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IZABELLA FERREIRA REIS - 2024 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 1. Considerações iniciais Em termos gerais, o direito das obrigações trata de uma relação jurídica pessoal transitória entre duas partes, em que uma tem a obrigação de cunho patrimonial para com a outra, sob pena de dilação dos bens penhoráveis do inadimplente. Além disso, esse campo do direito governa as relações jurídicas economicamente avaliáveis, contém as seguintes características: a) numerus apertus: rol exemplificativo, sendo válido situações análogas; b) não há sequela: executa-se o contrato, incidindo a sanção, pelo descumprimento, no patrimônio do devedor; c) relativos: eficácia inter-partes, em regra; d) forma livre: não exige registro nem publicidade, em regra (art. 107, CC); e) jus ad rem: direito contra a pessoa, determinada ou determinável; f) caráter transitório: adimplemento sua forma natural de extinção. No mais, este difere completamente dos direitos reais. Porém, existe uma zona de confluência entre as duas disciplinas, que contém uma natureza mista, sendo elas: a) obrigações propter rem: próprias da coisa, transmitindo-se automaticamente ao seu novo titular (Ex.: IPTU); b) obrigações de ônus real: limita o uso e o gozo da propriedade (gravame), direito sobre a coisa alheia de efeitos erga omnes, difere deste último no fato de se limitar ao valor da coisa (Ex.: Hipoteca, penhor e a anticrese); c) obrigações de eficácia real: podem ser transferidas e ser oponíveis a terceiro que adquira determinado bem sem que percam seu caráter de direito a uma prestação, contanto que haja prévio registro. 2. Elementos da relação jurídica obrigacional Desse modo, são elementos constitutivos da obrigação: a) elementos subjetivos: elemento pessoal que envolve o credor (sujeito ativo), o beneficiário que pode exigir o cumprimento e o devedor que assume a obrigação de cumprir (sujeito passivo). b) elemento objetivo: prestação, objeto da relação, que deve ser lícito, possível, certo, determinado ou determinável, suscetível de aferição econômica e comerciável. Bem como distingue-se em imediato (bem da vida, propriamente) e mediato (ação de adimplir); c) elemento imaterial, virtual ou espiritual: vínculo existente entre as partes, de modo que exista um Schuld (débito), haftung (responsabilidade). Mas, há situações em que existe um débito sem responsabilidade (obrigações naturais - ex. dívida prescrita) e responsabilidade sem débito (obrigação de garantia - ex. IZABELLA FERREIRA REIS - 2024 fiança), sendo que ambas as situações tratam de obrigações imperfeitas. 3. Conceitos importantes a) dever jurídico: necessidade de comportar-se de certa maneira, contrapõe-se ao direito subjetivo, seu desrespeito gera consequências amplas para aquele que o descumpriu e para a outra parte; b) responsabilidade: surge em decorrência do descumprimento do dever; c) ônus: ideia de fardo, encargo, não atendido o ônus, as consequências serão somente para a parte relacionada ao instituto; d) direito potestativo: poder que a pessoa tem de influir na esfera jurídica de outrem, sem que este possa fazer algo que não se sujeitar; e) estado de sujeição: relacionado com o direito potestativo, não há saída: a pessoa tem que se sujeitar àquela situação. 4. Fontes obrigacionais no direito As fontes do direito são os meios pelos quais os laços obrigacionais são estabelecidos, e de forma direta, como em todo o sistema jurídico, isso ocorre por meio das leis presentes no sistema. Por outro lado, as fontes indiretas são resultantes de negócios jurídicos e atos, como: a) negócio jurídico bilateral ou plurilateral (contratos): relação obrigacional entre duas partes, que visa à criação, modificação e extinção de direitos e deveres, com conteúdo patrimonial (ex. contrato de compra e venda); b) atos unilaterais: declaração unilateral de vontade (ex. promessa de recompensa , gestão de negócios, pagamento indevido e enriquecimento sem causa); c) atos ilícitos (art. 186, CC) e abuso de direito (art. 187, CC); d) títulos de crédito: caráter autônomo, a existência de uma relação obrigacional de natureza privada. 4.1 Atos unilaterais Refere-se das obrigações que surgem da simples declaração de uma única parte, formando-se no instante que o agente a manifesta. 4.1.1 Promessa de recompensa O art. 854 do CC diz que quem promete, em anúncios públicos, recompensar quem realizar uma tarefa ou serviço específico, tem que cumprir o prometido, assim, para que essa promessa seja válida, é preciso: a) que a pessoa que fez a promessa seja capaz de tomar decisões; b) que o que está sendo prometido seja legal e possível de ser feito; c) que a promessa seja anunciada de forma pública. Se alguém realizar a tarefa ou serviço descrito na promessa, mesmo que não tenha feito por causa da promessa, tem direito à recompensa prometida (art. 855, CC), isso destaca a importância da ética e da boa-fé. Além disso, é possível cancelar a promessa (art. 856, CC), desde que seja antes da realização da tarefa ou serviço, e seja comunicado da mesma forma que a promessa original. Se alguém IZABELLA FERREIRA REIS - 2024 agiu de boa-fé e gastou dinheiro por causa da promessa cancelada, tem direito a ser reembolsado. Se mais de uma pessoa realizar a tarefa ao mesmo tempo, quem a fez primeiro tem direito à recompensa (art. 857, CC). Se foi ao mesmo tempo e dá para dividir, a recompensa é dividida (art. 858, CC), senão, um sorteio é feito de acordo com as regras de razoabilidade e bom senso. Em concursos anunciados publicamente, é importante estabelecer um prazo para participar e ter um juiz para avaliar os trabalhos. A decisão desse juiz é final para os participantes (art. 859, CC). Se não houver um juiz designado, presume-se que quem prometeu a recompensa será o responsável pela decisão (art. 859, CC). Se os trabalhos forem igualmente bons, as regras de prioridade, divisão e sorteio se aplicam, como discutido anteriormente (art. 859, CC). Por último, nas competições públicas, as obras premiadas pertencem ao promotor apenas se isso estiver especificado no anúncio da promessa (art. 860, CC). 4.1.2 Gestão de negócios O conceito de gestão de negócios é quando alguém administra um negócio de outra pessoa sem permissão expressa, agindo conforme o que se presume ser o interesse do dono, isso pode acontecer sem um contrato formal (art. 861, CC). Se a gestão começa contra a vontade do dono, o gestor pode ser responsabilizado, a menos que prove que foi útil (art. 862, CC). Se os prejuízos superam os benefícios, o dono pode pedir para voltar atrás ou pedir indenização (arts. 862 e 863, CC). Seguindo o princípio da boa-fé, o gestor deve informar o dono assim que possível, a menos que haja perigo imediato (art. 864, CC). Se o dono morrer, o gestor deve agir com cuidado e seguir as instruções dos herdeiros (art. 865, CC). Quando o dono volta, ele pode aceitar a administração, ressarcindo o gestor pelas despesas necessárias (art. 873, CC). Se ele não gostar do que foi feito, pode pedir compensação por danos (art. 874, CC), e a responsabilidade do gestor depende da situação. Além disso, o gestor deve pagar pelos prejuízos se agir de forma arriscada (art. 868, CC), e também deve reembolsar o dono por qualquer erro na administração (art. 866, CC). Se o gestor gastou com alimentos ou enterro, ele pode pedir reembolso, exceto se o gasto foi por pura bondade (arts. 871 e 872, CC). Se os negócios estão interligados, o gestor pode ser considerado como um sócio, mas o dono só precisa pagar pelas vantagens obtidas. Por ser uma ação unilateral, o gestor não tem direito a pagamento, mas o dono pode decidir remunerá-lo através de uma doação (art. 540, CC). 4.1.3 Pagamento indevido Segundo o Código Civil, quem recebe algo que não deveria tem que devolver (art. 876, CC). Se alguém paga sem dever, pode pedir de volta, mas precisa provar que foi um erro (art. 877,CC). Isso é feito através de uma ação legal chamada repetição do indébito . Além disso, se algo extra acontecer com o que foi entregue porengano, como frutos, melhorias, ou danos, quem recebeu não tem direito a isso, a menos IZABELLA FERREIRA REIS - 2024 que seja uma benfeitoria necessária (arts. 878, 1.214 e 1.222, CC). No caso de bens imóveis, se alguém recebe e vende o que não deveria, mas não sabia disso (boa-fé), só precisa devolver o dinheiro que recebeu (art. 879, CC). Mas se souber (má-fé), terá que pagar pelo valor total do que recebeu mais as perdas e danos (arts. 402 a 404, CC). Agora, se quem comprou sabia que estava adquirindo algo que não deveria (má-fé), a pessoa que pagou por engano pode pedir de volta o que é seu através de uma ação chamada reivindicação (art. 879, parágrafo único, CC). 4.1.4 Enriquecimento sem causa No Código Civil, é vedado o enriquecimento sem causa (arts. 884 a 886, CC), para manter um equilíbrio justo e pacífico na sociedade. Isso significa que quem recebeu algo indevido deve devolver (art. 884, CC). O enriquecimento sem causa acontece quando alguém ganha algo sem ter direito, mas às vezes pode ocorrer sem que tenha havido um pagamento indevido. Assim, para provar que houve essa situação, é preciso mostrar: a) enriquecimento do accipiens (de quem recebe); b) empobrecimento do solvens (de quem paga); c) relação de causalidade entre o benefício e a desvantagem; d) inexistência de causa jurídica prevista por convenção das partes ou pela lei; e) inexistência de ação específica. O Enunciado n° 35 da I Jornada de Direito Civil diz que o empobrecimento de outra pessoa pode ser relativo, havendo a possibilidade de ocorrer por meio de lucro da intervenção ou ilícito, como quando alguém lucra usando a imagem de outra pessoa. Assim, na fase de liquidação de sentença da situação acima, para calcular quanto deve ser devolvido, é preciso considerar: a) lucro que a pessoa que causou o problema obteve; b) período em que ocorreu o uso indevido da imagem; c) quanto cada parte contribui para o dano; d) como dividir o lucro de forma justa entre as partes. É importante entender que enriquecimento sem causa não é o mesmo que enriquecimento ilícito. No primeiro caso, falta uma razão legal para o enriquecimento. No segundo, o enriquecimento é baseado em uma ação ilícita. Assim, o art. 885 do CC diz que a restituição é necessária não só quando não há motivo para o pagamento, mas também quando esse motivo deixa de existir. De modo que, se a lei oferecer outras maneiras para compensar o prejuízo, como reparação de danos, a restituição por enriquecimento sem motivo não será aplicada (art. 886, CC). Por fim, é importante destacar que na I Jornada de Direito Civil foi aprovado o Enunciado n. 36, que afirma que o art. 886 do novo CC não impede a restituição do que foi ganho sem causa quando os outros meios para compensar o prejudicado têm dificuldades práticas. 4.2 Títulos de crédito Os títulos de crédito são documentos independentes que representam relações de crédito entre pessoas específicas. Eles têm efeitos legais quando preenchem os requisitos da lei (art. 887, CC), ou seja, representam uma obrigação em um documento pelo qual o IZABELLA FERREIRA REIS - 2024 devedor se compromete a pagar, sem precisar de aceitação de outra pessoa. É preciso destacar que isso se aplica somente a títulos de crédito que não têm uma lei específica para regulá-los (art. 903, CC). Esses títulos têm um prazo prescricional de três anos para cobrança (art. 206, § 3.º, inc. VIII, CC) e exigem a autorização do cônjuge para que alguém avalize um título de crédito (art. 1.647, inc. III, CC).