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Fogueiras das vaidades - DELÍRIO DO PODER - MARCIA TIBURI

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Fogueiras das vaidades digitais
Precisamos saber que as armas da comunicação violenta, sediciosa, torturante, estão aí destruindo pessoas em uma escala industrial. Hoje, ninguém pode pensar em política sem levar em conta o poder da comunicação digital em escala industrial durante as guerras híbridas e guerrilhas mentais e psicológicas em tempos de campanha, por exemplo. Mas há também a questão da subjetividade. De como as pessoas se deixam levar por jogos pérfidos em seu íntimo. Como pessoas que sempre se manifestaram em favor do “bem” são capazes de se deixar levar por qualquer um que os faça confundir bem e mal? Aqui, uma questão que não pode deixar de ser mencionada: o que leva pessoas experientes, adultas, que já viveram momentos politicamente complexos, a repetir clichês que levam sempre aos mesmos erros relacionados à política?
Alguém dirá que não devemos nos preocupar tanto com a internet. Que talvez tudo simplesmente se encerre, como tantas amizades e amores produzidos virtualmente, em derramamento de sangue e fogueiras apenas digitais. Alguém dirá que a caça às bruxas se resolve na internet e fica por ali mesmo, na selva digital que se contenta com o espetáculo, que vive para si mesma, e que aqueles que se mantiverem afastados das redes e da internet conseguirão viver livres dos seus problemas. Mas isso não é verdade, porque a vida no mundo digital se tornou um hábito coletivo. É uma nova hegemonia comunicacional que, aos poucos, suplanta a televisão, velha dona da produção da linguagem, das teorias populares, da verdade e da mentira comuns.
No Brasil, estima-se que 80% da população entre 9 e 17 anos use a internet, e 90% desses jovens têm algum perfil nas redes sociais. As pessoas passam muito tempo de vida conectadas à internet, trabalhando ou se entretendo. A tendência é que esse hábito se torne cada vez mais comum. E, se tudo o que se faz na vida analógica se faz na internet, há ainda a vantagem de que ali é possível esconder muito do que se faz, muito melhor do que se poderia esconder com meios analógicos. E, enquanto uns caçam bruxas, outros queimam na fogueira das vaidades digitais, onde o narcisismo dá seus shows e diverte quem está livre dele. Mas quem está livre dele? Quem passa o tempo fazendo comentários de desabono e proferindo xingamentos estaria livre do narcisismo? Em que parte dos dispositivos do poder delirante esses cidadãos se encontram?
Ao mesmo tempo, toda a imoralidade, toda a falta de ética, todas as Contravenções e todos os crimes praticados virtualmente, uma vez que são muitos, são naturalizados, e a grande maioria daqueles que os praticam nem sequer é questionada. Sociedades autoritárias são sociedades com falhas éticas naturalizadas. Sociedades nas quais os indivíduos agem impondo sua vontade aos demais, sem capacidade de reconhecer o lugar do outro, a alteridade e a diferença.
Capítulo Fogueiras das vaidades digitais do livro DELÍRIO DO PODER de MARCIA TIBURI (págs. 150-151)

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