e competentes
como intérpretes da Escritura, mas se esqueceram, ou nunca realmente compreenderam, o papel
que a tradição desempenhou no moldar de seus conhecimentos. Em sua amnésia histórica,
muitos batistas afirmaram a substância dos grandes credos ecumênicos — as doutrinas da
Trindade, a divindade e a humanidade verdadeiras de Jesus, e assim por diante —, mas deram
pouco ou nenhum reconhecimento formal ao papel que esses credos tiveram no moldar da
interpretação da Escritura e da adoração pública deles.
Os batistas têm sido constantemente acusados (e, algumas vezes, de forma justa) de rejeitar a
autoridade da tradição como uma fonte de fazer teologia. Alguns batistas têm compreendido mal
a natureza da tradição, a concepção protestante clássica de sola Scriptura (“somente a Escritura”)
e a relação histórica dos batistas com a tradição da igreja antiga. Este capítulo explora como os
batistas podem manter seu comprometimento com o sola Scriptura ao mesmo tempo que se
apropriam da tradição cristã de maneira normativa.
UMA BELA GERAÇÃO SEM UMA TRADIÇÃO?
“Não temos credos, a não ser a Bíblia!” Esse slogan ostensivamente repetido resume o que
muitos, nas tradições batista e de igreja livre, têm crido a respeito da Reforma Protestante e do
sola Scriptura. Na versão deles acerca da história da igreja, a Bíblia ficou face a face com a
tradição e a venceu. Os cristãos caíram em si e perceberam que tinham a Bíblia e o Espírito
Santo, e não precisavam gastar tempo com “vãs repetições” de credos antigos e ultrapassados.
De acordo com essa visão, os cristãos que creem na Bíblia certamente não deveriam falar de
credos ou confissões como algo que tenha algum tipo de valor normativo.
Uma corrente antitradicional na história batista, o biblicismo ingênuo, repudia quaisquer
afirmações de credos ou de confissões que não sejam explicitamente encontrados na Bíblia.31
Biblicistas ingênuos insistem que a Escritura deve ser interpretada de forma completamente
isolada da tradição.32 O representante mais notável dessa visão foi o clérigo irlandês-americano
Alexander Campbell, do século XIX (1788–1866). Por ter sido batista por dezessete anos (1813–
1830), Campbell veio a liderar um dos maiores cismas da história batista, um movimento
conhecido por seus seguidores como Movimento de Restauração Stone-Campbell. Como um
autodeclarado “reformador”, Campbell imaginou a reconstrução de todo o cristianismo
primitivo, isento de todas as práticas eclesiásticas não mencionadas explicitamente na Escritura
(por exemplo, constituições de igrejas, sociedades missionárias e adoração instrumental).33 Ao
defenderem que credos e confissões usurpam funcionalmente a autoridade bíblica, Campbell e
seus discípulos atacaram, com veemência, a prática de utilizá-los nas igrejas batistas.34
Campbell exigia que os intérpretes da Bíblia usassem a linguagem dela quando a explicassem.
Credos como o Credo Niceno são exercícios de “teologia especulativa” que só complicam a
verdade bíblica autêntica, transformando-a em “jargão escolástico”, o que deveria ser esquecido,
e não relembrado.35 Campbell, definitivamente, considerava os credos desprovidos de propósito:
“Tanto quanto é conhecido na terra, não há, no ‘livro da vida do Cordeiro que foi morto desde a
fundação do mundo’, o nome de qualquer pessoa que tenha sido convertida ou santificada por
Deus por meio dessas controvérsias a respeito de dogmas humanos, nem por meio de qualquer
coisa aprendida em cânones ou credos de todos os concílios, desde aquele de Niceia até a última
Conferência Metodista”.36
Embora a autoidentificação de Campbell como um batista tenha durado pouco, sua influência
sobre os batistas americanos foi penetrante e duradoura. Em 1830, centenas de igrejas batistas
em Kentucky, Tennessee e Virgínia haviam deixado suas associações a fim de se tornar
congregações da “Igreja de Cristo” e dos “Discípulos de Cristo” afiliadas à “restauração” de
Campbell.37 A controvérsia de Landmark, que dividiu os batistas do Sul na segunda metade do
século XIX, desenvolveu-se, em parte, como uma resposta ao próprio ensino cismático e
contrário à tradição de Campbell.38
Mesmo que o estigma de Campbell, único e antagônico à tradição e à eclesiologia, nunca
tivesse conquistado aceitação muito difundida, outra corrente de anticredalismo libertário
desempenhou papel relevante na controvérsia do fim do século XX, conhecida como a
“Ressurgência Conservadora” (ou, para seus detratores, o “Controle Fundamentalista”) da
Convenção Batista do Sul (CBS).39 Esses batistas “anticredo”, uma vez associados

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