Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.
left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

Prévia do material em texto

Copyright © 2002 by D a r r e l l L. B o c k 
Título do original em inglês:
Jesus according to Scrtpture 
por Baker Academic, uma divisão dc Baker Book House Company,
Grand Rapids, Michigan, 495 1 6 , U.S.A
todos os direitos reservados.
Ia Edição - Abril de 2 0 0 6
Publicado no Brasil com a devida autorização 
e com todos os direitos reservados por
Sh ed d P u blica çõ es L t d a - M e 
Rua São Nazário, 30, Sto Amaro 
São Paulo-SP - 0 4 7 4 1 -1 5 0
Proibida a reprodução por quaisquer 
meios (mecânicos, eletrônicos, xerográficos, 
fotográficos, gravação, estocagem em banco de 
dados, etc.), a não ser em citações breves 
com indicação de fonte.
Printed in Brazií I Impresso no Brasil
ISBN 8 5 -8 8 3 1 5 -4 0 -8
T ra d u ç ã o : Daniel de Oliveira 
R ev isã o : Lena Aranha 
D iagram ação : Edmilson Frazão Bizerra 
C apa: Magno Paganelli
SUMÁRIO
Referencias dos evangelhos em ordem numérica das unidades.......................... 7
Abreviações...................................................................................................................... 15
Prefácio.............................................................................................................................17
Introdução....................................................................................................................... 19
PARTE UM : OS QUATRO EVANGELHOS: VOZES DISTINTAS .................. 2 1
1. P anoram as d e M a t eu s , M a r c o s , L ucas e J o â o ......................................................... 2 3
p a r t e d o i s : J e s u s s e g u n d o o s s i n ó t i c o s ............................................... 4 1
2. O n a sc im en t o e in fâ n cia d e J e s u s .....................................................................47
A esperança da promessa (Mr 1— 2; Lc 1— 2)
3. O pano de fundo para o ministério de Jesus..................................................... 71
João Batista, batismo e tentações de Jesus
(Mt 3.1— 4.11; Mc 1.1-13; Lc 3.1— 4.13)
4. A descrição inicial do ministério de Jesus na Galiléia..................................... 85
Ensino, cura e controvérsia
(Mt 4.12-25; Mc 1.14-3.19a; Lc 4.14-6.16)
5. O ensino de Jesus sobre o relacionamento com Deus e com os outros ... 117 
O Sermão do Monte e o Sermão da Planície
(Mt 5.1-7,29; Lc 6.20-49)
6. Mais sobre o ministério galileu..........................................................................147
Milagres, missão aos excluídos e discipulado em face da oposição
(Mt 8.1-12.50; Lc 7.1— 8.3; Mc 3.19b-35)
7. Do ensino do reino à confissão......................... ................................................. 187
Como os discípulos começaram a entender Jesus
(Mt 13.1— 16.12; Mc 4.1— 8.26; Lc 8.4— 9.17)
8. Confissão e predição..............................................................................................217
A nova realidade — Parte 1
(Mt 16.13-18.35; Mc 8.27-9.50; Lc 9.18-50)
9. Rumo a Jerusalém................................................................................................... 235
A nova realidade — Parte 2 (Lc 9.51— 18.14)
10. Continuando em direção a Jerusalém.............................................................. 281
Ministério na Judéia e lições jinais
(Mt 19.1— 21.9; Mc 10.1— 11.10; Lc 18.15— 19.44)
11. A semana da paixão..............................................................................................299
Controvérsia, predição de julgamento e retorno, 
julgamento, morte e ressurreição
(Mt 21.10— 28.20; Mc 11.11— 16.8; Lc 19.45— 24.53)
p a r t e t r ê s : J e s u s s e g u n d o J o ã o .........................................................................385
12. Apresentando Jesus no evangelho de Jo ã o ..................................................... 387
A Palavra encarnada e as primeiras testemunhas —
João Batista e os discípulos (Jo 1)
13. O livro dos sinais........................ ..........................................................................401
Antes da hora (Jo 2-12)
1 4 .0 livro da glória......................... .......................................................................... 467
O Discurso de despedida e o relato joanino da paixão —
“havia chegado o tempo’' (Jo 13— 21)
PARTE QUATRO: UM RETRATO TEOLÓGICO DE J E S U S ...............................533
15. Principais temas no retrato que os evangelistas dão
da teologia de Jesus.............................................................................................. 535
O Reino e o único autorizado em ato e palavra 
Bibliografia selecionada..............................................................................................619
REFERÊNCIAS DOS EVANGELHOS EM ORDEM 
NUMÉRICA DAS UNIDADES
U n . M a te u s M a rc o s L u c a s J o ã o P ág .
1 1.1-4 49
2 1.1-17 50
3 > 1.5-25 ■ 52
4 1.26-38 54
5 1.39-56 55
6 1.57-80 56
7 : 1.18-25 58
8 2.1-7 59
9 :: . 2,8-20 60
10 2.21-38 61
11 2.1-12 ■ 62
12 2.13-21 64
13 2.22-23 65
14 2.41-52 67
15 l.l 72
16 3.1-6 1.2-6 3.1-6 73
17 ■ 3;7'10 3.7-9 ' 74
18 3.10-14 75
19 :> 3-11-12 1.7-8. 3.15-18 76
20 14.3-4 6.17-18 3.19-20 77
21 ;; 3.13-17 1.9-11 : .. * 3.21-22 • 78
22 3.23-38 80
23.. 4.1-11 1.12-13 4.143 : 81 ,
24 4.12-17 1.14-15 4.14-15 86
2:5 : r '[ 13.53-58 6.1-6a . ! ;; 4.16-30 ' 88 „
26 4.18-22 1.16-20 90
27 ,l- :: 3 Ü; í ' 1.21-22 l i«4.31-32, 91
28 1.23-28 4.33-37 92
29 : S.14-15 ' . 1.29-31 ;■ ‘ 4,38-39 .■ :■ 94
30 8.16-17 1.32-34 4.40-41 95
31 : ■ .. ■ ;| ■ i-'; ■: * ■ * ■“ 1.35-38 ,, 4.42-43 , • 96
32 4.23 1.39 4.44 96
33 < ■ :: : : ■ 5.1 -1 1: 97
34 '8.1-4 1.40-45 5.12-16 98
U n . M a te u s M a r c o s L u c a s J o ã o P á g .
35 9.1-8 7.1-12 . 5.17-26 99
36 9.9-13 2.13-17 5.27-32 102
37 9.14-17 2.18-22 5.33-39 103
38 12.1-8 2.23-28 6.1-5 105
39 12.9-14 3.1-6 6 .6-11 107
40 4.24-25; 3.7-12 6.17-19 109
12.15-16
41 10.1-4 3.13- 19a 6.12-16 110
42 5.1-2 6.20a 119
43 5.3-12 6.20b-26 119
44 5.13 9.49-50 14.34-35 122
45 5.14-16 4.21 8.16 122
46 5.17-20 16.17 123
47 5.21-26 : 12.57-59 :: ' 124
48 5.27-30 9.43, 45, 47 125
49 5.31-32 : 16:18 126.
50 5.33-37 127
51 538-42 6.29-50 :: 127
52 5.43-38 6.27-28, 32-36 128
53 6.1-4 :: I " ■ ij, “iü " 129
54 6.5-6 129
55 6.7-15 ] 1,1-4 .... . 130
56 6.16-18 131
57 6.19-21 ,, 12.3334; ,h 132
58 6.22-23 11.34-36 132
59 6.24 ■ 16.13 • 133
60 6.25-34 12.22-32 133
61 7.1-5 4.24-25 6.37-42 . ; 134
62 7.6 135
63 7.7-11 11.9-13 136
64 7.12 6.31 137
65 7.13-14 ! 13.23-24 138
66 7.15-20 6.43-45 139
67 7.21-23 6.46; 13.25-27 140
68 7.24-27 6.47-49 141
69 7.28-29 1.22 ' 142
70 6.20-49 142
71 8.1-4 1.40-45 5.12-16 148
72 8.5-13 7.1-10 149
73 . 7.11-17 150
74 8.14-15 1.29-31 4.38-39 151
75 : ■ 8.16-17 1.32-34 4.40-41; 151
76 8.18-22 9.57-62 151
77 8.23-27 4.35-41 - 8.22-25 153
78 8.28-34 5.1-20 8.26-39 154
79 9.1-8 2.1-12 ? 5.17-26 155
80 9.9-13 2.13-17 5.27-32 156
81 9.14-17 2.18-22 ■ 5.33-39 156
82 9.18-26 5.21-43 8.40-56 156
U n . M a t e u s M a r c o s L u c a s J o ã o P á g
83 , 9.27-31; 10,46-52 : 18.35-43 158
20.29-34
84 : 9,32-34; 3.22 , . 11.14-15 159
12.22-24
85 9.35-38 6.6b, 34 8.1; 10.2 160
86 10.1-16 3.13-19a; 6.7-11 6.12-16; 160
9.1-5; 10.3
87 10.17-25 13.9-13 6.40; 12.11-12; 162
21.12-19
88 10.26-33 12.2-9 164
89 10.34-36 12.51-53 165
90 10.37-39 14.25-27; 17.33 165
91 10.40-42 9.41 10.16 13.20 166
92 11.1 167
93 11.2-6 7.18-23 167
94 11.7-19 7.24-35 168
95 11,20-24 10.12-15 170
96 11.25-27 10.21-22 170
97 i 11.2 8-30 171
98 12.1-8 2.23-28 6.1-5 172
99 12.9-14 3.1-6 ,6.6-11 172
100 12.15-21 3.7-12 6.17-19 172
101 l|! l 26.6-13 ' 14.3-9 . 7.36-50 12.1-8 - 173
102 8.1-3 175
103 3.19b-2l : 175,
104 12.22-30 3.22-27 11.14-15, 17-23 176
105 , 7.16-20; 3.28-30 - 6.43^45; 12.10 , 178
12.31-37
106 12.38-42; 8.11-12 11.16, 29-32 179
16.1-2a, 4
107 12.43-45 1 1 .24r:26 : 180
108 12.46-50 3.31-35 8.19-21 181
109 13.1-9 4.1-9 8.4-8 188
110 13.10-15 4.10-12 8.9-10 189
l í l ! 13.16-17 10.23-24 190
112 13.18-23 4.13-20 8.11-15 191
113 4.21-25 = * 8.16-18 192
114 4.26-29 193
11,5 , 13.24-30 193
116 13.31-324.30-32 13.18-19 194
117 13.33 13.20-21 195
118 13.34-35 4.33-34 195
119 13,36-43 196
120 13.44-46 197
121 13.47-50 197
122 13.51-52 197
123 12.46-50 3.31-35 8.19-21 198
124 8.23-27 4.35-41 8.22-25 198
125 „ 8.28-34 5.1-20 ' . 8.26-39 199
U n . M a te u s M a r c o s L u c a s J o ã o P á g
126 9.18-26 5.21-43 8.40-56 199
127 13.53-58 6. l-6a 4.16-30 199
128 9.35; 6.6b-13 9.I-6 :./ , : 200
10.1» 7-11, 14
129 14.1-2 6.14-16 9.7-9 201
130 14.3-12 6.17-29 3.19-20 202
131 6.30-31 9.10a 203
132 14.13-21 6.32-44 9.10b-,17 : 6.1-15 203
133 14.22-33 6.45-52 6.16-21 204
134 14.34-36 6.53-56 205
135 15.1-20 7.1-23 206
136 15.21-28 7,24-30 208
137 15.29-31 7.31-37 209
138 15.32-39 8.1-10 210
139 12.38-39; 16.1-4 8.11-13 11.16, 29; 211
12.54-56
140 16.5-12 8.14-21 ■“ 12.1 212
141 8.22-26 213
142 16.13-20 8.27-30 . !:, 948-31 218
143 16.21-23 8.31-33 9.22 219
144 16.24-28 8.34-9.1 ■ ,,9.23,-27 i: ; ’ ■ 220
145 17.1-9 9.2-10 9.28-36 222
146 17.10-13 9.11-13 1 „ :: ;||: . :::■ - ; ;; . , .. 223
147 17.14-21 9.14-29 9.37-43a 223
148 , 17.22-23 9.30-32 « 9.43b-45 225
149 17.24-2 7 225
150 18.1-5 9.33-3? ■ ? - 226
151 10.42 9.38-41 9.49-50 227
152 18.6-9 9.42-50 14:34-35; 17.1-2 228
153 18.10-14 15.3-7 229
154 18.15-18 : 17.3 ̂ ■ 230
155 18.19-20 231
156 18.21-22 ■ 17.4 231
157 18.23-35 231
158 . 9.51 236
159 9.52-56 236
160 8.18-22 9.57-62 . ' 237
161 9.37-38; 6.8-11 10.1-16 238
11.20-24;
10.7-16, 40;
162 10.17-20 239
163 11.25-27; 10.21-24 239
13.16-17
164 22.34-40 12.28-34 . 10.25*37 240
165 10.38-42 242
166 6.9-13 11.1-4 243
167 11.5-8 243
168 7.7-11 11.9-13 244
169 12.22-30 3.22-37 11.14-23 244
U n . M a t e u s M a r c o s L u c a s J o ã o Pái
170 12.43-45 11.24-26 245
171 11.27-28 245
172 : 12.38-42 8.11-12 ; 11.29-32 246
173 5.15 4.21 8.16-18; 11.33 246
174 6.22-23 : 11.34-36 247
175 15.1-9; 23.4, 7.1-9 11.37-54 247
6-7, 13, 25-26,
27-28, 29-32,
34-36
176 16.5-6 8.14-15 12.1 249
177 10.26-33 12.2-9 249
178 12.31-32 3.28-30 12.10 250
179 10.19-20 13.11 12.11-1.2; 251
21.14-15
180 12.13-15 251
181 12.16-21 252
182 6,25-34 12.22r32 252
183 6.19-21 12.33-34 253
184 :: 24.42-51 13.33-37 12.35-48 253
185 10.34-36 10.38 12.49-53 255
186; 16.2-3 12.54-56 256
187 5.25-26 12.57-59 256
188 13.1-9 257
189 13.10-17 258
190 13.31-32 4.30-32 13.18-19 259
191 13.33 13.20-21 259
192 7.13-14, 22-23; 13.22-30 259
8.11-12; 19.30
193 13-31-33 260
194 23.37-39 13.34-35 260
195 14.1-6 261
196 14.7-14 261
197 22.1-14 14.15-24 262
198 10.37-38 14.25-33 263
199 5.13 9.49-50 14.34-35 264
20Ó 18.12-14 15.1-7. : 264
201 15.8-10 265
202 15.11-32 ; 265
203 16.1-9 266
204 ; 16.10-12 267
205 6.24 16.13 268
206 16.14-15 268
207 5.18, 32; 16.16-18 268
11.12-13
208 : 16.19-31 269
209 18.6-7 9.42 17.1-3a 271
210 18.15 17.3b-4 271.
211 17.19-21 9.28-29 17.5-6 272
212 ,17.7-10 272
U n . M a te u s M a r c o s L u c a s J o ã o P á g .
213 17.11-19 * :' ’ ,3 : 272 =
214 17.20-21 273
215 24.17-18, 23, 
26-27, 28,
13.14-16, 19-23 17 .22-37 ’ * - j : . 274
37-39, 40-41 ; . . . í .
216 18.1-8 276
217 18.9-14 ■ 276
218 19.1-2 10.1 282
219 19.3-12 10.2-12 16.18 ' 282
220 19.13-15 10.13-16 18.15-17 284
221 19.16-22 10.17-22 18.18-23 . : : 285
222 19.23-30 10.23-31 18.24-30 287
223 20.1-16 288
224 20.17-19 10.32-34 18.3 Í-34 289
225 20.20-28 10.35-45 --22.34-27' ■ 290
226 20.29-34 10.46-52 18.35-43 292
227 19.1-10 293
228 25.14-30. 13.34 19.11-27 293
229 21.1-9 11.1-10 : 19.28-40 12.12-19 295
230 19.41-44 296
231 21.10-19 11 ,114 7 - * * 19.45-46 : : ; " 2 .13-17 300
232 11.18-19 19.47-48 302
233 21.20-22 11.20-26 E
:: . :í:
302
234 21.23-27 11,27-33 20.1-8 303
235 21.28-32 - i: ■ _ T i ' ;í; 305
236 21.33-46 12.1-12 20.9-19 305
237 22.1-14 -14,15-24 i " i! 307
238 22.15-22 12.13-17 20.20-26 308
239 22.23-33 12.18-27 - 20.27-40 309
240 22.34-40 12.28-34 10.25-28 310
241 22.41 -46 12.35-37a -= ' ; "20.41-44, 311
242 23.1-36 12.37b-40 6.39; 11.39-41, 
42, 43, 44, 46, 
47-48, 49-51, 52; 
20.45-47
312
243 23.37-39 ■’ 13.34-45 316
244 12.41-44 21.1-14 316
245 24.1-2 13.1-2 21.5-6 , 317
246 24.3-8 13.3-8 21.7-11 318
247 24.9-14 13.9-13 21.12-19 : 319
248 24.15-22 13.14-20 21.20-24 320
249 . 24.23-28 13.21-23 17.23-24 322
250 24.29-31 13.24-27 ........... 21.25-28 322
251 24.32-36 13.28-32 , 21,29-33 324
252 13.33-37 12.40; 21.34-36 325
253 24.37-44 12.39-40; 17.26-36 325
254 24.45-51 12.41-46 326
255 25.1-13 326
256 25.14-30 1 9 .1 1 -2 7 ....................... 327
U n . M a te u s M a r c o s
257 : '■ 25.31-46 -
258
259 26.1-5 14.1-2
260 26.6-13 14.3-9
261 26.14-16 14.10-11
262 26.17-20 14.12-17
263 26.21-25 14.18-21
264 26.26-29 14.22-25
265 26.21-25 14.18-21
266 19.28; 20.24-28 10.41-45
267- -■ 26.30-35 14.26-31
268
269 26.36-46 14.32-42
270 26.47-56 14.43-52
2 7 1 : 26.57-75 14.53-72
272 27.1-2 15.1
2 7 3 , 27.3-10
271 27.11-14 15.2-5
275 ... 5
276
277 ' 27.15-23 1 15.6,14
278 27.24-26 15.15
279 27.2?-13a ’ 15.16-20*
280 27.31b-32 15.20b-21
281 27.33-37 15.22-26
282 27.38-43 15.27-32a
283 27.44 15.32b :
284 27.45-54 15.33-39
285 27.55-56 15.40-41
286 27.57-61 15.42-47
287 27.62-66
288 28.1-8 16.1-8
289 28.9-10
290 28.11-15
291 .
292
293 28.16-20
294
J1
J2
J3
J4
J5
J6
T7Jf
J8
J9
T i o
j n
L u c a s J o ã o P ág .
329
21.37-38 330
22.1-2 330
12.1-8 331
22.3-6 332
22.7-14 332
22.21-23 13.21-30 333
22.15-20 334
22.21-23 336
22.24-30 337
22.31-34 13.36-38 338
22.35-38 339
22.39-46 340
22.47-53 18.2-12 342
22.54-71 18,13-28 343
23.1 349
349
23.2-5 18.29-38 351
23.6-12 352
23.13-16 352
2 3 .17-23 18.39-40 353
23.24-25 354
19,2-3 355
23.26-32 19.17a 356
23,33-34 . 19.17b-27 356
23.35-38 358
23.39-43 360
23.44-48 19.28-30 360
23.49 363
23.50-56 19.38-42 363
364
24.1-12 20.1-13 365
20.14-18 367
367
24.13-15 367 :
24.36-43 20.19-29 369
370
24.44-53 371
1.1-18 388
1.19-34 393
1.35-51 395
2.1-12 402
2.13-25 403
3.1-21 406
3.22-36 408
4.1-42 410
4.43-54 413
5.1-18 415
5.19-47 416
U n . M a te u s M a r c o s L u c a s J o ã o P á g
J12 6.1-15 419
í 13 6.16-21 421
J 14 6.22-59 421 :
J15 6.60-71 425
J16 :■ . . I: .. :: "
7.1-13 : 427
J 17 7.14-52 428
,7.53-8,11 432
J18 8.12-59 434
J19 , 9.1-41 439
J20 10.1-21 442
J21 H ' ' 10.22-42 445
J22 11.1-54 447
J23 11.55-12.11 450
J24 12.12-19 452
J25 12.20-50 453
J26 13.1-20 468
J27 26.21-25 14.18-21 . „ ;; 22.21-23 . 13.21-30 470
J28 13.31-38 471
J29 14.1-14 ■ 473
J30 14.15-26 476
J31 : : 14.27-31 . 478
J32 15.1-8 479
J33 15.9-17 481
J34 15.18-25 482
J35 15.26-27 484
136 16.1-4 484
J.37 :■ ;■ -íí::: ■ |i >■- "" ■■ 16.5-15 485.
J38 16.16-22 487
J39 16.23-28 488
140 16.29-33 490
J41 17.1-26 491
J 42 18.1-12 496
J43 .18.13-28 498
144 18.29-19.16 500
J45 19.17-30 504
J46 19.31-42 507
J47 20.1-18 510
148 20.19-29 512
]49 20.30-31 515
Í50 21.1-25 516
ABREVIAÇÕES
K
A 
AB 
ABRL 
Alan d
Ant.
b.
BAGD
BDAG
BDF
Byz
D
DJG
Eccl, Hist. 
Huck-Greeven
ítala
IVPNTCS
JSNTSup
LXX
m.
Códice Sinaiticus 
Códicc Alenxandrinus 
Anchor Bible
Anchor Bible Reference Library
Kurt Aland, Synopsis Quattuor Evangeliorum, 13a ed. (Stuttgart: Deutsche 
Bibelgesellschaft, 1985), idem, Sinópses dos quatro evangelhos, 2a ed. 
(Stuttgart: United Bible Societies, 1975)
Josefo, Antiguidades 
Talmude babilônico
W. Bauer, W. F. Arndt, F. W. Gingrich, e F. W. Danker, A Greek-Engiish 
lexicon o f the New Testament and other early christian literature, 2a ed., 
(Chicago: Universidade de Chicago Press, 1979)
W. Bauer, F. W. Danker, W. F. Arndt, e F. W. Gingrich, A Greek-English 
lexicon o f the New Testament and other early christian literature, 3a ed., 
(Chicago: Universidade de Chicago Press, 2000)
F. Blass, A. Debrunner, e R. W. Funk, A Greek grammar of the New 
Testament and other early christian literature (Chicago: Universidade de 
Chicago Press, 1961)
Manuscrito Bizantino 
Códice Bezae
Dictionary of Jesus and the gospels, ed. J. B. Green e S. McKnight 
(Downers Grove> ÍL, InterVarsity, 1992).
Eusébio, História eclesiástica
Albert Huck e Heinrich Greeven, Synopse der Drei Ersten Evangelien, mit 
Beigabe der Johanneischen Parallelstellen {Sinopse dos três primeiros 
evangelhos, com a inclusãode paralelos Joaninos)-, 13J ed. (Tiibingen:
Mohr, 1981)
Manuscrito da tradição latina antiga 
IVP New Testament comentary series
Journal for the study of the New Testament: Supplement series
Septuaginta
Mishnah
Abreviações.í
MM
MT
NEB
NICNT
NVI
Orchard
par.
PGM
SNTSMS
t.
TDNT
Trypho
v(v.)
War
WBC
WUNT
y-
J. H. Moulton e G. Milligan, The vocabulary ofthe Greek Testament: 
Illustmted from the papyri and other non-literary sources (repr., Grand 
Rapids: Eerdmans, 1976)
Masoretic Text (o texuo-padráo hebraico do Antigo Testamento)
New English Bible
New international commentary on the New Testament 
Nova versão internacional
John Rernard Orchard, A synopsis ofthe four gospels, in a new translation: 
ãrntnged according to the two-gospel hypothesis and edited by John Bernard 
Orchard (Macon, Ga.: Mercer University Press, 1982), idem, A synopsis o f 
the four gospels in greek: arranged according to the two-gospel hypothesis and 
edited by John Vernard Orchard (Edinburgh: Clark, 1983)
Papiro
Paralelo(s)
Papyri çraecae magicae: die priechischen Zauberbapyri, ed. K. Preísendanz 
(Berlin: Teubner, 1928)
Society for New Testament studies monograph series 
Tosefta
Thcobgical dictionary o f the New Testament, ed. G. Kittel e G. Friedrich, 
trans. E ed. G. W. Bromiley, 10 vols. (Grand Rapids: Eerdmans, 1964-76) 
Justino Mártir, Dialogue with Trypho 
Versículo(s)
Josefo, Guerras
Word biblical commentary
Wissenschaftliche untersuchungen zum Neuen Testament 
Tal mu.de Jerusalém (Yerushalmi)
Apócrifa
1-4 Mac l-4Macabeus
Ecl Eclesiástico
Tob. To b ias
Sab Sabedoria de Salomão
Textos do Qttmran
1 QapGen Gênesis apócrifo
1QH Hinos/Salmos de ação de graças {Hodayot)
1QM War Scroll {Milhamd)
lQpHab Comentário sobre Habacuque (Pesher)
1QS Manual de disciplina (Serek hayyahad, Regra/Ordem da comunidade)
lQsa Regras da congregação (lQ28a, apêndice A à 1QS)
3Q15 Copper Scroll
4Q181 Eras da criaçãob
4QFlor Florilegium (4Q174)
4QMMT Carta Halakhic (Miqsat Ma ase tora)
4QpIsa J Comentário de Isaíasa {Pesher) (4Q164)
4QprNab Oração de Nabonidus (4Q242)
11 Qmelch Texto Melquisedeque (11 Q l 3)
11 Qtemple1 Temple Scroll" (11 Q l 9)
CD Documento de Damasco
PREFÁCIO
Este livro é dirigido a alunos de cursos sobre os evangelhos ou sobre a vida de 
Cristo e a pastores que desejam estudar a vida e o ensino de Jesus. Entretanto, este 
não é um estudo padrão sobre a vida de Cristo, pelo fato de que funciona 
diretamente com uma sinopse e separa o estudo dos sinóticos do de João. Ele dá 
especial atenção às semelhanças e às diferenças dentro dos relatos dos evangelhos. 
Esse material, há vários anos, é usado em aulas no D alias Theological Seminary, 
Talbot Theological Seminary e Trinity Evangeücal Divinity School. O retorno 
que alunos e pastores têm me dado a respeito desse material em muito me benefi­
cia. Alguns alunos passaram um tempo extra com ele, dando um retorno pleno e 
direto. Eles incluem Greg Herrick, Jim Samra, Brittany Burnette e Carol Kahil.
Sou muito grato à Baker Book House, que propôs que eu escrevesse essa obra 
anos atrás. Agradecimento especial vai para Jim Weaver, Jim Kinney e Wells Turner 
pelo encorajamento e ajuda na estruturação do livro para publicação. Também 
agradeço à administração do Dallas Theological Seminary, cujo plano criativo de 
uma cátedra de pesquisa para mim, algo que permitiu que eu tivesse uma carga 
horária limitada em sala de aula e, assim, pudesse trabalhar nesse projeto. Por isso, 
minha gratidão vai para Chuck Swindoll, Mark Bailey, John Grassmick e Harold 
Hoehner.
Minha família merece uma menção especial. Sally, minha querida esposa, e 
meus filhos, Elisa, Lara e Stephen, abriram mão de tempo que podiam passar 
comigo para que eu pudesse completar essa responsabilidade. Elisa também leu 
todas as páginas com um olho de editor e interesse de estudante para me ajudar a 
moldar o livro para a audiência apropriada.
Esta obra é dedicada aos meus colegas de tempo integral no departamento de 
Novo Testamento. Sua disposição em me deixar livre para escrever tornou possível 
esse projeto. Mais importante, sua amizade e encorajamento têm sido uma das 
grandes alegrias da minha vida. Eu gostaria que todos tivessem a felicidade de 
trabalhar com pessoas tão maravilhosas. Assim, minha dedicatória vai para eles 
com profunda apreciação: Harold Hoehner, Buist Fanning, John Grassmick, David 
Lowery, W. Hall Harris, Dan Wallace e Jay Smith. Quase todos nós, há quase 
vinte anos, trabalhamos lado a lado. Um ministério efetivo exige trabalho em 
equipe. Eles têm sido companheiros excepcionais.
Minha esperança é que esta obra ajude os que estudam Jesus a apreciar ainda 
mais a mensagem dos quatro evangelhos — no todo e em alguns de seu detalhes. 
Tenho a firme convicção de que saber o que Deus fez por meio de Jesus muda a 
vida, no mais pleno sentido da palavra. Não há páginas nem palavras suficientes 
que possam transmitir o que a sua vida significou e significa para nós. Entretanto, 
se essa obra ajudar a transmitir a mensagem e a pessoa de Jesus, mesmo que 
apenas uma pequena amostra, em uma época que precisa abraçar essa verdade, 
então todos os momentos e esforços investidos em seu preparo valeram a pena.
Darrelí L. Bock 
18 de Junho de 2002
INTRODUÇÃO
Não há dúvida que Jesus de Nazaré é uma das figuras histórica e religiosa 
mais importante de todos os tempos. Hoje, muitas tentativas estão sendo feitas na 
busca do “Jesus histórico”, em um esforço para determinar o que ele realmente fez 
e para examinar se verdadeiramente ele era quem afirmava sen Muitas dessas 
tentativas são bastante céticas sobre o que as Escrituras nos dizem sobre Jesus. 
Todavia, é fato que o Jesus que tem causado impacto tão grande em nosso mundo 
é aquele que é apresentado, principalmente, nos quatro evangelhos que o retratam. 
Este livro não é um estudo técnico do Jesus histórico. Antes, busca argumentar 
que uma descrição coerente de Jesus emerge dos evangelhos canônicos, a qual é 
fundamentada na história, embora ela mesma tenha produzido grande impacto 
histórico e cultural em conseqüência do que esses quatro evangelhos narram sobre 
ele.
A premissa desse livro é que pouquíssimas pessoas, certamente não os estudantes 
dos evangelhos, estão familiarizados com os relatos bíblicos. Não estão suficien­
temente informados sobre as raízes dos evangelhos, as quais datam do século I, para 
apreciar plenamente sua mensagem. Por isso, esta obra, inicialmente, estuda os 
evangelhos de forma sistemática. O texto deve ser usado com a Bíblia, ao lado dele, 
para que os relacionamentos entre textos paralelos possam ser examinados. Come­
çamos com os sinóticos e, depois, passamos para o de João. Na parte final, estudamos 
os temas mais importantes do ministério de Jesus, indicando os destaques que surgem 
de um panorama completo dos evangelhos.
Antes de analisar um Jesus reconstruído por várias abordagens do método 
histórico-crítico, faríamos melhor em entender como os evangelhos o apresentam. 
Pelo menos, nesse caso, todos nós estamos trabalhando com os mesmos dados 
textuais, mesmo que diferentes concepções de mundo nos levem a reagir a esses 
dados de forma distinta. Um argumento que alinha todo o livro é que o leitor dos 
evangelhos deve respeitar as afirmações dos documentos que apresentam Jesus 
como uma figura que faz asserções, sem precedentes, sobre a autoridade proveniente 
de seu relacionamento único com Deus. E especialmente em relação a esse ponto 
que os retratos dos evangelhos são coerentes, mesmo em meio à diversidade. Em 
vez de ver a diferença como evidência de contradição e inautenticidade, espero
mostrar que é exatamente essa diversidade dos evangelhos que acentua uma unidade 
inerente em suas afirmações, o que torna o relato sobre Jesus ainda mais profundo 
e consistente, algo que relatos apenas justapostos não conseguiriam apresentar. 
Exatamente como uma imagem em três dimensões tem maior profundidade, algo 
que não se consegue em duas dimensões, assim esses quatros evangelhos revelamum Jesus multifacetado cujas afirmações fundamentais ainda hoje nos desafiam. 
Assim, de acordo com as Escrituras, um exame de Jesus, sob vários ângulos, fornece- 
nos uma idéia de quão singular era sua pessoa.
parte um
OS QUATRO e v a n g e l h o s : v o z e s d is t in t a s
Assim como há quatro direções no mundo em que vivemos, e quatro ventos 
universais, e como a igreja está dispersa sobre toda a terra, e o evangelho é a 
coluna e a base da igreja e o sopro de vida, também é natural que deva haver 
quatro colunas, soprando imortalidade de todas as quatro direções e acendendo 
a vida dos homens de novo. Daí, fica manifesto que a Palavra, o arquiteto de 
todas as coisas, que se assenta sobre o querubim e mantém todas as coisas unidas, 
ao ser manifestado aos homens, tenha nos dado o evangelho em forma quádrupla, 
mas unido por um só Espírito.1
Os escritores dos evangelhos não fazem nenhuma tentativa de desenvolver a vida 
de Cristo histórica ou cronologicamente. Eles não fazem nenhuma tentativa de 
apresentar uma biografia de Cristo. Os escritores, usando o mesmo material 
existente, selecionam e arranjam segundo sua ênfase e interpretação individual 
aquilo que representa o retrato particular de Cristo que eles desejam transmitir. 
Os evangelhos apresentam a vida de Cristo tematicamente e, por isso, devem ser 
vistos como complementares e suplementares, em vez de contraditórios.2
A formação do cânon quádruplo dos evangelhos, provavelmente, aconteceu por 
volta da metade do século II. Aproximadamente, na mesma época, o apologista 
Justino Mártir se referia a essas escrituras da igreja como “memórias dos apóstolos”. 
Ele nos diz que elas eram lidas como Escrituras nas reuniões de adoração da 
igreja.3
Todos os quatro [evangelhos] concordam que Jesus, em seus feitos e palavras, 
age e fala em nome de Deus. Ele não é apenas um profeta, tampouco o agente 
humano do Reino de Deus; porque a resposta extraordinária é a da adoração, 
adoração essa que só pode ser prestada adequadamente ao próprio Deus. Pode 
haver quatro evangelhos, mas há somente um Jesus, e ele é Deus.4
As Escrituras não nos apresentam uma história de Jesus, mas quatro evangelhos. 
Depois desta unidade introdutória, eu apresentarei a obra de Jesus em uma estrutura 
dupla, uma parte reflete a descrição de Jesus nos sinóticos, da terra para cima, e a
outra trabalha com a apresentação de João, dos céus para baixo. Cada unidade 
apresenta cada evangelho em seu contexto; e também apresenta um panorama de 
cada um desses evangelhos. A unidade é parte mais breve do livro, que tem apenas 
um capítulo, para tratar da estrutura, temas, autoria, ambiente e data de cada 
evangelho, como uma forma de ajudar a resumir e expor a contribuição de cada 
evangelho para a descrição canônica de Jesus. Apresentações muito mais completas 
desse material podem ser achadas nos comentários técnicos de cada evangelho e 
em introduções especializadas ao Novo Testamento. Esse panorama ajudará a nos 
orientar para as ênfases de cada evangelho, antes de examinar como eles trabalham 
juntos para nos apresentar Jesus.
Nenhum dos evangelhos nomeia seu autor. Geralmente, o que temos é uma 
rica tradição que descreve a autoria. Entretanto, essa tradição, algumas vezes, é 
inconsistente em seus detalhes. Questões de data e ambiente são difíceis de re­
solver. Em todas essas áreas„ deve-se dar atenção também à evidência interna dos 
textos. O problema é que o significado desses detalhes internos é discutível quando 
se trata de fazer juízos sobre implicações para o ambiente e autoria. Muitas vezes, 
consideramos inferências e não fatos puros. Assim, teremos de tratar com proba­
bilidades quanto aos juízos que fizermos sobre algumas das raizes de cada evangelho. 
A combinação de evidência externa e interna sugere que dois evangelhos têm 
origens apostólicas (Mt e Jo), enquanto dois outros têm íntima conexão com a 
tradição apostólica (Marcos por meio de Pedro, Lucas por meio de Paulo e outros).
Quando chegamos ao esboço e temas, pisamos em solo levemente mais sólido, 
porque estamos tratando com dados textuais. Mas esboços também são um 
construto, uma forma de tentar mapear a estrutura de um evangelho. Eles são 
mais uma ferramenta útil na tentativa de ver os principais movimentos dentro de 
um evangelho. Os esboços apresentados aqui têm simplesmente uma intenção 
sugestiva. Esta unidade assemelha-se uma lista, já que os detalhes são encontrados 
ou nos próprios evangelhos, ou em trabalhos técnicos mais plenamente dedicados 
a tais questões. Não obstante, esse panorama começa a revelar quão similares e 
distintos os evangelhos são uns dos outros. E essa mistura de continuidade e 
diversidade nos evangelhos que fornece à descrição de Jesus sua riqueza e que abre 
a porta para uma nova análise de quem Jesus é à luz dos evangelhos estudados 
como uma unidade.
N o ta s
1 Ireneu, Against Heresies 3.11.18 (ca. 180 d.C.)
2 J. Dwight Pentecost, The Words and Works o f Jesus Christ: A Study o f the Life o f Christ, Grand 
Rapids: Zondervan, 1981, p. 24.
3William R. Farmer, The Gospel o f Jesus: The Pastoral Relevance ofthe Synoptic Problem, Louisviile: 
Westminster/John Knox, 1994, p. 187.
‘ Richard A. Burridge, Four Gospels> One Jesus?, Grand Rapids: Eerdmans, 1994, p. 171.
PANORAMAS DE MATEUS, 
MARCOS, LUCAS E JOÃO
Os evangelistas, conforme afirmo, não escreveram para igrejas específicas que 
eles conheciam pessoalmente ou apenas de ouvir falar, nem mesmo para um 
número muito grande de tais igrejas. Antes, eles, ao utilizar sua experiência e 
conhecimento de muitas ou várias igrejas específicas, escreveram para toda e 
qualquer igreja onde seus evangelhos podiam circular. Não mais que quase 
qualquer outro autor, no tempo deles ou principalmente em outros períodos, 
eles poderiam saber quais leitores e ouvintes específicos alcançariam. Assim, 
perguntar, por exemplo, se Lucas sabia se havia qualquer igreja cristã na Gália no 
tempo em que escreveu, e, supondo-se que ele soubesse que havia, se ele quis 
endereçar a eles seu evangelho é fazer o tipo totalmente errado de pergunta. A 
audiência que tinha em mente era uma categoria aberta - qualquer igreja na qual 
seu evangelho pudesse circular - não uma audiência específica, na qual ele tivesse 
conscientemente de incluir as igrejas da Gália ou não.1
E importante saber, para a abordagem dos evangelhos e para compreender 
como eles funcionam, que os evangelhos foram escritos basicamente para uma 
audiência ampla.2 Muitos detalhes sobre a audiência original de cada evangelho 
não são claros. Um consenso comum, que a citação precedente corretamente 
desafia, é que os evangelhos foram escritos, em cada caso, para uma comunidade 
ou conjunto de comunidades locais. O argumento de consenso é que os relatos de 
cada evangelho são contados de uma forma que a narrativa seria relevante para 
uma pequena comunidade. Essa opinião gradualmente está sendo rejeitada. Ao 
contrário, os escritores dos evangelhos escreveram para a igreja em geral, por meio 
do que um autor chamou de ‘ a sagrada Internet”.3
A implicação da intenção deles, a saber, de se dirigir à igreja em geral, significa 
que o que nós não sabemos com certeza sobre as particularidades de cada ambiente 
do Evangelho - e há muita coisa que nós não sabemos sobre tais detalhes - causa 
pouco impacto sobre nossa avaliação da mensagem básica desses evangelhos. Não 
é preciso um conhecimento profundo da comunidade original a qual cada 
evangelho foi endereçado para se entender sua mensagem, embora tal conheci­
mento, quando pode ser determinado, de fato nos ajude a avaliar certas nuanças 
de detalhe.
Avaliar a estrutura de cada evangelho, bem como estar consciente do que sabemos 
e não sabemos sobre sua origem, realmente aumenta nossa habilidade para interagir 
com a mensagem de cada um deles. Assim, consideramos a estrutura, temas, autoria, 
data e ambiente de cada uma dessas obras. Fazer isso nos ajuda a ver como os 
evangelhos são similares e distintosuns dos outros, uma das características mais 
fundamentais da descrição de Jesus no Evangelho.
M a t e u s
O Evangelho de Mateus é o mais centrado em questões e interesses judaicos. 
Também importante para seu evangelho é a funçao-chave que os discursos de 
Jesus têm no desenvolvimento do argumento. Embora diga-se habitualmente que 
Mateus contenha cinco unidades de discurso, é importante notar que a última 
unidade é particularmente grande e combina dois discursos distintos: a condenação 
da liderança seguida pelo discurso escatológico (Mt 23— 25). Outras unidades de 
discurso tratam de bênçãos, da lei, da justiça e do caminhar com Deus (Mt 5— 
7), instruções para missão (Mt 10), o Reino (Mt 13) e observações sobre a 
comunidade - prestação de contas e perdão (Mt 18).
Em um esboço provisório de Mateus, um exame revela muito sobre seus 
interesses.
I. Prólogo: “Deus conosco”, “Rei dos judeus”, “Nascido de Deus” segundo a 
promessa em meio ao conflito de Israel e a adoração gentílica (1.1—-2.23)
II. Introdução: João Batista prepara o caminho para o Filho amado, o qual vence 
a tentação (3.1— 4.11)
III. O Messias confronta Israel na Galiléia e sofre rejeição (4.12— 12.50)
A. Introdução e sumário (4.12-25)
B. Discurso: chamado a uma justiça verdadeira (5.1— 7.29)
C. Ministério de nove milagres e ensino para os discípulos (8.1— 9.35)
D. Discurso: missão a Israel — um pastor para as ovelhas (9.36— 11.1)
E. Rejeitado pelos líderes judeus, chamado para os discípulos a fim de que 
descansem no servo justo para as nações (11.2— 12.50)
IV. Respostas: Reino, provisão-aceitação-chamado para os discípulos, e rejeição
por parte de Israel (13,1— 20.34)
A. Discurso: os mistérios do Reino (13-1-53)
B. Rejeição intensificada por muitos em Israel, provisão para discípulos e 
aceitação pelos discípulos e chamado ao discipulado (13.54— 17.27)
C. Discurso: comunidade — prestação de contas e perdão (18.1-35)
D. Para Jerusalém: instrução sobre compromisso de fé e graça (19.1— 20.34)
V. O Messias inaugura o Reino por meio da rejeição e da vindicação (21.1:—
28.20)
A. O Messias confronta Israel em Jerusalém (21.1— 22.46)
B. Discursos: fariseus e escribas condenados, o Messias prediz o juízo sobre o 
Israel descrente e seu retorno (23.1— 25.46)
C. O Messias é rejeitado na crucificação, mas vindicado na ressurreição como 
uma base para a grande comissão (26.1— 28.20).
Para Mateus, o relacionamento de Jesus com Israel e a explicação da rejeição 
de Israel são os maiores objetivos. Mateus deseja mostrar que aqueles que são 
cristãos não buscaram uma separação do judaísmo, mas foram forçados a se 
diferenciar porque a nação rejeitou a plenitude da promessa divina e das Escrituras 
que Jesus trouxe e ofereceu. Entretanto, essa rejeição não impediu a vinda da 
promessa. O que a rejeição fez foi levantar as estacas do discipulado e levar à 
criação de uma nova entidade, a igreja. Sua mensagem não só continuou a apelar 
a Israel, mas também foi, como parte de uma missão, a todo o mundo. Cinco 
unidades de discurso, compreendendo seis discursos (a quinta unidade contêm 
dois discursos), são a coluna vertebral do livro. Como em todos os evangelhos, há 
uma interação e intercâmbio entre as palavras e os atos de Jesus. O que Jesus faz 
apóia o que ele prega. A morte de Jesus foi um ato do plano divino que levou a sua 
vindicação e missão. Discípulos são aqueles que vêm até ele e se aplicam à tarefa 
de refletir a justiça que Deus oferece tão graciosamente.
Uma breve lista dos principais temas de Mateus mostra a variedade de seus 
interesses. Itálicos identificam os temas-chave, que em alguns casos coincidem 
com outros evangelhos, e em outros casos são únicos. A cristologia de Mateus 
apresenta fundamentalmente um entendimento real e messiânico de Jesus, o qual, 
como Filho de Deusy é visto como o revelador da vontade de Deus e o portador 
da autoridade divina. Jesus, como o rei prometido dos judeus, cura, ensina o real 
significado da Torá em todas as dimensões, chama à justiça prática, inaugura o 
Reino e ensina sobre os elementos misteriosos da promessa de Deus. Isso é tudo 
parte do que Mateus associa com um programa que envolve o que ele chama o 
Reino dos céus.̂ Esse Reino é tanto presente quanto ainda está para vir (12.28;
13.1 '52; 24.1— 25.46). João Batista anuncia a aproximação desse Reino. Jesus 
proclama sua esperança por toda a nação e para todas as ovelhas perdidas de 
Israel. Ele os chama ao arrependimento, desafia suas práticas, expressa sua 
autoridade sobre o pecado e o sábado e os chama a ler a lei com misericórdia. A 
maior parte de Israel rejeita a mensagem, mas o mistério é que a promessa vem 
apesar dessa rejeição. Um dia, esse Reino abrangerá o mundo inteiro (parábolas 
de Mt 13). Na consumação, a autoridade de Jesus naquele Reino será evidente a 
todos em um juízo de toda a criação (Mt 24— 25). Assim, o programa do Reino, 
a escatologia e a história da salvação são unidos por Mateus.
Deus é visto como o Pai que tem uma presença soberana e permanente sobre 
o mundo. Esta presença é vista por meio do programa de Jesus, uma realização 
das promessas de Deus. Sua presença também é vista na forma como Jesus exerce 
juízo sobre Israel por meio da promessa de juízo do templo. A soberania de Deus 
sobre o mundo emerge por intermédio do Messias, que tem a responsabilidade 
no juízo final. Os discípulos têm o benefício de chamar a Deus de Pai.
A maior parte do cumprimento escriturístico que Mateus cita nos ajuda a 
entender quem Jesus é e como ele realiza o plano de Deus. As Escrituras são
cumpridas quando Jesus: (1) é concebido por uma virgem; (2) nasce em Belém; 
(3) vem do Egíto; (4) nasce em um período de sofrimento para a nação; (5) é 
chamado “nazareno” (Mt 1— 2); (6) vai para a Galiléia dos gentios; (7) leva nossas 
enfermidades; (8) é um pastor enviado a um povo sem pastor; e (9) é o servo que 
leva justiça aos gentios (4.14-16; 9.36; 12.18-21). Todas essas promessas sublinham 
a libertação e missão que Jesus traz para Israel. O prometido de Israel foi enviado 
para trazer o povo de volta para Deus, exatamente como os profetas tentaram 
fazer anteriormente. Todavia, há, vez ou outra, indicações de que o relato circula 
para além de Israel. Um centurião e uma mulher siro-fenícia demonstram fé exem­
plar (8.5-13; 15.21-28). Tanto gentios como judeus ouvem o Sermão do Monte. 
Quando a rejeição de Israel torna-se mais intensa, Jesus é mandado como um 
servo que traz justiça com esperança para as nações.
A final e grande comissão envia discípulos para o mundo inteiro (28.16-20). 
Tudo isso acontece por intermédio de uma nova comunidade, a ser chamada de 
igreja, a qual Jesus edificará (16.16-20; 18.15-20). Mateus é o único evangelho que 
fala diretamente da igreja. Os discípulos que compõem a igreja são chamados a um 
discipulado exigente que põe o seguir a Jesus em primeiro lugar; ele é fundamentado 
em responsabilidade espiritual, misericórdia e perdão; ele procura a justiça como 
um chamado; e vai ao mundo fazer mais discípulos (16.24-28; 18.1-35).
Questões introdutórias. As questões de autoria, data e ambiente são polêmicas. 
A associação desse evangelho com o apóstolo Mateus data de uma informação de 
Papias sobre Mateus ter reunido ditos de Jesus em um dialeto hebraico (Eusébio, 
Eccl. Hist. [História eclesiástica\ 3-39.16). Questiona-se muito sobre essa citação. 
Papias refere-se ao evangelho ou a alguma outra coisa? Se é outra coisa, qual é a 
relação entre nosso evangelho grego e o que Papias descreve? As respostas a essas 
perguntas não são claras.5 Por outro lado, os sobrescritos que acompanham os 
manuscritos desse evangelho uniformemente referem-se a Mateus como o autor. 
As raízes disso datam da primeira metade do século II.6 Além disso, esse evangelho 
foi amplamente aceito, além de ser o mais popular no período antigo. Há grande 
probabilidade de que suas raízes sejam bem conhecidas.
Ainda, alguns questionam os contatos entre os apóstolos. Argumentos, habitual­
mente dependentesda prioridade marcana, incluem a idéia de que Mateus, como 
apóstolo, não teria usado um evangelho de um não-apóstolo. Entretanto, essa 
crítica ignora a probabilidade real de que Marcos tenha suas raízes na pregação de 
Pedro, pois estava associado com esse apóstolo-chave. Outros argumentam que a 
natureza do grego usado em Mateus torna improvável que um autor judeu o 
tenha escrito. Entretanto, uma pessoa que fosse um coletor de impostos em uma 
região altamente helenística, muito provavelmente, seria bilingüe. O argumento 
mais importante é o ligado à data de Marcos. Se Marcos é o primeiro evangelho e 
é supostamente uma obra do fim dos anos 60 ou 70 (o que não é certo, como 
veremos), então algum tempo é necessário para a publicação de Mateus. Quanto 
mais tarde isso acontece, menos provável é que Mateus seja o autor. Os que rejeitam 
Mateus como o autor, geralmente, consideram que o autor seja um cristão judeu.7
Como se pode ver, os argumentos ao redor de autoria são uma questão de 
tradição versus certas opiniões sobre evidência interna. Com freqüência, esse é o 
caso quando considerarmos essas questões para cada evangelho. O peso do 
argumento favorece que, especialmente dada a rápida e ampla aceitação do 
evangelho, suas raízes remontem ao apóstolo. Essa conclusão explica melhor seu 
rápido e amplo uso na igreja primitiva.
Determinar a data do livro também é difícil. As citações mais antigas de 
Mateus aparecem no início do século II com Inácio (To the Smyrnaeans [Para os 
esmirneus] 1.1; To Polycarp [Para Policarpo\ 2.2), que morreu por volta do ano 
107- Parte da instrução é dada em uma forma que dá a impressão de que o templo 
ainda estivesse funcionando (5-23,24; 17.24-27). O problema é que esse ensino 
retrocede até a vida de Jesus, quando o templo ainda existia. O argumento é que 
reter essa instrução sobre prática sacrificial e a taxa do templo faz mais sentido se 
o templo ainda existisse, para que esses exemplos fossem ainda mais úteis. Ireneu 
afirmou que o evangelho foi escrito enquanto Pedro e Paulo estavam em Roma, 
fundando aquela igreja, situando-o, o mais tardar, na primeira metade da década 
de 60 e sugerindo que foi até mais cedo (Against heresies [Contra heresias] 3.1.1; 
cf. Eusébio, Eccl. Hist. [História eclesiástica:] 5.8). O quadro de intenso conflito 
com o judaísmo podia se enquadrar em qualquer período da primeira metade do 
século I, especialmente o período ligado a Nero em meados da década de 60, 
porque ele pressionou os cristãos de uma forma que os distinguiu dos judeus. Em 
62, os judeus apedrejaram Tiago, irmão de Jesus, em um incidente em que eles 
temeram a reação romana, porque não tinham autoridade para executá-lo (Josefo, 
Ant, [Antiguidades] 20.9.1 §§197-203).8 Toda essa evidência parece apontar para 
uma data na década de 60.
Os que rejeitam essa data e preferem uma anterior argumentam mais uma 
vez que o Evangelho de Mateus precedeu o de Marcos, ou que um apóstolo não se 
basearia em um evangelho não-apostólico. Já tratamos das respostas a esses 
argumentos.
Os que argumentam para uma data após a década de 60 dizem que textos
como Mateus 24.1-29 (a predição da destruição de Jerusalém) e Mateus 22.6,7 
(a predição sobre um incêndio da “cidade deles”) indicam um evangelho escrito 
após 70. Aqui está alguém, assim eles argumentam, que se afastou de uma 
perspectiva judaica, como o uso da expressão “cidade deles” indica. Entretanto, 
qualquer judeu, ao argumentar que Israel tivesse sido infiel a Deus, poderia prever 
uma destruição de Jerusalém como um juízo similar ao da queda diante da 
Babilônia, que precipitou o exílio. Por volta da década de 60, uma quebra na 
perspectiva estava surgindo para alguns, como a morte de Tiago indica. Assim, 
somos confrontados com a tensão entre evidência externa e juízos internos. A 
maioria dos que vêem algum mérito nesses argumentos situam Mateus após 70, 
geralmente em algum momento da década de 80.9
Determinar o ambiente desse evangelho é o exercício mais incerto de todos. 
Ele envolve só inferências. A pesada ênfase de Mateus em questões judaicas indica
ou um ambiente em Israel, ou um local com grande população judaica. A evidência 
de Ireneu, anteriormente citada, indica um ambiente “entre os hebreus”. O uso 
do grego sugere um ambiente racialmente misto. Antioquia da Síria é a melhor 
candidata para uma localização fora de Israel. Mas ninguém sabe ao certo. Como 
já dissemos, essa determinação nao é crucial para avaliação da mensagem, porque 
certamente pretendia-se que o evangelho circulasse também fora dessa comunidade.
Diz-se, com freqüência, que Mateus é o evangelho mais preocupado com 
questões judaicas, e, sem dúvida, isso é verdade. Mas esse evangelho também 
mostra maior preocupação com cristologia, comunidade, discipulado e missão. 
Mais que qualquer outro, esse evangelho explica que apesar de sua morte, Jesus 
era o Messias prometido enviado por Deus, chamando o povo de volta para seguir 
a Deus e buscar o Reino.
Deveríamos também notar porque os evangelhos aparecem em nosso cânon 
na ordem que aparecem. Mateus é o primeiro porque, quando a igreja veio a 
estabelecer o cânon, pensava-se que esse evangelho foi o primeiro a ser escrito e 
era o mais ligado ao Antigo Testamento. Nos primeiros séculos da igreja, ele era o 
evangelho mais popular entre os sinóticos, porque tinha uma ligação direta com 
os apóstolos que Marcos e Lucas não tinham, dado que o segundo e o terceiro 
evangelhos não foram escritos por apóstolos. João assumiu a quarta posição porque 
sua história diferia bastante des primeiros três evangelhos. Além disso, seu 
evangelho provavelmente foi o último dos quatro a ser escrito.
M a r c o s
Hoje, o Evangelho de Marcos é geralmente considerado o primeiro evangelho 
que foi escrito. Assim, seu esboço do ministério de Jesus tornou-se a estrutura 
básica por meio da qual sua vida foi traçada, mesmo que seções dele provavelmente 
nao estejam em ordem cronológica, mas em um arranjo tópico (e.g., os conflitos 
de Mc 2— 3).
Eis um esboço básico:
I. Prólogo sobre o começo do evangelho (1.1-15)
II. Ministério público de Jesus (1.16— 8.26)
A. Chamado dos discípulos e conflitos que levam à rejeição (1.16— 3.12)
B. O ensino sobre o Reino de mistérios e sobre os milagres de poder ainda 
resulta em rejeição (3.13— 6.6)
C. Desafio e mal-entendido até a confissão (6.7- —8.26)
III. Para Jerusalém, paixão e vindicaçâo (8.27— 16.8)
A. PrediçÕes da paixão e ensino de discipulado (8.27— 10.52)
B. Conflito em Jerusalém e predição de juízo (11.1— 13.37)
C. Rei dos judeus executado por blasfêmia, confessado como filho e vindicado 
por Deus (14.1— 16.8)
A primeira grande seção desse evangelho gira por uma estrutura consistente 
em cada uma de suas três partes. Há uma narrativa sobre discípulos no início 
(1.16-20; 3.13-19; 6.7-13) e uma nota sobre rejeição ou um sumário no fim (3.7- 
12; 6.1-6; 8.22-26).10 O ponto crucial do evangelho, em 8.27-31, é a confissão 
de que Jesus é o Cristo. Antes dessa confissão, Jesus realiza um milagre, em que 
cura um cego. Após a confissão, encontramos novamente a instrução de que aquele, 
a quem o discípulo confessou, sofrerá. Metade desse evangelho trata do movimento 
para a semana final do ministério de Jesus, ao passo que um quarto dessa metade 
é apenas sobre a última semana. Para Marcos, os acontecimentos da semana final 
são centrais para a narrativa.
Os temas-chave também são evidentes na forma em que o relato se desenvolve. 
Ele começa com uma observação de que o que sua narrativa é o evangelho. Marcos, 
embora em um grau menor que Mateus ou Lucas, também traça o Reino de Deus 
como um tema. Para Marcos, há elementos que indicam sua presença inicial, 
enquanto a maior da ênfase é que ele virá em plenitude, um dia, no futuro. A 
entrada no Reino, disponível agora, exige o tornar-se como uma criança. As 
parábolas apontam para um dia quando ele será como um lugar em que os pássaros 
se aninham. O mistério do Reino é que ele começa pequeno, mas aindarealizará 
tudo o que Deus o tem vocacionado para ser. Ele será uma rica colheita.
Outro tema que está presente, mas menos desenvolvido que em Mateus ou 
Lucas é que o tempo do cumprimento chegou. Marcos abre com esse tema (1.15), 
e ele aparece aqui e ali.
Marcos é mais um evangelho de ação que de ensino. As coisas acontecem logo 
ou imediatamente— uma das expressões favoritas de Marcos. Marcos tem só dois 
discursos, um é sobre as parábolas do Reino (4.1-33), e o outro, escatológico (13.1- 
37). Há muitos milagres. Há vinte relatos de milagres em Marcos. Combinados com 
sumários de cura, essas unidades compreendem um terço do evangelho e quase 
metade dos primeiros dez capítulos.11 Essas descrições da autoridade de Jesus são 
importantes para Marcos; ele apresenta Jesus como aquele que ensina com 
autoridade, mas uma parte essencial dessa autoridade é vista em sua atividade, 
não só em seus pronunciamentos. A autoridade ressalta que Jesus é o Cristo, o 
Filho de Deus (1.1; 8.29; 15.39). A cristologia de Marcos apresenta Jesus como 
essa pessoa prometida. Jesus afirma ter autoridade sobre o pecado, os relaciona­
mentos, as práticas ligadas à pureza, o sábado e o templo, e isso o coloca em 
dificuldades com os líderes judeus, que logo determinam que eles precisam detê-
lo. Esse conflito que as afirmações de Jesus provocam também é uma característica 
central nesse evangelho.
Entretanto, a autoridade de Jesus não é só de poder bruto. Em termos de 
proporção, Marcos destaca Jesus como o Filho do homem e Servo Sofredor mais 
que os outros evangelhos. De fato, nove de treze usos dessas expressões dizem 
respeito ao sofrimento de Jesus. Embora Isaías 53 não seja citado, as descrições de 
Jesus claramente estão em paralelo com a imagem dessa pessoa, especialmente a 
afirmação de que sua missão é vir e dar sua vida como resgate por muitos (10.45).
A importância de entender a função do sofrimento provavelmente explica as ordens 
para silenciar, dadas em Marcos para aqueles que confessam Jesus como o Messias, 
inclusive os demônios (1.44; 5-43; 9 9). Sem uma apreciação de seu sofrimento, 
nao se compreende o chamado messiânico de Jesus. Alguns chamam isso de o 
“segredo messiânico”, mas isso não quer dizer que seu messiado deva ser mantido 
em segredo, apenas que não deve ser compartilhado antes que seja mais plenamente 
compreendido. Só quando a cruz se aproxima, o pleno escopo da promessa e 
chamado divinos emergem. Os discípulos não estão em posição de anunciar Jesus 
até que entendam esse aspecto de sua missão, conforme a missão posterior da 
igreja deixa claro.
O servo Jesus é um exemplo de como caminhar com Deus em um mundo 
que rejeita aqueles que foram enviados pelo Senhor. E aqui que as exigências do 
discipulado aparecem também (10,35-45). Aqui, Marcos é como Mateus. Após o 
sofrimento apresentam a glória e vindicação. O mesmo Filho do homem voltará 
um dia para julgar, como o discurso escatológico revela, A necessidade de discipu- 
lado e de realmente ouvir a Jesus fica clara quando Marcos registra sem hesitação 
os fracassos dos discípulos. Seus instintos não os levarão na direção certa. Confiança 
em Deus e em seus caminhos é o que se exige. Junto com isso, Marcos registra as 
emoções de Jesus e dos discípulos mais que qualquer outro evangelho.
Em suma, Marcos se dirige a uma igreja oprimida, que sofre rejeição 
semelhante à de seu Mestre. Todavia, o chamado para servir, para descansar no 
plano de Deus e olhar para Jesus como o exemplo apresenta o antídoto para sua 
situação difícil.
Questões introdutórias. Como os outros evangelhos, as discussões sobre 
autoria, data e ambiente de Marcos giram em torno de testemunho externo e 
inferências sobre características internas desse evangelho. Assim como nos outros 
evangelhos, o autor não diz seu nome. A associação do evangelho com Marcos 
nos vem por meio do testemunho da igreja antiga.12 Marcos é descrito como 
intérprete de Pedro por Papias, em uma referência dada por Eusébio (Eccl Hist. 
[História eclesiástica] 3.39.15).13 O Prólogo antimarcionita (ca. 180 d.C.)> Ireneu 
[Against Heresies [Contra heresias] 3.1.1 -2) e Clemente de Alexandria (como 
registrado em Eusébio, Eccl. Hist. [História eclesiástica] 6.14) confirmam essa 
identificação.1’1 Justino sugere que Marcos seja o autor também em uma alusão 
em Trypho [Diálogo com Trifão] 106. A evidência dos sobrescritos também confirma 
essa ligação.15 Não há evidência interna para outro autor.16 Para muitos, Marcos 
refere-se a João Marcos, conhecido como assistente de Pedro, Paulo e Barnabé (At
12.12,25; 13.13; 15.37-39; lPe5.13;Fm 24; C14.10; 2Tm 4.11). O nome Marcos
era comum. Assim, essa conclusão também depende em algum grau do testemunho 
da igreja primitiva e da associação de Marcos com Pedro e Paulo. Não existem 
opções que sejam uma boa alternativa.17 E essa conexão do fim do evangelho com 
Pedro que explica sua aceitação e circulação na igreja. Ele deve ter tido ligações 
apostólicas para que a igreja o recebesse bem na coleção básica de um evangelho 
quádruplo, mesmo que a igreja reconhecesse que não fora escrito por um apóstolo.
Determinar a data de Marcos é um pouco mais difícil porque o testemunho 
externo nao é uniforme. Ireneu situa a composição após a morte de Pedro e Paulo, 
uma data que aponta para o fim da década de 60, enquanto Clemente de Alexan­
dria indica uma data que corresponde ao período em que Pedro e Paulo estiveram 
em Roma. Isso poderia fazer com que a data da autoria retrocedesse à década de 
50. A maioria dos estudiosos opta por uma data entre 65 e 70, enquanto outros 
colocam Marcos logo após 70. Os que optam por essa última argumentam, de 
forma não convincente, que Marcos 13 tem uma perspectiva pós-70 d.C. 
Entretanto, se alguém aceita o testemunho ligado a Clemente de Alexandria, que 
Pedro aprovou a obra de Marcos (Eusébio, Eccl. Hist. [História eclesiástica] 2.15.2), 
então uma data no final da década de 50 até meados da década de 60 é possível.18 
A possibilidade de uma data no início da década de 60 é boa. Como acontece 
com cada evangelho, o debate gira em torno de que parte do testemunho externo 
que se aceita, bem como da opinião que se tem sobre a ordem de composição dos 
evangelhos.
A mesma passagem de Clemente apresenta o ambiente do evangelho como 
Roma. A tradição posterior reivindica um ambiente tão distante quanto o Egito 
(João Crisóstomo, Homilies on Matthew [Homilias sobre Mateus] 1.3). Entretanto, a 
evidência de ladnismos no livro sugere que a associação tradicional é o melhor 
candidato para o local. O fato de que a comunidade cristã em Roma teve de suportar 
pressão de Roma e dos judeus pode bem explicar a ênfase do evangelho no sofrimento. 
Pode-se ver a opressão romana sobre os judeus em 49 d.C., e a perseguição de Nero 
aos cristãos em 64 d.C. O próprio evangelho sugere a tensão que existia entre os 
discípulos e os judeus, especialmente os que detinham posições de autoridade no 
j udaísmo.
L u c a s
O terceiro evangelho é o mais longo dos quatro. Ele tem uma mistura de ensino, 
milagre e parábola. Lucas nos fornece mais parábolas que qualquer outro evangelho. 
Metade do material em Lucas é exclusivo de seu evangelho. Enquanto Mateus 
apresenta o ensino em bloèos de discurso, Lucas espalha o ensino por todo seu 
evangelho, geralmente em unidades menores. Muitos discursos importantes em 
Lucas acontecem em cenas de refeição (7.36-50; 11.37-52; 14.1-24; 22.1-38; 24.36- 
49), que lembram os simpósios gregos, nos quais a sabedoria era apresentada.
Um esboço de Lucas, na progressão do relato sobre Jesus, mostra seu inter­
esse por geografia:
I. Apresentação de João Batista e de Jesus (1.1—-2.52)
A. Prefácio: Lucas acrescenta ao precedente (1.1-4)
B. Narrativa da infância: precursor e cumprimento (1.5-—-2.40)
C. A Revelação de Jesus a respeito da compreensão que tinha de si mesmo
(2.41-52)
II. Preparação para o ministério: Jesus ungido como o Filho e servo messiânico
(3.1— 4.13)
A. João Batista: o que vem antes (3.1-20)B. Jesus: o que vem depois (3.21— 4.13)
III. Ministério galileu: a revelação e o ensino de Jesus (4.14— 9.50)
A. Panorama do ministério de Jesus (4.14-44)
B. Reunião de discípulos (5.1— 6.16)
C. O chamado de Jesus ao amor (6.17-49)
D. Chamados à fé e às questões cristológicas (7.1— 8.3)
E. Fé e revelação cristológica (8.4— 9.17)
F. Confissão cristológica e instrução sobre discipulado (9.18-50)
IV. Jornada para Jerusalém: rejeição judaica e o novo caminho do verdadeiro 
discipulado com Deus (9.51— 19.44)
A. A benção da decisão: privilégio, missão e compromisso (9.51— 10.24)
B. Discipulado: sobre o próximo, Jesus e o Pai (10.25— 11.13)
C. Controvérsias, correções e chamados à confiança (11.14-54)
D. Discipulado: confiar em Deus (12.1-48)
E. Conhecer a natureza do tempo: Israel rejeita, mas a bênção ainda é oferecida
(12.49— 14.24)
F. Discipulado em face da rejeição (14.25-35)
G. Busca de pecadores: exemplos celestiais (15.1-32)
H. Generosidade: tratando com dinheiro e posses (16.1-31)
I. Falso ensino, perdão e serviço (17.1-10)
J. Fidelidade, ao manter os olhos voltados para o Rei, o Reino e a consumação 
do Reino (17.11— 18.8).
K. Confiar tudo humildemente a Deus (18.9-30)
L. Voltar para Jerusalém: poder messiânico e advertências (18.31— 19.44)
V. Jerusalém: o inocente morto e ressuscitado em preparação para a capacitação
do discípulo (19.45— 24.53)
A. Controvérsia em Jerusalém (19.45— 21.4)
B. A destruição de Jerusalém e o fim (21.5-38)
C. Traição e despedida (22.1-38)
D. Julgamentos e morte de Jesus (22.39— 23.56)
E. Ressurreição e ascensão de Jesus (24.1-53)
O Evangelho de Lucas procede da Galiléia para Jerusalém. A primeira metade 
do evangelho é estruturada de forma parecida com Marcos. A parte distintiva desse 
evangelho é a jornada de destino divino que Jesus toma quando se aproxima de 
Jerusalém, em Lucas 9— 19. Essa seção-chave justapõe dois temas centrais: a rejeição 
de Jesus pela liderança e a preparação dos discípulos para o ministério sem Jesus. Os 
discípulos, como em Marcos e em Mateus, devem aprender que Jesus sofre como o 
Messias, mas em Lucas o escopo do discipulado em relacionamentos e valores é 
muito mais desenvolvido. Na semana final, Jesus morre injustamente como um 
inocente, mas tudo está de acordo com um plano divino (Lc 23). Lucas também se 
esforça para preparar os discípulos para a partida de Jesus, como a “narrativa de
viagem” de seu evangelho mostra. O Evangelho de João faz algo semelhante com 
o discurso do cenáculo (Jo 13— 17).
Te mas-chave centram-se nessa atividade do plano de Deus. As coisas “devem
ser" (ôd.) em Lucas (2.49; 4.43; 9-22; 24.7,26,44-47). Deus preparou um plano
pelo qual ele alcançará e libertará o pobre, o oprimido e os presos na opressão de
Satanás (4.16-19; 11.14-23). O plano reflete uma estrutura de promessa e
cumprimento, na qual a realização escriturística do plano é expressa por meio das 
palavras dos personagens-chave do relato (7.28; 16.16). A seção de abertura, a da 
infância, faz isso com o uso de hinos em linguagem bíblica, sublinhando a nota 
de alegria que perpassa o evangelho. Coisas também acontecem de imediato; muitos 
textos falam do que acontece “hoje” (orpepov) (2.11; 4.21; 5.26; 19.9; 22.34; 
23.43). O evangelho marcha para frente, conforme indicado pela progressão 
geográfica na narrativa.
Jesus aparece como o Messias-Servo-Senhor, A categoria básica é seu messiado 
(1.31-35; 3-21,22; 4.16-30; 9.18-20), mas conforme a narrativa avança, fica claro 
que essa função é de grande autoridade, a qual pode ser resumida pela imagem do 
Filho do homem que julga ou pelo conceito de Senhor (5.24; 20.41-44; 21.27; 
22.69). Todas essas conexões refletem o que as Escrituras dizem sobre o plano. 
Jesus também atua como profeta, o legislador-profeta, como Moisés, que deve ser 
ouvido (4.20-30; 9.35). Jesus traz o Reino> cuja presença e início são evidenciados 
pelos milagres e pela derrota de Satanás, pois, por fim, isso é o que o Reino traz 
com sua libertação (11.14-23; 17.20,21). Todavia, há também um futuro para o 
Reino, que verá o retomo de Jesus para reinar sobre Israel e sobre as nações, o qual 
expressa a soberania, que ele agora afirma, de forma visível (21.1-38). Assim, a 
libertação de Jesus aponta para a realização das promessas da aliança feitas a Abraão,
Davi e a nação deles (1.45-55).
A liderança nacional é firme em sua rejeição da mensagem. Contudo, o plano 
prossegue. Israel experimentará juízo por ser infiel (19.41 -44; 21.20-24). Jerusalém 
será destruída, uma prefiguração do juízo final e uma garantia de que o plano de 
Deus está se realizando. Esforços para chamar Israel à fidelidade continuam, apesar 
de sua recusa em abraçar o cuidado de Deus e seu prometido.
Nesse meio-tempo, Jesus forma uma nova comunidade, que, no livro de 
Atos, é chamada de “seguidores do Caminho”. Essa comunidade é formada por 
aqueles que se voltam para abraçar a mensagem de Jesus e seguem na fé. Lucas 
gosta de falar dessa resposta em termos de arrependimento, lembrando a mudança 
de direção que a fé produz (5.32). Surpreendentemente, são os coletores de 
impostos e os pecadores que são mais receptivos, enquanto que a liderança judaica 
fica firme na rejeição (7-29,30; 18.9-14). Há também muitas mulheres em Lucas, 
como exemplos de receptividade espiritual (2.38,39; 7-36-50; 8.1-3). Jesus quer
que a comunidade tome a iniciativa de alcançar todos esses grupos marginais, 
incluindo os pobres e oprimidos (4.16-19; 6.20-23).
A obra de Jesus produz intensa rejeição e levará, um dia, à perseguição. Isso 
significa que os discípulos devem perseverar em sua caminhada em face de grande
pressão (21.7-19). Entretanto, os inimigos devem ser amados, deve-se confiar em 
Deus, deve haver muita oração e vigilância porque a obra restante de Deus deve
continuar (6.27-36; 11.1-13; 12.22-31; 18.1-8). Os dois grandes obstáculos para
o discipulado são a pressão, que essa perseguição produz, e o excessivo apego ao 
mundo, especialmente por meio de posses (8.11-15; 18.8 levanta a questão sobre 
se alguém continuará fiel até Jesus voltar). Assim, Lucas desafia os ricos com 
respeito à administração do que Deus dá a eles.
Lucas procura assegurar seus leitores de que a rejeição por parte do mundo 
nao é um sinal de inautenticidade do Evangelho. Tal rejeição estava no centro do 
plano desde o começo. Assim, os leitores podem estar certos da verdade referente 
às coisas que ouviram sobre Jesus (1.1-4). Confiança renovada é o motivo princi­
pal desse evangelho.
O que Jesus dá por meio de seu evangelho é libertação, perdão e, por fim, 
capacitação. Para esse evangelista, o “poder do alto” do Espírito deve ser dado 
agora que Jesus ascendeu (3.15-16; 24.49). Sua ascensão permitirá aos discípulos 
realizar tudo o que Deus tem para eles. Para Lucas, essa esperança está no centro 
do Evangelho, junto com a vida eterna que Deus dá.
Questões introdutórias. Questões de autoria, data e ambiente são paralelas às 
discussões precedentes que envolveram uma mistura de evidência da tradição e do 
evangelho em si. Igual aos outros evangelhos, o autor do terceiro evangelho não 
coloca seu nome na obra. Entretanto, a evidência externa novamente é consistente 
ao nomear Lucas como o autor (Justino [Tripho \Trifão\ 103.19] observa que 
essa “memória de Jesus” foi escrita por um seguidor dos apóstolos)J J Alusões ao 
Evangelho de Lucas aparecem tão cedo como 1-2 Clemente (c. 95 e 100 d.C.). O 
Cânon de Muratori também atribui esse evangelho a Lucas, um médico. Ireneu 
(.Against Heresies [Contra heresias] 3.1.1; 3.14.1) também liga o evangelho a 
Lucas, um seguidor de Paulo, e registra a evidência das seções “nós” de Atos como 
apontando para alguém que conhecia Paulo. Tertuliano {Against Marcion [Con­
tra Marcião] 4.2.2; 4.5.3) chama o Evangelho de Lucas de um “sumário do 
Evangelho de Paulo”. Eusébio {Eccl. Hist. [História eclesiástica:] 3.4.7) informa 
que Lucas é natural de Antioquia. O que torna essa evidência impressionante é a 
grande lista de possíveis companheirosde Paulo que poderiam preencher a lacuna 
das seções “nós”, se o autor nao fosse conhecido. A unanimidade da tradição 
sobre a autoria é importante.20 Se Lucas é a pessoa incluída em Colossenses 4.10-
14, o que é provável, então ele não era judeu e era médico. Dado o uso e 
conhecimento do Antigo Testamento presente nesse evangelho, pode bem ser que 
Lucas fosse um temente a Deus ou um ex-prosélito judeu. Deve ser notado que 
em Atos, Lucas não é um companheiro constante de Paulo, e sim ocasional. Assim, 
as reivindicações sobre sua associação com Paulo nao devem ser exageradas.
A data de Lucas relaciona-se em parte com essas três questões: a relação com 
a data de Marcos, o término de Atos e se as alusões à destruição de Jerusalém no 
ano 70 d.C. ocorrem em Lucas 21. Os que vêem o fim de Atos como uma chave 
para solucionar essa questão argumentam que os eventos narrados lá nos levam
para aproximadamente 62 d.C. O evangelho deveria ter sido escrito antes de 
Atos, tornando plausível uma data no final da década de 50 e início da de 60.21 
Aqueles que vêem alusões à destruição de Jerusalém em Lucas 21, afirmam que 
uma data um pouco posterior a esse evento é necessária. As alusões em 1-2 Clemente 
tornam possível uma data mais tardia, na década de 90. Também é afirmado que 
seria preciso tempo para Paulo emergir como herói, e, assim, a teologia que indica 
algum grau de estrutura da igreja aponta para uma consolidação, o que sugere a 
década de 80.
A evidência para uma data tardia, na década de 80 ou de 90, é fraca, pois se 
fundamenta muito na reivindicação de que, em um pequeno conjunto de textos, 
há alusão direta à queda de Jerusalém no ano 70 d.C. Primeiro, as alusões a 
Jerusalém, em Lucas 21, não são claras o bastante para estabelecer essa reivindicação 
de <capós o evento”. O que tal opinião de “profecia após o fato” habitualmente 
reflete é a negação de que Jesus poderia predizer um fato como esse. Mesmo que 
exista uma alusão a 70 d.C., não é claro que seja necessária uma data muito 
posterior. Segundo, Paulo, logo cedo, já era bastante conhecido. Nao levou muito 
tempo para que a igreja reconhecesse sua importante função. Terceiro, a pressupo­
sição de que a organização e a consolidação da igreja aconteceram apenas depois 
da década de 60 não corresponde à evidência que realmente encontramos em 
Atos.22
Aqueles que preferem uma data de meados da década de 60 até a de 70 
baseiam-se em parte na relação de Lucas com Marcos. Parece provável que o autor 
de Lucas conhecesse o Evangelho de Marcos. O que é impossível saber é há quanto 
tempo Marcos teria que existir para que Lucas pudesse fazer uso dele.
Uma data na década de 60 parece provável. Para Lucas, o resultado do 
julgamento de Paulo nao era tão importante quanto o fato de que o Evangelho 
era lá abertamente compartilhado. Em favor de uma data na década de 60, há 
fatores que emergem principalmente de Atos. Quase nada há sobre a comunidade 
romana, o que é contra uma data posterior. Nem há uma referência explícita a 70
d.C., mesmo onde poderia ter sido inserida como nota narrativa (como teria sido 
possível ao apresentar o discurso de Estêvão sobre o templo), O grau de incerteza 
sobre as relações judaico-gentílicas também favorece um período anterior. As 
comunidades descritas em Atos são muito mistas racialmente, o que combina 
mais com um período anterior. Mais difícil é especificar quando, na década de 60, 
Lucas apareceu. Uma boa possibilidade, considerando Marcos, é meados da década 
de 60.
O ambiente de Lucas não é conhecido. Há muitos candidatos, incluindo 
tradições para Antioquia, como também Acaia, na Grécia, além das sugestões 
para Roma, à luz do fim de Atos. Entretanto, o fato é que as preocupações gentílicas 
no livro poderiam se encaixar em muitos ambientes. A ausência de uma indicação 
clara na tradição externa significa que não sabemos o ambiente exato. As questões 
dominantes envolvem uma comunidade mista j udaico-cristã e gentílico-cristã. 
Além disso, podemos dizer pouca coisa.
J o ã o
O relato do quarto evangelho enfatiza Jesus como o enviado de Deus, que 
age em união com o Pai. De fato, eles trabalham tão intimamente juntos que 
Jesus é apresentado como Deus revestindo-se de carne. João parte da declaração 
da encarnação por meio de uma narração de sete sinais e múltiplos discursos 
interativos para destacar a singularidade de Jesus. Esse retrato explícito de Jesus dá 
a ele seu poder literário.
Um esboço básico de João seria:
I. Prólogo (1.1-18)
II. O livro dos sinais: antes da hora (1.19— 12,50)
A. O testemunho de João Batista (1.19-34)
B. Os primeiros discípulos (1.35-51)
C. Sinal 1: água em vinho (2,1-12)
D. A purificação do templo (2.13-25)
E. O que os sinais mostram? Jesus e Nicodemos (3.1-21)
F. João Batista: “que ele cresça” (3.22-36)
G. Verdadeira adoração: Jesus e a mulher samaritana (4.1-42)
H. Sinal 2: cura do filho de um oficial (4.43-54)
I. Sinal 3: controvérsia sobre cura no sábado (5.1-18)
J. Defesa no sábado: o Filho nada faz de si mesmo (5.19-47)
L. Sinal 4: alimentação dos cinco mil (6.1-15)
M. Sinal 5: Jesus anda sobre as águas (6.16-21)
N. Jesus: o Pão da Vida desce do céu (6.22-59)
O. Reação ao discurso: rejeição e confissão (6.60-71)
P. Ensino no templo: Cristo e o Espírito (7.1-52)
Q. Uma mulher flagrada em adultério (7.53— 8.11)
R. A controvérsia aumenta: Jesus, a luz do mundo (8,12-59)
S. Sinal 6: um cego é curado — Jesus, a luz exemplificada (9.1-41)
T. Jesus, o bom pastor (10.1-21)
U. Rejeição judaica à afirmação de Jesus: de ter unidade com o Pai (10.22-42)
V. Sinal 7: a ressurreição de Lázaro (11.1-54)
X. A unção em Betânia (11.55— 12.8)
Z. A entrada triunfal (12.9-19)
AA. Advertência: o Filho do homem será levantado (12.20-50)
III. O livro da glória: o discurso de despedida e a paixão joanina — a hora chegou
(13.1— 20.31)
A. Jesus unge os pés dos discípulos (13.1-20)
B. Predição de traição (13.21-30)
C. O novo mandamento e predição de negações (13.31-38)
D. O discurso de despedida para os discípulos: o Pai, o Filho, o Espírito 
Santo que vem, a videira, a perseguição (14.1— 16.33)
E. A oração de Jesus pela união e consagração dos discípulos (17.1-26)
F. A prisão de Jesus (18.1-12)
G. O interrogatório por Anás e as negações de Pedro (18.13-27)
H. Julgamento de Jesus diante de Pilatos: a escolha da multidão e sua 
apresentação para execução (18.28-—19.16)
I. Crucificação e morte de Jesus (19.17-30)
J. Perfuração de Jesus e seu sepultamento (19.31-42)
L. Cenas da ressurreição e o túmulo vazio (20.1-18)
M. Aparecimentos subseqüentes aos dez e aTomé (20.19-29)
N. O propósito do evangelho (20.30,31)
IV. Epílogo: uma pesca milagrosa representando a missão e uma conversa com
Pedro (21.1-25)
Os temas de João focalizam a cristologia. Diferente dos sinóticos, João fala 
pouco do Reino. Antes, vida eterna é o tema principal usado para expressar o que 
os sinóticos chamam de promessa do Reino. A ênfase na expressão “vida eterna” 
não é só a duração da vida (eterna), mas também sua qualidade (isto é, vida real e 
interminável). Assim, conhecer o Pai e Jesus Cristo, a quem o Pai enviou, é vida 
eterna (17.3). Essa vida está disponível agora (5.24-26). Na ocasião, ela é também 
a perspectiva de juízo para aqueles que a rejeitam (3.16-21,36).
E a PalavraíLogos enviada por Deus na forma de carne humana que traz essa 
promessa. As várias formas em que Jesus representa o caminho de Deus são 
desenvolvidas nos ditos: “Eu Sou”. Ele é a luz do mundo, a ressurreição e a vida, 
o bom pastor, o Pão da Vida e a videira. Cada imagem especifica alguma função 
central que pertence a Jesus. Como Filho, Jesus faz só o que o Pai lhe mostra. E a 
unidade de Jesus com o Pai que João destaca. Jesus é o Messias esperado. Isso é 
revelado na esperança de outros. E Jesus é o Filho do homem> que sobe e desce 
entre a terra e o céu. Nessa função, ele julgará (5.27), será levantado (3.14) e 
servirá na mediação da salvação (3.13; 6.27). Mesmo quando Jesus é visto como 
profeta, é sua função comolíder-profeta, à semelhança de Moisés, que essa 
identificação destaca (6.14; 7.40).
Obviamente, a função dos sinais para João é crucial em sua obra. Sete sinais 
dominam os primeiros dois terços do evangelho. A resposta a eles vai da rejeição 
(12.37-40) à abertura (9.25). Notavelmente, de forma distinta dos sinóticos, não 
há nenhuma expulsão de demônios em João. Ele focaliza os atos de cura, restauração 
e provisão. O que esses sinais destacam acima de tudo é a superioridade de Jesus
sobre as instituições judaicas ou suas lideranças (1.17; 2.19-21; 7.37-39; 9.28-41; 
10.1-18). A maioria dos milagres acontece em ambientes de celebrações judaicas 
e destacam como Jesus provê o que as festas celebram. No final do evangelho, 
bênção vem para aqueles que têm fé sem a necessidade de sinais (20.29).
Jesus é visto como o revelador de Deus. E ele que torna conhecidos o Pai e 
seu caminho (1.14-18). Essa é parte da função de Jesus como luz. A morte de 
Jesus mostra o amor do Pai por seu próprio povo, e é um exemplo para os discípulos 
de como eles devem amar (13.1,11-17). A morte de Jesus também serve para
reunir o povo de Deus (10.1-18) e é um meio pelo qual o Filho e o Pai são 
glorificados, uma vez que, por meio dele, torna-se a vida disponível (3.14-16). 
Seu ministério acontece na Judéia e na Galiléia.
Também cie grande importância para João é o Espírito Santo, também 
chamado o Paracleto. Esse encorajador-capacitador virá depois da morte de Jesus 
como alguém enviado pelo Filho para guiar os discípulos na verdade, fortalecê- 
los para o ministério e missão e convencer o mundo do pecado, justiça e juízo
(14.25-31; 16.8-11). Aqui está o que sustenta a vida (4.8-10; 7.37-39).
A nova comunidade que Jesus forma deve ser caracterizada pelo amor e 
unidade. O amor e unidade têm seu modelo na oferta de Jesus de si mesmo e no 
relacionamento do Filho com o Pai (13.31-35; 17.1-26). Para funcionar 
efetivamente, a comunidade deve estar enraizada em seu relacionamento com 
Jesus, que é a videira (15.1-6).
João declara que seu propósito é escrever um Evangelho para que o leitor 
possa crer e, ao fazer isso, ter vida em nome de Jesus (20.30,31). João consegue 
isso continuamente mostrando quão central é o relacionamento com Jesus, tanto 
para estabelecer a vida eterna quanto para manter sua qualidade em um mundo 
hostil. Nesse objetivo fundamental, João é como os outros três evangelhos.
Questões introdutórias. Quando se trata da autoria, data e ambiente, encontra­
mos, de novo, uma discussão que gira ao redor de evidência interna versus externa. 
Como com os outros evangelhos, o quarto evangelista não dá seu nome. 
Começamos com a evidência externa. As mais antigas indicações de autoria vêm 
do Prólogo antimarcionita a João e do Cânon muratoriano, na segunda parte do 
século II. O Prólogo indica que o evangelho era para as igrejas na Ásia. O Cânon 
fala da contribuição de outros apóstolos, um detalhe que a maioria dos eruditos 
hoje rejeita, pois o considera uma elaboração da tradição. Ireneu, Tertuliano e 
Clemente de Alexandria concordam que João, o apóstolo, é o autor. Ireneu é 
importante porque pertencia a uma geração posterior a João. Ele conheceu 
Policarpo e Potinos, que tinham estado com João. Ireneu, em sua Epístola a 
FlorinoSy menciona que João escreveu seu evangelho após os outros evangelhos, 
enquanto vivia em Efeso (Eusébio, Eccl. Hist. [,História eclesiástica] 5.20.6). Em 
Against Heresies [Contra heresias] 3.1.2, ele afirma que o autor foi João, aquele que 
se inclinou sobre o peito de Jesus, e que o livro foi escrito em Efeso.
Alguns críticos desafiam esse testemunho externo, mas sem base sólida.23 
Alguns esforços para resolver a questão de João envolvem um exame da evidência 
interna. Essas reivindicações muitas vezes dizem respeito ao que falta em João: as 
parábolas, a transfiguração e o pão e o cálice da ultima ceia, como também outros 
relatos similares. Parece, entretanto, que João escolheu escrever um evangelho que 
se concentrasse sobre um material distinto da tradição encontrada nos outros 
evangelhos.24 Pelo menos, ele sabia o que já estava em ampla circulação havia 
algum tempo. João está, conscientemente, apresentando um novo ângulo sobre as 
coisas, assim a ausência de repetição não é de espantar.
O bem conhecido argumento da evidência procura identificar o autor, 
trabalhando em pontos cada vez mais estreitos de identificação.25 O autor era (1) 
judeu, (2) da Palestina, (3) testemunha ocular do que descreve, (4) apóstolo e (5) 
João. A ligação do argumento com o “discípulo amado” (13.23; 19.26; 20.2;
21.7,20) é essencial e transparece na observação de Ireneu sobre aquele que se 
reclinava sobre o peito de Jesus. O melhor candidato para essa identificação é 
João, o filho de Zebedeu, especialmente dada à freqüente combinação de João e 
Pedro nos sinóticos; e o discípulo amado e Pedro no quarto evangelho. Apesar de 
outros desafios, essa ainda é a melhor opção.26
O ambiente desse evangelho parece mais solidamente estabelecido que os 
dos outros evangelhos, dada à forte associação com um contexto na Ásia ligado a 
Efeso. Com respeito à data, a opinião geralmente reconhecida é que João vem 
após os outros evangelhos, seguindo a evidência externa. Alguns, entretanto, 
argumentam em favor da década de 60 ou da de 70, dada à ausência de referência 
à destruição de Jerusalém em 70 d.C. e o não uso dos sinóticos.27 A evidência 
externa, entretanto, parece sugerir uma data na década de 80 ou 90, perto do fim 
da vida do apóstolo. Mas a questão da data continua ainda em parte aberta, pois 
é possível localizá-la em qualquer período de cerca de meados dos 60 até 90. 
Esforços mais antigos de datar esse evangelho no século II foram refutados quando 
dois fragmentos apareceram os quais indicavam que o evangelho circulava no 
Egito 110 início do século II. A ligação do evangelho com Efeso é forte. Entretanto, 
isso não impede o uso de tradições cujas origens remontem à Palestina, para nao 
mencionar as raízes judaicas do autor.28
C o n c l u s ã o
Esse panorama das raízes dos quatro evangelhos mostra dois com origens 
apostólicas (M te Jo) e dois com ligações apostólicas (Marcos-Pedro; Lucas-Paulo). 
Eles são quatro obras distintas. Enquanto Mateus está interessado na resposta 
judaica, Marcos trata da questão do sofrimento e perseguição. Lucas oferece 
segurança ao deixar claro como a mensagem foi do judeu para o gentio por 
intermédio da direção divina — embora a complementação desse tema exigisse um 
segundo volume, Atos. João trilha seu próprio caminho, destacando o envio sin­
gular do Filho único. Todos os quatro apresentam Jesus como um pretendente 
messiânico que desafiou a liderança judaica, enquanto oferecia libertação para 
qualquer um que o aceitasse, e sua mensagem, como o único e ungido enviado de 
Deus. Por isso, ele é chamado Jesus Cristo. Agora estudaremos mais detalhadamente 
os sinóticos e João para ver como esses temas emergiram.
N o ta s
1 Richard Bauckham, “For Whom Were Gospels Written?” em The Gospels for ali Christians: 
Rethinking the Gospel Audiences, ed. Richard Bauckham, Grand Rapids: Eerdmans, 1998, p.
46.
I Uma versão mais breve desse panorama aparece em meu Studying the HistoncalJesus, Grand Rapids: 
Baker, 2002. Este capítulo completa alguns dos pontos polêmicos registrados no panorama antigo, 
bem como oferece esboços mais desenvolvidos para cada evangelho. Lá, afirmo que certamente os 
evangelhos circularam muito mais amplamente do que os evangelistas originais podiam ter previsto.
5 Michael B. Thompson, “The Holy Internet: Communication Between Churches in tne First 
Chriscian Generation,” in Bauckham, ed., Gospels forAll Christians, p. 49-70.
4 Mateus sempre se refere ao Reino como o Reino dos céus, menos em 12.28; 19.24; 21.31,43.
5 Scot McKnight, “Marthew”, DJGt p. 527-28. Entretanto, sua explicação de que a passagem 
se refere só ao estilo hebraico é menos provável que a de que Papias pode estar descrevendo 
uma obra hebraica queprecedeu o evangelho que temos agora.
f> Martin Hengel, Studies in the Gospel o f Mark, Philadelphia: Fortress, 1985, p. 65-67. Ele 
observa que esse processo foi diferente daquele que levou ao reconhecimento dos quatro 
evangelhos como canônicos.
' W D. Davies e D. C. Aliison, A Criticai and Exegetical Commentary on the Gospel according to Saint 
Matthew, 3 vols., International Criticai Commentary, Edínburgh: Clark, 1988-97, 1:33, p. 58.
K Everett F. Harrison, Introduction to the New Testament, ed. rev., Grand Rapids: Eerdmans,
1971, p. 176.
l) Por ex., Davies and Aliison, Matthew, 1:138. Harrison prefere uma data entre os anos 60 e 80.
lü R. A. Guelich, “Mark”, DJG, p. 516.
II Graham H. Twelftree, Jesus the Miracle Worker: A Historical and Theological Study, Downers 
Grove, 111.: InterVarsity, 1999, p. 57.
12 Vincent Taylor, The Gospel according to St Mark, 2 ed., New York: Macmillan, 1966, p. 1-8.
13 Papias data de cerca de 140 d.C. Ele afirma que sua observação remonta a João, o Ancião, 
alcançando uma geração anterior.
14 O Prólogo Anümarcionitã contém a agora famosa referência a Marcos como “dedos curtos”.
1 Hengel, Gospel o f Mark, p. 74-81.
1(i Taylor {St Mark, p. 26) escreve: “Não pode haver dúvida de que o autor do evangelho foi 
Marcos, o auxiliai- de Pedro”. Ele argumenta que a conclusão de que esse era João Marcos 
‘pode ser aceita como correta”.
]/ Craig Blomberg, Jesus and the Gospels, Nashville: Broadman & HoJman, 1997, p. 124.
,fi Uma data em meados da década de 60 implica que Marcos, embora tenha recebido seu 
material de Pedro, levou algum tempo para compilar e compor seu evangelho.
11 Darrell L. Bock, Luke L T 9 :5 0 , BECNT 3A, Grand Rapids: Baker, 1994, p. 5-6.
2(1 Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke, 2 vols., AB 28, 28A, Garden City, N.Y.: 
Doubleday, p. 1981-85, 1:40.
21 Tais argumentos assumem que o autor de Lucas também escreveu Atos, que é uma opinião 
comum graças à forma como o fim de Lucas e o começo de Atos se ligam tematicamente, 
bem como o reconhecimento de uma unidade temática que perpassa as duas obras.
22 Os que pensam de outra forma afirmam que Atos reflete questões de sua época ‘posterior”, 
e não dá uma visão histórica real do período antigo que descreve.
Harrison, Introduction to the New Testament, p. 218-25, apresenta um panorama sólido da 
discussão, como faz G. R. Beasley-Murray, John, WBC 36, Waco: Word, 1987, lxvi-lxx, 
embora dístinga João, o evangelista, de João, o profeta que escreveu Apocalipse.
14 Há um debate bem equilibrado sobre se o escritor do quarto evangelho tinha conhecimento 
direto dos outros evangelhos ou não. C. K. Barret afirma que sim, enquanto R. E. Brown, 
com freqüência, afirma que João trabalha com uma tradição independente, mas coincidente. 
Para uma análise desse debate, veja D. Moody Smith, John Among the Gospels: The Relationship 
in Twentieth-Century Research, Minneapolis: Fortress, 1992.
O argumento remonta a B. F. Westcott, em 1881, e reaparece com mais detalhe em seu 
comentário de João.
2(1 Gary Burge, Jnterpretmg the Gospel o f John, Grand Rapids: Baker, 1992, p. 37-54.
11 Leon Morris, The Gospel according to John, ed. rev, NICNT, Grand Rapids: Eerdmans, 
1995, p. 25-30, inclina-se para uma data antiga, mas afirma que ela não foi provada.
28 Veja Beasley-Murray, John, Ixxv-Ixxxi, pata a plausível opção do relato ter ligação com a
Palestina, Antioquia e Efeso.
parte dois
JESUS SEGUNDO OS SINÓTICOS
Jesus de Nazaré foi aprovado por Deus dianre de vocês por meio de milagres, 
maravilhas e sinais que Deus fez entre vocês por intermédio dele, como vocês 
mesmos sabem. Este homem lhes foi entregue por propósito determinado e pré- 
conhecimento de Deus; e vocês, com a ajuda de homens perversos, o mataram, 
pregando-o na cruz. Mas Deus o ressuscitou dos mortos, rompendo os laços da 
morte, porque era impossível que a morte o retivesse.1
Esse sumário apostólico da vida de Jesus apresenta todos os elementos princi­
pais sobre Jesus. Ele foi um homem aprovado por Deus como o representante 
consumado do que Deus é. A aprovação veio por intermédio de um ministério 
cheio de demonstrações de que Deus estava por trás dele e de seu ensino. Esse 
ensino levou Jesus, por instigação de alguns em Israel, à morte pelos romanos. 
Mas a morte era um oponente fraco, porque Deus o sustentava. A exaltação seguiu- 
se com a ressurreição. O que se seguiu ao túmulo vazio revelou a importância e 
autoridade desse que é único na história.
O relato desse ministério é dado não uma vez, mas quatro vezes nas Escrituras. 
Três desses relatos — Mateus, Marcos e Lucas — compartilham a mesma linha 
narrativa básica, descrevendo Jesus desde seu começo na terra, mesmo que cada 
um comece com uma ênfase diferente. Eles são corretamente descritos como 
“sinóticos”, relatos que vêem os fatos sob o mesmo ângulo. O quarto relato, João, 
é distinto dos outros, pois no início destaca que Jesus, a Palavra, tornou-se carne 
e foi enviado do alto. Assim, examinamos a história primeiro da terra para cima, 
antes de vermos como João suplementa esse relato. Eu citarei a numeração de 
algumas sinopses-padrão dos evangelhos. Uma sinopse ajuda muito quando 
queremos comparar o fluxo e redação de eventos como estabelecidos nos Sinóticos. 
Ela apresenta o texto dos Sinóticos em colunas paralelas e tem tabelas mostrando 
a ordem de vários eventos nos evangelhos. Eu citarei a numeração das sinopses de 
Aland, Orchard e Huck-Greeven, bem como apresentarei meu próprio sistema de 
numeração.2
Tentaremos ler a história mantendo intactas suas linhas narrativas básicas. 
Embora aqui eu combine os sinóticos conforme sua seqüência, cada vez que uma 
narrativa aparece, ela é colocada em seu con texto dentro de seu evangelho específico,
mesmo quando é uma repetição de um paralelo em um outro evangelho. Assim, 
sua contribuição pode ser notada tanto dentro daquele evangelho como em termos 
do que compartilha com seus paralelos. Essa combinação de leitura vertical 
contínua de um evangelho enquanto dando atenção à leitura horizontal através 
dos evangelhos nos ajuda a entender melhor o retrato canônico da vida e do 
ministério de Jesus. Assim, essa abordagem não é estritamente como uma harmo­
nia, que tenra reconstruir um fluxo cronológico do ministério de Jesus. Nem é 
como uma típica “vida de Cristo”, que habitualmente se constrói a partir de uma 
harmonia. Antes, tentaremos ficar dentro das várias linhas narrativas que cada 
evangelho apresenta sem alegar que nós, necessariamente, estejamos procedendo 
cronologicamente.
Consideraremos o relato da infância de Jesus, depois mudaremos nosso foco 
brevemente para João Batista. A seguir vem uma descrição do ministério na Galiléia 
até a confissão de Pedro. Após a confissão, Jesus volta sua atenção para preparar os 
discípulos para sua morte, antes de começar sua lenta jornada em direção a 
Jerusalém. Na última semana da vida de Jesus, o conflito sobre a questão de sua 
autoridade, que lentamente se espalhou e cresceu, leva a sua morte e ao grande ato 
de vindicação divina que nós chamamos de ressurreição. Aqui, Deus mostrou seu 
compromisso com Jesus — e seu compromisso conosco. A vida e ministério de 
Jesus foram demasiado extraordinários para caber em uma narrativa. Seu significado 
era muito grande para ser vencido pela morte. O motivo de sua vitória é mostrado 
nessas narrativas do Evangelho. “Da terra para cima” resume a direção do ministério 
de Jesus no movimento narrativo dos sinóticos. O relato começa com categorias 
com as quais os leitores podem se identificar e depois pressiona o entendimento 
que têm para fazê-los ver que Jesus é mais que um homem extraordinário. Jesus 
vai para junto de Deus em favor daqueles que responderam a ele e confiaram nele.
O esboço geral do relato nos sinóticos é bastante consistente. Mateus e Lucas 
registram o nascimento singular de Jesus, mas de perspectivas diferentes. Mateus, 
concentra-se no conflito e perspectivas de José, observa o cumprimento das 
Escriturasao citar textos específicos em suas notas narrativas. Lucas, concentra-se 
na celebração e perspectivas de Maria e aponta para o cumprimento por meio da 
linguagem dos personagens. Os dois não deixam dúvida de que as origens de 
Jesus baseiam-se na iniciativa e plano criativos de Deus.
E aqui que Marcos começa seu relato, com João Batista preparando o caminho,
e, assim, também apresenta o cumprimento das Escrituras no início de sua 
narrativa. João Batista aponta o caminho para a irrupção da promessa de Deus 
para seu povo Israel. Jesus, equipado com um batismo confirmatório e uma vitória 
sobre a tentação demoníaca, volta seu ministério para Israel. Seu ministério cen­
tra-se na Galiléia, ao norte. Ele envolve ensino, cura, expulsão de demônios, 
conquista de discípulos e missão. Jesus chama atenção de alguns gentios, mas seu 
ministério concentra-se em Israel e na realização de sua redenção prometida. Para 
entender Jesus, é preciso levar-se em conta suas raízes e objetivos judaicos. A 
afirmação de Jesus, a saber, de que tem autoridade pessoal única o leva a enfrentar
as controvérsias. O conflito emerge de diversos elementos: sua interpretação da 
lei, sua atividade 110 sábado, sua desconsideração da tradição judaica de purificação, 
sua associação com pecadores e, por fim, seu desafio da autoridade e do templo 
na forma de uma nova comunidade. Enquanto isto, o pobre, o marginalizado e os 
pecadores sao atraídos a ele e sua missão. Sua busca envolve gente bastante comum. 
Sua aceitação deles, como também o início de sua busca por eles, também sao 
controversas. Os discípulos que o seguem lutam para conseguir entender o 
ministério de Jesus, mesmo após identificar sua missão como messiânica. Muito 
da parte inicial do relato leva a essa confissão, embora, uma vez feita, haja ainda 
muito mais para os discípulos aprender sobre Jesus e segui-lo. E o aspecto dé 
sofrimento e sacrifício de seu destino que os discípulos têm dificuldade em valorizar. 
Também, a exata identidade de Jesus lhes escapa, consistentemente, até sua 
ressurreição. Nesse ínterim, à medida que Jesus se aproxima de Jerusalém para 
completar seu chamado, ele prepara esses discípulos para os dias quando ele nao 
mais estará fisicamente presente com eles. Jesus, o tempo todo, continua a desafiar 
a liderança, dando lugar para sua oposição cada vez mais ruidosa. Aqueles, já em 
posição de poder, rejeitam sua afirmação de que ele traz o Reino. Eles procuram 
dar um fim nele. Jesus adverte que tal oposição levará a sua morte. Os discípulos 
enfrentarão a mesma perseguição.
Em meio a esse conflito, Jesus entra em Jerusalém e purifica o templo, um 
ataque final contra a reivindicação da liderança de ter autoridade sobre Israel. A 
liderança reage. A traição de Judas cria a oportunidade de prender Jesus. Nesse 
meio-tempo, Jesus advertira que a nação de Israel seria julgada diante de Deus 
por sua infidelidade à aliança. Esse juízo, que destruirá o segundo templo e levará 
a nação a ser devastada, é só uma imagem da autoridade última que Jesus possui 
como o Filho do homem para trazer o juízo final. Nos vários interrogatórios de 
Jesus em sua noite final, seus promotores consideram as acusações políticas e 
religiosas. A liderança finalmente leva o pretendente messiânico diante de Pilatos 
com uma combinação de acusações baseadas na blasfêmia, descrito como impos­
tor de Israel, e a reivindicação de que afirmava ser um rei alternativo. Jesus assevera 
diante de seus interrogadores judeus que ele é o juiz deles. Ele prediz que Deus o 
vindicará e que um dia ele, à mão direita de Deus, executará o juízo. A questão da 
natureza e fonte da autoridade de Jesus é central para o conflito deles. Essa acusação 
de blasfêmia é traduzida em acusação política sobre o reinado, quando Jesus está 
diante de Pilatos. O governante romano acha Jesus inocente de qualquer crime 
digno de morte, mas sucumbe à pressão dos líderes e da multidão. Jesus morre 
como inocente em favor do povo, e a criação e o templo indicam que alguma 
coisa está errada em sua morte, ao mesmo tempo em que a promessa se cumpre. 
Entretanto, Deus assume essa grande injustiça e triunfa sobre ela. Com o túmulo 
vazio e a ressurreição, Jesus chama seus seguidores para completar sua missão; ele 
é elevado para continuar o exercício da autoridade que seu ministério revelou que 
ele possuía. Ao assim proceder, ele lembra os discípulos de que ele tem poder 
sobre a vida e a morte. Ele também deixa claro que seu ministério continua com
eles. Esse é o esboço do relato sinótico. Os detalhes vêm a seguir. Nenhum esboço 
detalhado desses capítulos surge quando simplesmente avançamos pela narrativa.
Estritamente falando, esse estudo não é conduzido no contexto dos estudos 
do Jesus histórico. Nao há nenhum esforço nesta obra para entrar nos debates 
críticos sobre que porções desses evangelhos remontam ou não diretamente a 
Jesus. Minha alegação é que a forma final deve ser estudada e apreciada em si 
mesma e por si mesma, porque esse é o relato que a igreja tem utilizado ao longo 
de toda sua história. Muitas vezes, assim parece, esse relato não é tão bem conhecido 
como deveria ser. A crítica recente, ao fragmentar o relato, só piorou as coisas em 
relação a esse aspecto. Em alguns pontos, mostrarei como os detalhes se encaixam 
bem no contexto cultural de Jesus, ou que um detalhe faz muito sentido 
historicamente. Entretanto, deve ficar claro para o leitor que Jesus segundo as 
Escrituras não pretende ser um estudo técnico do Jesus histórico, mas uma 
apresentação do Jesus canônico — isto é, Jesus como o cânon das Escrituras o tem 
apresentado. Minha alegação básica é que a coerência dessa descrição emerge e se 
recomenda como aquela que dá uma visão única de quem Jesus é e foi.
A e s t r u t u r a d o p a n o r a m a s i n ó t i c o
Esse panorama sinótico tem dois objetivos: (1) apresentar um sumário dos 
eventos registrados nos evangelhos, destacando os traços principais de pano de 
fundo e seu significado; (2) dar uma idéia de como cada relato desenvolve aqueles 
eventos. Assim, esse não é um panorama no sentido normal, a saber, de 
simplesmente tentar construir uma seqüência cronológica detalhada da vida e 
ministério de Jesus. Como ficará evidente, a natureza do material permitirá isso 
somente no caso de algumas seqüências de eventos, nao de todas elas. Assim, a 
disposição de eventos é ditada pela sua localização dentro das narrativas do 
evangelho, não por meio de uma tentativa de minha parte de sempre argumentar 
por uma estrita ordem cronológica. A disposição, entretanto, indica com freqüência 
a localização dos eventos no esboço geral do ministério de Jesus, mesmo se não 
pudermos sempre saber a seqüência específica. Além disso, eu escolhi nao passar 
por cada evangelho seqüencialmente, mas antes justapô-los, observando sua ordem 
narrativa e in ter-relacionamento, da mesma forma que uma sinopse o faz.
Essa justaposição de eventos entre os evangelhos algumas vezes exige certa 
redundância na apresentação, para manter clara a localização de um evento dentro 
de um evangelho particular. Em alguns casos, isso é uma indicação de que algum 
ensino de Jesus foi repetido em ocasiões diferentes. Em outros casos, significa um 
tipo diferente de agrupamento tópico por um determinado escritor do evangelho. 
Meu objetivo é apresentar cada evento em relação com a localização em que ele é 
colocado em um dado evangelho. Tal abordagem significa que em uns poucos 
casos o mesmo evento será discutido mais de uma vez, porque dois ou mais 
evangelhos o posicionaram em lugar diferente. A justaposição também significa 
que a linha do relato de qualquer um dos evangelhos nao será sempre clara à
medida que prosseguirmos. Por isso, uma seção separada no início do livro trata 
cada evangelho individualmente segundo sua estrutura e ênfase.
Essa justaposição também quebra a seqüência narrativa natural dentro de um 
evangelho em certos pontos, porque material de outro evangelho aparentementepreenche a lacuna. Em um sentido, esse movimento é artificial, porque une 
narrativas em uma seqüência que não existe dentro dos próprios documentos. Por 
outro lado, à medida que esses documentos realmente complementam um ao 
outro, tal procedimento é justificado ao mostrar o ministério de Jesus e as conexões 
que existem entre os eventos que os evangelhos cobrem. Juízos sobre seqüência 
são determinados pelo fluxo literário e informações sobre o ambiente que òs 
evangelhos fornecem. Entretanto, em alguns casos o texto não dá bastante 
informação e não podemos ter certeza quanto à seqüência. Nesses casos, apenas 
sugiro uma localização geral para o evento. E importante lembrar que Jesus ensinou 
muito mais que os evangelhos registram e aquilo que temos é só uma parte repre­
sentativa do todo. Em alguns casos, eles registram eventos, especialmente os ensinos, 
ao quais seriam típicos do ensino de Jesus durante todo seu ministério. Assim, a 
cronologia, com freqüência, não é importante para os escritores dos evangelhos. 
Eles tendem a focalizar o caráter geral do ministério e do ensino de Jesus — 
especialmente no que diz respeito à ênfase fundamental sobre a vinda da promessa 
divina e o chamado para uma caminhada fiel com Deus — e como a oposição se 
levantou contra ele.
Meu objetivo não é “fundir” os evangelhos em um relato, embora esse seja 
um subproduto dessa abordagem. Antes, tento ajudar os leitores a analisar as 
relações dos evangelhos uns com os outros, tanto no que os diferencia como em 
seus objetivos comuns. Muitos debates atuais destacam as diferenças e dificuldades 
entre os relatos dos evangelhos, de forma que se tem a impressão incorreta de que 
os relatos nao são muito harmoniosos. Essa é a forma que alguns críticos liberais 
lêem os textos. Eles “dividem e conquistam”, dando a falsa impressão que histórias 
diferentes, e até contraditórias, são relatadas entre os evangelhos. Por outro lado, 
os conservadores tendem a fundir os relatos tão completamente que os temas dos 
livros individuais são absorvidos ao se estabelecer o relato combinado. Em minha 
apresentação de uma narrativa para o relato sinótico, espero traçar a história fun­
damental e unificada de Jesus, como também espero considerar os aspectos únicos 
de cada evangelho. Uma seqüência fluida desse tipo pode revelar o quanto de 
acordo existe nessa tradição, em que observamos as ênfases distintas, bem como o 
quanto desse material se relaciona entre si na descrição do amplo caráter e 
desenvolvimento da vida e ministério de Jesus. Esse panorama quer mostrar tanto 
a unidade como a diversidade que reside dentro dos evangelhos sinóticos.
Finalmente, observo, mais uma vez, que essa obra não é um esforço que visa 
os estudos do Jesus histórico, embora em alguns pontos ela responda a questões 
levantadas em tal estudo. Meu objetivo é sugerir que a coerência e complexidade 
da descrição bíblica de Jesus mostram como o estudo do Jesus histórico, algumas 
vezes, exagera as diferenças entre as narrativas. Algumas vezes, temas ausentes em
certos textos aparecem em outros contextos, já que os evangelistas dão seqüência 
a seus relatos por meio de suas próprias escolhas e pontos de ênfase. Um dos 
problemas no estudo de questões do Jesus histórico é que um conhecimento do 
relato bíblico ou ê perdido ou é grandemente depreciado, mesmo que as descrições 
de Jesus, encontrada nos evangelhos, tenham sido a real fonte desse impacto 
histórico. E essa história que procuro traçar com algum sentido, a saber, de como 
os sinóticos e João trabalham individualmente e juntos para apresentar Jesus.
A numeração das unidades é de minha autoria, mas eu também sigo a 
numeração das sinopses-padrão agora em uso. Divirjo da ordem delas sempre que 
entendo ser isso adequado. Prestar atenção nas diferenças entre mim mesmo, Aland, 
Orchard e Huck-Greeven fornece pistas quanto em que locais dos evangelhos as 
discussões sobre ordem são significativas, mesmo que não entre, de forma alguma, 
nesse debate. Em casos em que os números de seção são acompanhados de letra, 
dividi o que a sinopse tem como unidade maior. Destaco também textos antigos 
e essenciais que discutem esses eventos ou que destacam os pontos do pano de 
fundo. Dessa forma, podemos perceber como esses textos evangélicos podem ter 
sido ouvidos no mundo antigo. Os que se interessam pelos detalhes desses textos 
podem seguir as referências ou examinar muitos desses textos em um volume 
subseqüente, The Jesus reader [Leituras sobre Jesus\,
N o ta s
1 Atos 2.22-24, o apóstolo Pedro em seu discurso em Pentecostes.
2 Duas sinopses de Kurt Aland — uma só com o texto grego dos evangelhos e a outra com o 
texto grego e inglês em páginas opostas — são as mais usadas hoje em dia. O sistema de 
numeração é o mesmo em ambos. A versão em grego somente é a Synopsis Quattuor 
Evangeliorum, 13th ed., Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1985- Ela usa a edição do 
texto grego de Nestle-Aland 26th e inclui citações dos primeiros pais da igreja sobre as 
passagens, tornando-a muito valiosa para os que podem trabalhar com o grego. A versão 
bilingüe grego-ingtês c a Synopsis ofthe Four Gospels, 2th ed., Stuttgart: United Bible Societíes, 
1975. Ela usa o texto grego da 26th edição de Nestle-Aland e a RSV para o inglês. A sinopse 
compilada por John Bernard Orchard também existe em dois formatos: A Synopsis ofthe 
Four Gospels, in a New Translation: Arranged according to the Two-Gospel Hypothesis and Edited 
by John Bernard Orchard\ Macon, Ga.: Mercer University Press, 1982; e A Synopsis ofthe Four 
Gospels in Greek: Arranged according to the Two-Gospel Hypothesis and Edited by John Bernard 
Orchard, Edinburgh: Clark, 1983- A sinopse compilada por Albert Huck foi, depois, revisada 
por Heinrich Greeven. Ela é essencialmente só em grego, com comentários explicativos em 
alemão e inglês: Synopse der Dreí ersten Evangelien, mitBeigabe der Johetnnetschen Parallelstellen, 
13th ed., Tübingen: Mohr, 1981.
O NASCIMENTO E INFÂNCIA DE JESUS 
A esperança da promessa 
(Mt 1—-2; Lc 1—2)
Os relatos de Mateus sobre a infância de Jesus armam o palco para o ministério 
de Jesus descrito no resto do evangelho, “definindo sua origem e objetivo”. Mateus 
constrói quase todo parágrafo depois da genealogia e antes do Sermão do Monte 
ao redor de, pelo menos, um texto das Escrituras. Ele, assim, nos convida a ler 
Jesus à luz das Escrituras, e as Escrituras à luz de Jesus -— reconhecendo assim 
que a pessoa e obra de Jesus são centrais para o caráter das Escrituras. Alguns 
sugerem que Mateus inventou os relatos da infância para corresponder aos textos 
bíblicos sobre Jesus, mas a evidência sugere que ele escolheu os textos bíblicos 
que correspondiam aos relatos. Mateus dificilmente cita os textos mais obviamente 
messiânicos aqui; ele, provavelmente, depende de tradições mais antigas para 
esses relatos.1
O relato do nascimento e infância de Jesus é uma celebração do amor de Deus 
por Israel, e, de fato, por toda a humanidade. Esse amor é manifesto mais 
brilhantemente na declaração repetida do cumprimento escatológico da promessa 
de Deus da redenção. Uma das características primárias dessa seção é seu elegante 
entrelaçamento dos relatos sobre João e Jesus, apresentando os dois de forma 
paralela.2
Essas citações acentuam como os inícios de Mateus e Lucas nos introduzem 
nos festivos temas associados com o nascimento e infância de Jesus. E significativo 
que só dois, dos quatro evangelhos, tratem desse tópico. Marcos começa seu 
evangelho com o ministério de João Batista, enquanto João começa com um grande 
prólogo que remonta ao começo do tempo e da criação, antes que a Palavra viesse 
à terra. Portanto, é possível contar a história da vida e ministério de Jesus sem 
discutir seu nascimento ou infância, mas a descrição do nascimento de Jesus que 
chegou até nós por Mateus e Lucas enriquece nosso entendimento de Jesus e de 
por que ele veio.
Embora tanto Mateus como Lucas apresentem o nascimento de Jesus,o fazem 
de ângulos distintos. Mateus conta a história da perspectiva de José, com forte 
ênfase sobre o cumprimento das Escrituras. Lucas apresenta o relato de uma 
perspectiva que destaca Maria. Os personagens de Lucas celebram com a linguagem
das Escrituras o amor de Deus pela humanidade. Em ambos os relatos, muito de 
cada caminhada e situação da vida são dominados pelo que acontece. Assim, 
vemos o relacionamento complementar de Mateus e Lucas à medida que eles 
apresentam seu relato do nascimento de Jesus cada um do seu jeito.
Tradicionalmente, usamos esses relatos no natal para apresentar como Jesus 
'Veio” ao mundo. Sob certos aspectos, essa leitura ganha a dianteira do relato. Ela 
lê o começo da história à luz do que aprendemos sobre jesus pelo fim da história. 
Mateus e Lucas, porém, não revelam tudo sobre Jesus no início de seus relatos 
(João utiliza mais a primeira abordagem). O que Mateus e Lucas apresentam em 
vez disso é um anúncio, uma chegada que está intimamente ligada ao desígnio de 
Deus de libertar a humanidade e realizar as promessas que ele fez nas Escrituras. 
Quando se lê o relato do nascimento como um desenvolvimento ou como eventos 
experimentados naquele tempo, o leitor e aqueles mais próximos dos eventos não 
tinham idéia de quanto estava envolvido no nascimento de Jesus. Esses experimen­
taram os eventos cuja plena riqueza eles só viriam avaliar depois que muitos dos 
fatos relatados ocorressem. Assim, a infância material prepara o cenário para o 
que seguirá, plantando as sementes de temas que desabrocharão à medida que os 
relatos prosseguem. E por isso que as Escrituras são tão proeminentes em ambos 
os relatos. As Escrituras explicam o que aparentemente era, no início, surpreendente 
e carente de explicação. Portanto, é importante ter em mente que essas aberturas 
de relatos introduzem a história mais que a concluem, como também a ancoram 
firmemente no plano e propósito de Deus por toda a história.
Quando estudamos os relatos do nascimento de Jesus, a tendência é sentir-se 
atraído para questões sobre os elementos sobrenaturais e perder a ênfase da 
mensagem no processo. O mundo moderno não tem lugar para nascimentos 
virginais, anúncios angélicos, cumprimentos proféticos e estrelas-guia. Mas ler os 
evangelhos é algo complicado. Alguns que lêem esses relatos vêem só o que querem 
ver ou o que já decidiram que é possível, excluindo o resto. Eles vêem só as coisas 
naturais que acreditam serem comuns a todos os nascimentos e ignoram o sobre­
natural. Essa leitura modernista reduz o Jesus apresentado aqui largamente a uma 
metáfora, cuja experiência é bem parecida com a nossa. Tragicamente, descarta-se 
um Deus ativo fazendo coisas incomuns para indicar a natureza incomum desse 
nascimento antes mesmo que o texto seja estudado. Mas essa nao é a leitura que 
os evangelistas fornecem. Eles enfatizam a natureza incomum daquele cujo 
nascimento é relatado. De fato, Mateus e Lucas, bem como Marcos, usam o resto 
de seus evangelhos para mostrar o quão incomum ele realmente é.
Para aqueles de nós que crêem que os eventos miraculosos do relato ocorreram, 
ainda existe o perigo de que nossos esforços para defender a historicidade dos 
relatos nos desviem de uma real leitura do texto. Podemos perder as mensagens 
que vem do relato com as ênfases que os evangelistas deram a ele. Nossa atitude 
apologética de defesa dos aspectos mais miraculosos desses textos pode nos desviar 
de ler e ouvir o verdadeiro conteúdo do relato. E como ver um filme e debater se 
os eventos sao possíveis antes de prestar atenção ao conteúdo que o diretor narra.
Embora seja verdade que Jesus veio com muitos sinais para indicar quem ele era, 
sinais que incluíam seu nascimento singular, o foco desses relatos nunca é 
simplesmente sobre quem Jesus é ou como ele nasceu. No material da infância, 
quem Jesus é e como ele nasceu não estão separados da declaração sobre o que ele 
fará em favor da humanidade. Nessas duas narrativas da infância, celebra-se 
antecipadamente sua ação em favor dos necessitados. E por isso que um estado de 
espanto e adoração acompanha a descrição desses eventos singulares.
1 . O p r ó lo g o d e 1L ucas
(Lc 1.1-4) (Aland §1; Orchard §1; Huck-Greeven §5)
Somente um escritor de evangelho nos diz por que escreve antes de nos apresentar 
seu evangelho. Enquanto que João deixa sua explicação para o fim de seu evangelho 
(Jo 20.30,31), Marcos simplesmente apresenta, em seu evangelho, uma curta 
introdução identificando sua abertura como o “princípio do evangelho de Jesus 
Cristo, o Filho de Deus”. Mateus começa seu relato com a genealogia de Jesus.
A abertura de Lucas com um prólogo é um jeito muito formal e literário de 
começar seu evangelho.3 E uma forma literária antiga comum. Obras, tanro judaicas 
como greco-romanas, habitualmente começam com prefácios para preparar os 
leitores para o que se segue. Pode-se ler 2Macabeus 2.19-32, o prefácio de 
Antigüidades de Josefo 1-4 §§ 1 -26, e a Carta de Aristéias 1 -8 para ver como eram 
os prólogos antigos e como variavam em extensão.4
Lucas informa que ele não é o primeiro a escrever, mas que outros, ainda 
anônimos, houve antes dele (Lc 1.1). O que esses predecessores escreveram foi 
“um relato dos fatos que se cumpriram entre nós”. Mas houve um estágio de 
anúncio que veio antes do registro desses eventos, Esse estágio envolveu a 
transmissão oral da apresentação desses eventos por “testemunhas oculares e ser­
vos da palavra”. Aqui está a tradição base, fundada em relatos de testemunhas 
oculares feitos à igreja. Eles estavam na base dos relatos que Lucas menciona no 
versículo 1 e na base de sua própria obra também. Lucas procura reunir essa tradição 
de anúncio de Jesus. Ele faz isso como um inovador, porque somente ele produzirá 
uma continuação que liga essa história à da igreja primitiva (At 1.1,2). Dessa 
forma, Lucas sentiu que as obras anteriores necessitavam de um complemento. 
Assim, no livro de Atos ele mostrará a conexão inerente entre o ministério de 
Jesus e o da igreja primitiva.
Em Lucas 1.3, o evangelista destaca que ele foi cuidadoso em seu trabalho. 
Ele procurou seguir essas coisas de perto. Há alguma controvérsia sobre se Lucas 
discute, em seguida, a extensão de sua pesquisa (conforme a ARC, “havendo-me 
já informado minuciosamente de tudo desde o princípio”) ou o ponto de partida 
de seu evangelho (conforme a NV1, “Eu mesmo investiguei tudo cuidadosamente, 
desde o começo”). Qualquer uma dessas versões é gramatical e conceitualmente 
possível. A natureza da narrativa, ao começar com João Batista, e a idéia de remontar 
às origens pode favorecer a opção de voltar ao início, mas a escolha aqui não é 
evidente.
O que Lucas procura escrever é um relato ordenado. Essa necessidade não 
significa ordenar o relato cronologicamente. Lucas pode falar de ordem de várias 
maneiras. Por exemplo, na seção da jornada para Jerusalém, Jesus está no norte 
em sua partida em Lucas 9.51,52, quando ele parte resolutamente para Jerusalém. 
Depois, em Lucas 10.38-42, ele come na casa de Marta e Maria, que João parece 
colocar em Betânia, no sul (Jo 12.1,2). A seguir, em Lucas 17-11, Jesus está viajando 
junto à fronteira de Samaria e Galiléia, de novo no norte. Parece claro que Lucas 
não pensa aqui em uma jornada geográfica reta para Jerusalém, mas pretende 
descrever uma jornada de destino divino para Jesus encontrar sua morte anunciada. 
Outro exemplo é o sermão pregado na sinagoga de Nazaré por Jesus, em Lucas 4,16- 
30, que se refere ao ministério passado em Cafarnaum, em 4.23, mesmo que 
Jesus ainda não tenha estado em Cafarnaum nesse evangelho. Ao contrário, ele 
vai para lá na passagem seguinte, em 4.31-44. Assim, esse acontecimento da 
sinagoga parece ser posicionado ali com o objetivo de resumir esse período de 
ministério ao usar uma cena representativa. Esses exemplos sugerem que a ordem 
pode dizer mais respeito ao desenvolvimento geral do ministério que com a 
cronologia rigorosa. Lucas fará um relatode forma ordenada, para que o 
desenvolvimento do plano de Deus para a salvação fique bem evidente.
O relato de Lucas deve dar segurança a Teófilo sobre as coisas que lhe foram 
ensinadas. O fato de que se dirige a Teófilo, com o respeitoso tratamento de “ó 
excelentíssimo”, mostra que ele é provavelmente um homem de alguma posição 
social, possivelmente um oficial de alta patente. O fato de que Teófilo fora ensinado 
anteriormente indica que ele não é alguém que procura se tomar cristão, mas que 
precisa de encorajamento em sua caminhada cristã. Os numerosos temas no 
evangelho sobre discipulado e manutenção da fé até o fim também sugerem essa 
conclusão. Assim, o prólogo de Lucas explica que seu evangelho é escrito para dar 
segurança a alguém sobre quem a pressão, devido à fé que professa, está aumentando. 
A esperança de Lucas, ao mostrar como Jesus cumpriu a promessa de Deus, parece 
ser que a leitura do evangelho reforce a fé do destinatário de seu relato.
2 . G e n e a lo g ia d e J e s u s e m M a te u s
(Mt 1.1-7) (Aland §6; Orchard §4; Huck-Greeven §1)
Poderíamos prosseguir com o relato de Lucas aqui porque ele se volta, em 
Lucas 1.5-25; para o anúncio do nascimento de João Batista, um evento que 
precede o nascimento de Jesus. Entretanto, abordaremos primeiro o começo de 
Mateus por causa da função narrativa que ele tem. Mateus começa com a genealogia 
de Jesus antes de tratar de seu nascimento. Aqui, começamos a mostrar como 
Mateus e Lucas, embora ambos comecem com a infância de Jesus, fazem seu 
relato de maneiras distintas. Mateus centraÜza-se na história das origens de Jesus, 
enquanto Lucas recua e coloca Jesus no contexto do ministério precursor e função 
preparatória de João Batista. Lucas argumenta que a função de João Batista começou 
mesmo antes que ele ministrasse publicamente. Marcos, de forma notável, começa 
no mesmo ponto que Lucas, com João Batista, mas o fará de forma diferente,
retomando o relato anos mais tarde, no ponto de preparação para o ministério 
efetivo de Jesus.5 Até a forma de abertura dos evangelhos mostra seu caráter 
complementar.
Mateus 1— 2 estrutura-se, por intermédio da Escrituras e da lista genealógica, 
ao redor de indicações de cumprimento. Seu primeiro capítulo explica quem 
Jesus é (descendente de Davi e Abraão, Emanuel [isto é, Deus conosco]; e 
governante e pastor no capítulo 2), enquanto o capítulo 2 explica como as conexões 
geográficas de Jesus (Belém na Judéia, Egito, Ramá, Nazaré) também apontam 
para o cumprimento de promessas do Antigo Testamento.
A genealogia de Mateus é culturalmente importante. Genealogias são signifi­
cativas porque comunicam a posição e status social da pessoa. A linhagem de uma 
pessoa, se proeminente, evidencia sua importância. Assim, o fato de que a linhagem 
de Mateus apresenta personagens bíblicos — como Salomão, Davi, Judá, Jacó, 
Isaque e Abraão — une Jesus aos grandes da nação. A genealogia de Mateus difere 
em direção e escopo da de Lucas. Mateus começa com os ancestrais e vem até o 
presente, enquanto Lucas vai do presente para o passado. Mateus começa com 
Abraão, destacando como essa linhagem se relaciona a Israel; Lucas vai até Adão, 
acentuando a universalidade de Jesus e ligando a criação de Adão à geração da 
humanidade por Deus. Essa ênfase na origem compartilhada da humanidade 
lança o fundamento para o interesse de Lucas em todas as nações, o que indica a 
unidade básica da humanidade como filhos de Deus.
A genealogia de Mateus tem uma estrutura clara. Como na maioria das 
genealogias, ela é estabelecida com um foco patriarcal. O termo “gerou” (NV1) 
ou “foi o pai de” (BS) não se refere necessariamente ao ancestral mais recente, mas 
pode saltar gerações. A genealogia de Abraão é traçada com simetria retórica porque 
há uma estrutura de catorze gerações: Abraão até Davi, Davi até a deportação e da 
deportação até Cristo (v. 17). A última lista tem treze nomes, enquanto que as 
duas primeiras são comprimidas para catorze cada.6 O significado desse número 
é discutível. Ele pode ser um exemplo de gematria, em que um número baseado 
nas letras hebraicas indica um nome, porque “Davi”,Tn, (4+6+4 = 14), dá catorze. 
Os que discordam desse ponto acham que isso é muito sutil para qualquer leitor 
grego, mas é possível, dados os interesses judaicos do livro. Outras sugestões sao 
que o equilíbrio é retórico e sugere que Jesus veio no tempo certo, como também 
que a lista é equilibrada por motivo de memorização, ou que o equilíbrio é mais 
geral. Uma última opção é que a casa davídica subiu ao poder na primeira divisão, 
caiu no final da segunda e agora reaparece na terceira.7 Algum tipo de conexão 
com Davi é provável, e uma combinação da primeira com a última explicação é 
bem possível.
A genealogia de Mateus tem um par de importantes desvios que são afirmações 
importantes sobre Deus. Primeiro, embora as listas sejam patriarcais, em quatro 
pontos-chave elas se desviam da norma ao mencionar mulheres: Tamar, Raabe, 
Rute e a mulher de Urias (= Bate-Seba). Essas mulheres ou estavam envolvidas em 
relacionamentos sexuais questionáveis (Tamar com Judá [Gn 38]; Raabe por
profissão [Js 2]; Bate-Seba com Davi [2Sm 11] ou representam a surpreendente 
presença de mulheres gentias (Raabe; Rute [Rt 3]). Todas elas têm ligação com 
rumores de ilegitimidade.8 A exposição consciente dessas dimensões mostra que a 
obra de Deus inclui gente de todo tipo de antecedentes e raças. Assim, mesmo 
que a genealogia seja nacional e davídica, a sugestão de que o relato tem um 
escopo mais amplo está presente nessas surpreendentes inclusões - não só de 
algumas mulheres, mas mulheres com esses antecedentes variados.
Segundo, Mateus apresenta a genealogia de José como o direito legal que 
Jesus tem ao trono davídico. Em parte, esse direito vem por intermédio de sua 
presença na casa de José. Nao obstante, Mateus também deixa claro que a ligação 
biológica de Jesus com a família vem só por intermédio de Maria. No versículo 16, 
Mateus diz; “Maria, “da qual [f]ç, um pronome relativo feminino em grego] nasceu 
Jesus, que é chamado Cristo” (grifo do autor). Essa observação é a primeira dica 
que Mateus dá do caráter incomum, divinamente formado do nascimento de 
Jesus.[) A linhagem de Mateus, com suas muitas surpresas, mostra que o relato 
possui um caráter importante e incomum.
3 , O a n ú n c io d o m z s c im e n to d e J o ã o B a t is ta
(Lc 1.5-25) (Aland §2 ; Orchard §9; Huck-Greeven §6)
Para Lucas, o anúncio do nascimento de João Batista começa um paralelismo 
na apresentação que passa por Lucas 2.52. Aqui há cenas alternantes entre João e 
Jesus sobre sete tópicos, em que sempre se descreve Jesus de forma a mostrar sua 
superioridade a João. Esses tópicos são a apresentação dos pais (1.5-7/1.26,27), 
anunciação (1.8-23/1.28-38), a resposta da mãe (1.24,25/1.39-56), o nascimento 
(1.57,58/2.1-20), circuncisão/dedicação = fidelidade (1.59-66/2.21-24), resposta 
profética (1.67-79/2.25-39) e crescimento da criança (1.80/2.40-52, com duas 
notas desse tipo nos versículos 40 e 52). O objetivo de Lucas, ao mostrar o contraste 
entre o preparador do caminho e o próprio caminho, inclui tratar o relacionamento 
de João com Jesus.
O ponto de partida do relato é no lugar mais sagrado da nação, o templo. 
Zacarias ministra nos dias do rei Herodes. Os pais de João são descritos como 
justos, mas estéreis. Zacarias e Isabel vivem piedosa e fielmente (cf. Dt 6.25; 24.13; 
Is 33.15), mas agora, já idosos, eles não têm filhos. No midrashe judaico tardio, 
Genesis Rabbah 38.14 (23c) sobre Gênesis 11.29,30, Rabbi Levi observou que 
quando as Escrituras dizem “ela não tinha’, Deus deu a ela uma criança.10 A 
criança que nasce sempre é uma pessoa importante. Foi assim com Isaque, Sansao 
e Samuel (Gn 18.11; Jz 13.2,5; ISm 1— 2). O paralelo não é acidental. Ele indica 
que Deus está agindo novamente de maneiras que lembram os dias da antiguidade.
A nação tinha o dever de oferecer um sacrifício e oração coletivosduas vezes 
por dia: a primeira vez por volta das nove da manhã e a outra às três da tarde. 
Cerca de setecentos sacerdotes serviam duas semanas por ano, mas apenas uma 
vez na carreira de cada sacerdote ele teria permissão de ter uma função na 
apresentação do sacrifício nacional. As estimativas calculam o número de sacerdotes
durante esse tempo em alguns milhares.11 Isso era para dar essa honra a tantos sacer­
dotes quanto possível. Detalhes de como tais sacrifícios eram oferecidos, conforme 
descritos por analogia com as ofertas do sumo sacerdote, são achadas em m. Tamid 
5-7. Assim, nesse momento mais sagrado da carreira de Zacarias, Deus move-se 
para tratar ao mesmo tempo com a esperança da nação e o desapontamento de 
sua família.
A forma literária do que segue constitui um anúncio de nascimento comum 
no Antigo Testamento, incluindo as personagens acima mencionadas que nasceram 
de pais estéreis. Gabriel aparece para Zacarias e diz a ele que sua oração fora 
respondida. Em uma bela ambigüidade — porque a referência à oração é singular 
— a oração nacional, que teria incluído um pedido pela libertação nacional e o 
havia muito tempo abandonado desejo de uma criança sao fundidos em um. A 
criança receberá o nome de João. Seu nascimento trará alegria para muitos. Isso 
porque ele será grande diante de Deus, viverá piedosamente e será cheio do Espírito 
Santo desde sua concepção. Como um profeta clássico, sua função será trazer 
reconciliação espiritual para a nação, levando muitos do povo de Israel ao Senhor 
seu Deus. Ele agirá no poder e espírito de Elias, uma referência à pregação de João 
e a sua função no escaton\ a esperança era de que Elias seria parte dos eventos de 
restauração no fim, uma esperança insinuada em Malaquias 3.1 e afirmada explici­
tamente em Malaquias 4.5,6. Essa reconciliação com Deus também envolverá 
outros parentescos, quando pais e filhos são unidos, e os desobedientes são torna­
dos justos. Essa linguagem lembra esperanças expressas no período interbíblico. 
Eclesiástico 48.10 diz o seguinte sobre Elias: “Nas ameaças para os tempos futuros, 
você foi designado para apaziguar a ira antes do furor, a fim de reconduzir o 
coração dos pais até os filhos e reestabelecer as tribos de Jacó”. Assim, o relato de 
Lucas evoca maiores esperanças. João tem a missão de “deixar um povo preparado 
para o Senhor”. Essa linguagem sobre um povo preparado vem de Isaías 43.7. A 
referência é a Israel como o povo eleito, separado para Deus. A função de João é 
preparar Israel para o que Deus (o Senhor, nesse contexto) está para fazer. Assim, 
além de explicar como João se relaciona com Jesus, esse relaro mostra que Deus 
está de novo trabalhando em favor de seu povo.
Além do anúncio, há uma lição a ser aprendida sobre como Deus trabalha. 
Quando Zacarias pergunta como tudo isso pode acontecer, dada sua idade, o 
sacerdote indica que ele entende a biologia normal! Ele e sua esposa, já idosos, 
passaram da idade de gerar filhos. Gabriel observa, de fato, que um sinal será 
dado para acentuar o que foi anunciado, bem como para mostrar a mão de Deus 
nesses eventos. Zacarias “não poderá falar”, o que significa surdo e mudo (veja Lc
1.62,63), “até o dia em que isso acontecer”. O sinal é de juízo temporário, pois 
não creu no que Deus anunciou. Esses eventos serão cumpridos no tempo certo. 
Assim, Lucas sublinha um segundo tema nessa unidade: Deus fará o que ele 
promete, mesmo que as aparências sugiram outra coisa.
O cumprimento inicial e o início do sinal foram imediatos. Quando Zacarias 
sai do templo, ele é incapaz de pronunciar uma bênção. Ele volta para casa em
silêncio, para que pudesse contemplar o que Deus lhe disse naquele silêncio. O 
cumprimento também é registrado quando o texto relata que Isabel concebeu. 
Ela se retira para esperar a realização, mas há uma nota de alívio em como o 
Senhor desfez “a minha humilhação”. Essa forma de se expressar ecoa as palavras 
de Raquel quando concebeu José (Gn 30.23), e Isabel acrescenta uma terceira 
nota à cena. Esses eventos significam a remoção de um fardo doloroso.
4 . O a n ú n c io d o n a s c im e n to a M a r ia
(Lc 1,26-38) (Aland §3 ; Orchard §10; Huck-Greeven §7)
Gabriel também é enviado a Maria, descrita como uma noiva virgem de José, 
em Nazaré. Ele é da casa de Davi.12 A informação sobre contrato de casamento 
significa que as bodas se consumariam dentro de um ano. Com toda a probabi­
lidade, Maria está no inicio da adolescência, quando meninas judias geralmente 
se casavam.
De novo, a forma da passagem é um anúncio de nascimento, só que dessa vez 
haverá uma diferença singular na fonte da concepção. O anjo anuncia que Maria 
achou favor diante do Senhor como recipiente de um ato de graça. Ela também 
conceberá e terá um filho, cujo nome será Jesus. Essa criança será grande, como 
João, mas a descrição aqui é irrestrita em contraposição a de João, em 1.15, que 
descreveu João como “grande aos olhos do Senhor”. Jesus será Filho do Altíssimo. 
Esse título é, portanto, explicado em termos de reinado. Provavelmente, no ínícío, 
entendeu-se o anúncio como descrição do rei de Israel, não como uma clara 
referência à filiação ontológica associada com a Trindade, porque a criança é 
associada com o trono de seu ancestral Davi. A referência ao trono é uma descrição 
do fato de que ele governará como um rei davídico (tronos são onde reis se sentam 
e governam). Ele descreve uma função de autoridade que Deus dá para Jesus, 
Autoridade é um tema importante da tradição do evangelho sobre Jesus. Nesse 
contexto escatológico, em que se mostra que João é como Elias, a referência a 
Jesus descreve uma função messiânica. Jesus reinará sobre a casa de Israel (“o povo 
de Jacó”) para sempre. Seu Reino não terá fim. Assim, o anúncio ê da chegada da 
era escatológica da libertação pelo governante prometido. E a esperança havia 
muito tempo mantida pela nação. A linguagem nacionalista assemelha-se a Salmos 
de Salomão 17— 18, em que se antecipa um libertador nacional régio. A linguagem 
não é “cristianizada” aqui, mas se encaixa no ambiente judaico original. Os temas 
que a narrativa de Lucas desenvolverá referem-se à descrição do messiado de Jesus 
e quem ele combate.
Maria obviamente entende o anúncio não em termos do que o futuro 
casamento trará, mas em termos de algo que acontecerá no futuro próximo, porque 
ela observa que no momento nao tem marido. A resposta é simples. A promessa 
será cumprida, c é o Espírito de Deus que virá sobre ela e a cobrirá “com sua 
sombra”. Portanto, essa criança será chamada santa — isto é, vista como separada. 
Ele será o Filho de Deus. Exatamente o que tudo isso significa — e sugere-se muito 
aqui, embora isso não seja relatado — é o que Lucas deseja explicar em seu evangelho.
Aqui, Lucas afirma a obra criadora de Deus no ventre de Maria; e isso ele faz sem 
nenhuma citação do Antigo Testamento, em contraste com Mateus 1.23.13
Maria também recebe um sinal: a gravidez de sua parenta Isabel. Nunca se 
menciona o exato relacionamento aqui. Entretanto, afirma-se que Isabel já está 
em seu sexto mês. O anúncio e o sinal são indicações de que “nada é impossível 
para Deus”. Da mesma forma que Deus mostrou a Zacarias, assim também Maria 
pode saber que Deus realizará o que promete.
A resposta de Maria é exemplar, embora sua situação será causa de embaraço. 
A narrativa nao desenvolve a situação difícil em que essa circunstância coloca Maria, 
mas os que contemplam o que a narrativa antecipa podem ver o embaraço de sua 
situação nesse nascimento aparentemente “prematuro”. (As narrativas habitualmente 
esperam que nós “preenchamos as lacunas” com o que conhecemos culturalmente. 
João 8.41, explicitamente, traça as alusões que surgem em relação ao nascimento 
de Jesus, a saber, que ele foi filho ilegítimo.) Não obstante, ela responde com 
confiança: “Eis que sou serva do Senhor; aconteça comigo conforme a sua palavra”. 
Nessa reposta Maria torna-se um exemplo de confiança, um instrumento dispostonas mãos de Deus para fazer a vontade do Senhor como ele instruir. A nota de 
piedade serve para recomendar esse membro da família de Jesus. Suas raízes vem 
do povo que seguiu a Deus.
5 . A v is i ta d e M a r ia a I s a b e l
(Lc 1.39-56) (Aland §4; Orchard §11; Huck-Greeven §8)
Essa unidade realmente consiste em duas partes: a visita (1.39-45) e o hino 
conhecido como o Magnificat (1.46-56) (esse nome vem da primeira palavra do 
hino em sua versão latina). A visita funciona como uma ponte para a narrativa. 
Os personagens que representam João e Jesus finalmente se encontram. Quando 
as duas se cumprimentam, João, ainda no útero, serve como testemunha e agita- 
se dentro de Isabel (w. 41,44), Esse ato reflete o cumprimento inicial da observação 
de que João seria cheio do Espírito desde o ventre de sua mãe (1.15). Isto representa 
outra indicação de que a palavra de Deus se realizará. Isabel, cheia do Espírito, 
estende uma benção a Maria e a seu filho. Ela também expressa admiração de que 
possa participar nesse evento tão importante. Lucas gosta de se regozijar na alegria 
desses eventos. A submissão de Isabel aparece na forma em que ela se dirige a 
Maria como “a mãe do meu Senhor”. Assim ela reconhece a posição superior de 
Jesus. Lucas enfatiza que a benção veio porque Maria é “aquela que creu que se 
cumprirá aquilo que o Senhor lhe disse”. A ênfase para o leitor é para crer no que 
Deus prometeu, como Maria o fez.
A canção de louvor de Maria vem em duas partes (1.46-49; 1.50-56). A 
primeira parte descreve a razão para o louvor em termos da experiência pessoal de 
Maria, enquanto a segunda parte explica os princípios teológicos mais amplos 
operando para Israel e o povo de Deus. O hino é outra informação de Lucas sobre 
a disposição e a emoção ligadas a esses eventos. O hino é um Salmo de louvor 
padrão, em que se faz um chamado para louvar a Deus e depois se explica por que
tal louvor é apropriado. A dependência da linguagem de louvor do Antigo Testa­
mento sugere que esses eventos são paralelos a grandes eventos da Antiguidade. A 
linguagem lembra várias expressões do Andgo Testamento, enquanto sua função 
é como a da canção de Ana em iSamuel 2.1-10. (Observe o quanto se alude ao 
Antigo Testamento nesse hino: v.48, ISm 1.11; v. 49, SI 111.9; v.50, SI 103.13,17; 
v.51, SI 89.10 [um Salmo real]; 2Sm 22.28; v.52, Jó 12.19;5.11; v.53, ISm 2.5; SI 
107.9; v.54, Is 41.8; v.55, Mq 7.20; Gn 17.7; 22.17; 2Sm 22.51).
Maria declara que ela será abençoada porque gerações futuras apreciarão como 
Deus alcançou essa humilde serva. Deus é santo — isto é, único — porque ele 
exerceu poder em favor dela, algo que ninguém mais poderia fazer.
Não só o poder de Deus está operando, mas também sua misericórdia é 
aquela que Deus estende a todos que o temem, de geração em geração. Ora, o 
hino descreve como Deus trabalha em geral. E faz isso usando verbos no passado 
(tempos aoristos em grego) para descrever eventos que ainda estão no futuro. A 
realização da palavra e da promessa de Deus é muito certa. O poder de Deus se 
estende à humanidade de uma forma particular. Ele afugenta os orgulhosos e 
derruba os poderosos. Os “humildes” são exaltados. Os ramintos são saciados, 
enquanto os ricos são mandados embora de mãos vazias. Lucas também desenvolve 
esse tema da vindicação última de Deus para os piedosos que sao explorados no 
mundo. A “reviravolta escatológica” presente no hino, em que o pobre por fim é 
exaltado, se mostrará na esperança do sermão de Jesus na sinagoga, em Lucas 
4.16-30, e nas bênçãos e ais do Sermão da Planície (6.20-26). A atividade tem 
suas raízes no relacionamento especial de Deus com o seu servo Israel. Sua miseri­
córdia se estende a eles e está enraizada em antigas promessas dadas a Abraão e sua 
posteridade para sempre. Deus age por causa de seus compromissos pactuais, 
promessas feitas que eíe cumprirá. Maria expressa o coração de uma crente piedosa 
no Deus de Israel. O que Deus está fazendo é parte de uma herança estabelecida 
há muito tempo. Maria, antes de voltar para a casa, continua com Isabel por três 
meses, aparentemente até pouco antes do nascimento de João.
6 . O n a s c im e n to d e J o ã o B a t i s ta e o lo u v o r p o r s u a c h e g a d a
(Lc 1.57-80) ( Aland §5; Orchard §12; Huck-Greeven §9)
Esta seção, na qual Lucas retorna a João Batista, também contém duas unidades 
(1.57-66; 1.67-80). Na primeira unidade, Zacarias vai contra a convenção cul­
tural e obedece à instrução angelical de chamar a criança de João. O nascimento 
da criança é visto como um ato de misericórdia de Deus, em virtude da idade dos 
pais. Quando Zacarias e Isabel levam a criança para a circuncisão, demonstrando 
que sao judeus piedosos, Isabel escolhe o nome João, e a multidão volta-se para o 
pai para ter certeza de que esse nome é correto, porque nenhum de seus parentes 
tem esse nome. Zacarias, ainda surdo e mudo, escreve em uma tabuinha que João 
deve ser o nome, surpreendendo, desse modo, a todos. Uma coisa Zacarias aprendeu 
nesse período de silêncio forçado, é que ele devia crer na palavra de Deus e obedecê- 
la. Imediatamente, sua língua se solta. Ele começa a louvar a Deus. O caso deixa
uma impressão sobre as pessoas da região, das quais se diz que ficam cheias de 
temor. Os eventos levantam a questão que a narrativa de Lucas tenta resolver: “‘O 
que vai ser este menino?’ Pois a mão do Senhor estava com ele”. O hino que 
segue, conhecido como o Benedictus (de sua palavra de abertura na versão latina), 
começa a responder a essa questão com uma segunda nota de louvor formal nesse 
material sobre a infância.
O hino é um salmo de louvor na forma e também, como o Magnificat, vem 
em duas seções (1.68-75; 1.76-79). A primeira seção é o chamado geral para 
louvar, enquanto a segunda seção se dirige diretamente à criança e fala de sua 
função no plano de Deus. Zacarias, como Isabel, mais cedo, em 1.41, fala “cheio 
do Espírito Santo”. Sua palavra profética inclui uma expressão de louvor. De 
novo, a esperança do Antigo Testamento é proeminente. O Senhor Deus de Israel 
é bendito por visitar e redimir seu povo (v.69). A linguagem lembra IReis 8.15, 
em que Salomão agradece pelo cumprimento da promessa de Deus, a saber, de a 
nação ter construído uma casa para Deus (cf. IRs 1.48; SI 41.13; 72.18; 106.48). 
Há um símbolo de poder, um chifre de salvação, que se levantará da casa de Davi, 
o servo de Deus (SI 89.24; lC r 17.4 tem essa descrição de Davi ). O que Deus 
está fazendo cumpre sua palavra por intermédio dos profetas para salvar Israel de 
seus inimigos e das mãos de todos que o odeiam. Exatamente quem é incluído 
nessa grande batalha contra o povo de Deus é o que o resto da narrativa detalha, 
em que, em última instância, estão em vista os oponentes espiritual e material.14 
Zacarias vê Deus como aquele que mantém os compromissos pactuais sagrados 
por meio do que ele está para fazer. A linguagem lembra Salmos 106.10,45,46. A 
ação de Deus também reflete sua “misericórdia”, um termo que aparece cinco 
vezes nesse capítulo (1.50,54,58,72,78). Ao ver a misericórdia de Deus para com 
os pais, conforme fundamentada no juramento a Abraão, o hino indica que Deus 
cumpre sua palavra, mesmo que leve muito tempo para acontecer a realização (SI 
105.8,9; Gn 17.7). Essa salvação é empolgante para Zacarias, porque libertará a 
ele e àqueles que, como ele, servem a Deus sem medo em santidade e retidão por 
todos os seus dias. Esse desejo de servir revela o coração de um exemplar seguidor 
de Deus.
Portanto, quem é João? A segunda seção revela que essa criança é um profeta 
do Altíssimo que “irá adiante do Senhor, para lhe preparar o caminho”. A linguagem 
aquí lembra Isaías 40.3-5, que o evangelista cita em Lucas 3.4-6.
O efeito do ministério de João é dar ao povo de Deus o conhecimento da 
salvação, mediante o perdão de seus pecados. Essa obra descreve o trabalho e 
ensino de João, não de Jesus, para quem ele prepara o palco. Todo o ministério de 
João fundamenta-sena compaixão misericordiosa de Deus. Parte dessa compaixão 
enviará a “o sol nascente”.15 A palavra grega para “o sol nascente” pode aqui ser 
entendida de forma dupla, já que sua raiz semítica pode significar “ramo” ou 
“broto”, bem como “luz”, mas nesse contexto a imagem da luz é dominante. O 
Messias que vem é luz cuja visita (v, 68) representa a vinda da iluminação a um 
povo imerso nas trevas e morte. Sua obra os guiará para o caminho da paz. Paz é
outro dos temas importantes de Lucas (Lc 2.14; 7.50; 8.48; 10.6; 19.38, 42; At 
10.36). Assim, esse hino é um comentário sobre a forma como João prepara para 
a obra de Deus, que será mediada pela vinda do prometido, que age como uma 
luz para guiar “no caminho da paz”.
7 . A p r e o c u p a ç ã o d e J o s é c o m a c o n d iç ã o d e M a r ia e o 
a n ú n c io f e i t o a e le
(Mt 1.18-25) (Aland §7; Orchard §5; Huck-Greeven §2)
Mateus 1.18-2.23 consiste de uma apresentação da infância de Jesus em relação 
a cinco textos do Antigo Testamento. Em cada caso, Mateus, como narrador, 
indica a forma em que o evento cumpre as Escrituras. As fórmulas de cumprimento 
variam: 1.22 (Is 7.14), “Tudo isso aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor 
dissera pelo profeta”; 2.5 (Mq 5.2), “pois assim escreveu o profeta”; 2.15 (Os
11.1), “E assim se cumpriu o que o Senhor tinha dito pelo profeta”; 2.17 (Jr 
31.15), “Então se cumpriu o que fora dito pelo profeta Jeremias”; e 2.23 (nenhum 
texto específico, mas provavelmente um tema sobre alguém de um lugar 
desprezado), “Assim cumpriu-se o que fora dito pelos profetas”. Em cada caso, 
entretanto, declara-se o que é dito vem “por meio” (ôlcc) do(s) profeta(s), de forma 
que o autor último do que é dito é Deus. Cada texto diz algo sobre Jesus ou a 
forma de sua vinda: “Deus conosco”, pastor de Israel, “meu filho”, sofrer sem 
razão pela nação que o rejeita, o “Nazareno” (rejeitado). Mateus, por fim, 
argumenta que Jesus recapítula o padrão da experiência de Israel enquanto também 
o apresenta como a esperança de Israel.
E nesse contexto de cumprimento que devemos ver o anúncio feito a José e a 
instrução do anjo para que ele nao abandonasse Maria. O próprio fato de que esse 
texto apresenta esse dilema em termos de quão “embaraçosa” a situação parecia a 
José é significativa. Assim, conforme o relato “antes que se unissem, achou-se 
grávida...”. Por um lado, José é um homem sensível que não quer envergonhá-la. 
Por outro lado, a honra, tão importante nessa cultura, praticamente exigiria a 
procura de uma esposa, em potencial, mais confiável. Ele quer poupá-la de um 
julgamento público vergonhoso, conforme o que é descrito em m. Sopah 1.1, 5; 
5.1.16 Ele preferiu fazer algo secretamente. Esses detalhes nos dizem algo sobre o 
caráter de José e fazem parte do retrato que a narrativa de Mateus nos dá dele.
Os planos de José são interrompidos por um sonho. Essa é uma das 
intervenções nesses dois capítulos (2.12,19,22). Deus trabalha nesses eventos para 
conduzir e guiar. Um anjo, que nao foi identificado nem nomeado, instrui José a 
aceitar Maria como sua esposa. A explicação é que ela concebeu ‘pelo Espírito 
Santo” (a frase €K Trveú|J,on:oç;... «yiou é repetida, retirada de 1.18). José é tratado 
explicitamente como o filho de Davi, pois o autor destaca o tema davídico já 
mencionado na genealogia. Portanto, segue um anúncio de nascimento padrão, 
semelhante, em forma, àquele em Lucas, quando este relata os anúncios a Zacarias 
e Maria. Mateus, entretanto, tem uma característica a mais, uma explicação para 
o nome de Jesus: “porque ele salvará o seu povo dos seus pecados”. Nesse contexto,
José pode bem ter percebido essa informação como uma promessa de libertação 
política, porque a crença judaica era que seu exílio era o resultado se seu pecado e 
infidelidade ao pacto como um povo. Observamos, anteriormente, Salmos de 
Salomão 17— 18, em que um redentor político vem trazer vitória e purificar a 
nação de sua infidelidade. O relato de Mateus chega a ponto de mostrar como há 
muito mais em Jesus do que o que se esperara. Isso certamente foi como Zacarias 
entendeu um anúncio semelhante, mas anterior.
Mateus fecha essa seção indicando como esse evento cumpre as Escrituras. 
Debate-se atualmente o texto de Isaías 7.14. Isso é porque no ambiente original 
nao parece haver predição de um nascimento virginal. Antes, a referência naquele 
contexto parece ser a uma criança designada como um sinal para o rei Acaz. Essa 
criança chegará à maturidade somente após alguns juízos terem acontecido para 
Acaz. Mas o texto é apropriado por duas razões. A primeira, Mateus está apelando 
a um padrão como aquele da antiguidade. Jesus é uma criança-sinal, como aquela 
criança do passado. Como aconteceu na situação original, Deus daria o sinal e, 
todavia, preservaria a linhagem de Davi. A segunda, essa criança seria Emanuel, 
não no sentido literal de que este foi o nome que lhe deram, mas no sentido de 
que Jesus é “Deus conosco”, exatamente como o texto explica. A presença de Jesus 
representa a presença de Deus e sua atividade em favor deles, como os eventos do 
nascimento indicam. Assim, a citação revela mais que só o nascimento miraculoso 
de Jesus de uma virgem (ri TTCtpGéi/oç). O recurso a Isaías 7.14 indica a renovação 
da atividade de Deus dentro da linhagem davídica de uma forma que demonstra 
como Deus é “ Deus conosco”. Aqui, Mateus diz o que Zacarias disse com palavras 
diferentes quando ofereceu um louvor pelo fato de que “o Senhor, o Deus de 
Israel, [...] visitou e redimiu o seu povo. Ele promoveu poderosa salvação para 
nós, na linhagem do seu servo Davi” (Lc 1.68,69). Em outras palavras, embora 
Mateus e Lucas digam isso em situações diferentes e de forma complementar, eles 
dizem a mesma coisa sobre o nascimento de Jesus.
Quando fecha a unidade, Mateus registra a obediência de José. Aqui há um 
paralelo complementar da descrição de Lucas sobre a obediência de Maria. José 
recebeu Maria como sua esposa apesar das aparências. Ele evitou consumar o 
casamento até que a criança nascesse. A criança foi chamada Jesus, como o anjo 
instruíra em Mateus 1.21.
8 . O n a s c im e n to d e J e s u s e m B e lé m
(Lc 2 .1-7) (Aland §7; Orchard §130; Huck-Greeven §ioa)
Lucas informa que o que trouxe Jesus a Belém foi um recenseamento ordenado 
por César Augusto. Esse recenseamento tem sido fonte de muita controvérsia, 
porque muitos entendem que Lucas errou ao mencionar um recenseamento no 
tempo de Quirinius, geralmente datado em 6 d.C., muito tarde para o nascimento 
de Jesus. Mas as opções concernentes ao recenseamento e ao tempo que teria sido 
necessário para ser realizado por completo sao fatores que podem bem mostrar 
que as informações de Lucas são corretas.17 Assim, José e Maria, como cidadãos
cumpridores da lei, viajam para Belém para serem registrados em um recensea­
mento que exigia que cada judeu fosse contado em sua terra natal. Isso enviou 
José para a cidade de Davi, Belém, “porque pertencia à casa e à linhagem de 
Davi”. Novamente, Lucas enfatiza as raízes reais da família dessa criança.
Entretanto, o nascimento dificilmente seria associado com o de um rei. O 
que é importante sobre o nascimento é sua absoluta falta de festejos. A criança, 
apesar de rodas as circunstâncias que cercam seu nascimento, é colocada no estábulo 
de um animal, provavelmente nascida em um quarto na parte mais externa de 
uma residência já lotada, a qual abrigava animais e famílias. Ele é colocado em 
uma manjedoura após o nascimento.18 Ninguém poderia imaginar um nascimento 
mais humilde, um que dificilmente seria criado pela imaginação se os detalhes 
desse nascimento fossem inventados. Assim, a própria humildade construída na 
cena aponta para a credibilidade do relato.
9 . A a d o r a ç ã o p e lo s p a s to r e s
(Lc 2.8-20) (Aland §8; Orchard §l3 b; Huck-Greeven §iob)
O relato de Lucas sobre o nascimento de Jesus está cheio de indicações de 
alegria e celebração. Nessa passagem, criaçãoe humanidade celebram juntas. Os 
pastores representam humanidade e, provavelmente, não a desprezada, embora 
estudiosos, com freqüência, afirmem que essa última é que é retratada. A evidência 
de pastores como pessoas desprezadas vem de fontes judaicas posteriores. Os 
pastores representam as pessoas das camadas mais baixas da sociedade e as humildes, 
conforme a informação em 2.38,52 e 4.16-18, que sugere quem essa mensagem 
beneficia. Está presente aqui ainda outra cena de anúncio, embora não de um 
nascimento iminente, mas de um que já aconteceu. Embora um anjo apareça, 
nao há motivo para medo. O comentário angelical nos diz que os pastores servem 
como testemunhas representativas em favor da humanidade, por que o anjo diz: 
“Estou lhes trazendo boas novas de grande alegria, que são para todo o povo”. O 
anúncio é que “lhes nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor”. O anúncio usa 
vários títulos para os quais Lucas tem nos preparado. A idéia de que Jesus é o 
Cristo vem de Lucas 1.31-33, enquanto a descrição dele como Salvador é o tema 
registrado em Lucas 1.68,69,78,79. O único título para o qual nao estávamos 
inteiramente preparados em termos de qualquer explicação prévia é “Senhor”. 
Esse título será essencial para Lucas; em Atos 2.36, ele aparece como o título- 
chave no discurso de Pedro, em Pentecostes. Seu significado é plenamente definido 
lá. Consumar seu significado é um dos objetivos do evangelho de Lucas.
Os pastores também recebem um sinal: um bebê enrolado em fraldas e deitado 
em uma manjedoura. Dificilmente, esse é o local onde se esperaria que estivesse o 
prometido. Essa é uma indicação inicial de que esse Messias não se enquadra às 
expectativas.
O louvor ecoa dos céus quando glória é dada a Deus. Quando Deus é honrado 
nos céus, declarações de paz ecoam na terra (veja 1.79), pelo menos para o povo a 
quem Deus favorece. Traduz-se com freqüência essa última parte desse louvor
celestial de uma forma que obscurece seu significado. Ele não é uma promessa 
geral de pa2 para toda a humanidade, mas, antes, é especificamente dirigido àqueles 
que são os objetos da boa vontade de Deus. Isso é uma forma de se referir ao povo 
de Deus, aqueles que o temem, porque ele trabalha graciosamente em suas vidas. 
No século I a expressão “povo de quem ele se agrada” era uma frase técnica para o
eleito de Deus (1QH 4.32-33 [= col. 12]; 11.9 [= col. 19]; Shemoneh Esreh,
benção 17, em que o povo de Deus sao aqueles que receberam os atos graciosos da 
misericórdia de Deus).
Os pastores foram ver o que o anjo anunciara. Eles encontraram as coisas 
exatamente como o anjo dissera: José e Maria, junto com o bebê deitado em uma 
manjedoura. A palavra de Deus se cumprc, conforme os sinais indicam. Os pastores 
compartilham o que o anjo lhes dissen» sobre a criança. E todos que ouviram as 
novidades “ficaram admirados”. Essa expressão, tm Luc .s, denota contemplação 
do que está acontecendo, mas não indica necessariamente crença ou compreensão. 
Maria também meditava sobre essas coisas. O relato de Lucas é da perspectiva 
dela. E bem possível que as raízes do que é descrito venha em última instância 
dela, quer diretamente quer por intermédio de atgaém como Tiago. A unidade 
termina com uma nota de alegria e louvor a Dei s, quando os pastores retornam 
com um sentimento de que fizeram parte de algo muito especial, pois os eventos 
ocorreram exatamente como lhes fora dito. Lucas, em todo o material sobre a 
infância, destaca a linguagem e o ensino bíblicos, ao apresentá-los como algo que 
explica o significado de eventos, supre as palavras de louvor ou oferece uma 
promessa que será plenamente cumprida um dia. Dados os exemplos da realização 
da Palavra divina dentro dos eventos de nascimento, podemos esperar que essas 
promessas remanescentes sejam cumpridas.
i o . N o te m p lo , u m a p a la v r a a o s p a i s o b e d ie n te s
(Lc 2 .21-38) (Aland §9; Orchard §14; Huck-Greeven §na)
Os pais de Jesus eram judeus fiéis. Eles o tinham circuncidado no oitavo dia, 
dando-lhe o nome que o anjo dissera que ele devia ter. Eles seguiram as leis de 
purificação após o nascimento (veja Lv 12.2-4)> assim eles foram ao templo trinta 
e três dias após a circuncisão para oferecer sacrifícios. O texto diz explicitamente 
que os sacrifícios sao para os dois, possivelmente porque José pode ter ajudado no 
parto, tornando-se cerimonialmente impuro. Eles também apareceram no templo 
porque uma lei exigia que o primogênito fosse dedicado ao Senhor (Ex 13.2,12,15). 
Tudo o que fizeram refletia sua piedade e fidelidade a Deus ao seguir sua lei. Os 
pais de Jesus não eram judeus renegados.
A família, durante esse tempo que passa no templo, encontra outro judeu 
piedoso, Simeão. Não nos é dito nada sobre ele, exceto que era justo e devoto, que 
esperava a libertação de Israel e que o Espírito estava sobre ele. E provável que ele 
fosse velho, porque o Espírito lhe dissera que ele não veria a morte até que tivesse 
“visto o Cristo do Senhor”. É o status messiânico de Jesus que Lucas novamente 
sublinha aqui. Simeão, pela direção do Espírito, encontra-se no templo, o mais
sagrado local religioso nacional. Ele toma a criança em seus braços e pronuncia a 
terceira peça hinológica dessa sessão introdutória de Lucas. O hino é conhecido 
como o Nunc Dimittis (de suas palavras iniciais na versão latina).
A missão de Jesus é apresentada, exatamente como Zacarias fizera para João 
Batista, em 1.69-77. A nota de aceitação do que Deus está fazendo serve para 
introduzir o leitor àquilo de que o Evangelho de Lucas como um todo se ocupará: 
ver a vontade e o desígnio de Deus na vida e carreira dessa críança. Os olhos de 
Simeão “viram a tua salvação, que preparaste à vista de todos os povos” (Lc 2.30,31). 
O plural Àctíôi' (“povos”) é significativo. A obra de Jesus é para toda a humanidade, 
formada como é de várias nações. Jesus é “luz”, uma observação que enfatiza a 
descrição dele como o sol nascente, em 1.78,79. Para as nações, ele é luz “para 
revelação”, enquanto para Israel, o povo especial de Deus que está no centro do 
plano desde o início, ele é “glória”. A obra de Jesus trará honra para a nação 
escolhida. Assim, uma indicação do amplo alcance da salvação aparece aqui.
Há mais nas palavras de Simeão. Quando os pais, novamente, ficam admirados 
com as recomendações não solicitadas sobre a criança, ele dá uma benção aos pais 
e adverte Maria de que isso não será sem dor. A críança dividirá a nação, porque 
ele “está destinado a causar a queda e o soerguimento de muitos em Israel”. Ele 
será um sinal de contradição porque, embora tenha vindo para a nação, muitos 
da nação o rejeitarão. Simeão compara o efeito da resposta da nação a uma espada 
perfurando a alma de Maria. Por meio disso tudo, a condição do coração do povo 
será exposta diante de Deus. Aqui está a primeira indicação de Lucas de que 
sofrimento e dor vêm com o dom da salvação.
Junto com o devoto idoso que agradece a Deus pela vinda de Jesus, uma 
mulher idosa e devota aparece, o que equilibra a passagem. Ela, a profetisa Ana, 
fora casada por sete anos. O texto pode muito bem sugerir que ela era uma viúva 
havia oitenta e quatro anos (veja a nota da NVI) e, nesse caso, ela teria mais de 
cem, como Judite, imortalizada no judaísmo por sua piedade (veja o livro de 
Judite). Sua devoção na viuvez era dirigida à adoração no templo, jejum e oração. 
Ela também agradeceu a Deus pelo que estava acontecendo, embora nada do que 
ela disse seja registrado além de que falou “a respeito do menino a todos os que 
esperavam a redenção de Jerusalém”. Assim, aqui está uma segunda nota de que 
essa criança vem trazer a promessa da nação de Israel para o mundo.
l i . A v is i ta d o s m a g o s a B e lé m
(Mt 2.1-12) (Aland §8; Orchard §6; Huck-Greeven §3)
A cena do Natal conhecida pela maioria de nós apresenta pastores e sábios 
reunidos ao redor da manjedoura, mas é muito improvável que isso seja o que é 
descrito nas Escrituras, Essa cena de Mateusparece ocorrer algum tempo depois 
do nascimento de Jesus, mesmo que Jesus seja descrito como um ™ lõloi', forma 
diminutiva de “criança”. Esse termo pode referir-se a recém-nascido (LXX, Gn 
17-12, oito dias de idade), mas quando Herodes ordena matar a criança, ele abre
uma janela de dois anos para assegurar que atingirá a criança. Isso sugere que os 
magos vieram até ele após a criança ter nascido e algum tempo já ter passado.
Mais importante para a história é que os magos são sensíveis ao testemunho 
na criação, a saber, a “estrela no oriente”, enquanto o “rei” em Jerusalém não o é. 
Na verdade, ele é hostil. Um objetivo importante desta unidade é mostrar esse 
contraste. O ponto de partida para os eventos nesta sessão não são os magos em si, 
mas um sinal vindo da criação, uma estrela que aparece para eles no oriente e leva 
esses estrangeiros a querer encontrar o ‘ rei dos judeus”, que nascera, e oferecer-lhe 
adoração. Esse anúncio certamente chocaria Herodes como uma ameaça, Tudo o 
que nos é dito sobre os magos é que eles vêm do oriente. Não fica claro se da 
Arábia, se da Babilônia ou se da Pérsia. “Magos” é um termo cujas raízes estão na 
Pérsia, enquanto que prestar atenção às estrelas estava associado com a Babilônia. 
Se há uma alusão a Isaías 60.6, então talvez a Arábia esteja em vista. Também não 
estamos certos quanto ao significado do termo “magos”. Aparentemente, ele in­
dica astrólogos, dada a sua atenção às estrelas. Menos apoio existe para a idéia de 
que eles sao sábios.19 O conteúdo de seus presentes apontam para a Arábia. 
Determinai de onde eles são não é tão importante quanto entender que eles vêm 
de fora de Israel. O que fica claro é que a iniciativa deles contrasta com a indiferença 
ou secreta hostilidade dos líderes de Israel. Aqui, Mateus indica que os de fora de 
Israel são sensíveis ao que Deus faz por meio de Jesus.
Quando as Escrituras são usadas como um guia, Belém na Judéia é que é 
identificada com o lugar de nascimento de Jesus. Míquéias 5.2 aponta para Belém 
como a fonte de um “governante sobre Israel. Suas origens estão no passado distante, 
em tempos antigos”. Céticos desafiam essa identificação e dizem que foi motivada 
por um interessepostfacto da apologética da igreja primitiva; a igreja simplesmente 
desejava fazer o nascimento de Jesus bater com as passagens messiânicas.30 Entre­
tanto, se a afirmação de Belém da Judéia fosse falsa, teria sido írácií desafiá-la ao 
indicar o lugar real do nascimento de Jesus, apontando para os locais alegados de 
Nazaré ou Belém da Galiléia. Mas esses evangelhos foram escritos cedo o bastante 
para que tais fatos não pudessem ser alterados sem serem desafiados por alguém 
que pudesse ter conhecido os fatos “reais”. Apesar das reivindicações em contrário, 
nao há evidência sólida de Jesus ter nascido em qualquer outro lugar que não 
Belém da Judéia.
A citação de Miquéias 5.2 é a mais direta de todas as citações de Mateus. Um 
ponto que ela comprova dramaticamente é que o rei daquele momento, cujas 
raízes eram iduméias, não é o mesmo que foi mencionado no texto antigo. Herodes 
responde à ameaça com um truque: uma vez que os magos tenham encontrado 
Jesus, eles devem informá-lo e ele se juntará àqueles que honram a criança. 
Entretanto, como eventos os subseqüentes mostram, a rejeição a Jesus por parte 
de círculos oficiais começa cedo.
Os magos, de fato, vão e prestam sua adoração. Não se menciona quantos 
eles eram. Muitos entendem que eram três, porque eles honram a criança com 
ouro, incenso e mirra. Eles o honram como um rei cuja chegada foi assinalada
pelo Deus dos céus. As respostas contrastantes dos magos (que são de fora) e de 
Herodes (que é da nação) são também uma importante nota introdutória para a 
abertura desse evangelho. Isso está em paralelo com o que Simeão sugeriu em 
Lucas 2.30-32: a vinda de Jesus causará impacto não apenas em Israel, mesmo 
que ele tenha vindo para ser o rei de Israel.
Assim como Deus dirige os eventos no início dessa cena, assim também ele 
age agora para proteger a criança. Os magos são advertidos em um sonho de que 
Herodes não deve ser informado sobre a criança. Portanto, eles vão embora sem 
revisitar o rei, um ato que por fim levará Herodes a mostrar sua verdadeira atitude 
para com a criança.
12. A r e e n c e n a ç ã o d a jo r n a d a d e I s r a e l: J e s u s d e sc e a o E g ito e 
v o lta a c o m p a n h a d o d e s o fr im e n to in ju s to
(Mt 2 .13-21) (Aland §10; Oi'chard §§7-8a; Huck-Greeven §4)
Em Mateus, duas das cinco citações veterotestamentárias sobre a infância 
aparecem nessa unidade. O enquadramento literário da unidade são as instruções 
paralelas nos versículos 13 e 20: “Levante-se, tome o menino e sua mãe, e fuja 
para o Egito / Levante-se, tome o menino e sua mãe, e vá para a terra de Israel”. 
Nesse ato, Jesus recapitula a história da própria nação, quando ela veio para Israel, 
vinda do Egito, na jornada original da redenção. Nos casos em que José recebe 
direcionamento, a instrução vem de um anjo por meio de um sonho, quando 
Deus protege seu filho especial. Os motivos da jornada da família para o Egito e 
do retorno de lá também têm um paralelo: versículo 13, “pois Herodes vai procurar 
o menino para matá-lo”, e versículo 20, “pois estão mortos os que procuravam 
tirar a vida do menino". Da mesma forma, a obediência de José em cada caso é 
registrada em uma linguagem praticamente idêntica no versículo 14, “Então ele 
se levantou, tomou o menino e sua mãe durante a noite, e partiu para o Egito”, e 
no versículo 21, “Ele se levantou, tomou o menino e sua mãe, e foi para a terra de 
Israel”.
A jornada de volta do Egito é antecipada com o registro do paralelo histórico 
do chamado original da nação para fora do Egito, em Oséias 11.1. Esse evento 
histórico do êxodo é posto em paralelo em um padrão redentor que Jesus 
empreende como representante da nação. Como tal, ele cumpre a passagem 
repetindo o padrão, uma repetição que aponta para o desígnio de Deus no padrão 
reconhecível de sua atividade salvadora. Dois outros pontos sobre a passagem são 
dignos de nota: (1) a localização, Egito, é parte de um padrão em Mateus 2, a 
saber, de registrar locais-chave (como Belém em w. 5,6 e Nazaré no v.23); (2) o 
título dado a Jesus na citação é “o meu filho”, expressando o relacionamento 
especial e predestinado entre Deus e Jesus.
Entre as jornadas para Egito e do retorno de lá acontece a reação de Herodes, 
quando percebeu “que havia sido enganado pelos magos”. O fracasso em conseguir 
a localização exata da criança levou Herodes a ficar muito irado e a ordenar que
todas as crianças de dois anos para baixo em Belém e arredores fossem mortas.21 
Aqui, a injustiça lembra o sofrimento de dias passados, conforme expresso em 
Jeremias 31.15, em que se descreve a matriarca da nação, Raquel, que chora por 
seus filhos quando vê Israel e Judá irem para o cativeiro. Como nos dias do exílio 
original, a nação sofre nas mãos daqueles que não confiam em Deus. O que é 
interessante é que, em Jeremias, logo após o verso que Mateus cita, vem a promessa 
de que o choro cessará porque o povo voltará da terra do inimigo, por isso “há 
esperança para o seu futuro” (Jr 31.16,17). Assim, esses eventos, por mais terríveis 
que sejam, e o sofrimento, por mais injusto que seja, também indicam um padrão 
para uma seqüência que dá oportunidade para esperança após o sofrimento. O 
padrão de sofrimento seguido de esperança também está presente no término do 
evangelho. O fato de que rejeição e a causa do sofrimento vêm de dentro da nação 
é outro ponto trágico por todo esse evangelho. A vinda de Jesus do Egito para 
Israel aponta tanto para a salvação como para o retorno. Ele abarca a história e a 
esperança de Israel.
13. P a r a N a z a r é n a G a lilé ia
(Mt 2 .22,23; Lc 2 .29,40) (Aland §11; Orchard §§8b,is; Huck-Greeven 
§§4b,nb)
Esse é um ponto em que Mateus e Lucas se sobrepõem. Os dois falam de 
Jesus indo para Nazaré. Entretanto, háuma diferença significativa. Lucas descreve 
um retorno para Nazaré, enquanto Mateus parece ter José pensando em um re­
torno para a Judéia, mas ele é impedido de assim fazer só quando um sonho o leva 
a retirar-se “para a região da Galiléia”, porque Arquelau fora escolhido para suceder 
a seu pai Herodes 110 governo. A resolução dessa diferença pode estar em Lucas, 
pelos motivos que veremos abaixo.
José tinha razão de estar apreensivo com Arquelau. A história secular confirma 
que muitos judeus não queriam que Arquelau governasse a Judéia (Josefo, Ant. 
[.Antiguidades] 17-11.1-5 §§299-323), entretanto lhe foi dada a função rebaixada 
de etnarca, em comparação com seu pai, o rei. Ele era visto como um líder cruel 
e incompetente que, por fim, foi removido do posto em 6 d.C. De novo, é a 
direção e a proteção de Deus por intermédio de um sonho que é registrada como 
o fator orientador da ação. A retirada de José para Nazaré leva, no material sobre 
a infância, à citação final do Antigo Testamento por Mateus (2.23). Parece que 
Mateus cita aqui não uma passagem, mas um tema. Isso é primeiro indicado pela 
referência plural aos “profetas”, em contraste com três das outras referências em 
que aparece o singular “profeta”. (Só Mt 2.17, ao fazer a citação, nomeia o profeta 
Jeremias.) Se essa observação sobre uma referência a uma idéia é correta, então é 
a menção de “Nazareno” que é essencial. Entretanto, esse termo não aparece no 
texto hebraico nem no texto grego do Antigo Testamento. Ainda, a menção de 
Nazaré é importante, sem levar em consideração de como esse é o ponto da citação. 
A opinião judaica era de que nada de bom vinha de lá (Jo 1.46), mas Deus é cheio 
de surpresas.
Três sugestões sobre a citação sao feitas. (1) Uma vez que “nazireu” soa como 
nazareno”, alguns vêem uma alusão ao voto nazireu por meio de um trocadilho. 
Alguns ainda acrescentam que há, na LXX, um intercâmbio entre as idéias de 
nazireu e santo (Jz 13.7; 16.17 [códices A e B]). Assim, isso pode ser uma forma 
indireta de dizer que Jesus é o santo. O que parece improvável, desde que não há 
indicação contextual de que haja uma referência ao nazireu.22 (2) Há um jogo de 
palavras envolvendo nezer, que nas línguas semíticas pode significar ou “ramo” ou 
“luz”. O termo tem tons messiânicos por causa de seu uso em textos como Isaías 11.1. 
A sugestão é sutil porque “Nazaré” não tem nenhuma ligação etimológica com esse 
termo. Entretanto, algumas vezes, jogos de palavras hebraicos empregam uma 
variedade de sons, ligados etimologicamente ou nao.23 (3) Nazaré deve ser associada 
com seu local na Galiléia e, assim, com a região de Israel que era vista com desprezo. 
Assim, o nome “nazareno” aponta para uma nota de rejeição das afirmações de 
Jesus porque ele vem de uma região rural e distante (cf. Jo 1,46;7.41). Essa opinião 
foi registrada por Jerônimo em seus comentários sobre Isaías 11.1. Se essa terceira 
leitura está em vista, então Mateus retoma esse tema mais positivamente em Ma­
teus 4.12-16, onde a GalÜéia, uma região anteriormente em trevas, agora recebe 
luz. A observação de Mateus é tão sutil que é difícil escolher entre a segunda e 
terceira opções, especialmente porque as duas fazem sentido no contexto. Talvez, 
o tema da rejeição, tão proeminente em Mateus 2 , favoreça a terceira opção. E 
também possível que uma combinação da segunda e terceira opiniões funcione; 
um epíteto e uma cidade obscura expressam a grande baixeza da qual o Messias 
surgiria.
Lucas não dá indicação de uma estada no Egito para a família ou da intenção 
de José de retornar à Judéia antes de ser advertido e direcionado para a Galiléia. 
Lucas simplesmente nota que, após fazer tudo conforme a lei, “voltaram para a 
sua própria cidade, Nazaré, na Galiléia”, e isso é seguido por uma nota sobre o 
crescimento de Jesus em força, sabedoria e favor diante de Deus. Essa diferença 
em relação a Mateus perturba algumas pessoas, especialmente à luz do fato de que 
Mateus não dá indicação de que José e Maria vêm originalmente da Galiléia. Mas 
é claro que cada escritor é seletivo no que narra. Se, aqui, Mateus e Lucas trabalha- 
ram de forma independente, como a maioria daqueles que sustenta a prioridade 
de Marcos afirmaria ou aqueles que sustentam a independência desses evangelhos 
argumentariam, então o que está presente é uma diferença na seleção de detalhes 
sobre o começo da vida de Jesus. Mesmo que Mateus seja o primeiro evangelho, 
então podemos estar tratando só com as escolhas de Mateus versus a ênfase que 
Lucas escolhe dar. Mateus focaliza o que o ajudará a apresentar cinco notas de 
cumprimento e o contraste entre a recepção gentílica e a rejeição oficial de Jesus 
como rei. Eles ainda devem temer essa rejeição sob Arquelau. Lucas focaliza a fiel 
piedade dos pais com relação ao templo. Tendo em vista as preocupações judaicas 
normais de Mateus, o leitor pode esperar que um relato do templo e o foco de 
Lucas em Jerusalém seriam encontrados também em Mateus. Entretanto, cada 
escritor escolheu o que destacar, algumas vezes de formas que desafiam a predição.
O ponto é que a seletividade não deveria ser confundida com contradição ou erro 
histórico. Nada há o que nos impeça de ver Lucas 2.39 como um colapso de 
tempo literário, o qual simplesmente nos leva ao evento seguinte, a jornada de 
peregrinação de Nazaré de volta para o templo, quando Jesus tinha 12 anos. A 
escolha permite a Lucas manter o foco nos eventos da cena do templo sem nenhuma 
interrupção. Tal agrupamento tópico pode ser uma simples explicação para essa 
diferença, e tal arranjo tópico é típico de obras antigas.
14. J e s u s n o te m p lo
(Lc 2 .41-52) (Aland §12; Orchard §16; Huck-Greeven §12)
Até esse ponto em Lucas, todos falam sobre Jesus. Agora é a vez de ele falar. 
Esta unidade é importante porque conclui a sessão sobre a infância, e Jesus é 
apresentado como um jovem em formação, que está pensando por si mesmo. 
Como tal, tecnicamente, isso não é um relato de infância. Entretanto, muda-se o 
tipo de relato, pois Jesus assume uma função mais direta nele. Em Lucas, as 
primeiras palavras de Jesus expressam-se com um senso de direção e destino divinos. 
O relato é designado para acentuar o respeito por Jesus, que é visto dialogando 
com os mestres da fé de uma forma que deixa os que estão ao redor dele 
“maravilhados com o seu entendimento e com as suas respostas”. Em outro sentido, 
o texto é um relato de pronunciamento, porque a chave evidente da passagem é o
dito em 2.49.
A ocasião é a peregrinação da Galiléia para Jerusalém, a qual todo judeu 
piedoso procura fazer pelo menos uma vez por ano. Embora fosse ordenado que
A
essa viagem acontecesse três vezes por ano (Ex 23.14-17; 34.22,23; Dt 16.16), no
século I o comum era fazer a viagem uma vez por ano, partindo da Galiléia. A 
Páscoa acontecia no décimo quinto día de Nissan, que cai em nosso calendário ou 
em março ou em abril. Quando os pais de Jesus retornam, eles descobrem que ele 
não os está acompanhando. Assim, retornam a Jerusalém e o encontram no templo, 
conversando com os mestres. A descoberta leva a um encontro em que Maria é, 
mais uma vez, a figura central do relato de Lucas. Ela questiona Jesus quanto ao 
motivo de ele tratar seus pais de forma tão insensível e os deixar ansiosos. A 
normalidade e previsibilidade da reação dos pais é o que torna o relato tão fácil de 
ser entendido em termos de sua emoção.
Em grego, a réplica de Jesus é ambígua, pois literalmente seria esta: “Vocês 
não sabiam que eu deveria estar nas / ao redor das [coisas] de meu Pai?” (ei; t o I ç 
t o ü TFOiTpóç jiou [note a ausência de um substantivo para o artigo definido plu­
ral]). Três elementos da réplica são importantes. ( 1 ) 0 uso de “é necessário” (Ôei) 
aponta para um necessidade divina no que Jesus faz. Ele está destinado a fazer 
isso. Lucas com freqüência destaca os pontos com esse termo, que, por si só, 
enfatiza a nota sobre o desígnio divino dentro de eventos que ele narra. (2) A 
ausênciade um substantivo em grego com o artigo definido deíxa o significado 
do versículo ambíguo e controverso. Um substantivo precisa ser suprido por causa 
do contexto. Três opções são geralmente oferecidas: (a) entre aqueles da casa de
meu Pai, (b) a cerca dos negócios do meu Pai, ou (c) na casa do meu Pai. Idioma­
ticamente, a melhor opção é a última.2<í Entretanto, o ponto não é tanto quanto a 
um lugar, mas ao que ele representa. O templo era o lugar da presença de Deus. 
Era bastante apropriado que Jesus entrasse em debate sobre Deus em um lugar 
em que sua presença é destacada. (3) O que quer que a réplica signifique 
exatamente, ela reconhece que, em última instância, o relacionamento único de 
Jesus com Deus será uma prioridade acima de qualquer dever ou costume famil­
iar. E a especificação do relacionamento único com “meu Pai” que é o tópico de 
grande parte do resto do Evangelho de Lucas. O forte senso de identidade e 
relacionamento de Jesus com Deus é prefigurado aqui. Seu senso de missão se 
expressa desde cedo. Lucas deixa claro que o que Jesus pretendia dizer não foi 
inicialmente compreendido por seus pais. Essa não é a única vez no evangelho 
que as pessoas próximas a Jesus deixam de compreendê-lo.
Isso leva Lucas a registrar que um Jesus obediente retornou com seus pais para 
Nazaré, enquanto Maria meditava sobre essas coisas em seu coração (Lc 2.51). Lucas 
fecha com uma segunda nota sobre o crescimento de Jesus (Lc 2.52), versus só uma 
dessas notas sobre João Batista (Lc 1.80). Sabedoria, estatura e favor tanto com 
Deus como com o povo revelam um retrato muito humano de Jesus em Lucas.
Conclusão
O material de infância dá o tom tanto para Mateus quanto para Lucas. Cada 
um tem sua própria forma de destacar como Jesus cumpre antigas promessas. 
Mateus faz isso por meio de cinco citações do Antigo Testamento, as quais apontam 
para Jesus como o prometido filho-rei davídico. Lucas usa o estilo da narrativa 
histórica do Antigo Testamento e emprega hinos para falar de Jesus em linguagem 
que lembra o Antigo Testamento. Em ambos os relatos, Deus é altamente ativo. 
Cada relato sugere que o sofrimento está associado com a presença de Jesus. Mateus 
mostra isso com a morte dos inocentes, enquanto que Lucas apresenta essa 
informação predita nas palavras de Simeão para Maria. Cada relato também afirma 
que Jesus vem como o rei dos judeus, embora o que ele faz também envolverá as 
nações. Em Mateus, a descrição dos magos, que respondem ao testemunho da 
criação, mostra que os gentios serão sensíveis à vinda de Jesus. Em Lucas, isso é 
feito por meio da afirmação de Simeão, de que Jesus é uma luz de revelação para 
os gentios que alcança o objetivo. Assim, apesar de todos seus detalhes distintos, 
os começos de ambos os relatos compartilham alguns temas básicos.
Diferenças entre os relatos também surgem. Lucas focaliza como João Batista 
prepara o caminho para Jesus, mas é inferior a ele. Os hinos em Lucas 1 destacam 
como a vinda de Jesus exaltará aqueles que estão à margem da sociedade, o humilde 
e o faminto, bem como resgatará o povo de Deus para que possa servi-lo. Só 
Lucas apresenta um incidente sobre a adolescência de Jesus, isso para indicar quão 
jovem ele era quando entendeu que a obra de Deus seria sua prioridade. De 
forma real, em Lucas, Jesus é a testemunha culminante no relato sobre a infância.25 
Mateus, ao focalizar a terrível rejeição de Jesus por Herodes, explica que Jesus é o
legítimo rei de Israel. Mateus também mostra como Jesus recapitula os padrões 
de associação na história de Israel ligados à libertação e sofrimento do êxodo. A 
combinação de semelhança e diversidade entre Lucas e Mateus mostra quão 
complementares os relatos dos evangelhos podem ser à medida que cada evangelho 
lança o fundamento para a sua narrativa progressiva sobre Jesus.
N o ta s
1 Craig Keener, Matthew, IVPNTCS 1, Downers Grove, 111.: InterVarsity, 1997, p. 55.
2 Joe3 Green, The Gospel o f Luke, NICNT, Grand Rapids: Eerdmans, 1997, p. 47.
3 Loveday Alexander, “Lukes Preface in the Context of Greek Pretace Writing/' Novum 
Testamentum, 1986, p. 48-74.
4 Embora tecnicamente nao seja um prólogo, a explicação de Luciano de Samosata sobre a 
escrita da história em How to Write History, p. 53-55 mostra como os antigos viam essa tarefa. 
Ela pode ser comparada às observações de Tucídides na History ofthe Peloponnesian War 
1.21-22 para mostrar como os antigos historiadores estavam preocupados com a precisão do 
que comunicavam.
* Quando João, o evangelista, em seu relato voitar-se para a vida de Jesus, ele o iniciará com o 
ministério de João Batista, de forma similar a Marcos. Entretanto, seu prólogo introduz Jesus 
no estilo mais explícito como a Palavra tomada carne.
Por exemplo, a lista parece pular Joás, Amazias e Azarias (- Uzias). Mateus pode estar em 
parte seguindo listas que aparecem no Antigo Testamento grego. Os judeus afirmavam 
tenazmente preservar seus registros ancestrais, como livros como Gênesis e 1 Crônicas mostram. 
Veja as notas feitas por Josefo em Life 1 §§1-6 sobre a disponibilidade de registros para sua 
própria linhagem familiar. Veja também o relatório por Eusébio de Julius Africanus em Eccl. 
Hist. 1.7, em que ele tenta explicar as diferenças entre Mateus e Lucas, bem como mostrar 
que algumas famílias mantinham registros familiares privados.
7 Keener, Matthew, p. 52; W C. Allen, A Criticai and Exegetical Commentary on the Gospel according 
to St. Mattheu.>, 3 ed., International Criticai Commentary, Edinburgh: Clark, 1912, p. 2,6.
s C. L. Blomberg, “The Liberation of Illegitimacy,” Bibltcal Theological Bulletin 21, 1991, p. 145-50.
l) Uma proposta naturalista sobre o nascimento de Jesus vem de Jane Schaberg, The lllegitimacy 
of Jesus, San Francisco: Harper & Row, 1987. Schaberg afirma, baseada em Dt 22.22-25, 
que o nascimento de Jesus tem raízes na violação sexual de Maria por alguma outra pessoa, 
que não seja José. Assim, o nascimento nas tradições originais foi explicado como um triunfo 
da graça de Deus. Essa explicação é naturalista, ela precisa pressupor o pano de fundo do 
estupro e negar as afirmações textuais de que Maria fosse sexualmente inexperiente na ocasião 
do anúncio do nascimento em Lucas. O debate sobre o nascimento incomum de Jesus é 
antigo; Origines (Against Celsus 1.28, 32, 33, 39) já discute alegações de que o nascimento de 
Jesus tinha raízes suspeitas. É difícil explicar por que os cristãos inventariam tal acontecimento, 
já que culturalmente um nascimento sobrenatural não era exigido para se dar um imprimátur 
“divino” a um governante, especialmente um governante judaico.
10 H. Freedman e M. Simon, eds., Midrash Rabbah, 3d., 10 vols. (Londres e New York: Soncino, 
1983), 1:312.
11 Veja Letter ofAristeas 95. Veja também Joachim Jeremias, Jerusalem in the Time o f Jesus: An 
Investigation into Economic and Social Conditions During the New Testament Period, trad. F. 
H. Cave e C. H. Cave, Philadelphia: Fortress, 1969, p. 200. Jeremias coloca a estimativa em 
dezoito mil (vinte e quatro ordens vezes setecentos e cinqüenta).
12 Parece que as duas genealogias passam por José. Entretanto, há uma antiga tradição da igreja 
primitiva tanto nos pais da igreja como em outras obras que também associam Maria com a 
casa de Davi (Justino, Trypho 43, 45, 100; Ireneu, Against heresies 3.21.5; Tertuliano, Against 
the Jews 9; Martyrdom and Ascension oflsaiah 11.2; Gospel o f the Nativity ofMary 1.1).
13 Para dois importantes estudos em periódicos sobre o nascimento virginal, veja C. E. B. 
Cranfield, “Some Refíections on the Subject of the Virgin Birth”, Scottish Journal ofTheology
i
iíi
41 (1988), p. 177-89; H, Douglas Buckwalter, “The Virgin Birth of Jesus Christ: A Union 
ofTheology and History”, Evangelical Journal 13 (1995), p. 3-14. O estudo clássico sobre o 
nascimento virginal é de J. Gresham Machen, The Virgin Birth o f Christ, New York: Harper, 
1930. O artigo de Cranfield mostra que o testemunho para esse evento não estálimitado a 
Mateus e Lucas; suas implicações estão presentes em diversos outros textos do Novo
Testamento (Rm 1.3; Gl 4.4; Fp 2.7; Mc 6.3; Jo 1.13; 6.41,42).
4 Para a hermenêutica envolvida nesse hino, visto da perspectiva do texto como parte da seção 
introdutória de Lucas, veja Darrell L. Bock, “The Son of Davi d and the Sai n cs’ Task: 1 he 
Hermeneutics of Initial Fulfiilment”, Bibliotheca Sacra 150 (1993): 458-78.
 ̂Veja BAGD, 62 §3 o verbete (Xi'ttToA.r|; também BDAG, 74 §3-
' A. Tosato, “Joseph, Being a Just Man”, Catholic Biblical Quarterly 4l (1979): 547-51. Veja 
também Keener, Matthew, p. 60-61. Sobre o processo de divórcio, veja m. Gittin 2.5; 9.3-4, 8.
17 Veja o detalhado excurso sobre esse censo em Darrell L. Bock, Luke 1.1-9.50 BECNT 3 A, 
Grand Rapids: Baker, 1994, p. 903-9. Note também essas observações por C. E. B. Cranfield, 
“Some Reflections on the Subject of the Virgin Birth,” Scottish Journal oJTheology 41 (1988),
182: “Uma reforma profunda da administração do império foi certamente realizada sob 
Augusto. E ela. com certeza, envolveu censos ou avaliações de tributação de um tipo muito 
profundo e abrangente. Há muita evidência para eles. O tempo necessário para a tarefa de 
avaliação variava conforme as circunstâncias de arrecadação em áreas específicas: podia levar 
algumas décadas, Poderia ser objetado que, desde que no tempo do nascimento de Jesus a 
Judéia era um estado dependente, e não parte do império, uma avaliação de tributação pela 
autoridade de Augusto não poderia ter acontecido lá. Mas uma avaliação de tributação 
romana era realizada na cídade-estado autônoma de Apamea por Quirinius, e o fato de que 
no fim de sua vida Herodes não era bem visto por Roma torna altamente improvável que 
uma avaliação de tributação fosse instituída na Judéia.”
16 Veja as observações em Green, GospelojLuke, p. 128-29. Green nota que Belém provavelmente 
era muito pequena para que tivesse uma hospedaria convencional para viajantes.
10 Para uma discussão desse texto e a forma em que os magos foram entendidos, veja W. D. 
Davies e D. C. Aliison, A Criticai and Exegetical Commentary on the Gospel according to Saint 
Matthew, 3 vols., International Criticai Commentary, Edinburgh: Clark, 1988-97, 1:228-32.
2(J Outros esforços para identificar Belém com um local na Galiléia também devem ser 
considerados fracassados, como o de Bruce Chilton, Rabbi Jesus: An Intimate Biography, 
New York: Doubleday, 2000. A mudança é baseada em uma referência a tal local no Talmude. 
Contra ela está todo o impulso da afirmação de Mateus para um local na Judéta para o 
nascimento de Jesus, apoiada independentemente pela alegaçao do censo de Lucas. Uma 
origem na Galiféia também não deixaria uni motivo lógico para o massacre dos bebês ordenado 
por Herodes em Belém da Judéia, e a fuga de Jesus para o Egito somente para retornar a 
Nazaré como uma mudança importante na localidade, ligada à função de Arquelau como 
governante. Além disso, a teoria de Chilton de que Jesus cresceu sabendo que era ilegítimo 
(um hebreu mamzer) tropeça no problema de que no Talmude um mamzer è um filho de pai 
pagão ou de um escravo, e José não era nenhum dos dois {b. Qiddusin 70a ).
A história da tendência assassina de Herodes para defender seu trono, executando até membros 
de sua própria família, é bem conhecida (Josefo, Ant. 15.7.4 §§218-231; 16.5.4§151). 
Assim, esses atos têm tudo que ver com seu caráter. Porque Belém era uma cidade pequena,
o número de crianças pequenas a ser executadas não seria grande, certamente não tão grande 
como as centenas, conforme algumas vezes propostas na exposição popular.
Para mais argumentos contra essa teoria, veja Robert Gundry, The Use o f the Old Testament 
in St. Matthew $ Gospel with Special Rejerence to the Messianic Hope, Supplements to Novum 
Testamentum 18, Leiden: Brill, 1975, p. 98-100.
3,1 Veja, por exemplo, o trocadilho rabínico no Midrash Psalms, §8 sobre o SI 2.6. Veja William 
G. Braude, trad., The Midrash on Psalms, 2 vols., Yale Judaica Series 13, New Haven, Conn.: 
Yale University Press, 1959, 1:40.
BAGD, 552 §11.7; BDAG 689 §2.g.
Para um importante estudo da narrativa de Lucas, veja Mark Coleridge, The Birth ofLucan Narrative: 
Narmtwe as Chnstology in Luke 1-2, JSNTSup 88, Sheffield: Sheffieid Academic, 1993.
3
O PANO DE FUNDO PARA O MINISTÉRIO DE JESUS
João Batista, batismo e tentações de Jesus 
(Mt 3.1—4.11; Mc 1.1-13; Lc 3.1—4.13)
O relato começa com uma voz nos bastidores, lendo as Escrituras. Enquanto 
João Batista e Jesus podem parecer surgir do nada, essa citação das Escrituras [de 
Mc 1.2,3] deixa claro que eles surgem do plano de Deus. Esse relato é o começo 
das boas novas, mas todo começo é uma conseqüência. Marcos, ao fazer uma 
referência cruzada das Escrituras, deixa claro que o evangelho está firmemente 
ligado à promessa de Deus conforme revelada no Antigo Testamento e é uma 
continuação do relato da atividade salvadora de Deus. Muito antes da pregação 
das boas novas de João Batista, houve a pregação sobre as promessas de cumpri­
mento em Isaías a qual mostra que Deus planejara coisas muito antes de Joao 
aparecer em cena. Deus inicia a ação. A esperança do profeta não era uma utopia; 
sua profecia ainda vale e será cumprida por Deus.1
Essa citação destaca a forma como Marcos começa. Mateus e Lucas começaram 
remontando às Escrituras e à esperança, e Marcos também começa seu evangelho 
com uma nota sobre a promessa divina nas Escrituras. Para entender Jesus, deve- 
se também apreciar o ministério de João Batista e sua ligação com a libertação 
prometida. Mateus e Lucas concordam, é um povo preparado que se beneficia da 
vinda da esperança divina.
De acordo com os evangelistas sinóticos, o pano de fundo para o ministério 
de Jesus enraíza-se na esperança expressa nas Escrituras hebraicas. Dar sentido aos 
eventos que imediatamente precederam o ministério de Jesus significa entender o 
pano de fundo de algumas promessas, rituais e eventos. Este capítulo considera a 
fase pré-ministério da carreira de Jesus. Essa fase apresenta o ministério de João 
Batista, o batismo de Jesus realizado por João, uma das genealogias sinóticas e os 
relatos da tentação. Personagens do Antigo Testamento, como Elias e Adão, são 
invocados para nos ajudar a explicar o que vemos — algumas vezes, por comparação 
e> outras vezes, por contraste. Um entendimento de certos rituais e símbolos 
judaicos também é importante para avaliar o ministério de João. Os materiais 
sobre a infância proclamaram a chegada da promessa ligada a Jesus, e o mesmo 
acontece com o período pré-ministério. Jesus não pregou em um vazio. João Batista 
já se apresentara a Israel com uma mensagem que a nação podia entender, porque 
suas ações estavam fundamentadas em rituais e expressões de advertência profética
e esperança nacional. Era uma mensagem com a qual Jesus se identificou antes 
que apresentasse a sua própria.
1 5 . A in tr o d u ç ã o d e M a r c o s
(Mc 1.1) (Aland §1; Orchard §2; Huck-Greeven §l3a)
Marcos nao começa do ponto em que seus companheiros sinóticos começaram; 
ele começa com João Batista, A opinião comum da igreja era que o relato do 
ministério de Jesus começou com João (At 1.21,22; 10.37). Entretanto, antes que 
Marcos aponte para o cumprimento bíblico que João Batista representa, Marcos 
1.1 dá a sua obra um breve título. Essa prática tinha precedentes. Oséias 1.2a na 
tradução grega diz: “O começo da Palavra do Senhor a Oséias” (veja também a 
LXX, em Pv 1.1; Ec 1.1; Ct 1.1). Marcos 1.1 serve como a introdução a toda a 
obra, e não só ao ministério de João, porque o conceito de “evangelho” tinha um 
amplo significado na igreja, e o termo “começo” não tem um artigo em grego, 
assim Marcos deixa de dar um título a qualquer outra subseção de seu evangelho. 
Marcos relata o começo de uma história que continua a se desdobrar. Que Marcos 
se refere ao “começo” da seqüência dos eventos do Evangelho em oposição à 
“origem” do evangelho, como alguns sugerem, ficaclaro pelos indicadores bíblicos 
que Marcos apresenta, os quais mostram Deus revelando um plano previamente 
registrado nas Escrituras. Para Marcos e para toda a igreja primitiva, as origens do 
evangelho são encontradas no plano de Deus, conforme exposto nesses textos. 
Assim, Marcos registra o começo da chegada dos atos divinos das “boas novas” 
(evangelho), que anteriormente fora somente anunciado nas Antigas Escrituras.
O termo “evangelho” tem seu pano de fundo nas Escrituras hebraicas, em 
que se emprega o verbo iton para descrever o anúncio de notícias importantes e 
positivas, como um nascimento, uma vitória ou a vinda da libertação de Deus
(ISm 31.9; Jr 20.15; Is 40.9; 41,27; 52.7; 61.1; Na 1.15). Muitos desses textos
aparecem em contextos em que se proclama a presença de Deus e o poder redentor. 
O termo “evangelho”, no presente contexto, não é uma referência ao gênero literário 
de Marcos, mas caracteriza o que os eventos e a mensagem de Jesus acarretam.2
O tópico dessas boas novas e sua fonte é Jesus Cristo, o Filho de Deus. De­
bate-se se a referência ao “Evangelho de Jesus Cristo” é mais corretamente entendida 
como “o evangelho sobre Jesus Cristo” ou como o “evangelho com origem em 
Jesus Cristo”.3 Nesse contexto, a distinção pode ser falsa, embora a primeira idéia 
seja mais proeminente, porque nem tudo que diz respeito ao evangelho vem de 
Jesus, como mostra o ministério de João Batista.
O título “Filho de Deus” também é importante para Marcos (Mc 1.11;3.11; 
5.7 [em um vocativo]; 9.7; 12.6; 13.32; 14.36 [Deus é tratado como “Pai”], 61; 
15.39).4 Marcos está interessado em mostrar como o “Filho de Deus” relaciona-se 
com o reconhecimento de que Jesus é o Cristo, o designado, o agente ungido por 
Deus, que traz as boas novas. Como tudo o que os sinóticos mostram, demorou 
um pouco para que os discípulos entendessem tudo o que acarretava a designação 
de Jesus como filho de Deus. Explicar isso é um dos maiores objetivos dos sinóticos;
o relato revela como aquele de quem se esperava que fosse um personagem 
libertador veio a morrer e ser ressuscitado na presença de Deus para que a libertação 
pudesse ocorrer.
16. J o ã o B a t i s ta e a s E s c r i tu r a s
(Mc 1.2 -6; M t 3 .1-6; Lc 3 .1-6) (Aland §13; Orchard §17; Huck-Greeven §i3b)
Marcos começa sua descrição de João com uma citação atribuída a Isaías 
(40.3)» embora a citação de fato tenha sido combinada com Malaquias 3.1. A 
fórmula de introdução refere-se somente a Isaías porque na exposição que se segue 
cita-se a passagem de Isaías para um comentário especial. As palavras de ligação 
“no deserto” (ev xf| èprpw) ligam a citação de Isaías à exposição que vem logo a 
seguir dessa citação. No judaísmo, palavras de ligação são uma forma comum de 
expor as Escrituras. A citação afirma duas coisas. (1) Malaquias descreve João 
como um profeta-mensageiro divinamente indicado e cuja responsabilidade é 
preparar o povo para a vinda de Deus. As referências a “você” (‘ sua face”, “seu 
caminho”) podem refletir influência de Exodo 23.20, da mesma forma como 
Malaquias fala sobre preparar “o caminho diante de mim” (de Deus). João é um 
personagem profético como o esperado Elias do fim, a pessoa a quem alude a 
figura em Malaquias (veja Ml 4.5; Eclesiástico 48.10). (2) O chamado no deserto 
é uma repetição do padrão do chamado para sair do exílio e experimentar a 
libertação decisiva que Isaías declarou séculos antes. Tal esperança de libertação 
última foi também registrada em Qumran, via Isaías 40 (1QS 8.12-16; 9.17-20). 
Assim, o texto estava estabelecido na esperança judaica. O deserto é um local 
associado com um novo êxodo e libertação. No judaísmo desse período, o deserto 
gerou muitos movimentos que desafiaram a liderança política (Josefo, Wars 
[Guerras] 12.13.4-5 §§259-261). Esse tema expüca porque João estava onde estava. 
A associação estava ligada à salvação e sugeria a necessidade de uma mudança de 
direção do povo de Deus, uma mudança que Isaías sugere que Deus trará. Um 
autor notou que Isaías 40.1-5 “era uma afirmação clássica da consolação que vem 
de Deus e que foi entendida especificamente no contexto do conforto escatológico 
de Deus”.5
Marcos registra que João pregou um batismo. Essa lavagem era dirigida ao 
arrependimento para o perdão de pecados. O ponto não é que o batismo fornecesse 
o perdão, mas que a atitude de uma pessoa que procurava o batismo indicava um 
coração pronto, ao qual Deus respondia concedendo o perdão (“um batismo de 
arrependimento para o perdão dos pecados”, em que se lê eiç em um sentido mais 
geral). No contexto escatológico de libertação que Isaías evoca, esse perdão refere- 
se não só à purificação pessoal ou particular, mas a uma preparação coletiva da 
parte do povo para a aproximação do caminho de Deus. A maioria das lavagens 
judaicas era auto-administradas, mas aqui João realizava esses batismos, sugerindo 
sua singularidade, Eles parecem funcionar com uma forma de declaração da 
prontidão da pessoa para a nova era, pois quem aceita esse batismo se submete a
uma lavagem que retrata a purificação do pecado.6 Embora a associação com 
Isaías seja uma coisa que o evangelista faça, ela indica o contexto da libertação 
final em que os atos de João deveriam ser vistos.
Marcos também registra que o povo da Judéia, em Jerusalém, foi ao rio Jordão 
para ser batizado, confessando seus pecados. O pecado sempre foi visto como a 
causa do exílio e do juízo que o povo sofrerá (Lm 1.8-22). A infidelidade forçara 
Deus a agir, como se demonstra pela mensagem dos profetas de Isaías até Jeremias. 
As raízes para esse conceito de arrependimento estão no chamado profético para 
uma “volta”.
João era um asceta. Ele usava roupa que se assemelhava à vestimenta de Elias
(2Rs 1.8).
A descrição de Mateus apresenta mais uma característica. A mensagem de 
João envolvia a declaração de que o Reino dos céus — a irrupção do prometido 
governo escatológico de Deus dos céus - estava “próximo”. Mateus repete a 
identificação de João com Isaías 40 e sua roupa semelhante à de Elias. Mateus 
acrescenta ainda que o povo de toda região do Jordão também foi até João, junto 
com os da Judéia e de Jerusalém.
Lucas apresenta três características mais importantes. A primeira, ele situa o 
ministério de João no quadro de uma história mundial mais ampla, mostrando 
sua preocupação mais universal. Essa discussão sobre os governantes, de Tibério 
César até a família de sumos sacerdotes de Anás e Caifás, enquadra-se cronologica­
mente, já mencionado no capítulo 2 de meu Studying the HistoricalJesus [Estudando 
o Jesus histórico].7 A segunda, ele observa que foi “a palavra do Senhor” que veio a 
João no deserto. Assim, sua função profética é destacada. A terceira, ele expande a 
citação de Isaías 40 para incluir os versículos 4,5. Isso significa que a citação termina 
com o registro de que “toda a humanidade verá a salvação de Deus”. Ao contrário 
de Mateus e Marcos, ele não cita de onde vem o povo que ouvia João. Lucas 
indica que a mensagem de João tem implicações para todas as nações. Lucas 
também nao tem uma descrição das roupas de João, embora ele sugira ter 
conhecimento dela em Lucas 7.24-26, 33. Para Lucas, João é principalmente um 
mensageiro profético de Deus que adverte sobre a prestação de contas a Deus e 
proclama a aproximação da salvação de Deus.
1 7 . J o ã o p r e g a o a r r e p e n d im e n to
(Mt 3 .7-10; Lc 3 .7-9) (Aland §14; Orchard §18; Huck-Greeven §14)
Essa passagem, logo que começa o discurso de João, apresenta quase um 
acordo exato entre Mateus e Lucas (60 de 64 palavras em grego). Há uma diferença 
significativa entre Mateus e Lucas: a audiência. Mateus registra que ela é de “muitos 
fariseus e saduceus [que] vinham para onde ele estava batizando”, enquanto Lucas 
refere-se somente às “multidões que saíam para serem batizadas por ele”. O relato 
de Mateus, pela franqueza do discurso de João e a ausência de qualquer questiona­
mento positivo sobre o que João ordena, sugere quea liderança também estava
analisando João. De fato, o tom do relato é chocante, apesar da audiência. João é 
retratado como aquele que proclama a aproximação do dia do juízo. Suas observa­
ções enfatizam que a situação é séria. O juízo está muito perto, e é melhor que 
aquele que se batiza leve esse batismo a sério.
A passagem tem três elementos. O primeiro, a advertência dada com sarcasmo 
quase cáustico, de que aqueles que vêm ao batismo não devem menosprezar a ad­
vertência de fugir da ira. Isso não é só um rito a desempenhar com indiferença ou 
como algo comum. No contexto do judaísmo, que tinha muitos rituais, alguns 
dos quais aconteciam regularmente, isso não era só mais um rito dentre muitos. 
João compara sua audiência a serpentes (“Raça de víboras!”) fugindo do fogo no 
deserto, forçadas para fora de seus abrigos pelo calor. Apesar de quem lhes disse 
que eles precisavam se preparar para fugir da ira de Deus, seria melhor que eles 
entendessem o que Deus procura. João vê a pessoa que aceita o batismo como 
alguém que necessita de um coração comprometido com a busca de justiça, com 
o reconhecimento de que o perdão que Deus daria quando a era de juízo e benção 
se aproximasse era necessário. Essas observações sao apropriadas a uma declaração 
profética desafiadora.
O segundo, há um chamado para produzir fruto adequado ao arrependimento 
e não depender da mera ancestralidade como um caminho para a bem-aventurança. 
Simplesmente afirmar um relacionamento com Abraão não oferece um nascimento 
automático na vida. João adverte que Deus pode criar filhos a partir de qualquer 
coisa, até das rochas.
Finalmente, João rerrata o juízo como iminente, como um machado colocado 
à base de uma árvore. Esse machado será usado contra qualquer um que não 
produz fruto. Para aqueles que não têm frutos, há somente a perspectiva de ser 
removido e lançado no fogo do juízo. João aparentemente esperava esse juízo para 
um futuro próximo. Entretanto, deve ser entendido que em outro sentido a bem- 
aventurança, ou o juízo naquele futuro, vem com a decisão que se faz hoje em 
relação a João, porque nessa decisão estava ou uma abertura do coração para Deus 
e sua obra, ou a perspectiva de juízo. João, nesse chamado para responder a Deus 
e sua aproximação, preparava o caminho para a obra de Deus.
18 ,0 q u e d e v e m o s f a z e r e n tã o ?
(Lc 3 .10-14) (Aland §15; Orchard §19; Huck-Greeven § 15)
Somente Lucas dá o conteúdo ético da pregação de João, ao observar a reação 
da multidão e a resposta de João. Em cada caso, João responde com um ataque 
relacionai sobre como cada um trata o outro. As observações ilustram o que se 
deve fazer para produzir frutos. Elas também se encaixam na anunciada obra de 
João em Lucas 1.16,17. Voltar-se para Deus significa mudar a forma que uma 
pessoa se relaciona com as outras. Também é significativo quem responde: a 
multidão, os publicanos e os soldados.8 A liderança religiosa está totalmente ausente 
(Lc 7-29,30)- Os publicanos e os soldados representam dois grupos altamente
políticos cujo potencial para abusar de sua autoridade é grande. João, especifi­
camente, aconselha que isso não é o que eles devem fazer; o publicano deve cobrar 
só o que é devido, e o soldado não deve roubar ou fazer falsas acusações. Em 
grego, a última in junção contém uma imagem forte: a palavra grega para “extorsão” 
significa “sacudir violentamente”. Tampouco, o soldado deve reclamar que nao 
recebe o pagamento suficiente do estado. Esses soldados ou eram do exército de 
Antipas na Peréia, o que significa que podia haver não judeus entre eles, ou eram 
a “polícia” da Judéia, encarregada de ajudar na coleta de impostos. Quanto à 
multidão, eles devem ser generosos, oferecendo uma túnica ou alimento a quem 
necessita.
Há, provavelmente, uma palavra de ligação nesse texto construído ao redor 
da idéia de “fazer / realizar” (ttoiÍ gj) . Lucas, na citação de Isaías 40, registra o 
chamado para endireitar o caminho do Senhor (Lc 3.4). O verbo ttol6(o é usado 
nesse versículo, e a idéia de fazer, usando o mesmo verbo, reaparece no versículo 8 
com a exortação: “Dêem frutos que mostrem o arrependimento”. No versículo 9, 
aquele que “não der bom fruto” é cortado fora. Isso leva à pergunta: “O que 
devemos fazer então?”. Em cada caso, o verbo reaparece. Cada um dos três grupos 
faz essa pergunta, nos versículos 10,12,14. Esse tipo de palavra de ligação é comum 
no judaísmo, e nesse caso ela unifica a cena de Lucas. Isso mostra que o arrependi- 
mento tem um foco prático e relacionai. Isso fica claro na maneira como tratamos 
os outros e em como exercemos autoridade, sem procurar usá-la de forma inapro- 
priada. Lucas, em seu relato, leva o leitor a fazer tipos semelhantes de perguntas 
para uma reflexão pessoal. O espírito da réplica de João não é anormal; ele segue 
as exortações dos antigos profetas (Is 1.16,17; 58.7,8; Mq 6.8; também em textos 
judaicos, como Eclesiástico 4 .1 ,4 ,8 ; 7.32; 10.23; 11.12; 34.21). A réplica
compartilha seu tom e ênfase explicitamente práticos.
1 9 . O m a is p o d e r o s o q u e v e m
(Mt 3 .11,12; Mc 1.7,8; Lc 3 .15-18) (Aland §16; Orchard §20; Huck-Greeven §16)
E fascinante traçar esse acontecimento em cada evangelho. O relato de Marcos 
é o mais conciso, e o de Lucas, o mais detalhado. Marcos simplesmente registra 
que João pregou acerca de um que viria depois dele, um que era mais poderoso do 
que ele. João não é digno de desamarrar “as correias das suas sandálias”. Esse 
detalhe é importante, porque no judaísmo era uma desonra ser um escravo, pois 
fazia lembrar o período no Egito antes do êxodo. Conforme os rabinos, mesmo 
que alguém fosse um escravo, a tarefa de desamarrar a sandália era indigna de um 
judeu e não devia acontecer (Mekilta de Rabbi Ishmael, Nezikin 1 sobre Ex 21.2). 
Assim, João se vê como indigno de até a mais humilhante das tarefas para um 
escravo. João, portanto, contrasta seu batismo de água com um futuro batismo 
do Espírito. Isso, provavelmente, evoca temas ligados à era da realização e da nova
aliança (Jr 31.31-33; Ez 36.24-27). As raízes dessa promessa remontam à Torá e 
vão até os profetas (Dt 30.1-6; J1 2.28-32; Ez 11.17-21). A ênfase era que o
Espírito traria uma libertação e uma obediência interna a Deus. Embora a expec­
tativa judaica não necessariamente ligasse esse batismo a qualquer personagem 
escatológico particular, ele era visro como um ato-chave de Deus na era do 
cumprimento (embora Ez 34— 36 justaponha o Messias, como um novo pastor, 
e o Espírito> como agentes que pertencem à mesma era). E essa ligação que tanto 
Mateus quanto Lucas registram.
Mateus faz o mesmo contraste ao informar que o batismo de João era 
especificamente para arrependimento. Mateus acrescenta que o batismo envolve 
não só o Espírito, mas também o fogo. Isso acrescenta uma nota de juízo e 
advertência à passagem, como faz a observação adicional que esse personagem 
vindouro terá uma pá em sua mão, para limpar a eira e juntar o trigo no celeiro, 
enquanto queima a palha com fogo inextÍnguível.‘J Fogo é um símbolo comum 
no Antigo Testamento para juízo (Is 29.6; 66.15; Ez 38.22; Am 1.4; 7.4; Sf 
1.18;3.8; Ml 3.2;4.1). Numerosas passagens de outros escritos judaicos também 
usam esse simbolismo {Jubileus 9.15; 36.10; lEnoque 10.6; 54.6; 90.24-27; 
4Esdras [= 2 Esdras] 7-36-38; 13.4; Salmos de Sabmão 15.4-7; 1QH 3.28-31 [= 
col, 11]; 1QS 2.8,15;4 .13). Assim, o batismo que vem tanto purifica como abençoa. 
João é retratado como o pregador do advento de um juízo decisivo que o futuro 
personagem trará.
Lucas é semelhante a Mateus, mas com um acréscimo importante. Só Lucas 
dá o contexto que provocou essas observações: a especulação da multidão de que 
João pudesse ser o Cristo. Lucas, como Mateus, diz que o batismo é com Espírito 
e fogo. Ele também apresenta a figura da pá. Entretanto, somente Lucas observa 
que João pregou muitas outras exortações e boas coisas para o povo.
Assim, João pregou a aproximação de um dia de bençãoe decisão, quando 
um agente enviado por Deus distribuirá o Espírito de uma forma que dividirá a 
humanidade. Outro ponto crucial surge na descrição de Lucas. João não é o Cristo, 
mas a forma que esse agente vindouro de Deus será identificado é pelo batismo 
do Espírito, que esse agente mais forte trará. Se o Espírito vem, então é possível 
saber que Cristo está presente. Lucas salientará muito esse ponto em seu evangelho 
e sua seqüência, o livro de Atos.
20 . O a p r is io n a m e n to d e J o ã o
(Lc 3 .19,20; registrado mais tarde em M t 14.3,41 Mc 6.17,18) (Aland §17;
Orchard §21; Huck-Greeven §17)
Essa breve e singular nota de Lucas explica como João acabou na prisão. Lucas 
não registra a morte de João Batista descrita em Mateus 14.3-12 e Marcos 6.17-29. 
Esse relato funciona como um substituto para ela e explica porque Herodes prendeu 
João. Essa diferença permite que Lucas possa terminar de discorrer sobre João 
antes de voltar sua atenção completamente para Jesus.
Lucas registra que João reprovou o líder por seu casamento com Herodias, 
que fora a esposa de seu meio-irmão, Filipe, também chamado Herodes por Josefo
(Ant. [Antiguidades] 18.5.1 §§109-115).10 Em acréscimo, o próprio Herodes fora 
casado com a filha do rei Aretas IV, de Nabatéia . Ele se divorciou dela para se 
casar com a esposa de seu irmão, que também tinha se divorciado para tornar 
possível essa união. Os divórcios e o casamento com a esposa de um irmão violavam 
Levítico 18,16 e 20.21, Depois, João também desafiou o líder acerca de outras 
coisas más, de forma que, por fim, Herodes o prendeu.
Josefo afirma que a destruição do exército de Herodes por Aretas em 36 d.C. 
foi visto por muitos como um juízo de Deus por esse casamento (Ant. [.Antigui­
dades] 18.5.2§§116-119). Josefo informa que João foi morto apesar de ser um 
homem bom. João simplesmente ordenara aos judeus que praticassem a virtude, 
tanto em termos de retidão com os outros como em piedade para com Deus.11 Ele 
também ofereceu um batismo que não devia tirar o pecado (isto é, não substituía 
os sacrifícios), mas para purificação. Josefo conta que muitos foram movidos pelo 
ensino de João. Assim, Herodes prendeu João na fortaleza de Maqueronte, antes 
de executá-lo. O sumário de Josefo é paralelo à descrição do evangelho e a 
suplementa. Josefo nao menciona João como precursor nem expressa qualquer 
palavra de escatologia em seu ensino, mas isso pode ser porque ele tenta agradar 
os romanos a respeito dos judeus e, assim, omite essas idéias potencialmente 
perturbadoras.
21. O b a t is m o d e J e s u s
(Mt 3 .13-17 Mc 1.9-11; Lc3 .21,22) (Aland §18; Orchard §22; Huck-Greeven §18)
Marcos descreve o batismo de Jesus de maneira bastante sucinta, sem entrar 
em detalhes. Ele simplesmente relata que João batizou Jesus no Jordão e registra o 
testemunho da voz celestial. Mas um ponto do detalhe é bastante importante. 
Marcos deixa claro que foi Jesus quem viu os céus abertos e o Espírito descendo 
como pomba sobre ele. Em outras palavras, o evangelista retrata uma experiência 
particular de Jesus. Marcos é o único escritor que deixa isso claro. Não há indicação 
de uma reação da multidão em nenhum dos sinóticos, o que também sugere um 
acontecimento particular. O evangelho de João acrescenta que João Batista viu 
esse testemunho a Jesus, mas ao torná-lo testemunha única, o evangelho também 
parece excluí-lo como um evento público mais amplo (Jo 1.32-34). A “abertura 
dos céus’’ retrata como Deus age ativamente 11a história de uma forma diferente 
da que ele normalmente opera. O grego em Marcos é único, pois ele utiliza a/íCeLV 
para descrever o abrir-se do céu. O pano de fundo aqui pode bem ser Isaías 63.11,14 
e 64.1, que, ao remontar ao êxodo, exalta o poder Salvador de Deus através de 
Moisés por meio do Espírito de Deus. A conexão sugere esperança para alguma 
coisa similar à libertação final.12 A associação adicional da pomba e do Espírito 
pode evocar o simbolismo da “nova criação”, fundamentada em um pano de 
fundo possível, mas discutível de Gênesis 1.2.13
A voz divina do céu explica quem é Jesus tanto em Mateus como em Lucas; 
a voz diz :“Tu és o meu Filho amado; em ti me agrado”. A mistura da primeira e 
segunda pessoas nas observações aqui apóiam a teoria de que foi uma experiência
particular. Deus afirma a função de Jesus para ele da mesma forma que Deus 
identifica com o chamado de João a era do cumprimento que vem. De fato, o 
batismo, desse modo, retrata uma afirmação sobre a função e o chamado de Jesus 
por Deus através do Espírito.11 Eía também representa o endosso de Jesus à 
mensagem de João para a nação. Que a confirmação de Deus venha durante o 
batismo de João, liga Jesus e João. A mensagem de João sobre a libertação divina 
que se aproxima é abraçada por Jesus.
A expressão “Filho amado”, como também aquele “em quem me [Deus] 
agrado”, relembra dois textos antigos. Um deles é Salmos 2.7, que atribui filiação 
ao rei escolhido da nação. O outro é Isaías 42.1, que destaca a aceitação e eleição 
de Deus de um servo para representá-lo e mostra a forma de sua libertação. 
Exatamente que tipo de reinado nós temos e a quem ele combate ainda precisa ser 
visto.
A descrição de Lucas é praticamente uma combinação com Marcos, com 
algumas diferenças importantes. 1) Lucas diz que o batismo de Jesus aconteceu 
em um lugar onde “todo o povo estava sendo batizado". Jesus estava fazendo o 
que muitos outros estavam fazendo quando essa afirmação foi feita. Ele era como 
eles. Entretanto, a voz divina deixa claro que Jesus também é único. Ele participa 
do batismo como aquele que é chamado para guiar o povo que João chama ao 
arrependimento. (2) Lucas praticamente remove João como um personagem no 
acontecimento; falta seu nome no sumário desse evento. Lucas simplesmente diz 
que Jesus foi batizado. Aqui, contextualmente, fica óbvio que se implica a presença 
de João, mas sua função é menos proeminente. Lucas enfatiza o evento como 
totalmente realizado pela mão divina. (3) Lucas associa o momento do batismo 
com a oração de Jesus. Lucas, com freqüência, estará sozinho ao destacar como 
certos eventos aconteceram no contexto de oração. (4) Lucas fará um comentário 
sobre a unção pelo Espírito mais tarde em seu evangelho. Para Lucas, esse doar do 
Espírito a Jesus representa uma bênção escatológica-chave que começa uma era 
da realização da promessa. Assim, aquele que dará o Espírito é retratado como 
tendo recebido o Espírito diretamente do céu. A unção o capacita para a tarefa e 
aponta para o início de uma nova era — pelo menos é como Jesus o explica em um 
sermão subseqüente na sinagoga, quando fala do cumprimento da promessa de 
Isaías ao referir-se a esse batismo (Is 61.1,2; Lc 4.16-19).
Mateus é tanto semelhante como distinto dos outros evangelistas. Ele também 
registra como Jesus veio da Galiléia para ser batizado por João. Entretanto, antes 
de Jesus ser batizado, Mateus registra uma discussão que os dois tiveram quando 
João procura impedir Jesus de submeter-se a seu batismo. João expressa sua 
necessidade de ser batizado por Jesus. Claramente, Mateus deseja sugerir que João 
tinha alguma consciência da função superior de Jesus, apontando para o mais 
forte que devia vir, a quem Mateus acabara de mencionar em 3.11. Também, isso 
implica que João não sentia que Jesus precisasse ser batizado, porque talvez tal ato 
de Jesus fosse percebido como uma declaração da necessidade pessoal de perdão 
de pecados. Percepções de lado, Jesus via uma necessidade mais importante para
levar o batismo adiante. Qualquer que fosse a objeção que João tivesse, Jesus 
replicou que ele precisava ser batizado Kpara cumprir toda a justiça”. Jesus parece 
estar sugerindo aqui uma necessidade de se identificar com o ministério de João e 
o chamado à nação antes que ele saísse para completar o que João começara. A 
ligação de Jesus com Israel como um todo o levou a responder ao chamado de 
João e à necessidade da nação para uma purificação preparatória.Mateus também 
registra a descida do Espírito como uma pomba, mas ele relata a voz do céu de 
uma forma levemente diferente. A voz diz: “Este é [não “Tu és”] o meu Filho 
amado, em quem [não “em ti”] me agrado”. Mateus relata esse ponto para seus 
leitores como o momento em que Deus apontou Jesus para a tarefa. Mateus dá o 
efeito histórico do acontecimento.15
Quando olhamos, ao mesmo tempo, para o ministério de João e para o batismo 
de Jesus, vemos em João um profeta de Deus, que anuncia a aproximação de uma 
nova era de libertação proveniente de Deus. A aproximação desse tempo indica a 
necessidade de que o povo de Deus esteja moralmente preparado. Assim, o batismo 
único de João significava que a pessoa batizada aceitara esse chamado para estar 
moralmente pronta para a nova era, um ato que se expressaria em um estilo de 
vida ético e ponderado com o próximo. Não é de surpreender que João esperasse 
um personagem maior que viria após ele e que traria ou benção ou juízo como o 
agente escatológico de Deus. A esse, João chamou de “mais poderoso do que ele”. 
O judaísmo, havia muito tempo, prenunciara tal personagem dominante que 
traria a benção prometida. João disse que esse personagem se identificaria por 
batizar com o Espírito, não com água. Assim, quando Jesus é batizado, o Espírito 
desce sobre ele, e a voz confirma o chamado a Jesus (e aos leitores dos evangelhos) 
ao identificá-lo como o Filho amado, aquele de quem Deus se agrada. A submissão 
de Jesus ao batismo de João representa a identificação de Jesus com a aproximação 
do tempo especial sobre o qual João prega e uma aceitação do fato de que o povo 
se prepara para esse tempo ao procurar perdão no contexto do arrependimento. 
O batismo de João, dado unicamente para esse período, faz essa afirmação 
preparatória até a chegada do batismo superior do mais poderoso que vem, ao 
assinalar a chegada de uma nova era de benção também nova.
2 2 . A g e n e a lo g ia d e J e s u s e m L u c a s
(Lc 3 .23-38) (Aland §19; Orchard §23; Huck-Greeven §19)
A forma dessa genealogia é única de Lucas, pois ele traça a linhagem de Jesus 
até Adão, o filho de Deus. Isso destaca a perspectiva universal de Lucas, em contraste 
com a genealogia de Mateus, que retrocede só até Abraão para destacar uma ligação 
com o patriarca de Israel. O final de Lucas também estabelece a tentação do Filho 
de Deus como um ato pelo qual aquele que representa a humanidade, tem sucesso 
onde o fiiho de Deus anterior, Adão, falhou. A linhagem passa por Natã, como 
descendente de Davi, também em contraste com Mateus, que faz a linhagem 
passar por Salomão. Alguns afirmam que isso é para dar a Jesus um manto profético 
que se sobrepõe ao messiânico, mas isso é improvável à luz da ênfase messiânica
no relato da infância apresentado por Lucas. Dependendo de como se lêem algumas 
variantes textuais, a lista pode ser colocada em onze grupos de sete, em contraste 
com os três grupos de quatorze em Mateus.
Lucas também registra a época do ministério de Jesus, ao indicar que este 
começou seu ministério com cerca de trinta anos de idade. Aqui, ele também 
afirma o nascimento virginal de novo, ao dizer que José, “como se pensava”, era 
pai de Jesus. Essa observação indica que a genealogia é a de José. Entretanto, a 
linhagem é meramente “legal”, pois traça as raízes de seu “pai” terreno. Na sociedade 
patriarcal da época de Jesus, a posição legal vinha por meio do pai.16
23. A s te n ta ç õ e s d e J e s u s
(Mt 4.1-11; Mc 1.12,13; Lc 4.1-13) (Aland §20; Orchard §24; Huck-Greeven §20)
Jesus, logo depois do batismo, é dirigido para o deserto, um ato que o prepara 
para o ministério e estabelece um teste de suas qualificações para isso. Essa foi 
uma experiência particular. Deve ter sido transmitida aos discípulos em uma data 
posterior, como a maioria das experiências de tal intensidade seria. Cada evangelho 
é claro sobre o fato de que Jesus foi parar no deserto como resultado do direcio­
namento do Espírito. Sozinho, exceto por seu Deus e os animais da criação, Jesus 
foi tentado por Satanás.
O relato de Marcos é o mais curto dos três, mencionando só o direcionamento 
do Espírito, a duração das tentações, de quarenta dias, e a presença dos animais 
selvagens. Os quarenta dias lembram o período que Moisés passou antes de receber 
a lei (Dt 9.9). Uma nova era tem uma introdução paralela. Os animais selvagens 
podem sugerir uma indicação de perigo potencial, e a habilidade de Jesus de 
sobreviver sozinho naquele ambiente hostil.17 O Testamento de Naftali 8.4 diz: “Se 
vocês realizam o bem, meus filhos, homens e anjos os abençoarão; e Deus será 
glorificado por meio de vocês entre os gentios. O demônio fugirá de vocês; os 
animais selvagens terão medo de vocês, e os anjos estarão ao lado de vocês”.18 Esse 
texto extrabíblico refere-se ao escaton, mas expressa bem a idéia de que o justo, 
por fim, é protegido de tudo o que o ameaça. O tom dos relatos da tentação é o 
mesmo.
Mateus e Lucas dão mais detalhes, embora em uma seqüência diferente. A 
ordem das tentações em Mateus é transformar pedra em pão, proteção em um 
salto de cima do templo e adoração de Satanás em troca dos reinos deste mundo. 
A ordem de Lucas inverte a segunda e a terceira tentações. Mateus tem marcadores 
temporais mais fortes em 4.5,10,11. Lucas usa só V ’ (k<xl) tanto como “mas” ou 
“e” em um sentido temático (ôé).19 Além disso, Mateus apresenta uma clara 
despedida de Satanás no final do relato. Assim, é provável que Lucas tenha 
rearranjado a ordem, pois quer destacar a confrontação no templo, devido à forma 
como ele destaca Jerusalém como o lugar do principal conflito em 9.51 até o fim 
de seu evangelho.
Cada tentação desafia a fidelidade de Jesus. Ele fará provisões para si 
independentemente da direção de Deus e recorrerá a seu poder por interesse próprio
(pão)? Ele insistirá que Deus o proteja, testando Deus com respeito à proteção do 
Filho (templo)? O filho abandonará o Pai e adorará outra pessoa para seu próprio 
lucro (reinos)? Em cada texto, Jesus acentua sua lealdade ao Pai quando cita 
Deuteronômio. A vida significa mais que apenas pão; pois a obediência é mais 
importante que comida (Dt 8.3 — pão; só a versão de Mateus cita todo o versículo; 
Lucas deixa a nota sobre obediência implícita, não expressa). Testar a fidelidade 
de Deus implica duvidar dele, e ísso não deveria acontecer (Dt 6.16 - templo). 
Adoração e serviço devem ser dados somente a Deus (Dt 6.13 - Reinos). Honrar 
a Deus é o que guia Jesus, nem interesse pessoal nem benefício próprio. Dessa 
forma, Jesus vence Satanás onde o anterior representante da humanidade (Adão) 
falhou.
Satanás se dirige a Jesus como o “Filho de Deus”, um título que adequadamente 
se segue ao batismo. A localização diferente que Lucas dá aos dois eventos em 
justaposição não é acidental. Lucas coloca o relato após Adão ser nomeado “filho 
de Deus” na genealogia, a fim de destacar a função representativa de Jesus. Assim, 
o uso que Lucas faz do título tem uma nuança adicional que falta em Mateus. A 
filiação é importante aqui, porque a batalha cósmica indica que não é só o status 
messiânico de Jesus que está sendo desafiado. Satanás procura minar a conexão 
íntima que há entre Jesus, o Filho, e o Pai. Jesus não cede, porque para ele o Pai é 
o '‘Senhor Deus”. Duas das réplicas usam esse título para Deus. Jesus, ao mostrar 
como Deus é visto, enfatiza que uma apreciação da posição única de Deus e a 
lealdade que aquela posição exíge sao as bases para resistir à tentação. Jesus mostra- 
se plenamente qualificado para representar a humanidade e exemplificar o caminho 
da vitória. Sua fidelidade é o modelo apresentado aos discípulos sob pressão, a 
saber, sua escolha de caminhar no caminho de Deus. O demônio vai embora, 
quando fracassa em deter o Filho. O ministério dos anjos mostra, de forma tangível, 
o apoio dos céus, como até o texto citado acima do Testamento de Nafiali indica.
Conclusão
Jesus entra no ministério através da porta abertapara ele por João Batista, 
que chama o povo para reconhecer que uma nova era se aproxima e para a qual o 
coração do povo deve estar pronto. Deus procura um povo preparado para 
caminhar em suas veredas. Isso exige um coração voltado fielmente para ele, e isso 
é expresso pelo cuidado com os outros. Jesus entra no ministério com os céus 
abertos para ele por Deus, na provisão do Espírito. E apenas justo que o amado 
Servo-Filho fosse capacitado com a habilidade celestial, porque a própria nova era 
virá com um batismo semelhante que ele, como o mais poderoso que vem, proverá. 
Jesus inicia o ministério com as tentações no deserto atrás dele e as armadilhas de 
Satanás vencidas. Jesus, em seu foco fiel e firme sobre o pai, mostra-se capaz de 
representar a humanidade de uma forma que um anterior “filho de Deus” 
tristemente fracassara em fazer. O precursor apontara o caminho, Deus abriu o 
caminho, e o demônio fracassara em bloquear o caminho quando Jesus embarca 
em seu ministério para proclamar e trazer a promessa de Deus.
N o ta s
' David Garland, Mark, NIV Application Commentary (Grand Rapids: Zondervan, 1996),
43.
10 primeiro uso registrado do termo “evangelho" como gênero literário vem de Justino Mártir, 
em meados do século II. Veja First Apology 66.
1 A questão é se a frase, em grego, é um genirivo objetivo ou subjetivo.
4 Esse título é disputado do ponto de vista da crítica textual em Marcos 1.1, assim, alguns 
sugerem que ele nao faz parte desse versículo. Entretanto, embora o título esteja faltando na 
leitura original no Códice Sinaítico e em algumas versões, como edições saídicas, é atestado 
em muitos excelentes manuscritos, como nos Códices Vaticano e Bezae e na Vetus Latina.
5 Klyne Snodgrass, “Streams ofTradition Emerging from Isaiah 40.1-5 andThcir Adaptation 
in the New Testament”, Journal for the Study ofthe New Testament 8 (1980), p. 31.
Para um profundo estudo do pano de fundo da obra de João, veja Robert L. Webb,/e>£» the 
Baptizer and Prophet: A Socio-Historical Study, JSNTSup 62, ShefFieid: Sheftield Academic 
Press, 1991. Recentemente, alguns questionam a idéia de que o batismo de João nao fosse 
repetível. Eles argumentam na base de que a lavagem de João seria como outros atos de 
purificação judaica ou que João se via como ura profeta. O estudo de Webb, corretamente, 
segue outra linha. Para opiniões alternativas, veja Joan Taylor, The Immerser: John the Baptist 
ivithin Second Temple Judaism, Grand Rapids: Eerdmans, 1997; Bruce Chilton, “John the 
Purifier”, em Judaic Approaches to the Gospels, Atlanta: Scholars, 1994, p. I -37. A presença de 
características únicas em sua lavagem — a saber, sua administração dela e a referência a seu 
batismo no singular (não batismos) — aponta para uma lavagem escatològica única que era 
um ato preparatório e antigo. Josefo (Ant. 18.5.2 §§116-119) também descreve a obra do 
Batista em termos de purificação e como um chamado à retidão. O simbolismo do Novo 
Testamento e de Josefo se complementam. Para as lavagens que eram uma parte do judaísmo 
e do relacionamento de João com elas, veja Webb, Baptizer and Prophet, p. 95-216.
Grand Rapids: Baker, 2002.
* Sobre a função e controvérsia a respeito de coletores de impostos e as taxas que cobravam, 
veja a unidade 36 no capítulo 4. Para textos antigos que mostram como os coletores de 
impostos eram vistos, veja Josefo, Ant. 12.4.2-9 §§160-222, mostrando a obra de José, um 
astucioso coletor a serviço dos ptolomeus. Conta-se que o imperador Tibério disse aos seus 
governantes a respeito da coleta de impostos: “Um bom pastor tosquia seu rebanho; ele não
o esfoia” {Suetônio, Tiberius 32). Veja também Dio Cassius, Roman History 57.10.5, que 
remete a mesma tradição a Tibério.
A força exata do simbolismo do Espírito e do fogo é controversa. Alguns ligaram a linguagem 
a Pentecostes, em At 2, como a realização, mas a linguagem do fogo lá não combina com o 
simbolismo do juízo desse contexto, ou com o paralelo em Lc 3- Outros falam de dois batismos: 
um para salvação e outro para juízo. Isso é improvável, porém, porque a descrição é ligada a 
uma referência singular ao batismo e tem só um grupo como objeto. Assim, a leitura mais 
provável è ver uma purificação e a divisão da humanidade no batismo, com o pano de fundo 
em Is 4.4,5, o único texto do Antigo Testamento em que batismo e fogo aparecem juntos. 
Veja Darrell L. Bock, Lucas 1.1-9.50 , BECNT 3A (Grand Rapids: Baker, 1994), p. 322-23.
1(1 Sobre questões a respeito dessa identificação e as opiniões relativas a ela, veja Harold Hoehner, 
Herod Antipas: A Contempomry o f Jesus Christ, SNTSMS 17, Cambridge: Cambridge 
University Press, 1972, p. 13L39- Ele afirma que a diferença entre Josefo e os evangelhos é 
simplesmente que o personagem em questão tem dois nomes, e cada fonte usa um deles. O 
capítulo 7 de seu livro estuda essa passagem em detalhe.
11 Referências à “virtude” colocam o ensino de João sob uma luz grega, porque esse é um termo 
sumário popular na sabedoria grega para um chamado à vida ética. Josefo é sensível a sua
audiência aqui. Isso é adequado à ênfase do historiador (Ant. 16.2.4 §42; 7.14.2 §§338,342; 
7.14.5 §356; 7.14.10 §374; 7 .15 .1 §384; 9.11.2 §236; War 2.8.7 § 139}. Veja Steve Mason, 
FlaviusJosephus on the Pharisees: A Composition-CnticalStudy, Studia Post-biblica 39, Leiden: 
Brill, 1991, p. 85-89. Que Josefo e os evangelhos estão em paralelo & notado por Mason, 
Josephus and the New Testament (Peabody, Mass.: Hendrickson, 1992), p. 154-55, embora 
Mason pareça questionar excessivamente se João realmente apontou para Jesus como seu 
precursor. A posição de Mason é bastante comum entre aqueles que estudam João Batista, 
especialmente a dúvida de João sobre Jesus, como aparece em Lc 7.18-23. Encretanto, o 
motivo para questionar se João apontou para Jesus como precursor parece subestimar o 
quanto pessoas podem mudar para momentos de dúvida quando os eventos não ocorrem 
como esperado.
12 Joel Marcus, The Way oj the Lord: Christological Exegesis ofthe Old Testament in the Gospel o f 
Mark, Louisviile: Westminster/John Knox, 1992, p. 49-50.
13 Dale Aliison, “The Baptism of Jesus and a New Dead Sea ScrolP, Bihlical Archaeology 
Review 18, 1992, p. 58-60. Ele recorre a um texto conhecido como o fragmento da “visão 
messiânica*. O texto em si é apresentado por R. H. Eisenman in BiblicalArchaeology Review
17, 1991, p. 65.
14 Craig Blomberg, Jesus and the Gospels, Nashville: Broadman & Holman, 1997, 222, fala 
corretamente de um trinitarianismo incipiente residindo no evento.
15 Robert H. Stein, Jesus the Messiah: A Survey o f the Life o f Christ, Downers Grove, 111.: 
InterVarsity, 1996, p. 99. (Publicado em português peia Editora Vida, 2005). Stein também 
fala de como o Evangelho dos Nazarenos registra uma discussão entre Jesus e sua família, na 
qual Jesus sugere que não há necessidpde de que ele aceite esse batismo, a menos talvez que 
ele seja pelos pecados de ignorância. Veja fragmento 2, como relatado por Jerônimo, Agamst 
Pelagius 3.2. Nos sinóticos não há nenhuma afirmação desse tipo da parte de Jesus.
16 Para uma consideração detalhada do relacionamento entre as genealogias de Mateus e Lucas, 
veja Bock, Luke 1.1-9.50, p. 918-23.
17 Jeffrey Gibson, “Jesus’ Wiíderness Temptation according to Mark”, Journal for the Study of 
the New Testament 53, 1994, p. 3-34; idem, The Temptations o f Jesus in Early Christianity, 
JSNTSup 112, Sheffield: Sheffield Academic, 1995.
18 H. C. Kee, trad., “Testaments of theTwelve Patriarchs”, in The Old Testament Pseudepigrapha, 
ed, James H. Charlesworth, Garden City, N. Y.: Doubleday, 1983-85, 1:813.
19 A partícula õe pode indicar ou um contraste ou simplesmente uma transição para uma nova 
unidade. E uni termo mais impreciso que kocl.
4
A DESCRIÇÃO INICIAL DO MINISTÉRIO
DE JESUS NA GALILÉIA
Ensino, cura e controvérsia 
(Mt 4.12-25; Mc 1.14-3.19a; Lc 4.14-6.16)
Jesus fez coisas que lhe criaram problemas e causaram controvérsia: sua escolha 
de participare compartilhar à mesa com os não benquistos; sua escolha de fazer 
coisas no sábado que eram consideradas sacrílegas por outros; e especialmente 
seu ato de virar as mesas no pátio do templo durante uma festa sagrada — cada 
uma dessas atitudes, à sua própria maneira, provocou calorosas controvérsias, 
acusações e altercações, para não mencionar questionamentos, tramas e maquina­
ções da parte do sistema tradicional e majoritário. Devemos, junto com esses 
atos, observar a escolha dos doze, certamente um símbolo da restauração das 
doze tribos de Israel e da reconstituição de Israel no fim dos tempos. Esses feitos 
devem ser entendidos na categoria de “atos simbólicos proféticos” e não simples­
mente como “atos de compaixão” desempenhados por alguém que, por necessitar 
e querer alcançar o povo em misericórdia, não poderia compreender o que 
representava toda aquela confusão. Jesus, em cada um desses atos, sabia o que 
estava fazendo e o que outros diriam - e ele os fez por causa do que outros fariam 
e diriam! Esses atos revelam Jesus, pelo menos em relação a sua missão e a 
autocompreensão de seu relacionamento com Deus, como aquele que tinha uma 
missão para Israel.1
A atividade de operar milagres de Jesus, que se destacou nos evangelhos e, sem 
dúvida, em seu ministério real, desempenhou um papel integral em sua capacidade 
de atrair atenção, tanto de forma positiva como negativa. Sua atividade de operar 
milagres não só apoiava sua mensagem escatológica, mas também a dramatizava 
e a efetivava, como também pode ter contribuído, em alguma medida, para o 
abalo sentido pelas autoridades que, finalmente, provocaram sua morte. Qualquer 
historiador que procure retratar o Jesus histórico, sem dar o devido peso a sua 
fama como operador de milagre, delineia um Jesus domesticado, reminiscente 
do meigo moralista criado por Thomas Jefferson, não esse judeu estranho e 
complexo.2
Essas duas afirmações — a primeira feita por um erudito evangélico, e a 
segunda, por um erudito crítico — resumem a característica do ministério de 
Jesus e tipificam os elementos principais do retrato sinótico do início de seu
ministério. As ações e os milagres de Jesus criaram interesse em sua pessoa e 
controvérsia sobre ele. Suas ações lembravam os profetas, embora sugerissem que 
havia alguma coisa mais, além do fato de que se tratasse de apenas outro profeta. 
Eles representavam uma missão para Israel alinhada à esperança profética e 
evocavam a chegada de um tempo especial de atividade de Deus. Esses eventos 
dão o tom para tudo o que se segue nos sinóticos.
Consideramos o ministério de Jesus até o ponto em que Mateus relata o 
Sermão do Monte, e Lucas apresenta seu equivalente, o Sermão da Planície. A 
maioria das passagens segue uma seqüência apresentada em Marcos e Lucas, 
enquanto Mateus posiciona muitos desses milagres controversos após o Sermão 
do Monte.3 Sugeri que há razões para ver alguns agrupamentos típicos aqui na 
seqüência de controvérsias traçada em Marcos 2.1-3.6 e Lucas 5.17-6.11. Todavia, 
também é muito importante notar que esses agrupamentos esclarecem por que o 
ministério de Jesus tornou-se tão controverso. Essa conclusão justifica a localização 
na narrativa dada a eles nesses evangelhos. Como tal, eles servem exatamente à 
função que Marcos e Lucas dão a eles. Essas controvérsias introduzem-nos ao 
caráter das ações de Jesus e como essas ações provocaram a oposição da liderança 
judaica a ele. O que Jesus fazia era tão diretamente dirigido a Israel que chamou a 
atenção da liderança religiosa de Israel. Esse conflito sobre a autoridade é uma das 
linhas principais de argumentação dessas narrativas sinóticas que retratam Jesus. 
Cada um dos sinóticos apresenta, depois das tentações, um resumo sobre o 
ministério de Jesus na Galiléia. E aqui que retomamos o relato.
24. A p r e g a ç ã o d e J e s u s n a G a lilé ia
(Mt 4-12-17; Mc 1.14,15; Lc 4.14,15) (Aland §§30 ,32 ; Orchard §§36,39; 
Huck-Greeven §21)
Cada evangelho introduz e resume o ministério 11a Galiléia de uma forma 
diferente. Mateus nota que foi a prisão de João Batista que levou Jesus a retirar-se 
para a Galiléia. Isso sugere que, antes disso, ele estava em outro lugar. Mateus não 
conta a história antes da prisão e morte de João Batista até Mateus 14.3-12. O 
intervalo pode sugerir que João esteve na prisão por algum tempo. Mateus con­
tínua o relato e diz que Jesus saiu de Nazaré, sua terra natal, para Cafarnaum pelo 
mar, uma grande cidade na região de Zebulom e Naítali. Mateus fecha seu pano­
rama informando que esse ato cumpriu Isaías 9.1,2, uma seção em que o profeta 
apresenta a promessa de um rei libertador. A característica importante da citação 
é que ela descreve a área como “Galiléia dos gentios; o povo que vivia nas trevas 
viu uma grande luz; sobre os que viviam na terra da sombra da morte raiou uma 
luz”. O quadro da promessa de luz associado com um personagem de libertação é 
como Lucas começa seu evangelho, no Benedictus de Zacarias (Lc 1.78,79). Lá, 
Lucas também mostra uma preocupação com os gentios.
Para Mateus, a luz é tanto Jesus como a mensagem que eíe proclama: 
“Arrependam-se, pois o Reino dos céus está próximo". O governo de Deus
aproxima-se, nessa imagem. É um governo que vem do céu. O leitor não deve 
perder o ponto de justaposição de Isaías 9 ao chamado para o arrependimento e 
ao anúncio do Reino. Jesus chama Israel para que se prepare para restauração e 
libertação, uma salvação prometida havia muito tempo. Embora seja Israel o 
chamado a reconhecer sua aproximação, a mensagem é anunciada em uma região 
gentílica, mostrando o foco étnico miscígenado que emergirá com o ministério 
de Jesus.
Marcos é semelhante a Mateus. Jesus veio para a Galiléia após a prisão de 
João. Na Galiléia, Jesus pregou o evangelho. Em Marcos, não há nenhuma 
localização específica, diferente de Mateus, mas o conteúdo da mensagem é 
semelhante: “O tempo é chegado [...]. O Reino de Deus está próximo. 
Arrependam-se e creiam nas boas novas!”. Marcos, ao colocar a observação entre 
dois usos da expressão “boas novas” (isto é, o evangelho), identifica essa mensagem 
sobre a proximidade do governo de Deus com o evangelho. Essa idéia é reforçada 
pelo fato de que as expressões "evangelho/boas novas” aparecem três vezes em 
Marcos 1.1-15. Crer no evangelho significa preparar-se para a vinda do Reino 
conforme o enviado o anuncia. Esse texto também sugere que o que Mateus quer 
dizer com “Reino dos céus” (ou, talvez ainda melhor, que vem do céu) é igual ao 
que Marcos chama de “Reino de Deus”. Provavelmente, Mateus prefere a referência 
ao céu para mostrar respeito pela pessoa de Deus, evitando nomeá-lo. Isso reflete 
um típico costume judaico. O nome diferente também destaca que esse prometido 
governo tem sua origem no céu, um governo diferente do que se origina na terra.
Um outro ponto é significativo. A mensagem de Jesus em Marcos 1.15 é 
muito semelhante à de João Batista em Marcos 1.4, mas há uma sensível intensi­
ficação. O cumprimento é registrado aqui, mas não no caso de João. O termo 
“evangelho” é associado a Jesus, mas não é mencionado em relação a João. Dessa 
forma, Marcos eleva a mensagem de Jesus sobre a de João Batista e também sugere 
que o que João meramente anunciara estava agora realmente próximo.4
Lucas, coerente com sua ênfase característica sobre o Espírito, apresenta Jesus 
sendo dirigido para Galiléia pelo Espírito de Deus e não menciona a prisão de 
João, pois já a relatara em 3.19,20. E o Jesus capacitado pelo Espírito que ministra 
ao povo. Lucas não menciona o Reino de Deus nem arrependimento aqui, 
enquanto ele escolhe resumir a mensagem de Jesus na cena da sinagoga que se 
segue. Lucas, de forma enigmática) informa que uma notícia sobre Jesus percorreu 
toda a região. Lucas deixa os detalhes sobre o que Jesus fez para gerar tal notícia 
para mais tarde. Ele simplesmente menciona que Jesus ensinou nas sinagogas, e 
“todos o elogiavam” (isto é, louvavam). Lucas segue essa mençãocom seu primeiro 
resumo do ensino de Jesus, uma amostra de sua mensagem, apresentada em uma 
sinagoga em Nazaré. Esse evento tipifica o ministério na Galiléia como um todo 
e serve como um equivalente desenvolvido do resumo de Mateus e de Marcos: 
que Jesus pregou arrependimento e a proximidade do Reino. O que Mateus e 
Marcos dizem em palavras, Lucas mostra em atos.
2 5 . J e s u s p r e g a e m N a z a r é
(Lc 4.16-3 0 ; M t 13.53-58 e Mc 6.i-6a coloca esse incidente mais tarde)
(Aland §33; Orchard §38; Huck-Greeven §22)
A pregação de Jesus na sinagoga de Nazaré é importante por três motivos. 
Primeiro, Lucas colocou o acontecimento em um ambiente inteiramente diferente 
do de Mateus e Marcos. Essa nova localização do evento por Lucas é sugerida, em 
4.23, pela alusão ao fato de que Jesus faz uma obra em Nazaré como a que a 
multidão ouviu dizer que ele fizera em Cafarnaum, mesmo que em Lucas não 
tenha havido ainda um ministério em Cafarnaum (de fato, os eventos de 
Cafarnaum vêm logo depois dessa cena). Assim, esse evento é um bom exemplo 
de uma escolha redacional por um evangelista que ordena as coisas por outros 
motivos que não a cronologia.5 Esse evento tipifica o ministério de Jesus, tanto 
em sua proclamação de sua função em um novo tempo crucial da obra de Deus 
como na reação hostil que sua afirmação gera.
Segundo, o texto representa como Jesus fundiu as afirmações sobre si mesmo 
com as afirmações sobre a natureza do tempo do qual ele faz parte. Nos sinóticos, 
essa união habitualmente acontece quando Jesus explica quem ele é. O apelo aos 
textos da segunda parte de Isaías, Isaías 61.1,2 e 58.6, associa o ministério de 
Jesus à história da promessa de libertação da nação judaica do pecado e do exílio. 
Em parte, Jesus é importante porque, com ele, vem a esperança da libertação 
prometida. Assim, a citação do Antigo Testamento acentua sua missão e o que ele 
traz tanto quanto quem eie é, ou até mais do quem ele é. Jesus realiza as ações de 
Deus. E o programa de Deus que se proclama e realiza. Jesus apresenta-se como 
um agente ungido que declara libertação ao fazer uma analogia com o ano do 
jubileu (Lv 25.8-13). Entretanto, Jesus, diferentemente do Antigo Testamento 
que meramente proclamava a libertação, realiza essa libertação. Os necessitados, 
os pobres, os cegos e os cativos são os beneficiários de sua obra. O perdão dos 
pecados, o que se exige para reverter tal cativeiro, está no centro de sua obra. A 
obra de Jesus procura restaurar o povo de Deus ao seu lugar adequado. Quando 
Jesus diz: “Hoje se cumpriu a Escritura que vocês acabaram de ouvir”, ele declara 
um fim para o juízo da nação e a promessa da muito esperada libertação de Deus, 
que veio em sua mensagem e atos. O Espírito de Deus o capacitou para essa 
tarefa. A implicação dessa declaração, quando colocada ao lado do chamado que 
será uma parte da missão dos discípulos em Lucas 9— 10, é que Jesus chama o 
povo para abraçar o programa do Reino de Deus que se aproxima. Essa mensagem 
da chegada do Reino é o Evangelho de Jesus (veja Lc 9.2,6). Assim, embora Lucas 
não use aqui a terminologia dos resumos mais breves encontrados em Mateus 4 e 
Marcos 1, ele apresenta de forma conceituai e com mais detalhes a mesma 
mensagem fundamental. A única diferença é que Lucas apresenta, de forma mais 
destacada, a função central de Jesus como o personagem que proclama e efetiva. 
Em contraste, os outros sinóticos meramente apresentam o chamado básico de 
resposta ao Reino.
Terceiro, esse texto, no aspecto literário, harmoniza o relato de Lucas. Quando 
em Lucas 4.18 Jesus diz que Deus o “ungiu”, há uma ambigüidade potencial, a 
menos que prestemos atenção ao relato de Lucas até esse ponto. Se fôssemos 
tomar essa cena apenas como unidade independente, poderíamos concluir que 
Jesus simplesmente está fazendo uma afirmação profética, de ser um profeta que 
anuncia o escaton. Dessa perspectiva limitada, a própria cena enfatiza o ato de 
Deus como a preocupação primária de Jesus, nao a sua própria identidade. Acima 
de tudo, a passagem destaca a pregação de uma mensagem de Jesus que se identifica 
como profeta (w. 18-19 [3x], 24, e os exemplos são proféticos, nos versículos 25 
a 27 [Elias, Eliseu]). Deus capacitou Jesus a trazer essa mensagem. Mas, se do 
ponto de vista narrativo, perguntamos quando a unção que Jesus descreve em 
4.18 aconteceu, imediatamente somos levados de volta ao relato de Lucas sobre o 
batismo de Jesus. Lá, uma voz celestial identificou Jesus nao só como profeta mas 
como “meu Filho amado”, em quem Deus se agrada. A fusão da linguagem do 
Salmo 2 e de Isaías 42 aponta paia um personagem real e proclamador, o servo 
messiânico. Esse personagem representará seu povo e proclamará a vontade de 
Deus para eles, mesmo quando ele os guia e os liberta. Assim, a apresentação 
inicial de Lucas do ensino de Jesus destaca a atividade de Deus e a função messiânica 
de Jesus dentro dessa atividade, levando-nos a lembrar com quem a voz do céu o 
identificou. O ponto de localização de Lucas não é para focalizar nenhuma dessas 
idéias, mas apresentar todas juntas.
A missão e a identidade de Jesus não são tudo que torna essa passagem tão 
importante. Jesus, ao citar Isaías 61 e 58, justapõe dois contextos distintos/’ Em 
um, há a esperança da proclamação de libertação (Is 61), mas, no outro, há a 
nomeação do fracasso de Israel. Isaías 58 descreve como as pessoas da nação jejuava. 
O povo é repreendido, porque jejuava sem realmente honrar a Deus com sua 
vida, mesmo quando esse povo se ocupa de um ato aparentemente de adoração. 
O chamado em Isaías 58 é para responder a Deus de forma mais adequada - em 
outra palavras, arrepender-se. A passagem é típica de uma denúncia profética 
sobre o fracasso da nação, quando Jesus afirma libertar os cativos, conforme 
descritos na linguagem de Isaías 58, ele afirma assumir uma responsabilidade que 
a própria nação fora chamada a desempenhar, mas que fracassara em executar. 
Sua tarefa é seguir a direção que João Batista já tomara. João Batista já chamara o 
povo a responder adequadamente a Deus. Para realizar essa virada, eles agora 
devem responder adequadamente a Jesus, o mensageiro ungido que vem depois 
de João.
Esse tema sobre o fracasso da nação sustenta toda a passagem. Quando, em 
4.22, a multidão reage a Jesus inicialmente com alguma hesitação, porque ele é o 
filho de José, ele enfatiza esse ponto para mostrar como a hesitação deles é forte. 
Ele afirma que eles o desafiarão a fazer o que ele já fez em outro lugar, enquanto 
indica que um profeta não recebe honra em seu próprio país. Ele, a seguir, apela 
para dois exemplos do passado, Elias e Eliseu. Eles ministraram em outro período 
difícil da história de Israel, conforme indicado pelo fato de que Elias foi profeta
durante a seca de três anos e meio. Aquela seca foi um castigo pelo fracasso de 
Israel. Em acréscÍmo> Jesus destaca que as únicas pessoas atendidas por esses dois 
profetas eram gentias, uma viúva de Sidom e um leproso da Síria. Em outras 
palavras, somente os de fora da nação eram abençoados. As observações de Jesus 
fazem uma vergonhosa comparação e implicam uma advertência de que o período 
atual é potencialmente um dos momentos espirituais mais difíceis de Israel. Isso, 
em parte, explica porque Jesus deve vir e pregar a libertação. O cativeiro deles não 
é só o que foi imposto por Roma, como pensam os que estão na sinagoga, mas 
aquele que eles mesmos fizeram. As idéias de que o povo de Deus tem essa 
necessidade por causa do que eles mesmos fizeram e que o ministério messiânico 
pode terminar estendendo a benção aos de fora produziu ira na multidão. Jesus 
chamara os da nação de pecadores e sugerira que Deus podia até alcançar aqueles 
que eles odiavam — os gentios.
Jesus, ao virar a mesa da expectativa desse povo, os confrontou com uma 
escolha e, ao mesmo tempo, ofereceu-lhes uma grande esperança. Aceitar a Jesus 
e a sua mensagem era reconhecer seu próprio fracasso e necessidade. Paracompar­
tilhar a oportunidade de libertação, uma pessoa tinha de reconhecer sua própria 
injustiça e distância de Deus, A graça vem não para aqueles que a merecem, mas 
para aqueles que sabem que não têm direito a ela. A mensagem de esperança 
também contém uma perspectiva de juízo, se não for respondida. Aqueles que, ao 
ouvir Jesus, acharam esse desafio em relação a sua posição difícil de aceitar e, por 
isso, tentaram levá-lo para fora para jogá-lo de cima do rochedo. Essa é a primeira 
alusão de Lucas à rejeição durante o ministério de Jesus; essa rejeição se tornará 
um tema consistente por todo o seu relato. Jesus vai embora porque ainda não 
chegou a hora de a rejeição ser completamente efetivada. Há tanto oportunidade 
quanto risco na mensagem de Jesus.
26. O c h a m a d o d o s d is c íp u lo s
(Mt 4 .18-22; Mc 1.16-20) (Aland §34; Orchard §40; Huck-Greeven §23)
Esse relato é muito parecido em Mateus e Marcos e aparece bem no início da 
apresentação do ministério de Jesus, Isso destaca que Jesus, desde os primeiros 
momentos de seu ministério, procurou seguidores, aqueles que fossem dedicados 
a sua missão. A obra de Jesus nunca seria uma ação “solitária”.
A escolha de pescadores para estar entre os seguidores é significativa. Jesus 
estava escolhendo pessoas de profissões comuns. Naquela época, a pesca era uma 
indústria importante na Galiléia. Esses homens até tinham servos contratados 
(Mc 1.20), o que mostra que eles pertenciam ao que mais se assemelhava a uma 
classe média daquele tempo. As redes que estavam sendo jogadas em Marcos e 
Mateus são “tarrafas” típicas da região.7 Prendiam-se pedras ao redor das redes, as 
quais as faziam afundar e, assim, podiam ser puxadas para pegar o peixe.
Jesus desafia os pescadores com um chamado para segui-lo e ser pescadores 
de pessoas. A observação é típica do estilo de ensino de Jesus. Ele pega um elemento 
da vida diária e o transforma em uma imagem metafórica que descreve um chamado
ou realidade teológicos mais profundos. Lucas 5.1-11 faz um jogo conceituai 
semelhante ao redor do milagre ligado à pesca. Muitos pensam que a metáfora 
“pescador de homens” é proveniente de Jeremias 16.16 e que ela claramente se 
refere ao juízo antes que Deus faça sua obra restauradora em Israel e entre as 
nações.8 O objetivo é tratar com o pecado e mostrar que Deus é o Senhor. Por 
outro lado, a imagem em Ezequiel 47.10 é mais positiva. Aqui, na nova obra que 
Deus fará no fim, a água fervilhará de peixe. Os peixes no rio que flui pelo templo 
serão tão fartos quanto a quantidade deles no mediterrâneo. Talvez seja melhor 
ver aqui uma mistura, como a metáfora de Mateus 13.47-50 sugere, porque o 
convite à graça, se este for rejeitado, também é uma ocasião de enfrentar juízo.y O 
chamado para ser parte do Reíno se estende a todo o povo, mas como eles se 
relacionam a ele depende da resposta dada a ele.
O chamado de Jesus para segui-lo não é, na realidade, como o chamado dos 
rabinos ou dos profetas. Esse chamado é diferente e, em nada se assemelha à 
forma como começou a seguir a Elias em IReis 19.19-21.10 Eliseu seguiu e serviu 
a Elias, mas não porque Elias o “chamou”. O discipulado tornou-se possível 
somente após Eliseu adiar o seguimento para atender às obrigações de família. 
Em contraste com aqueles que seguiam os rabinos e continuavam na profissão, os 
discípulos especialmente escolhidos por Jesus deixaram tudo para se ded icar 
plenamente a seguir o chamado (Lc 9.61). Também em contraste com o modelo 
rabínico, quem está sendo seguido é quem escolhe, ao passo que os alunos dos 
rabinos escolhiam a quem queriam seguir. Jesus, na advertência sobre seguí-lo, 
personifica o modelo do discipulado. Eles não vão atrás de lei nem de ensino 
abstrato, mas antes, aprendem a se modelar de acordo com uma pessoa. O chamado 
para seguir a Jesus era mais exigente e urgente do que qualquer outro discipulado 
que o precedeu. Ambos os relatos destacam que o discipulado significava deixar o 
compromisso anterior e primário com a família bem como abandonar essa vocação 
familiar.
2 7 . E n s in o n a s in a g o g a e m C a fa r n a u m
(Mc 1.21,22; Lc 4 .31,32) (Aland §35; Orchard §41; Huck-Greeven §240)
Nesse ponto, Mateus, quando ele resume a atividade do ministério de Jesus, 
deixa a seqüência de eventos, após dar uma plena amostra de seu ensino no Sermão 
do Monte. Assim, muitos dos eventos que Marcos e Lucas apresentam agora, 
Mateus guarda para partes de Mateus 8— 9.
Um dos detalhes do ministério de Jesus que mostra sua contínua ligação com 
o judaísmo é que ele continuou a participar da sinagoga. De fato, como essa 
passagem informa, ele ensinava lá ao sábado. Marcos acrescenta que Jesus foi 
imediatamente para Cafarnaum. Essa cidade estava localizada em frente ao lago, 
bem a ocidente do local em que o rio Jordão deságua no mar da Galiléia. Ela era 
conhecida por seu meio ambiente exuberante (Josefo, Wars [GuerrasJ 3.10.8§§516- 
519). Ela parece ter alojado uma guarnição romana, o que dá o motivo para uma 
passagem posterior mencionar um centuriao (Mt 8.5-13; Lc 7.1-10). A cidade
também coletava impostos para Herodes, sua população provavelmente era de 
mil a duas mil pessoas.' 1
Lucas, quando discute eventos em Cafarnaum, também dá seu primeiro 
resumo do escopo do ministério de Jesus. Lucas não menciona a sinagoga, mas 
informa que o ensino aconteceu no sábado. O local é a sinagoga, já que a próxima
cena lucana começa lá (veja 4.33).
Marcos e Lucas enfatizam a autoridade inerente ao ensino de Jesus.1" Marcos, 
especificamente, contrasta esse ensino com os escribas. Mateus 7-29, no fim do 
Sermão do Monte, apresenta uma ênfase semelhante. Autoridade — sua presença 
em Jesus e a afirmação dela em seu ensino e atuação — é um tema importante em 
todos os sinóticos. Ao passo que o ensino judaico, com freqüência, apelava a 
autoridades exteriores, como as Escrituras ou a tradição ou ambas, muitas vezes 
com um apelo explícito aos rabinos que já tinham passado, Jesus tratava de tópicos 
diretamente, sem esse apelo, exceto ocasionalmente, quando apelava às Escrituras. 
Mas pode haver alguma coisa a mais implícita aqui, como os relatos seguintes 
especificarão. O ensino é um elemento chave do ministério de Jesus. O segundo 
elemento, sua atuação, é registrada a seguir. Ambos vêm com autoridade. Essa 
autoridade aponta para uma batalha cósmica e para uma nova era.
28. A c u r a d o e n d e m o n in h a d o n a s in a g o g a
(Mc 1.23-28; Lc 4.3 3 -37) (Aland §36; Orchard §42; Huck-Greeven §24b)
Os atos de Jesus foram uma parte decisiva de seu ministério. Entre os atos 
principais de Jesus estavam seus milagres. Entre os milagres, as expulsões de 
demônios são particularmente importantes. Não é por acaso que, em Marcos e 
em Lucas, o primeiro milagre que Jesus realiza é a cura de um endemoninhado. 
(Para Mateus, o primeiro milagre é a purificação de um leproso, e a primeira 
expulsão de demônios é a dos endemoninhados gadarenos.) Por exemplo, Marcos 
contém treze relatos de milagres, e quatro deles sao expulsões de demônios (Mc
1.23-28;5.1'20;7.24-30;9.14-29).13 Em Marcos, a expulsão de demônios é o tipo 
mais freqüente de cura. Os relatos de expulsão de demônios têm uma forma clara: 
(1) a confrontação dramática inicial, (2) as palavras dos demônios, (3) as palavras 
de expulsão de demônios, (4) o apelo do demônio e (5) a cura (extrema).14 Em 
alguns relatos, acrescenta-se muito mais detalhe sobre a condição do possesso 
para estabelecer o cenário (veja especialmente, Mc 5.1-20). Uma comparação das 
expulsões de demônios de Jesus com relatos de outros exorcistas antigos mostra 
que Jesus nao era tão diferente na forma com que ele fazia a expulsão de demônios, 
embora ele tenha introduzido a dimensão da autoridade pessoal única que parece 
fazer a confrontação entre ele e o demônio.15 Em muitos casos, uma palavra dele 
era tudo que era necessário, em contraste com mais ações envolvidas caso se tratasse 
de um curandeiro ou exorcista normal.A expulsão de demônios em vista aqui é muito semelhante em Marcos e 
Lucas. Ela tem uma função semelhante em cada um desses evangelhos. O evento
retrata a autoridade de Jesus e a batalha cósmica na qual ele está engajado quando 
declara que o cumprimento chegou. O contexto do evento na sinagoga dá um 
tom de santidade à confrontação. A batalha acontece em um local onde o povo da 
promessa ora e adora. Duas características são significativas nas palavras do “espírito 
imundo”. Primeiro, eles procuram assumir controle sobre Jesus ao perguntar o 
que Jesus de Nazaré tem que ver com eles. Esse tipo de pergunta tem precedente 
em Juizes 11.12; 2Samuel 19.16-23; lReis 17.18 (= LXX 3 Reinos). A pergunta: 
“O que queres conosco, Jesus de Nazaré?’5, aparece em contextos de confronto e é 
uma forma de sugerir que um não tem nada a ver com o outro. A afirmação de 
saber quem Jesus é, que segue esse desafio, representa uma tentativa de afirmar 
seu controle sobre um inimigo espiritual,’6
Segundo, a confissão de Jesus como o “o Santo de Deus” não deve ser exagerada 
e, assim, não deve ser considerada algum tipo dc elevada confissão cristológica. O 
título “santo” é usado no Antigo Testamento para uma variedade de personagens e 
simplesmente significa alguém que é separado para servir a Deus (Arão, SI 106.16 
[= LXX 105]; Eclesiástico 45.6; Sansâo, Jz 16.17 [LXX Códice B]). Não fica muito 
claro como os demônios vêem Jesus, a não ser por meio do reconhecimento de que 
ele possui uma autoridade que é uma ameaça para eles. Provar sua exata função é o 
que Marcos faz. Dentro da narrativa, com toda probabilidade, a confissão aqui 
poderia ter nuanças messiânicas, pois já no batismo Marcos identificou Jesus como 
o Filho, em termos régios. Apesar disso, a ordem de Tesus paia que o demônio fique 
em silêncio nao diz respeito a qualquer tentativa de manter sua identidade em segredo, 
mas, antes, é parte do ritual de dizer a um demônio para ficar preso e, portanto, em 
silêncio. Embora Twelftree chame a ordem de Jesus de um “encantamento de 
restrição”, é difícil ver um ‘encantamento” em uma ordem simples e direta para que 
o demônio saia.17 Encantamentos tendem a vir em algum tipo de fórmula de apelo, 
incluindo a invocação de uma autoridade externa.18 Jesus realiza expulsões de 
demônios em formas ligadas à prática antiga. Entretanto, sua prática difere em 
alguns detalhes que apontam para alguma coisa “nova” presente. Um exemplo é a 
idéia de que ele “repreendeu” o demônio (ou melhor, “deu ordens a ele”). Esse 
termo pode ter raízes em termos semi ticos paralelos em Qumran (“il?3), que significa 
“a ordem de comando, pronunciada por Deus ou seu porta-voz”, pela qual os poderes 
do mal sao submetidos de forma que o caminho possa ser preparado para o governo 
justo de Deus no mundo. Ele não é atestado em contextos helenísticos, o que sugere 
um pano de fundo j udaico para essa tradição.19
A cura é realizada de forma extrema, com alguma violência, já que ela retrata 
a batalha pelo homem e seu bem-estar. Marcos registra somente a violência, 
enquanto Lucas acrescenta que a expulsão de demônios nao resultou em nenhum 
dano para o homem.
A reação é significativa. Marcos registra que a multidão chama a essa cura de 
um “novo ensino e com autoridade”, enquanto Lucas o expressa em termos de que 
tipo de “palavra” é essa. O principal é que a ação é vista como se comunicasse uma 
mensagem poderosa que aponta para a autoridade de Jesus sobre as forças cósmicas
do mal. Ambos os evangelhos registram que ele controla os espíritos impuros. Marcos 
diz que eles o obedecem, enquanto Lucas relata o resultado, que eles saem. Jesus 
anuncia que a libertação chegou, e seus atos de libertação visam às forças invisíveis 
que trazem sofrimento à criação. A conexão não é acidental. Assim, as notícias 
começam a se espalhar por toda a região, que Marcos especifica como a Galiléia.
2 9 . A c u r a d a s o g r a d e P e d r o
(Mc 1.29-31; Lc 4 .38 ,39; M t 8.14,15, em um contexto posterior em que ele
escolheu primeiro discutir a atividade miraculosa de Jesus) (Aland §37;
Orchard §43; Huck-Greeven §25)
A cura da sogra de Pedro é a primeira de várias curas realizadas no ministério 
de Jesus. Os milagres de Jesus são atestados de forma múltipla, aparecendo em 
cada material como fonte sobre sua carreira. Quando observamos os milagres 
como um todo, encontramos quatro milagres que têm que ver com alguma forma 
de paralisia, três que envolvem cegueira com uma nota de resumo, dois casos de 
lepra acompanhados de um resumo, um de epilepsia (também com expulsão de 
demônio), um de surdez, uma orelha recolocada e cinco outros milagres de curas 
individualizadas (febre, hidropisia, enfermidade [pelo menos duas vezes, e uma 
delas ligada a um espírito impuro] e hemorragia).20 Finalmente, há três casos de 
ressuscitar alguém dos mortos, junto com uma nota de resumo. Os milagres, 
como um todo, mostram a obra de restauração de Jesus e apontam para a chegada 
de um tempo especial da libertação de Deus (Lc 7.22,23 = Mt 11.4-6).
A. ema, em si mesma, kva-nos a. uoti questão que tem gerado muito debate.
Diz-se com freqüência que os antigos não distinguiam entre a doença e a possessão 
demoníaca e que os evangelistas têm a mesma abordagem.21 Entretanto, parece 
que ocasionalmente alguma distinção foi feita, embora em muitos casos haja uma 
sobreposição. Assim, em Marcos 1.32, dois tipos de pessoas foram trazidas à 
presença de Jesus: aquelas que estavam doentes e as que estavam possuídas. A 
mesma distinção aplica-se em Marcos 1.34 e 6.13. Lucas e Mateus também 
apresentam essa distinção (Lc 7.21; 9.1,2; 13-32; At 5.16; 8.7; Mt 4.24; 8.16;
10.8).22 Somente em alguns casos, Lucas parece sobrepor os dois, com a cura da 
sogra de Pedro sendo um dos possíveis exemplos, quando Jesus “repreendeu” a 
febre, em 4.39, com uma palavra que lembra a repreensão de 4.36 (também At 
10.38). O registro da repreensão é característico da apresentação desse relato em 
Lucas. Há também o menino epiléptico que tem um espírito impuro (Lc 9.37- 
43; Mc 9.14-29; Mt 17.14-20). A cura da filha da mulher siro-fenícia é do mesmo 
tipo combinado (Mc 7.24-30; Mt 15.21-28), como é 0 da mulher aleijada de 
Lucas 13.10-17.
A cura é parte de um turbilhão de acontecimentos que Marcos e Lucas 
registram como parte do mesmo dia em Cafarnaum. Como é normal em um 
relato de milagre, o evento acontece de uma forma que inclui (í) a condição 
descrita, (2) a abordagem ou o pedido de cura, (3) o ato ou palavras de cura, (4) 
a cura demonstrada e (5) a reação. Marcos dá mais detalhes sobre o evento. Só ele
informa que André, Tiago e João estavam com eles. A omissão lucana é fácil de 
explicar: ele ainda não descreveu como eles vieram a fazer parte do grupo dos 
discípulos. Só Lucas descreve a condição como uma “febre alta”. Mateus e Marcos 
simplesmente dizem que a cura aconteceu quando Jesus a tomou ‘pela mão” (Mt) 
ou “tomou-a pela mão e ajudou-a a levantar-se” (Mc). Assim, só Lucas, com sua 
repreensão, indica que alguma coisa foi dita. Só Lucas informa como a cura foi 
imediata. A prova da cura veio em seu serviço imediato. Mateus e Lucas, usando 
diferentes verbos gregos, dizem que ela “se levantou”, mas os dois usam o mesmo 
verbo para dizer que ela “os serviu”. A descrição do serviço seguinte não é acidental. 
Como veremos, quando considerarmos Lucas 5.1-11, os milagres não são meramente 
eventos, mas muitas vezes são metáforas de realidades mais profundas. Nesse caso, o 
ponto importante é que a cura e a restauração levam a uma grata resposta em forma 
de ierviço.
30 . O d o e n te c u r a d o à n o i te
(Mc 1.32 -34; Lc 4 .40,41; Mt 8.16,1 7 em um contexto posterior, no qual ele
introduz a atuação de Jesus) (Aland §38; Orchard §44; Huck-Greeven §26)
Esse resumo termina o dia em Cafarnaum, e todos os sinóticos distinguem 
entre as curas de doenças e as expulsões de demônios realizadas por Jesus. Marcos 
detalha que “toda a cidade” se reuniu à porta, para mostrar comoa atividade de 
Jesus tinha se espalhado por toda a Cafarnaum. Somente Lucas fala sobre a 
imposição de mãos sobre o doente, enquanto que só Mateus registra que demônios 
eram expulsos com uma palavra de Jesus. Jesus tinha sucesso, já que a cura era 
experimentada por “todos” (Mt), “muitos” (Mc), ou “cada um deles” (Lc). Marcos 
e Lucas relatam como Jesus proibia os demônios de falar. A afirmação vaga de 
Marcos, “porque [os demônios] sabiam quem ele era” é especificada em Lucas 
como “porque [os demônios] sabiam que ele era o Cristo”. Lucas, e apenas ele, já 
tinha registrado a confissão dos demônios a respeito de Jesus. “Sei quem tu és: o 
Santo de Deus!”. Essa confissão foi uma vã tentativa de assumir o controle da 
situação ao nomear a função que Jesus tinha, o que Lucas explica como ligada à 
posição de o “ungido” messiânico. Assim, Lucas continua a destacar a ênfase 
messiânica de seu relato que remonta ao material da infância e à cena do batismo. 
Mateus identifica a obra de Jesus como parte da representação que ele assume 
como o “Servo”, ao citar o cumprimento de Isaías 53.4. Jesus assume suas doenças 
e carrega suas enfermidades, que nesse contexto enfatizam como ele os liberta 
dessas doenças, nao que ele é um substituto sacrificial em favor deles. Muitos na 
igreja hoje defendem os milagres de cura com base nesse texto, mas a obra de 
Jesus, em última instância, move-se para além dessa cura física e alcança a plena 
restauração espiritual. Ao fazer isso, Isaías 53 se torna um texto-chave para mostrar 
como a cura física aponta para uma cura espiritual mais significativa, um tema 
que as curas, como um todo, desenvolvem nos evangelhos. Assim, esses resumos 
em Mateus e Lucas explicam o significado da atividade de Jesus, ao passo que em 
Marcos eles simplesmente descrevem sua obra.
31. J e s u s d e ix a C a fa r n a u m
(Mc 1.35-38; Lc 4 .42,43) (Aland §39; Orchard §45; Huck-Greeven §27)
Esse resumo resulta em um pronunciamento sobre a missão de Jesus e vem 
após ele se afastar das multidões para um lugar solitário. Marcos acrescenta o 
detalhe de que ele estava orando, informação que Lucas não apresenta mesmo 
que ele, freqüentemente, destaque a oração de Jesus.
As diferenças entre Marcos e Lucas refletem, basicamente, o fato de que Lucas 
ainda não mencionou a formação do grupo dos discípulos. Assim, em Marcos a 
sugestão é para que: “Vamos para outro lugar”, a primeira pessoa do plural, 
enquanto em Lucas o pronunciamento é posto estritamente na primeira pessoa e 
torna-se uma afirmação de missão sobre a necessidade de Jesus pregar “as boas 
novas do Reino de Deus”. Marcos fala somente de pregação, sem mencionar 
nenhum conteúdo específico, embora isso já tenha sido afirmado em Marcos 1.15.
O pronunciamento vem em resposta ao fato de as multidões estar “procu­
rando” Jesus (Mc) ou à tentativa de impedir que Jesus “as deixasse” (Lc). A missão 
de Jesus não está limitada ao escopo local, nem ele deseja que o foco seja sobre 
seus milagres, que estão chamando a atenção. Seu chamado é para proclamar a 
chegada do prometido governo de Deus. Assim como Marcos justapõe Reino e as 
boas novas, em Marcos 1.15, Lucas aqui também faz o mesmo no versículo 43- A 
ênfase sobre o que Jesus pregou é significativa, porque Marcos, em especial, gasta 
muito tempo com as obras miraculosas de Jesus, mas ao fazer isso, deixa claro que 
essa não é a principal tarefa de Jesus.
32. R e s u m o : P e r c u r s o d e J e s u s p e la G a lilé ia
(M t4 .23; Mc 1.39; Lc 4.44) (Aland §40; Orchard §46; Huck-Greeven §28)
Jesus realiza o programa a que se propõe. Mateus apresenta o resumo mais 
completo e informa que Jesus foi por toda a Galiléia, “ensinando nas sinagogas 
deles, pregando as boas novas do Reino e curando todas as enfermidades e doenças 
entre o povo”. Assim, Mateus, aqui, justapõe as boas novas e Reino, como os 
outros sinóticos fizeram antes. Marcos também destaca a pregação nas sinagogas 
por toda a Galiléia, mas ele registra a atividade de expulsão de demônios. Palavra 
e obra estão lado a lado, pois funcionam juntas no ministério de Jesus. Lucas 
simplesmente registra que Jesus estava pregando nas sinagogas da Judéia. Alguns 
dizem que Lucas é culpado de um deslize geográfico aqui, mas ele apenas usa o
termo “Judéia” em seu sentido mais amplo (Lc 1.5; 6.17; 7.17; 23.5; At 10.37).23 
O que Mateus e Marcos dizem no resumo, Lucas registrou em Lucas 4.16-44, em 
que após a pregação seguem-se atos de expulsão de demônios e cura. A palavra 
pregada e os feitos comprovadores são uma amostra da natureza do ministério de 
Jesus.
33* U m m ila g r e d e J e s u s le v a a u m c h a m a d o a o d is c ip u la d o
(Lc 5.1-11) (Aland §41; Orchard §47; Huck-Greeven §29)
Esse texto é importante por diversos motivos. Primeiro, para Lucas ele funciona 
como o equivalente do chamado dos quatro discípulos em Marcos 1.16-20 (= Mt 
4.18-22).24 Lucas repete o simbolismo de ser “pescador de homens” daquela 
passagem. Assim, Lucas, após dar um panorama do ministério das palavras e atos 
de Jesus, mostra agora que Jesus reuniu seguidores ao redor de si. A tarefa do 
ministério será uma reunião da humanidade que também os separará em duas 
classes. O pronunciamento, como geralmente acontece, é a chave para a passagem.
Segundo, o milagre da grande pesca serve como pano de fundo para o chamado 
a serem pescadores de homens. Uma importante representação acontece dentro 
desse milagre quando a pesca real aponta para outro tipo de pesca. Tal reflexo 
destaca uma característica fundamental dos milagres de Jesus. Eles sao mais que 
simplesmente eventos de poder e autenticação. Esses milagres retratam algum 
tipo de realidade importante e “mais profunda” ao qual se relaciona o poder de 
Jesus. Essa afirmação nem interpreta esses milagres como alegorias nem os vê 
como meras representações literárias dessa realidade. Os milagres sao retratados 
como eventos reais, mas como eventos com um poder de ensino ilustrativo. Assim, 
não é por acaso que uma pesca leve a um pronunciamento sobre ser pescadores de 
pessoas. Esse milagre histórico serve como uma metáfora do chamado de Jesus à 
missão e ao ministério para aqueles que ele atraiu a si.
Terceiro, há a importante interação entre Pedro, como representante dos 
discípulos, e Jesus. Pedro mostra muita confiança em Jesus quando o pedido inicial 
é feito: “Lancem as redes para a pesca”. Pedro, um pescador experiente, replica 
que eles tinham tentado pescar durante toda a noite, quando as condições eram 
mais favoráveis, mas tinham fracassado. Nao obstante, Pedro dá a ordem, mostran­
do confiança em Jesus. Pedro, quando a pesca é surpreendentemente bem sucedida, 
pára o que ele está fazendo, cai diante de Jesus, de forma respeitosa, e pede que ele 
se afaste, dizendo: “Aiàsta-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador!”. 
Na opinião de Pedro, um pecador nunca poderia ficar tão perto de alguém por 
intermédio de quem Deus estava obviamente operando maravilhas. Essa pro­
funda humildade é o que Jesus afirma quando diz a Pedro para que não tema, 
porque “de agora em diante você será pescador de homens”. E precisamente aqueles 
que entendem sua posição e que respondem com confiança a quem Deus pode 
usar e realmente usa. Assim, esse texto nao só descreve um chamado para os 
discípulos, mas também revela as características sobre o coração dos discípulos de 
Deus.
O que devemos fazer sobre a combinação das cenas de chamado que aparecem 
em Marcos (as quais são iguais à de Mateus) e Lucas? O texto de Lucas parece ser 
uma afirmação daquilo que Marcos e Mateus afirmaram como um evento ante­
rior. Esse evento de Lucas confirma o chamado anterior em Marcos e Mateus, até 
a ponto de repetir a afirmação da “missão”. Em qualquer abordagem do problema
sinótico, Lucas conhece ou Marcos ou Mateus, assim sua escolha para apresentar 
o chamado dessa forma serve para complementar aquele chamado inicial. O curto 
diálogo entre Pedro e Jesus é um elemento-chave quedá uma nova dimensão à 
seqüência dos eventos, descrevendo o chamado de Jesus aos discípulos. Essa 
observação mostra como os evangelhos não apenas suplementam, algumas vezes, 
uns aos outros com informações novas, mas também repetem os eventos.
34 . A p u r i f ic a ç ã o d o le p ro so
(Mc 1.40-45; Lc 5 .12-16; Mt 8.1-4 inicia o seu mais tarde, sumário inicial
da atividade de Jesus) (Aland §42; Orchard §48; Huck-Greeven §57)
A seqüência de Marcos, que Lucas segue nesse ponto, continua com Jesus 
purificando um leproso, um milagre que Mateus usa mais tarde para introduzir 
seu panorama da atividade miraculosa de Jesus. O milagre mostra o poder de 
'purificação” de Jesus e demonstra que Deus lhe dá uma autoridade distinta da 
que os sacerdotes possuíam.
Em Marcos, a narrativa precede uma série de cinco controvérsias e sugere que 
esse milagre era fundamental para chamar a atenção da liderança para o que Jesus 
estava fazendo. O leproso inicia o evento ao se ajoelhar diante de Jesus, em respeito 
a ele, e informar que se Jesus desejasse, ele o podia purificar.A compaixão de 
Jesus pelo leproso é registrada, uma observação única de Marcos que reflete sua 
tendência para registrar as emoções de Jesus. Jesus, com uma palavra e um toque, 
purifica o homem. Esse é o reverso do padrão normal, em que tocar uma pessoa 
impura normalmente tornaria impura uma pessoa pura, entretanto, sempre que 
ocorre cura, não há impureza, somente a graça e a autoridade de Deus. Além 
disso, o milagre dá uma idéia de como a presença de Deus em Jesus reverte a 
condição terrível da pessoa. A lepra fazia com que uma pessoa vivesse no ostracismo 
e ficasse isolada de qualquer associação com as outras pessoas; portanto o ato de 
Jesus libertaria essa pessoa para que eia voltasse à vida normal.
Jesus ordena que o homem nada diga sobre isso a ninguém, exceto ao sacerdote, 
um ato que cumpre o que Levítico 13.49, uma exigência para que a cura de um 
leproso fosse reconhecida. Essa ordem de nada dizer é objeto de muita discussão.26 
O óbvio não seria o contrário? E realístico esperar que não se diga nada? Por que 
ele deu essa ordem? O homem, como os eventos demonstraram, não podia ficar 
em silêncio, assim as notícias dos atos de Jesus se espalharam. Marcos registra o 
efeito. Jesus não mais poderia entrar em uma cidade e ensinar. Assim, ele teve de 
se mudar para o campo para tratar com as multidões. Exatamente essa reação 
pode bem ter sido o motivo da tentativa de Jesus, de silenciar o homem. Jesus 
parece ter antecipado que se o homem saísse dando seu testemunho, ele seria 
esmagado por aqueles que procuravam cura, com o risco de que os milagres, em 
vez do que eles incorporavam, se tornassem o foco da atenção do povo. Lucas 
demonstra o mesmo ao apresentar que “multidões” se reuniam para ouvir Jesus e 
ser curada por ele. A reação de Jesus é retirar-se e orar, algo que com freqüência 
apenas Lucas menciona, como ele faz aqui. O relato de Mateus é o mais curto das
três versões e não tem nenhuma discussão sobre a reação, deixando a impressão 
que sua seqüência de milagres é apresentada como um todo.
Todas as três versões são bastante semelhantes em outros aspectos. Uma parte 
essencial da passagem é a idéia do leproso ir ao sacerdote. Desse modo, o ato serve 
como “testemunho” para eles e contra eles.27 Esse ato é uma espada de dois gumes. 
Por um lado, o leproso seria uma testemunha do ato gracioso de Deus para com 
o leproso, mas, por outro lado, esse ato foi realizado por intermédio de Jesus. 
Assim, o relato levantaria a questão sobre o que Deus está fazendo. A pregação 
inicial de Jesus, em Lucas 4.16-19, sugere a resposta. Aqueles que eram cativos 
por quaisquer meios, físico ou espiritual, estavam experimentando libertação nos 
atos que apontavam para a obra de libertação de Deus por intermédio daquele a 
quem Deus tinha ungido. Aqui reside a força do testemunho. A cura forçou um 
reconhecimento de que Deus estava operando por intermédio de Jesus. Assim, o 
que eles fariam? O testemunho, portanto, funcionaria a favor ou contra os 
sacerdotes, dependendo de como responderiam a ele. O fato de que tanto Marcos 
quanto Lucas seguem esse evento com cinco controvérsias consecutivas mostra o 
caminho que os eventos estão seguindo. Os líderes desafiarão Jesus e não o aceitarão.
3 5 . A c u r a d o p a r a l í t ic o
(Mc 2 .1-12; Lc 5 .17-26; Mt 9.1-8, em seção de resumo posterioi') (Aland 
§43; Orchard §51; Huck-Greeven §64)
Esse evento constitui a primeira controvérsia em Marcos e faz parte de um 
relato que contém uma história de milagre e um pronunciamento. Lucas já registrou 
uma controvérsia na cena da sinagoga de Lucas 4, mas usa o paralítico para 
introduzir uma seqüência de cinco controvérsias, como Marcos o faz. A disposição 
de Marcos é baseada em um quiasmo (um padrão ABCB’A’), em que o evangelho 
é o tema. Assim, as próximas cinco cenas avançam:
A cura
B alimentação
C jejum e práticas piedosas 
B7 alimentação
A’ cura
Ilustra-se o evangelho na ação que atende às necessidades do povo, e ele está 
aberto a todos os tipos de associação em benefício de si mesmo.. A disposição de 
Mateus é diferente. Essa cura é a parte final de uma segunda tríade de curas (de 
um total de três tríades) que ele narra em Mateus 8.1-9.34, para introduzir o 
ministério de Jesus.2fi Cada tríade é quebrada com algum tipo de resumo ou unidade 
de ensino. Assim, Mateus apresenta esse milagre seguindo dois milagres que Marcos 
e Lucas deixam para mais tarde em seus relatos: o acalmar da tempestade e a cura 
de endemoninhados (Mt 8.23-34 menciona dois endemoninhados, não só um; 
Mc 4.35— 5-20; Lc 8.22-39). O que essa diferença indica é que os evangelistas 
algumas vezes se sentem livres para arranjar os eventos, em vez de tentar dar a eles
uma seqüência cronológica. É muito interessante notar que esse evento é o primeiro 
relato de controvérsia também no Evangelho de Mateus, embora Mateus introduza 
a controvérsia muito mais tarde na seqüência do que Marcos. Para Mateus, ele é 
simplesmente parte de um ciclo no qual o evangelista focaliza os atos miraculosos 
de Jesus e a atenção que eles estão chamando. A sessão maior de Mateus, que 
destaca o confronto, aparece em Mateus 11.2— 12.50. Em seus próprios estilos, 
Marcos e Lucas são tópicos aqui, pois destacam a controvérsia, ao apresentar esse 
evento como essencial. Para Mateus, o evento é também parte de outro foco tópico 
sobre a atividade miraculosa de Jesus.
Ao observar o evento, vemos que Mateus e Marcos situam a cura em Cafarnaum 
(“a sua cidade” [Mt]; “Cafarnaum”, “em casa” [Mc]). Marcos informa que “muita 
gente se reuniu ali, de forma que não havia lugar nem junto à porta”, enquanto 
Lucas especifica que “estavam sentados ali fariseus e mestres da lei, procedentes de 
todos os povoados da Galiléia, da Judéia e de Jerusalém”. Assim, Lucas, de uma 
forma que os outros evangelhos não o fazem, informa a ampla atenção que Jesus 
despertara. Só Lucas também registra que “o poder do Senhor estava com ele para 
curar os doentes”. Assim, Lucas reafirma sua descrição de Jesus como um agente 
ungido de Deus (veja Lc 4.18). Marcos e Lucas detalham o tamanho da multidão 
e a dificuldade que aqueles que levavam o paralítico tiveram para aproximá-lo de 
Jesus, pois tiveram de baixá-lo através do teto. Em outras palavras, Mateus conta 
a história com sua usual brevidade, e vai direto ao diálogo.
A chave para esse evento é o diálogo. Diante de um homem aleijado, Jesus opta 
por declarar que seus pecados estão perdoados e nada faz inicialmente a respeito de 
sua condição. Isso, aparentemente, era uma resposta estranha ao que obviamente 
era um pedido de cura para o homem. O gesto de perdoar foi imediatamente de 
significado teológico para os teólogos presentes. E aqui que Mateus e Marcos dizem 
que os escribas estão presentes, em que cada escritor informa que suas perguntas 
foram expressas em particular (“disseram a si mesmos” [Mt]; “raciocinando em seu 
íntimo” [Mc]). A observaçãoé afirmada com alguma variação: “Este homem está 
blasfemando!” (Mt); “Por que esse homem fala assim? Está blasfemando! Quem 
pode perdoar pecados, a não ser somente Deus?” (Mc); “Quem é esse que blasfema? 
Quem pode perdoar pecados, a não ser somente Deus?” (Lc). Mateus, mais uma 
vez, é mais breve, mas, em cada evangelho, o ponto é o mesmo. Jesus assumiu uma 
prerrogativa que pertence unicamente a Deus. Embora algum precedente para esse 
tipo de declaração exista no discurso de Nata para Davi em 2Samuel 12.13 e em 
um texto de Qumran, 4Q242 (oração de Nabonidos), não se afirma isso lá de 
forma tão clara e direta como Jesus parece fazer aqui."9
Cada evangelista registra que Jesus sabia o que seus questionadores estavam 
pensando, o que indica que Jesus agia com algum tipo de capacitação especial. E 
isso que ele fala. Mateus diz que Jesus os acusa de pensar o mal em seu coração, 
como também acrescenta um elemento de confrontação. Marcos e Lucas simples­
mente mostram Jesus perguntando por que eles levantam questionamentos. As
observações de Jesus estabelecem sua réplica real às perguntas deles; resposta essa 
que fica explícita por meio das ações dele. Ele apresenta um dilema sobre o que é 
mais fácil. E mais fácil perdoar pecado ou declarar que alguém se levante e ande? 
A resposta, que nunca é proferida, é que isso depende. Se alguém procura evidência 
de que alguma coisa aconteceu, então dizer: “Levante-se e ande”, é mais difícil 
porque, desse modo, o aleijado teria de andar. Quando, porém, se leva em conta 
o que realmente é necessário para perdoar pecados, então isso é mais difícil, porque 
é preciso ter a autoridade para realmente fazê-lo, mesmo que isso não seja visto. 
Assim, como Jesus resolve o dilema? Ele liga as duas coisas de forma que ele 
invoca o poder de Deus e, assim, revela que Deus lhe delegou a autoridade de 
perdoar pecados: “Mas, para que vocês saibam que o Filho do homem tem na 
terra autoridade para perdoar pecados...”. Portanto, Jesus diz ao paralítico para se 
levantar. A resposta do homem é emoldurada pelas observações de Jesus, para 
ilustrar a autoridade que ele possui de perdoar pecados. Se o homem pode se 
levantar, isso é porque Deus deu a Jesus, como Filho do homem, a autoridade de 
perdoar pecado e curou o aleijado como autenticação dessa autoridade outorgada. 
Em outras palavras, as autoridades teológicas desafiaram Jesus a respeito de sua 
afirmação de ser capaz de perdoar pecados; e a cura do aleijado é sua resposta, 
expressa em termos da poderosa réplica de Deus.
A reação do resto da multidão que observa à cura se manifesta de forma 
variada. Em Mateus, eles temem e glorificam a Deus que deu tal autoridade aos 
seres humanos. O plural mostra que para a multidão não havia particularidade 
nesse ato, como se fosse exclusivo a Jesus, mas simplesmente admiração de que 
Deus faça tal coisa por meio de agentes humanos. Em Marcos, eles ficam 
admirados, atônitos, e glorificam a Deus, ‘'dizendo: ‘Nunca vimos nada igual!’”. 
Marcos enfatiza a “autoridade” e o “novo” no ensino de Jesus que ele destacou 
para o leitor em 1.22,27. Alguma coisa realmente nova está acontecendo, de forma 
que mesmo a prática religiosa é diferente. Lucas é igual aqui. Apenas ele registra 
que o homem louvava a Deus enquanto caminhava (!) para casa, e a multidão, 
admirada, glorifica a Deus. Para eles, o que se vêem sao coisas “estranhas”. Essa 
não é uma multidão dada a aceitar um milagre em cada esquina, mas eles 
reconhecem que o que está acontecendo por intermédio de Jesus é anormal. E 
alguma coisa que precisa de explicação e reflexão.
Resumindo, o ato de Jesus é controverso porque a afirmação de perdoar 
pecados é controversa. O pronunciamento é muito mais importante aqui que o 
milagre em si, porque o milagre em si fala na forma como Jesus o apresenta. 
Embora o pano de fundo para a descrição de Jesus de si mesmo, como o Filho do 
homem, não é ainda explicada, o ponto é que tão grande autoridade reside nele e 
em suas declarações.30 Essa autoridade estende-se até ao perdão e também é retratada 
na reversão de uma condição de paralisia, o que permite que esse paralítico agora 
ande em novidade de vida. O ato força uma escolha da parte dos observadores e, 
assim, dos leitores: será que eles crêem de fato que Jesus tem tal autoridade?
36. O c h a m a d o d e L e v i /M a te u s
(Mc 2.13-17; Lc 5.27-32; Mt 9.9-13, em uma seção de resumo posterior')
(Aland §44; Orchard §52; Huck-Greeven §65)
Uma segunda área de controvérsia era a companhia que Jesus mantinha. Esse 
evento também é apresentado em duas partes. A primeira: há o chamado do 
coletor de impostos, cujo nome é “Levi”, em Marcos e Lucas, e “Mateus”, no 
primeiro evangelho.31 Em segundo lugar, aparece o relato de um banquete no 
qual Jesus está escandalosamente presente, pelo menos aos olhos dos líderes 
religiosos. A segunda parte da seqüência do evento leva a outro pronunciamento 
importante de Jesus.
Todos os sinóticos apresentam esse evento na mesma seqüência, seguindo a 
cura do paralítico. Assim, em Marcos e Lucas, essa é a segunda controvérsia na 
seqüência de cinco. Em Mateus é uma das unidades de ensino que ficam entre a 
segunda e a terceira tríades de milagres agrupados em Mateus 8— 9. Nessa posição, 
ela explica como a nota de controvérsia aumenta antes que de eclodir totalmente 
em Mateus 11— 12.
O chamado do coletor de impostos lembra a “narrativa sobre o chamado” em 
Marcos 1.16-20 e paralelos. O coletor de impostos está sentado em uma tenda, 
quando Jesus lhe diz: “Siga-me”, Assim, ele se levantou e o seguiu. No típico estilo 
lucano, só o terceiro evangelho registra que isso significou que ele “deixou tudo”. A 
escolha de um coletor de impostos é significativa, porque ele era considerado agente 
de um Estado estrangeiro, Roma, um vivido lembrete de que Israel, à época, não era 
uma nação livre. Assim, os coletores de impostos eram desprezados, seu contato e 
associação constante com os gentios e o potencial de fraude (veja Lc 3.12,13; cf.
19.8) levavam a uma conclusão natural, daí sua reputação de pecadores.
Conforme Mateus e Marcos observam, Jesus deliberadamente se engajava 
em tais associações e até compartilhava a comunhão à mesa com eles. Lucas se 
refere ao evento iniciador como uma “grande festa”. Toda a cena é perturbadora 
para aqueles escribas e fariseus que sabiam dela, e eles reclamam aos discípulos 
sobre Jesus comer e beber (apenas Lc) com os “publicanos e 'pecadores’”.32 A 
réplica de Jesus envolve um provérbio e apresenta, em Marcos e Lucas, uma 
afirmação de missão (“Eu nao vim para chamar justos, mas pecadores”) como 
uma explicação. Aqueles que estão sãos não precisam de um médico, mas o doente 
precisa. A missão de Jesus é servir aqueles que precisam. Assim, sua missão não é 
chamar os justos, mas chamar os pecadores. A versão um pouco mais longa de 
Lucas observa que a missão é chamar “pecadores ao arrependimento” 33 Mateus 
também usa o provérbio e a afirmação da missão. Entretanto, entre o provérbio e 
a afirmação da missão cita-se uma passagem bíblica: “Vão aprender o que significa 
isto: Desejo misericórdia, não sacrifícios”’. Essa palavra de repreensão profética 
origina-se de Oséias 6.6.34 Assim, Mateus mostra como a pergunta da liderança 
representa um fracasso em entender a vontade de Deus, como também um fracasso 
em dar atenção ao chamado profético de Deus para entender a prioridade na busca
de relacionamentos para que as pessoas sejam restauradas. O efeito da repreensão é 
que a própria liderança é exposta como estando doente, mesmo que não entendam 
isso. A observação adicional também eleva o tom de confronto de uma forma que 
falta nos paralelos de Marcos e Lucas. Nessa cultura de honra e vergonha, criticar 
severamente a liderança por falta de conhecimento bíblico seria quase indecoroso. A
liderança judaica conhecia o princípio, portanto a queixa de Jesus é sobre a falta de
f * % pratica.
Jesus busca ter relacionamento com os pecadores, não separar-se delese, ao 
procurar a vontade de Deus, ele busca a manifestação da misericórdia de Deus 
não como forma de negar o pecado, mas como o meio que possibilite que ele seja 
proveitosamente tratado, porque é a pecadores a quem ele procura curar, conforme 
demonstrado pela controvérsia anterior. Por mais controverso que seja, Jesus está 
à mesa e tem comunhão com aqueles a quem a liderança religiosa evitam. Dois 
estilos diferentes de relatar são colocados diante do leitor dos evangelhos, forçando 
uma escolha sobre como se começam os relacionamentos. A missão de Jesus é 
bem sucedida quando um pecador vem ao médico e procura ser curado, um 
quadro que Lucas descreve com o termo “arrependimento”. Vir ao médico é 
entender que se tem uma doença que outra pessoa deve tratar. Deus, em sua 
misericórdia, trata aqueles que se voltam para ele.36 Os relacionamentos de Jesus 
têm esse objetivo. A reforma do povo de Deus é possível só em um contexto em 
que a misericórdia possa ser concedida. Novamente, as ações de Jesus têm o objetivo 
de ensinar esses valores teológicos e até manifestá-los na prática.
3 7 . A p e r g u n ta s o b r e o j e j u m
(Mc 2 .18-22; Lc 5-33~39; Mt 9.14-17, em um contexto posterior) (Aland
§45; Orchard §53; Huck-Greeven §66)
A terceira controvérsia na seqüência Marcos-Lucas é sobre a ausência de jejum 
por parte dos discípulos. Mateus também apresenta o evento após o chamado do 
coletor de impostos, como parte de sua interrupção entre a segunda e terceira 
tríades de milagres, em Mateus 8-—9. Para Mateus, a palavra sobre a natureza do 
tempo é quase tão importante quanto a própria disputa, porque ela serve como 
comentário sobre a atividade do ministério, a qual está sendo descrita. Jesus faz 
coisas agora, quando ainda está presente entre seus discípulos, que não apresentam 
nenhum motivo para jejum. O relato em si é muito semelhante em todos os três 
evangelhos.
A questão é um ato específico de prática piedosa. Em contraste com os fariseus 
e os seguidores de João Batista, os discípulos de Jesus não jejuam.37 Parece que os 
fariseus tinham uma tradição de jejuar duas vezes por semana (Lc 18.12; Didache 
8.1).38 O judaísmo tinha alguns jejuns associados com feriados importantes, como 
o Dia da expiação e o Memorial da queda de Jerusalém (Lv 16.29,31; Zc 7.3,5; 
8.19). Eles eram considerados expressões de adoração séria. A aparente ausência 
de preocupação de Jesus com isso, teria sido perturbadora, e sua ausência de 
sensibilidade espiritual estava implícita para os que faziam a pergunta.
A réplica de Jesus é importante nao só porque ele explica a prática dos seus 
seguidores, mas também porque o simbolismo que ele usa — , de uma festa de 
casamento -— é tão cheio de significado. Jesus descreve o jejum como inapropriado 
porque o período atual é como a celebração de uma festa de casamento em que o 
noivo está presente. O espírito de celebração de um casamento capta o tom do 
que a chegada das boas novas deve significar. Entretanto, as coisas mudarão. Dias 
virão, assim afirma Jesus, quando o noivo será removido, e isso fará com que o 
jejum seja novamente apropriado. Essa referência à remoção do noivo parece aludir 
a sua rejeição e morte, mas o que é significativo é que Jesus se iguala ao noivo, 
uma imagem do Antigo Testamento para Deus (Is 61.10; 62.5; Jr 2 .2,32).39 
Também importante é o pano de fundo sugerido do relacionamento conjugal de
Deus com seu povo (Is 54.4,5; 62.4,5; Ez 16; Os 2). O judaísmo não tinha um
conceito do Messias como um noivo, assim, o simbolismo é único. A observação 
é obscura, mas sugere quão intimamente Jesus é identificado com a causa e o 
plano de Deus. Sua presença é a chave para a compreensão de sua afirmação. 
Marcos, e apenas ele, diz isso de forma mais enfática ao acrescentar o seguinte a 
respeito do jejum: “Não podem, enquanto o [o noivo] tem consigo”.
Apresentam-se, com esse pronunciamento básico, figuras proverbiais adicionais: 
duas em Mateus e Marcos e três em Lucas. O sentido dessas metáforas é que 
acrescentar apenas o que Jesus traz ao que foi feito antes não funciona. Ele traz 
algo novo que exige um recipiente diferente. Não se costura um pedaço de pano 
novo em um pano velho. O que se deixa escapar, com freqüência, nessa figura de 
linguagem é a suposição, pelo menos nas formas em que aparece em Mateus e 
Marcos, de que há um rasgo no pano que precisa de remendo. O ditado termina 
com a afirmação de que se pano novo e velho forem misturados, o rasgo subseqüente 
fica pior do que o que, por inferência, já existia. Assim, o ponto é que a prática 
judaica (tanto o judaísmo do Antigo Testamento como a prática do segundo 
templo, que se desenvolveu a partir dele) tem uma brecha e precisa de conserto. 
Esse conserto exige algo novo, não apenas um remendo. A versão de Lucas aponta 
simplesmente para o estrago que a mistura errada provoca (ele rasga) e ausência 
de uma combinação entre as partes velha e nova, uma afirmação só de Lucas.
A segunda representação usa o simbolismo dos odres. Aqui o ponto é que 
vinho novo rompe odres velhos, porque o odre velho é gasto e nao elástico. O 
resultado de tentar essa mistura do novo e do velho significa a perda dos dois, do 
odre e do vinho novo. Portanto, o vinho novo deve ser colocado em odres novos. 
Assim, a boa nova que Jesus traz é como uma nova era. E como a chegada de um 
casamento e uma nova família com novos costumes. Isso envolve uma nova 
abordagem do aproximar-se de Deus. O “novo” ensino exíge “novas” formas de 
ver a prática religiosa. Vinho novo vem em odres novos, assim, o vinho e os odres 
são preservados. Essa observação final é feita explicitamente só por Mateus.
Somente Lucas tem a terceira representação, Ela reflete sobre porque alguns 
não provam o vinho “novo”. E simplesmente porque eles estão satisfeitos com o 
velho. Eles dizem: “O vinho velho é melhor!”. Assim, aqui Jesus reconhece que
quando ele desafia a nação e afirma a necessidade de algo novo, alguns continuarão 
satisfeitos com o que eles já têm. Desse modo, a ilustração adicional de Lucas 
antecipa que alguns não aceitarão nenhuma mudança, o que estabelece a base 
para a futura oposição.
38 . O d e b a te s o b r e o s d is c íp u lo s c o lh e r e m e s p ig a s n o s á b a d o
(Mc 2 .23-28; Lc 6.1-5; Mt 12.1-8, em uma seção posterior em que a
controvérsia é destacada) (Aland §46; Orchard §54; Huck-Greeven §81)
A quarta e quinta controvérsias na seqüência marcana-lucana envolvem 
atividades no sábado. Mateus coloca esse evento mais tarde, em uma seção em 
que a confrontação e o convite ficam lado a lado. Mateus, após discutir sobre João 
Batista e pronunciar ais junto com um convite, volta-se para esse evento, seguido 
por uma segunda controvérsia em relação ao sábado, enquanto destaca o ministério 
de Jesus como “Servo de Deus”, um ministério não só para Israel, mas também 
para os gentios. Para Mateus, essas controvérsias com Israel não atrapalharão o 
plano de Deus para a humanidade.
O pano de fundo para esse evento é baseado no dia sagrado do descanso, o 
sábado no judaísmo.40 Os discípulos colhem espigas e as debulham para comer; 
esses atos são considerados violações múltiplas da prática do sábado, se m. 
Sabbatl.2 puder ser considerado um guia. Lá, os “quarenta menos um” atos 
proibidos nesse dia incluem ceifar, debulhar e peneirar. A preparação de comida 
era feita um dia antes para que o dia de sábado pudesse ser corretamente honrado. 
Deixar de observar esse dia santo era considerado algo completamente desrespeitoso 
para com a lei, porque o descanso do sábado era um dos dez mandamentos. Esse 
incidente foi uma disputa importante.
O relato é bastante similar nos três evangelhos, embora Mateus tenha dois 
elementos importantes de material adicional. O relato, conforme a situação se 
apresenta, é outra controvérsia que termina com um pronunciamento de Jesus. A 
resposta é disparada pela queixa e pergunta sobre por que seus discípulos estão 
fazendo o que não é permitido no sábado.41Na versão de Mateus, Jesus começa, como fez na disputa sobre suas associações 
pessoais, com um desafio a partir das Escrituras. Aqui se apresenta o exemplo de 
Davi e seus homens comendo do pão que era destinado somente para os sacerdotes 
(Lv 24.9; ISm 21.1-6). Alguns têm argumentado que o paralelo não é relevante, 
por nao envolver uma ação no sábado. Mas essa objeção não é válida. Davi teve 
permissão para fazer algo que a lei explicitamente proíbe. De fato, todos os três 
sinóticos destacam esse ponto com a observação: “que não era permitido a eles 
comer”, com todos destacando que esse pão era só para os sacerdotes. Jesus, 
aparentemente, como um de seus argumentos, sugere que há ocasiões quando 
uma lei, como a do sábado, pode ser “quebrada'1 como no caso dos pães da 
Presença.42 Na base da analogia pode estar a questão da necessidade humana 
básica, porque todos os relatos registram que ele e aqueles que estavam com ele
estavam com fome. Esse tipo de preocupação relacionai combina com o impulso 
ético geral do ensino de Jesus sobre o preocupar-se com o próximo.
O argumento de Jesus não pára aí. Mateus e Lucas concluem com a observação 
de que “o Filho do homem é Senhor do sábado”. Aqui Jesus faz uma abrangente 
reivindicação pessoal de autoridade sobre o dia sagrado que Deus instituiu, um 
dia regido por um dos mandamentos. Como no caso em que se colocou no lugar 
do noivo e quando reivindicou poder perdoar pecados, isso associa Jesus com 
Iahvé. Em outras palavras, Jesus está fazendo uma série de afirmações nessas 
controvérsias que o ligam intimamente com Deus. Jesus, em vez de fazer a 
identificação explícita ou a confissão de ser uma certa pessoa, afirma que suas 
ações ajudam a definir quem ele é.
Provavelmente, nao é acidente que, em Lucas e Marcos, esse relato siga a 
discussão sobre “odres novos”, porque a atitude de Jesus sobre o sábado mostra 
quão diferente a atitude dele é da prática corrente. O relato de Lucas é o mais 
curto, já que ele deseja só afirmar a identidade daquele que reina até sobre o 
sábado.
Marcos tem uma outra observação exclusiva. E que o sábado foi feito por 
causa do homem, e não o homem por causa do sábado”. Em outras palavras, esse 
é um contraprotesto de Jesus, de que a lei d.o sábado nunca teve a intenção de 
impedir que uma pessoa atendesse suas necessidades básicas. Davi e seus soldados 
estavam com fome, portanto comeram os pães da presença sem sofrer o julgamento 
de Deus (e os sacerdotes no templo aparentemente deixaram que isso acontecesse!). 
Portanto, os discípulos de Jesus podem recolher as espigas deixadas para os pobres 
à margem de um campo (Dt 23.25). A declaração de Jesus de que o Filho do 
homem é Senhor do sábado vai nessa direção em Marcos, levantando a questão 
sobre se a observação de Jesus naquele evangelho é mais genérica, apontando para 
autoridade de pessoas em geral. Entretanto, Jesus não está falando da autoridade 
da humanidade sobre o sábado. Nada parecido com isso existe em seu ensino. 
Antes, aquele que é o Filho do homem e que recebeu autoridade escatológica de 
Deus para julgar possui tal direito. O novo tempo aponta para a presença do 
personagem principal que traz a nova era. Assim, uma afirmação escatológica 
serve como argumento definitivo ao longo de uma ilustração e permite a exceção. 
A explicação de Jesus afirma que a lei do sábado foi designada não para ser um 
obstáculo para o povo.
O argumento de Mateus, provavelmente porque ele está mais preocupado 
com questões judaicas, é até mais detalhado. Entre o exemplo de Davi e a declaração 
escatológica de conclusão, há dois pontos novos, Primeiro, Mateus apela para um 
outro exemplo: sacerdotes trabalhando no templo aos sábados. Eles “trabalham” 
no sábado com os sacrifícios e “profanam” o dia, mas continuam “sem culpa”. O 
argumento de Jesus parece ser que a lei do sábado não é uma lei absoluta como a 
tradição sugere. Ela pode ter exceções. Mas ao afirmar isso, ele aumenta as apostas 
ao afirmar que uma coisa maior que o templo agora está presente. Em outras 
palavras, se o trabalho sacerdotal no templo não é coberto pelas restrições do
sábado, sua atividade também não é! Essa é outra forma de fazer a afirmação 
escatológica acima mencionada. Se Jesus tem um valor que é maior que o templo 
- note o quanto isso sería alarmante para os ouvidos judeus, porque o templo era 
visto como habitação de Deus! — então, ele e aqueles que trabalham com ele estão 
isentos de obrigações do sábado até mais que os sacerdotes no templo.
O segundo apelo exclusivo de Mateus é novamente citar Oséias 6.6, como 
foi feito em Mateus 9.13. Aqui está um argumento relacionai de Jesus. Deus 
deseja misericórdia, não sacrifícios. Ele deseja que as pessoas sejam tratadas de 
forma que a misericórdia seja premiada, e nao o ritualismo ordenado. Como tal, 
sua condenação implícita “do inocente” é errada até por padrões proféticos. Mateus 
deseja mostrar que se seu leitor olhar a história, a adoração, ou os profetas de 
Israel, o que Jesus fez reflete mais exatamente os valores de Deus.
O argumento que Jesus usa funciona em muitas esferas: bíblica, jurídica, 
relacionai e escatológica. Não importa muito de que forma a questão é considerada, 
pois o direito dos discípulos colher as espigas no sábado enquanto viajam nao 
deveria ter sido desafiado. O “novo” caminho entra em conflito com as “velhas” 
práticas. Não aconteceu nenhuma violação da lei, embora, na superfície, pareça 
ter havido. Antes, ele honra o desejo relacionai que Deus tinha de que a misericórdia 
fosse manifestada e que o sábado fosse para o bem das pessoas. Mesmo que aqueles 
argumentos não convençam, aplica-se um fator final. O Filho do homem, o ser 
humano representativo, recebeu autoridade de Deus até sobre o sábado. No fim, 
todas as controvérsias forçam uma escolha sobre quem é Jesus.
39. C u ra n a s in a g o g a e m d ia d e sá b a d o : O h o m e m c o m a m ã o 
a tr o f ia d a
(Mc 3 .1-6; Lc 6.6-11; Mt 12.9-14, na seção de controvérsia posterior)
(Aland § 47; Orchard §55; Huck-Greeven §82)
A controvérsia final na seqüência de Marcos e de Lucas tem o tipo de uma 
estrutura. Na forma, a narrativa é outro relato misto de “controvérsia” e cura, mas 
nesse caso, a cura claramente depende do detalhamento da disputa. Quase nenhuma 
atenção é dada ao homem curado ou a qualquer reação da multidão, mas o foco 
está em Jesus versus a liderança.
Na sinagoga aparece um homem com a mão direita atrofiada, uma condição 
que provavelmente o impede de trabalhar. Em circunstâncias normais, as pessoas 
teriam visto tal cura com grande respeito (lR s 13.6; Testamento de Simeão 
2.12,13). Entretanto, afirma-se que os fariseus estão “vigiando” Jesus para ver se 
ele curaria o homem 110 sábado.43 Todos os três relatos registram os motivos dos 
oponentes: eles procuram acusá-lo. A localização que Mateus dá para o evento 
também segue a cura do sábado anterior, como parte de sua seção sobre a 
confrontação em Mateus 11— 12. Em Mateus, Jesus é diretamente desafiado 
quanto a se é legítimo curar no sábado. O teste parece igualar a cura com 0 
trabalho. Para alguém que não estava em perigo de morrer, a visão dos líderes era 
que tais atos de cura podiam esperar um dia mais.
A tardia Mishná discutia o que podia e o que não podia ser feito no sábado. 
Para muitos, os remédios podiam ser aplicados somente se a vida estivesse em 
perigo ou se houvesse alguma outra necessidade urgente (m. Yoma 8.6: “Ainda 
mais R. Mattiah b. Harash disse: ‘Aquele que tem dor de garganta — que eles 
coloquem remédio em sua boca no sábado, porque nao se sabe se é um perigo 
para a vida”’; m. Sabbat22.6: não se deve nem mesmo consertar um osso quebrado; 
veja também m. 'Eduyyot 2.5), embora tentativas tenham existido de evitar essa 
restrição, especialmente se o remédio tivesse sido preparado antes do sábado (m. 
Sabbat 14.4; 19.2). Os sectários em Qumran eram ainda mais rigorosos, eles 
proibiam qualquer atividade importante (CD 11.5-18: ninguémpode deixar um 
animal pastar mais que a extensão de mil côvados).44
Jesus, conhecendo os pensamentos desses homens, segundo Lucas, diz para o 
homem vir até ele; nesse ponto, Mateus tem o detalhe exclusivo, apontando para 
uma inconsistência na prática judaica e acrescentando uma nota de confrontação 
adicional, como um relato anterior sobre o colher espigas no sábado. Ele comenta 
que se uma das ovelhas deles estivesse sofrendo após ter caído em um buraco no 
sábado, eles cuidariam disso e a tirariam para fora, mas um ser humano vale 
muito mais que uma ovelha; assim, a implicação é que o sofrimento humano 
também deve ser aliviado no sábado. Nesse ponto, todos os relatos registram essa 
conclusão: fazer o bem no sábado é “legítimo”. Em Marcos e Lucas, Jesus usa o 
mesmo termo para “legítimo” (éE^oxiv) que seus oponentes usam na pergunta 
presente na versão de Mateus. Nesses evangelhos, Jesus enfrenta a questão com 
sua própria pergunta carregada de ironia: “O que é permitido fazer no sábado: o 
bem ou o mal, salvar a vida ou destruí-la? [Lc] - ou matar [Mc]?” Jesus está 
sugerindo um motivo. Em um dia em que Deus deve ser glorificado, os fariseus 
estão olhando para ver se podem pegar Jesus e fazer uma acusação contra ele; em 
contraste a isso, Jesus realiza um ato que restaura um homem a sua saúde completa. 
Agora, o que é melhor? A pergunta levanta uma questão genuína sobre quem está 
fazendo um trabalho melhor de honrar o sábado!
Jesus age. Somente Marcos registra que ele faz isso em uma combinação de 
ira e tristeza pela dureza de coração que eles manifestam. Jesus “trabalha”. Ele 
simplesmente diz para o homem estender a mão. Ao fazer assim, ele apresenta a 
evidência de que sua mão tinha sido restaurada. Diferente da controvérsia sobre o 
sábado, na qual Jesus e seus discípulos tinham tomado a iniciativa de agir no 
sábado, esse evento mostrou uma manifestação de autoridade que aparentemente 
provava que Deus agira em favor de Jesus. Por sua vez, a reação dos fariseus é 
rápida. Em Mateus, afirma-se que eles “começaram a conspirar sobre como 
poderiam matar Jesus”. Marcos relata que eles “começaram a conspirar com os 
herodianos contra Jesus, sobre como poderiam matá-lo”.4’ Lucas é mais vago: 
eles “começaram a discutir entre si o que poderiam fazer contra Jesus”.
Assim, todos os três sinóticos vêem uma linha que, conforme a compreensão 
da liderança, fora transposta nesse desafio final sobre o sábado. A série de 
controvérsias leva a uma escolha sobre resistir a Jesus. Sua atividade no sábado é
um ponto decisivo nessa disputa. Jesus traz “novos” caminhos, mas aqueles que 
gostavam dos velhos caminhos não querem que estes sejam alterados.
4 0 . R e s u m o : J e s u s c u r a j u n t o a o m a r
(Mc 3 .7-12; Lc 6.17-19, seguindo a escolha dos doze, invertendo a ordem de
Marcos; Mt 4 .24,25 e 12.15,16) (Aland §48; Orchard §57; Huck-Greeven
§84 a)
Esse resumo marcano-lucano completa a seção sobre a controvérsia, embora, 
em Lucas, ele siga a perícope sobre a escolha dos doze, ao passo que, em Marcos, 
ela a precede. Em Mateus, os dois resumos são registrados, porque um (Mt 4) 
deles precede seu próximo grande bloco de ensino, o Sermão do Monte; que, em 
Lucas, é paralelo ao Sermão da Planície, que também vem logo a seguir. O resumo 
de Mateus 12 é o que segue aquele incidente do sábado. Ele também é muito 
similar em força a Marcos 3.9-12. Aqui está outro caso em que a distribuição 
varia entre os evangelhos, e alguns temas até parecem ser repetidos. O resumo em 
Mateus 12 é parte de uma unidade mais longa que cita Isaías 42.1-4, como uma 
profecia cumprida em Jesus.
A principal característica desses resumos é que eles atestam a crescente 
influência de Jesus. Grandes multidões estão vindo. Lucas registra Judéia, Jerusalém, 
Tiro e Sidom. Assim, tanto os de dentro quanto os de fora de Israel estão vindo. 
Eles vêm para ouvir, para ser curados e ter os espíritos impuros exorcizados. As 
multidões procuravam tocá-lo, porque sabiam que o “poder saia dele e curava a 
todos”. Jesus é retratado como capacitado e equipado por Deus para produzir a 
cura.
Marcos menciona que Jesus se retira para o mar e se afasta de muitos que vêm 
da Galiléia. Mas também há pessoas da Judéia, Jerusalém, Iduméia, do outro lado 
do Jordão e de Tiro e Sidom. A inclusão que Marcos faz da Iduméia, terra natal de 
Herodes, é interessante. Ela se liga à observação anterior, exclusiva de Marcos, em 
3.6, sobre a oposição herodiana. Assim, há oposição política a Jesus, bem como 
curiosidade sobre ele a partir da terra natal de Herodes. Como uma consulta a um 
mapa antigo mostrará, a fama de Jesus tinha se espalhado em todas as direções. A 
multidão, à medida que eles o procuravam, estava se tornando alvoroçada, assim 
ele mandou preparar um barco para si. Ele também expulsava demônios. Estes 
tentavam dizer seu nome, provavelmente como um meio de controlá-lo.46 
Entretanto, o fato de eles chamarem Jesus de “Filho de Deus” faz com que ele dê 
uma ordem para que silenciem, quase como Lucas 4.41 já registrara. Jesus nao 
aceita uma fonte demoníaca para essa confissão, embora, de novo, o ponto seja 
irônico, porque aquilo que as forças espirituais malignas reconhecem foi rejeitado 
por muitos de quem se esperava que pudessem ver a mao de Deus operando.
O resumo de Mateus 4 é o mais fascinante. Mesmo que esse evangelista esteja 
mais preocupado com as questões relacionadas a Israel, como visto em seu relato 
circunstanciado sobre as disputas acerca do sábado, ele registra que a fama de 
Jesus se espalhou para lugares como a Síria, Decápolis e além do Jordão. Esses
locais eram predominantemente nao judaicos, assim, os gentios, junto com pessoas 
da Galiléia e da Judéia, traziam seus doentes. Mateus até especifica todas as classes: 
“os que estavam padecendo vários males e tormentos: endemoninhados, epiléticos 
e paralíticos”. Jesus os curou, assim grandes multidões vieram a ele. O que é 
significativo é que o Sermão do Monte é apresentado a essas multidões apesar de 
sua etnicidade mista. Assím, a mensagem ética de Jesus sobre o discipulado e a 
esperança do Reino alcançou a todos, sem discriminação étnica, embora Israel 
fosse a preocupação primária. Em Mateus 12, o resumo simplesmente registra 
que Jesus curou e, ao mesmo tempo, advertiu os curados “que nao dissessem 
quem ele era”. Jesus estava preocupado com o que era dito sobre ele e quantas 
pessoas estavam sendo atraídas pelo aspecto de cura de seu ministério. Mateus 12.15 
registra como ele acabava de ter sido forçado a retirar-se por causa da atenção que 
seus ensinos estavam atraindo.
Esses resumos indicam a crescente popularidade de Jesus e a curiosidade sobre 
ele. As curas e expulsão de demônios atraíram muita atenção. Mateus e Lucas 
também registram o ensino de Jesus, quando Mateus relata o Sermão do Monte e 
Lucas apresenta o Sermão na Planície.
41. A e sc o lh a d o s d o z e (M c 3 .13-19 a ; L c 6.12-16; M t 10 .1-4> 
u m a se ç ã o p o s te r io r n a q u a l a m is s ã o é o tó p ic o )
(Aland §49; Orchard §58; Huck-Greeven §85)
O evento final a ser examinado antes de nos voltar para o ensino de Jesus é a 
escolha dos doze. De dentro do grupo maior de seus seguidores vieram aqueles ao 
redor de quem Jesus especialmente construiria seu “novo” caminho de reforma. 
Jesus escolheria um grupo de discípulos em face da oposição, como a localização 
em Marcos e Lucas indica, o que mostra que a rejeição de Jesus pelos grupos 
principais do judaísmo não o deterá.
Os sinóticos têm diferentes ênfases. A colocação de Mateus, no início de uma 
seção sobre missão, é adequado. Jesus reúne os doze para ajudá-lo a anunciar sua 
mensagem da aproximação do Reino. Só Lucas registra que a escolha seguiu toda 
uma noite de oração. Ele também é o único a chamá-los de “apóstolos” nesse 
ponto e a especificar que a seleção foi feita a partir de um grupo maior. Seu relato 
também é o mais breve, simplesmente nomeando os doze, começando com Pedroe terminando com aquele que por fim trairá Jesus, como fazem as três listas sinóticas 
dos doze.47 As listas não estão na mesma ordem. Um discípulo parece ter tido dois 
nomes (Tadeu = Judas, filho de Tiago). Os primeiros quatro sao sempre Pedro, 
André, Tiago e João, mas nem sempre aparecem na mesma ordem.48 Marcos 
descreve a missão deles em termos triplos: estar com ele, pregar e ter autoridade 
para expulsar demônios e curar toda doença. O chamado para pregar é guardado 
para a descrição seguinte da missão.
O elemento significativo da seleção é que há doze escolhidos para essa função 
especial. Eles servem como um paralelo para a estrutura de Israel com suas doze
tribos. O chamado profético de Jesus para a reforma terá sua própria estrutura e 
liderança.49 Como Lucas mostra mais tarde, quando, em Lucas 10 uma missão 
maior é ordenada, eles são o núcleo de um grupo mais significativo de emissários. 
Por fim, deve ser notado que esses homens, emergindo da vida diária, vêm de 
uma variedade de origens. Sabemos que alguns deles eram pescadores. No grupo, 
há um coletor de impostos e um “zelote”, duas pessoas dos extremos opostos do 
espectro político, um serve a Roma, e o outro procura vencê-la. A variedade na 
seleção indíca como Jesus reuniu pessoas de diversas perspectivas. Também mostra 
que ele queria “gente comum” para levar a mensagem aos seus semelhantes.
Conclusão
O início da atividade de Jesus acarreta três elementos: seu ensino, sua atividade 
de cura e exorcismo, e as controvérsias que suas reivindicações à autoridade levan­
taram. Jesus foi desafiado por sua reivindicação de perdoar pecados, suas associações 
com pecadores ou pessoas politicamente suspeitas, sua ausência de atenção aos 
detalhes da tradição piedosa e seu tratamento do sábado. Suas curas e expulsão de 
demônios indicavam a presença de poder incomum, e suas práticas deixavam 
muitos dos oficiais do judaísmo nervosos. Seu chamado para a reforma também 
desafiava o estado espiritual da nação. Mas o mais perturbador era sua declaração 
de autoridade e a natureza da era que ele declarava que já estava presente. Era uma 
era de cumprimento, e ele era sua figura central e iniciadora. Seu ensino com 
autoridade era tanto o novo caminho como a afirmação de trazer à realização o 
que fora prometido. As tensões de continuidade e desconrinuidade em seu ensino 
produzia suas próprias tensões quando Jesus cumpria e ultrapassava o Antigo 
Testamento. As pessoas eram confrontadas com a necessidade de decidir sobre 
ele, bem como considerar seu próprio estado espiritual. Esse médico tínha uma 
mtssão de pregar o Reino e chamar o doente ao arrependimento. Sua função nesse 
plano era um elemento central do programa. A prescrição do médico apontava 
para ele como a chave para obter a cura. Assim, o ministério de Jesus na Galiléia 
forçou sua audiência a fazer uma escolha sobre o plano de Deus e aquele que o 
representava. Ele seria acolhido ou repelido? O relato dos evangelhos daquele 
ministério compele os leitores de hoje à mesma escolha. Aqueles que abraçam o 
chamado para ter parte na era de promessa e de realização de Deus enfrentam a 
questão: “O que o chamado para participar envolve?”. Os elementos principais 
da resposta aparecem em um dos mais famosos discursos de Jesus, o Sermão do 
Monte, como registrado em Mateus. A versão de Lucas, o Sermão da Planície, é 
um resumo daquele ensino, sem alguns dos elementos jurídicos judaicamente 
orientados. A forma concisa de Lucas mostra como esse ensino foi apresentado a 
uma audiência predominantemente não judaica. Esse é o próximo passo em nossa 
história.
N o ta s
1 Scot McKnight, A New Vision for Israel: The Teachings o f Jesus in National Context, Grand 
Rapids: Eerdmans, 1999, p. 7.
s John Meier, A Marginal Jew: Rethinking the Historical Jesus, 2 vols., ABRL, New York: 
Doubleday, 1994, 2:970.
1 Nesses capítulos em que estudamos eventos compartilhados por vários evangelhos, o evangelho 
cuja ordem estamos seguindo é alistado primeiro. Nessa seção, Marcos está muitas vezes na 
frente, embora sempre que ele e Mateus se sobrepõem de forma exata, Mateus é alistado 
primeiro.
q Larry W. Hurtado, Mark, New International Biblical Commentary 2, Peaboby, Mass.: 
Hendrickson, 1989, p. 21-22.
3 Parece provável que Mateus e Marcos contenham a localização temporal aproximada do 
evento. Mateus e Marcos são suficientemente semelhantes na descrição da reação da multidão 
a Jesus para igualar esse evento com o relato de Lucas. Outro ponto é que, em Lucas, a 
exposição da mensagem de Jesus na sinagoga provavelmente deve ser vista, do ponto de vista 
literário, como representativa do que ele pregou em outras sinagogas, embora as asseverações 
sejam mais ásperas em Nazaré, onde eles o conheciam muito bem.
b Para uma plena discussão da cristologia e do debate ao redor desse texto, veja Darrell L. Bock,
Luke 1.1-9.50, BECNT 3A, Grand Rapids: Baker, 1994, p. 404-13- 
7 BAGD, p. 47; BDAG, p. 55.
M David Gari and, Mark, NVI Application Commentary, Grand Rapids: Zondervan, 1996, p,
69 cita também Ez 29.4; 47.10; Am 4.2; Hc 1.14-17.
9 Robert Gundry, Mark: A Commentary on His Apologyfor the Cross, Grand Rapids: Eerdmans, 
1993, p. 72. Veja também 1QH 5.7-8 ( = col. 13), onde a metáfora é igualmente associada 
com julgamento.
5(1 Gundry, Mark, p. 66,70.
!1 Richard Horsley, Galilee: History, Politics, and People, Valley Forge, Pa.: Trinity Press 
International, 1995, p. 193-94,
]1 Sobre a importância desse texto para Marcos, veja Robert Stein, “The ‘ red ac t ionsgeschichrlich’ 
Investigation of a Marcan Seam (Mc 1:21 if.),” Zeitschrififlir die neutestamentliche Wissenschaji 
und die Kunde der ãlteren Kirche 6, 1970, p. 70-94. Esse artigo também aparece em seu 
Gospels and Tradition: Studies on Redaction Criticism o f the Synoptic Gospels, Grand Rapids: 
Baker, 1991, p. 69-96. Stein tenta descobrir a ênfase de Marcos pela forma como ele liga 
passagens por meio dessas costuras. Ele observa que embora Marcos tenha pouco material 
de discurso, seu evangelho usa o termo “mestre” doze vezes para descrever a obra de Jesus. R. 
T. France, “Mark and the Teaching of Jesus,” in Gospel Perspectives: Studies o f History and 
Tradition in the Four Gospels, vol. 1, ed. R.T. France e David Wenham, Sheffield: JSOT, 
1980, p. 101-36, observa que Marcos tem numerosos relatos de pronunciamentos. Um 
pronunciamento de Jesus habitualmente é tudo que é necessário (p. 106), Como France diz: 
“Um ‘novo ensino’ aparentemente devia ser parte da era messiânica, de forma que se esperava 
que o Messias realizasse sua missão tanto em palavras como em atos, e isso Marcos mostra 
Jesus fazendo... O Reino é estabelecido tanto sobre seu ensino como sobre suas obras (p.l 11). 
France afirma que o ensino é mais importante para Marcos do que consideram aqueles que 
pensam que Marcos tende a focalizar o registro de feitos. Como France, corretamente, observa, 
a ausência de blocos de ensino não é o mesmo que a ausência de ensino. O ensino de Jesus 
é destacado em Marcos por meio de muitos pronunciamentos importantes e decisivos.
u Graham H. Twelftree, Jesus the Exorcist: A Contribution to the Study ofthe Historical Jesus, 
Peabody, Mass.: Hendrickson, 1993, p. 3. Esse é o primeiro relato de milagre em nossa 
seqüência. Dois excelentes estudos das questões ligadas a milagres sãoTwelftree (evangelical),
Jesus the Miracle Worker: A Historical and Theologicãl Study, Downers Grove, 111.: InterVarsity, 
1999, e Meier (crítico), A MarginalJew, 2:509-1038. O capítulo 18 de Méier, sobre paralelos 
antigos, é particularmente valioso para indicar as diferenças entre os relatos de milagre, 
entre o bíblico e o greco-romano, enquanto que o capítulo 17 explica como muitos críticos 
vêem os milagres como algo fora da esfera da documentação histórica demonscrável, pois 
falam só do ponto de vista histórico. No fim, os milagres são uma questão de visão de 
mundo e de teologia. Para quem acredita que Deus existe e age na história, eles saopossíveis, 
Para aqueles que descartam a presença de Deus ou crêem que ele não age dentro da história, 
outras explicações para tais fenômenos serão buscadas. O que tanto Twelftree quanto Meier 
enfatizam é que nenhuma linha da tradição de Jesus é tão bem atestada para sua presença do 
que a crença de que Jesus realizou milagres diante de sua audiência. Eu observaria também 
que essa reputação deixa traços até nas tradições que vêm dos inimigos de Jesus (veja o 
capítulo 1 de meu Studying the Historical Jesus, Grand Rapids: Baker, 2002, e as tradições 
ligadas à afirmação de que Jesus era um enganador e feiticeiro). Como tal, a reputação que 
Jesus tínha de operador de milagres não é tacilmente descartada.
14 Graham H. Twelftree, “EI... AE... EFQ EKBAMQÍ’A AA1MON1A...”, in Gospels Perspectives: 
Studies o f History and Tradition in the Four Gospels, vol. 6, ed. David Wenham e Craig 
Blomberg, Sheffield: JSOT, 1986, p. 361-400, esp. 368-387.
n Iwelftree, “EI AE'3, p. 383-87. Twelftree registra numerosos paralelos em seu sumário. Ele 
destaca, especialmente em papiros mágicos, o hábito de nomear o que acontece entre o 
demônio e a pessoa que expulsa demônios, os apelos ao Altíssimo e a invocação para o 
demônio ficar “amarrado” como forma de conseguir que fique em silêncio. Veja PGM4.1068,
1243-45, 3019; 5.46; 8.6-7,13; 9.9; 36.164; P. London 121.396,967 {Greek Papyri in the
Britisch Museum, vol. 1, ed. F.G. Kenyon, Londres: British Museum, 1893).
“'Twelftree, “EI... AE”, p. 374-75.
'■ Ibid., p. 378. Para o debate que gira ao redor desse texto e uns poucos outros textos marcanos 
como parte do debate sobre a proposta de Wrede de um segredo messiânico em Marcos, veja 
Ben Witherington III, The Chnstology of Jesus, Minneapolis: Fortress, 1990, p. 263-65.
Ií! A classificação feita por Edwin Yamauchi é apropriada aqui: “Magic or Miracle? Diseases, 
Demons and Exordsms”, in Wenham e Blomberg, eds., Gospels Perspectives, vol. 6, p. 132-33.
1<J Howard Clark Kee, “The Terminology of Marks Exorcism Stories”, New Testament Studies 
14, 1967-69, p. 232-46, esp. 235. Veja Zc 3.2 (de Satanás); SI 68.31 {= 68.30 port.); 106.9;
1 QapGen 20.28-29; Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke, 2 vols., AB 28, 28A, 
Garden City.: N.Y.: Doubleday, 1981-85, 1:546.
‘ü Essa contagem em todos os evangelhos é de Twelftree, Jesus the Miracle Worker, p. 328-29. 
Twelftree conta dezessete milagres mais três ressurreições. Meier, A Marginal Jew, 2:678, 
tem um total de dezessete milagres, incluindo ressurreições. O número de Meier exclui dois 
relatos de Mateus que ele vê como duplicações. A questão sobre se o filho do centurião é 
também recontado em Jo 4 pode resultar em um número diferente no total de curas, em que 
o total deve ser decrescido em um milagre, se esse for visto como igual a Mt 8 e Lc 7. Em 
contraste, os evangelhos registram quatro exorcismos (endemoninhado na sinagoga, 
endemoninhado(s) gadareno(s), a filha da siro-fenícia, o menino epiléptico), nenhum dos 
quais aparece em Jo.
21 Observe a discussão em Gerd Theissen, Miracle Stories o f the Early Christian Tradition, 
Edinburgh: Clark, 1983, p. 85-90.
” Twelftree, “EI AE”, p. 362-63.
23 Observe como algumas dessas passagens mencionam o que está acontecendo na Judéia, 
principiando ou começando na Galiléia. I.FI. Marshall, Luke: Historian and Theologian, 
Grand Rapids: Zondervan, 1971, p. 71 n.3, indica que Plínio, o Velho, Natural History 
5.70 (especificando a Galiléia como parte da Judéia}; Strabo, Geographica 16.21; e Dio
Cassius, Roman History 3 7 .15-2-17.3 (esp. 37.16.5-17.1) atestam esse “amplo" uso do termo. 
Assim também Rtn 15-31; 2Co 1.16; ITs 2.14; veja W. Gutbrod, wIopatjÃ,\ TDNT, 3:382.
M Tentativas toram feitas para equiparar esse texto com o texto de milagre em Jo 21, para 
chamá-lo de uma epifania, mas esses eventos e seus ambientes são muito diferentes para
serem equiparados. Veja Bock, Luke 1.1-9.50, p. 448-49.
^ O pedido é expresso em grego como uma condição de classe três, assim, o leproso nem indica 
como ele pensa nem presume como Jesus responderá. Para um panorama das sentenças 
condicionais em grego e sua classificação, veja Daniel B. Wallace, Greek Grammar Beyond 
the Basics, Grand Rapids: Zondervan, 1996, p. 679-712.
26 Uma coisa que essa ordem não indica é um “segredo messiânico” criado por Marcos para 
ocultar um ministério não messiânico de Jesus em face da confissão da igreja primitiva deie 
como o Messias. Wiiliam Wrede afirmou que o "‘segredo” era uma forma de Marcos descrever
o ministério como messiânico quando a realidade era outra. Mas o argumento de Wrede é 
mal concebido, porque a reação e desobediência do homem mostram que o “segredo” não 
foi muito bem guardado, minando assim seriamente o que se supõe que seja um motivo 
criado após o fato. Uma explicação melhor para a ordem é a preocupação de Jesus com a 
atenção que seus atos atrairiam, como Marcos sugere.
í; O plura) traduzido por “eles” aqui é algumas vezes traduzido por "povo”, como na ARA. Mas 
isso provavelmente faz o texto dizer demais. E o sacerdote e seu círculo que ouviriam o 
testemunho e aceitariam o alegre sacrifício que viria com ele. Assim, seguindo a lei, o sacerdote 
ouviria sobre o que Deus estava fazendo entre o povo.
2Í1 W. D. Davis e D. C. Aliison, A Criticai and Exegetical Commentary on the Gospel according to 
Saint Matthew; 3 voís. Internacional Criticai Commentary, Edinburgh: Clark, 1988-97, 
1:67-69- Eles observam como Mateus usa numerosas tríades em Mt 1-12; veja também p.
86-87.
29 No texto de Nabonidos, o rei teve uma inflamação por sete anos que foi purificada quando 
ele orou a Deus e um “exorcista perdoou meu pecado”. Nenhum reconhecimento ou 
preparação desse tipo são indicados no encontro de Jesus com o paralítico. Jesus, de taro, usa 
a voz passiva (“seus pecados estão perdoados”), que indica que Deus é a fonte do perdão. 
Entretanto, a controvérsia surge porque Jesus entra diretamente e sem convite nessa área. 
As raízes desse título residem em uma descrição de uma personagem humana que recebe 
autoridade divina em Dn 7.13,14. Essa personagem é descrita como “alguém semelhante a 
um filho de homem”. Em Daniel, a frase não é ainda um título, embora no judaísmo posterior 
a imagem viesse a descrever um personagem de autoridade escatológica de juízo (veja lEnoque 
37-71; 4Esdras |= 2Esdras] 14). As raízes bíblicas do título e sua associação explícita com Dn 
7 não aparecem senão no fim do ministério de Jesus, tornando seu uso aqui um pouco 
críptico. Para um estudo completo da complexidade por trás do uso de Filho do homem, 
porque ele é também uma expressão aramaica que significa “aigum humano”, veja Darrell L, 
Bock, “The Son ot Man in Luke 5:24”, Bulletin for Bibtical Research 1, 1991, p. 109-21.
31 Pessoas conhecidas por dois nomes não sao incomuns nesse período — Saulo/Paulo e Simão/ 
Pedro, por exemplo. Assim, é provável que Levi e Mateus sejam a mesma pessoa.
'2 Lucas retornará a essa acusação incluindo “beber”, em Lucas 7.34.
■'•'“Arrependimento” é o termo favorito de Lucas. Ele o usa quatorze vezes em seu evangelho, 
como um substantivo ou em sua forma verbal, comparado com três vezes em Marcos e sete 
em Mateus.
M Mateus citará esse texto de novo em 12.7.
3- Craig Keener, Matthew; IVPNTCS 1, Downers Grove, 111.: InterVarsity, 1997, p. 189-90. 
Keener observa como o princípio é afirmado em textos tais como Eclesiástico 35.1-7 e Oração 
de Azar ias 16-17. A passagem do Eclesiástico explica como a atividade que honra a Deus e 
mostra bondade é como uma oferta digna no altar. Keener também observa que a metáfora
do médico é comum, citando um exemplo tardio de Diógenes Laércio (Lives o f Eminent 
Philosophers 6.1.6), que responde à crítica de associações de filósofos dizendo: “Médicos 
atendem seus pacientes sem que eles mesmos fiquem com febre”.
’ “Voltar” é o significado básico de arrependimento no Antigo Testamento. Jesus, mais tarde, 
observará que a pregação de arrependimento é algo enraizadono Antigo Testamento (Lc
24.47).
v Note como Lucas inclui, de novo, a questão de beber como parte da queixa — uma observação 
única, como em Lc 5.30.
 ̂ A passagem do Didache é fascinante. Ela fala de um jejum duas vezes por semana para 
cristãos, às quartas e sextas, mas a exortação é para não jejuar nos mesmos dois dias que os 
“hipócritas” jejuam, isto é, segundas e quintas. Portanto, a prática claramente defendida não 
é motivada pela prática da igreja primitiva, um ponto de diferença que comprova a 
autenticidade da disputa. Veja Gundry, Mark, p. 133.
3yCraig Blomberg, Jesus and the Gospels, Nashvillle: Broadman and Holman, 1997, p. 237.
4(1 Veja Emil Schiirer, The History ofthe Jewish People in the Age o f Jesus Christ {175 B. C. — A. D. 
135), vol. 2, ed. Geza Vermes, Fergus Millar, e Matthew Black, rev. Ed. (Edinburgh: Clark,
1979), p. 467-75.
11 Cada evangelho se dirige aos acusados de forma diferente, mas, de qualquer forma, faz a 
mesma acusação: “seus discípulos” (Mt), “eles" (possivelmente incluindo Jesus [Mc]), e “vocês” 
( L C ) ‘12 As aspas em “quebrada” são intencionais. A observação de Jesus aqui é que o que parece ser 
uma violação não o é necessariamente. Jesus passa a apresentar argumentos adicionais para 
apoiar seu caso.
 ̂A palavra grega para “vigiando” pode ter o sentido malicioso de “ficar à espreita de alguém” 
(veja BAGD, p. 622; BDAG, p. 771). Essa observação aparentemente assume que ele é 
capaz de realizar a cura! Todos os relatos falam dos fariseus vigiando {Mt 12.14 e Mc 3-6 
relembram o “eles” de 12.10 e 3.2 respectivamente.
r>4 Keener, Matthew, p. 226-27; Craig Blomberg, Matthew, New American Commentary 22, 
Nashville: Broadman, 1992, p. 197-99. Keener observa que a questão era debatida entre os 
judeus; alguns, pelo menos, permitiam oração por um doente no sábado (se uma tradição na 
Tosefta é antiga: t. Sabbat 16.22).
4:> Esse detalhe sobre os herodianos sugere que essa é uma tradição antiga, porque, na época em 
que Marcos escreveu, os herodianos haviam desaparecido. Os herodianos não queriam 
nenhuma instabilidade na situação vigente, em que havia cooperação política e religiosa, na 
qual os herodianos tomavam parte. Essa reação também mostra como não havia separação 
entre o religioso e o político no ambiente do século I.
,tc’ Veja a unidade 28 acima.
1 A iista dos onze era Atos 1.13 não tem Judas, que havia se suicidado na época.
 ̂ Lucas e Mateus concordam aqui, enquanto Marcos e Atos seguem seu próprio caminho. 
Mas Mateus e Lucas divergem, pois Mateus tem Tadeu enquanto Lucas alista Judas filho de 
Tiago. A ordem em que os nomes aparecem também é diferente. Todas essas diferenças 
sugerem que os nomes dos Doze circulavam amplamente e em formas levemente diferentes.
Para detalhes, veja Bock, Luke 1:1-9:50, p. 540-47.
4y Esse chamado certamente é histórico. A igreja primitiva não inventaria uma reunião desses 
Doze quando muitos dos nomeados não são conhecidos e especialmente à luz da escolha de 
Judas Iscariotes. Quem inventaria o detalhe que um dos que pertenciam ao círculo íntimo 
traiu Jesus? Veja C. E. B. Cranfield, The Gospel according to Saint Mark, Cambridge Greek 
Testament Commentary, Cambridge: Cambridge University Press, 1959, p. 127.
5
O ENSINO DE JESUS SOBRE O RELACIONAMENTO
COM DEUS E COM OS OUTROS
O Sermão do Monte e o Sermão da Planície
(Mt 5.1-7,29; Lc 6.20-49)
Nem todos os ouvintes de Jesus podiam literalmente segui-lo em suas viagens. 
Mas todos podiam praticar sua forma de vida, um caminho de perdão e oração, 
um caminho de júbilo, um caminho de renúncia à xenofobia para com os de 
fora de Israel e à opressão dos que ali habitavam. Esse é o contexto, conforme 
sugiro, no qual devemos entender o material que constitui o que chamamos de 
O sermão do monte. Não é só um grande código moral. E, primariamente, o 
desafio do Reino: o chamado para Israel ser de fato Israel na junção crítica de sua 
história, o momento quando, no anúncio do Reino de Jesus, o Deus vivo está 
trabalhando para reconstituir seu povo e, assim, cumprir suas longamente 
acalentadas intenções para com eles e para com todo o mundo.1
A profundidade do sermão produziu uma variedade de opiniões. Esse sermão, 
além do reconhecimento de que ele reflete os padrões éticos de Jesus para seus 
discípulos, resiste à classificação. Mas a maior parte do sermão reflete uma resposta 
adequada ao convite de Deus para entrar humildemente na bênção do 
relacionamento do Reino, como oferecido nas bem-aventuranças. Em suma, se 
alguém está na luz, então deve ser luz (Mt 5.14-16; Cl 1.9-14). O foco do sermão 
leva os discípulos a olhar para Deus e olhar para dentro de si mesmos, de forma 
que vivam de uma maneira que honre a Deus e amem seus semelhantes. Somente 
aceitando a graça e a justiça de Deus alguém pode viver na forma que Jesus 
chama seus discípulos a viver. O sermão é uma ética que deixa a justiça e a 
retribuição para Deus, enquanto descansa em sua graça e amor.... [O sermão] é 
uma advertência contra um foco egoísta para encarar Deus, a vida e a ética. É 
uma advertência contra amar com restrições, amar por interesse, ou ignorar 0 
chamado para a verdadeira justiça. De fato, o sermão é um chamado para exibir 
o tipo de amor perdoador, tolerante, agradecido c compadecido que é como 
Deus (Lc 6.36 = Mt 5.48), que o sermão descreve como uma justiça que excede 
a dos fariseus (Mt 5.20).2
Talvez nenhuma porção do ensino de Jesus seja tão amplamente conhecida 
como o Sermão do Monte. Aqui, Mateus detalha uma amostra do ensino de Jesus 
para aqueles que o estão considerando; Jesus faz um convite e apresenta a forma
como aqueles que o seguem devem viver. A versão de Lucas é uma apresentação 
muito mais compacta do mesmo tema.3 Ela carece principalmente daquelas 
questões associadas com a leí. O fato de que Lucas apresenta uma versão reduzida 
mostra que o nucleo ético do sermão transcende as questões relacionadas a Israel 
e as questões levantadas sobre como Jesus se relacionava com a Torá, uma 
preocupação importante na primeira parte da versão de Mateus. Para Mateus, 
esse material é o primeiro bloco de cinco blocos maiores de ensino que ele apresenta 
(Mt 5-7 [ética]; 10 [missão]; 13 [parábolas do Reino] 18 [a nova comunidade] 
24, 25 [discurso escatológico]). O sermão de Mateus é complexo em estrutura. 
Após uma introdução que apresenta as bem-aventuranças e o chamado básico 
para que os discípulos fossem salvação e luz (Mt 5.1-16), a primeira seção maior 
trata do chamado de Jesus para os discípulos verdadeiramente cumprir a lei, 
incluindo seis antíteses (5.17-48). Depois, seguem os tratamentos de atos de 
piedade, como as esmolas, a oração e o jejum (6.1-18). Em seguida, Mateus tem 
uma seção de temas relacionados ao ter o tipo certo de tesouro, bem como ao ter 
confiança em Deus (6.19-34). Vários temas relacionados a julgar, orar, conhecer 
uma árvore por seu fruto e advertências sobre o falso relacionamento com Jesus 
(7.1-23) precedem uma ilustração final sobre dar atenção ao ensino de Jesus (7.24- 
27). No evangelho de Lucas, o sermão introduz muito cedo a exigência ética 
fundamental para os discípulos, para que eles amem de uma maneira que ultrapasse 
o amor que os pecadores têm pelas pessoas. O sermão de Lucas consiste de três 
partes: uma seção curta sobre as bênçãos e os pesares apresentando os padrões de 
Deus (Lc 6.20-26), um chamado a amar mesmo com risco para si próprio (6.27- 
36), uma advertência sobre julgamento e a necessidade de prestar atenção à
sabedoria de Jesus (6.37-49).
O sermão é representativo do ensino de Jesus, pois muito do ensino que 
Mateus apresenta no sermão, Lucas espalha ao longo de seu evangelho, como 
unidades distintas de seu ensino.4 De fato, em Lucas, treze ditos do sermão 
aparecem em outros lugares. Em sua forma mateana, portanto, o sermão opera 
como um tipo de antologia do que há de mais básico no ensino de Jesus.'1 A 
influência do sermão na igreja primitiva, a partir de um exame em Tiago e 1 Pedro, 
é óbvio.Há contatos conceituais com Tiago em dezoito pontos de sua epístola, 
enquanto Pedro tem cinco de tais sobreposições.6 O sermão contém diversas 
expressões altamente retóricas que o tem servido como tema de grande debate a 
respeito de quão “literalmente” se deve aplicar o sermão. Mesmo reconhecendo a 
presença desse traço estilístico de Jesus, é importante apreciar a mensagem do 
sermão. Estudarei o sermão na ordem em que aparece em Mateus, registrando 
como Lucas trata o material nos pontos relevantes. No fim do capítulo, focalizarei 
a apresentação de Lucas como um todo para dar um melhor sentido do uso desse 
material por Lucas.
42. A o c a s iã o d o s e r m ã o
(Mt 5 .1,2; Lc 6.20a) (Aland §5ob; Orchard §§580, 59a; Huck-Greeven §30)
O ambiente é brevemente registrado em cada evangelho. De fato, o resumo 
registrado na unidade 40 acima dá o contexto para esse evento. Multidões de 
muitos lugares são reunidas, com Jesus desempenhando curas e expulsão de 
demônios. Mesmo o resumo de Marcos, em 3.13a, menciona Jesus, nesse ponto, 
em um ambiente de montanha. Mateus simplesmente fala sobre ele estar subindo 
uma montanha, e depois os discípulos vêm a ele. Nesse ponto, ele começa a ensinar. 
Lucas, como uma parte do resumo anterior, apresenta Jesus em um lugar plano, 
diante de uma grande multidão. Jesus, após dar um resumo do ministério, levanta 
seus olhos para ensinar. A diferença no terreno geográfico entre Lucas e Mateus 
pode refletir uma diferença na compreensão literária, porque, em Lucas, o local 
‘plano” realmente descreve o resumo que ele usa para introduzir o sermão. Outra 
possível explicação é que Jesus está em um platô aplainado em um ambiente de 
montanha.7
E provável que estejamos tratando do mesmo sermão. Em favor dessa 
conclusão, encontramos o acordo na colocação relativa dos eventos entre Mateus 
e Lucas no curso de seus evangelhos e o fato de que praticamente toda a versão de 
Lucas esteja contida na de Mateus, praticamente na mesma ordem (somente Lc
6.24-26 nao tem paralelo em Mateus; só Lucas 6.31 está radicalmente “fora de 
ordem” dentro do Sermão da Planície).
43. A s b e m -a v e n tu r a n ç a s
(Mt 5 .3 -12; Lc 6.2ob-26, com bem-aventuranças e pesares) (Aland §51;
Orchard §59; Huck-Greeven §31)
As bênçãos representam um anúncio de quem é ou será “feliz” por experimentar 
a aceitação de Deus.8 Ao considerar a função das bem-aventuranças, é importante 
considerá-las como uma unidade. Quatro características aparecem. Primeira, essas 
bênçãos estão ligadas à associação com o Reino de Deus, conforme Jesus o pregou, 
isso significa que há uma tensão entre o Reino que está sendo oferecido e o que 
ele um dia será. Isso explica a razão pela qual se diz que os pobres possuem o 
Reino de Deus (5.3), enquanto muitas bem-aventuranças restantes tratam do que 
será quando a plenitude do escaton reverter o que está ocorrendo agora (5.4-9).9 
Segunda, a questão da perseguição é assumida, o que significa que Jesus está 
pregando que a presença do Reino está enfrentando forte resistência (5.10,12). 
Seguidores fariam bem em entender isso e se preparar. Uma chave para as bem- 
aventuranças é que elas têm um tipo de estrutura sanduíche na qual o Reino “é” 
(vv. 3,10,12), embora a realização da bênção ligada a ele “será” (w. 4-9). Isso 
levanta a terceira característica: a conexão entre a inversão escatológica e o Reino. 
Embora o Reino esteja ao alcance agora, e pode ser alcançado pelo pobre em 
espírito e por aqueles que sofrem perseguição por causa da justiça, a bênção mais 
completa só será alcançada na inversão que há de vir. Um dia, o que agora parece
sofrimento e derrota se tornará bênção e recompensa pela graça de Deus. A 
escatologia e a esperança, que a acompanha, invadiram o presente, muito embora 
ele espere sua plena expressão no futuro. Quarta, as bem-aventuranças funcionam 
de dentro para fora. Elas começam com atitudes de coração e de espírito (pobre 
em espírito, os que choram, os humildes, os famintos e os que têm fome e sede de 
justiça, os misericordiosos, os puros) e, depois, se move para ações ou a favor dos 
discípulos ou contra eles (pacificadores, perseguidos, caluniados). Espiritualmente, 
começa no interior do ser e, depois, mostra-se na prática, resultando, com 
freqüência, em uma reação hostil por um mundo que não o entende.
Assim, as bem-aventuranças anunciam quem Deus, na era vindoura, quando 
ele removerá a atual oposição ao Reino, abençoará e recompensará. Naquele dia, 
os que choram serão confortados, o humilde herdará a terra, os famintos e sedentos 
de justiça serão satisfeitos, o misericordioso obterá misericórdia, o puro de coração 
verá a Deus, e os pacificadores serão chamados filhos de Deus. A implicação de 
tudo isso é clara: se você deseja receber a bênção de Deus, deve, portanto, re­
sponder ao anúncio da bênção, identificar-se com ela e procurar refletir essas 
características mesmo que você saiba que no mundo muitos o perseguirão e 
caluniarão em resultado disso. Mais que isso, as bem-aventuranças, no entanto, 
funcionam como palavras de conforto e segurança. Deus abençoará aqueles que, 
ao tentar ser receptivos a ele, sofrem por seu esforço em honrá-lo e em buscar a 
justiça. Ser fiel diante de tais pessoas é motivo de alegria, porque os discípulos 
passam a pertencer em um grande rol de pessoas piedosas que os precedem (“pois 
da mesma forma perseguiram os profetas que viveram antes de vocês”). Em outras 
palavras, essas características não são os requisitos para entrada no Reino nem as 
condições para a bênção; em lugar disso, elas refletem aqueles que têm se 
identificado com Deus em face de um mundo hostil que caminha em outra direção 
e que os deixa alienados e fora de compasso com este mundo.
Conceitualmente, as bem-aventuranças parecem ter como pano de fundo 
Isaías 61. Uma examinada em Isaías 61, na LXX, mostra que o pobre, o que chora, 
o manso, o abatido e os que se regozijam são todos mencionados em 61.1-11.10 
Além disso, temos que a idéia de justiça é prevalecente. No Novo Testamento, Isaías 61 
é de grande significado (Mt 11.5 = Lc 7-22; Lc 4.18,19; At 10.38). No judaísmo 
antigo, esse era um dos grandes textos de esperança (1 lQMelch 2.4,6,9,13,17,20; 
Targum Pseudo-]onathan para Nm 25.12; Midrash Ekhah sobre Lm 3.5). Assim, o 
simbolismo desse texto e o período que ele evoca eram familiares.
Da mesma forma, é bastante relevante a implicação de Isaías 61 no pano de 
fundo: o texto com suas promessas afirma um tempo quando um arauto das boas 
novas de Deus será ungido e estará presente. Se a promessa de lsaias 61 está sendo 
cumprida, então a representação de lsaias 61 deve estar presente. Dessa forma, 
Mateus 5.3-12 justapõe-se cristologicamente a Lucas 4.16-30. O primeiro bloco 
de ensino de Mateus termina, portanto, com um elemento cristológico semelhante 
ao que está no primeiro bloco de ensino de Lucas, embora narrem eventos muito 
diferentes e apresentem sua mensagem de forma diferente. Assim, o sermão começa
com um tempo de anúncio e segurança: a bênção virá, nao importa quão difíceis 
as coisas se tornem para aqueles que estão do lado de Deus hoje. Por quê? Porque 
o agente que traz a bênção e a promessa de Deus já veio e assegura aqueles que o 
seguem que aceitará a aliança deles consigo e seus caminhos.
O pano de fundo de Isaías 61 é importante por outro motivo. Ele mostra de 
quem se está falando quando “os pobres em espírito” são mencionados. E a figura 
do Antigo Testamento dos anawim, “pobres piedosos”. Essas pessoas que sofrem 
porque têm andado em humildade com seu Deus; assim eles sao mansos, choram 
e estão abatidos agora. Misericórdia, pureza de coração e um desejo pela justiça e 
pacificação os direciona. Jesus promete que Deus reconhecerá e recompensará 
essa busca, não porque eles tenham desempenhado obras meritórias da lei, mas 
porque eles têm buscado andar em seus passos e refletir seu caráter como seus 
filhos.
Lucas abre o sermão com uma lista mais curta de bênçãos e uma listacorrespondente de pesares. Assim como o gênero de bem-aventuranças indica a 
aceitação de Deus, os pesares indicam rejeição.11 A lista de Lucas, que descreve os 
beneficiários da bênção, é mais compacta; esse evangelista se refere ao “pobre”, 
“aos que têm fome” e aos “que agora choram”. O contexto de perseguição é 
compartilhado com Mateus; Lucas fala daqueles que odeiam, excluem, caluniam 
e expulsam aqueles que são bem-aventurados. A apresentação de Lucas parece 
menos interpretativa e menos expansiva, embora o pano de fundo seja o mesmo. 
O contexto de perseguição deixa claro que aqueles que são pobres sofrem porque 
são insultados “por causa do Filho do homem”.12 Assim, não estamos tratando 
aqui com o pobre abstrato, embora a pobreza seja a conseqüência material e 
condição daqueles a quem se dirige. Sabemos que Lucas tem um foco material 
porque no contexto é pronunciado um infortúnio sobre os ricos, e eles também 
não podem ser considerados como “ricos em espírito”. Ele observa que esses ricos, 
que estão cheios e agora riem, terão fome, lamentarão e chorarão naquele dia 
futuro. Sua procura de aprovação agora é como a fdeira de falsos profetas populares 
muito tempo atrás. Assim, embora a linguagem de Lucas seja mais sociologicamente 
descritiva em relação à posição social da pessoa, não lhe falta uma dimensão 
espiritual.13 Aqui está alguém que desiste do que o mundo tem para oferecer 
(segurança, conforto, riso) para escolher o caminho de Deus. Lucas e Mateus, 
vistos sob essa luz, não são tão diferentes como no início pareciam ser. O que 
difere com a presença dos pesares é que o custo de andar no caminho do mundo 
é mais explícito na versão de Lucas. Em Lucas, na proclamação de Jesus, há tanto 
ganhadores quanto perdedores, aqueles que sao e serão aceitos e aqueles que 
enfrentam a rejeição. Assim, uma nota de advertência, bem como de conforto, 
abre o Sermão da Planície.
As bem-aventuranças, ao mesmo tempo em que anunciam e asseguram 
esperança, também servem para apresentar o caráter do discípulo. Essas descrições 
não refletem uma categoria abstrata e ética do caráter e das realizações humanos, 
de forma que essa bênção é merecida. Antes, elas fazem parte de um compromisso
espiritual de andar nos caminhos de Deus para buscar ter seu caráter, cujo resultado 
é a rejeição por aqueles que não entendem o caráter de Deus e o sofrimento (Mt 
5.48; Lucas 6.35, 36). Os filhos de Deus refletirão o caráter do Deus que eles 
seguem. Deus os honrará por se aproximarem dele e de seu mensageiro. Assim, 
uma descrição do chamado e da tarefa vêm a seguir.
44. O s a l d a te r r a
(Mt 5 .13; conceituai:14 Mc 9.49, 50; Lc 14.34 ,35) (Aland §52; Orchard §61;
Huck-Greeven §32a)
Aqueles que atendem ao chamado de Deus precisam entender sua função. 
Eles são o sal da terra. E importante notar que esse chamado é dirigido ao mundo, 
não só a Israel. Debate-se a forma como exatamente podem ser o sal, mas parece 
que o sal serve para algum tipo de função de intensificação, dada sua associação 
com sabor na frase seguinte.15 Os discípulos são úteis como servos para impactar 
o mundo e influenciá-lo para o bem. Uma vida de caráter e integridade, bem 
como uma forma diferente de relacionar-se reflete o ser luz.
O que vem a seguir é uma advertência. O sal, que deixa de funcionar conforme 
íhe foi designado, é inútil. Há somente uma coisa que pode ser feita com ele: 
jogá-lo fora e deixar que seja pisoteado. Não há especificidade aqui quanto à 
penalidade, e isso provavelmente é intencional. O objetivo é advertir, não dar as 
conseqüências específicas. Discípulos que se preocupam em seguir a Deus não se 
arriscariam a ser considerados inúteis por ele. A advertência torna-se assim uma 
exortação para responder positivamente ao chamado de Deus.16
45. A lu z d o m u n d o
(Mt 5 .14-16; conceituai: Mc 4 .21; Lc 8 .16) (Aland §53; Orchard §62; Huck-
Greeven §32 b)
Em contrate com a advertência potencialmente negativa, em que se usa o sal 
para exemplificar a idéia, a próxima imagem da luz é positiva e descreve a missão. 
Aqueles que seguem o chamado de Jesus devem ser luz para o mundo. De novo, 
o escopo da missão é para todo o mundo. Os discípulos, como a luz, não devem 
ficar escondidos. O povo de Deus deve ficar tão visível quanto uma cidade 
iluminada sobre uma montanha. Como uma lâmpada» não devem ser colocados 
sob uma vasilha, mas sobre um velador para iluminar a casa toda.
“Luz do mundo” era uma figura de comparação comum no judaísmo, embora, 
com freqüência, o sol fosse o ponto de comparação. Ela foi aplicada ao sumo 
sacerdote do período interbíblico, Simão, filho de Onias (Eclesiástico 50.6,7 
[comparado ao sol]), Abraão {Testamento de Abraão 7.8 [comparado ao sol]), o 
Messias (lEnoque 48.4 [luz dos gentios e a esperança daqueles que estão doentes 
em seus corações]), e Israel (Eclesiástico 17.19 [comparado ao sol]). As raízes do 
simbolismo são anteriores a Jesus e são significativas. O Antigo Testamento usava, 
com freqüência, essa figura (Is 42.6 [da tarefa do servo como uma luz para as
nações, para abrir os olhos dos cegos, para libertar da prisão os cativos e para 
livrar do calabouço os que habitam nas trevas]; 49.6 [de Israel como luz para as 
nações, salvação para os confins da terra]; Dn 12.3 [aqueles que são sábios brilham 
com o brilho do céu]). Assim, a metáfora do ser luz sempre visava a um chamado 
para guiar as nações. Uma simples exortação conclui a unidade: “Assim brilhe a 
luz de vocês diante dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem 
ao Pai de vocês, que está nos céus”. Como a metáfora deixa claro, a função da luz 
é iluminar o caminho, assim como a luz ilumina uma casa que sem ela ficaria 
escura. A luz desempenha uma função, um ministério que permite a outros ver 
como se deve viver para dar crédito a Deus. Essa é a missão dos que seguem a 
Deus. Esse chamado é dirigido não só a Israel mas ao mundo todo.17
46. S o b r e a le i e o s p r o fe ta s
(Mt 5 .17-20; conceituai: Lc 16.17) (Aland §54; Orchard §63; Huck-Greeven 
§33)
Esta unidade serve como uma introdução para seis exemplos envolvendo a lei 
que vem logo após, em Mateus 5-21-48. Esses exemplos são, com freqüência, 
chamados de as seis “antíteses”, mas o problema com esse rótulo é que Jesus introduz 
a unidade não como um contraste para a lei, mas como uma realização dela. 
Assim, esse rótulo desvirtua o objetivo mais fundamental de Jesus: ele veio cumprir 
a lei. Parece provável que aqui Jesus está tratando da acusação de ser antinômico, 
uma vez que suas controvérsias sugeriram uma abordagem à lei que era diferente 
do pensamento tradicional. Sua réplica mostra que ele procura um padrão que vê 
a lei de uma perspectiva interna, não externa. A questão não é o assassinato, mas 
a ira. A questão não é o adultério, mas a lascívia. A questão não é o divórcio, mas 
a infidelidade a um voto e seus efeitos sobre a outra pessoa. A questão não é o 
juramento, mas a integridade. A questão não a retaliação, mas a não retaliação e 
uma disposição para dar um passo a mais. A questão não é o ódio, mesmo para 
com os inimigos, mas o amor. A questão nao é um conjunto de regras, mas uma 
resposta que emerge do interior do indivíduo. Essa resposta não é autoproduzida, 
mas é um reflexo de uma fé que confia e anda no caminho de Deus. Alfred Plummer 
talvez o tenha dito mais concisamente:
Não é óbvio, à primeira vista, o que Cristo quer dizer com “cumprir” (TrÂT|pükTaL) 
a lei. Ele não quer dizer tomar a lei como ela se está e a obedecer literalmente. E 
isso que ele condena, não como algo errado, mas como completamente 
inadequado. Ao contrário, ele quer dizer que se deve começar com a forma em 
que ela está e levá-la à plenitude; por meio do traduzir seu espírito e chegar aos 
princípios que subjazem à estreiteza da letra. O Messias apresenta esses princípios 
como a essência da revelação feita por Deus por intermédio da Lei e dos Profetas.18
O objetivo parece ser uma conformação maior ao padrãode Deus, não por 
perguntar qual é o mínimo que pode ser feito, ou o máximo que pode ser permitido, 
mas o que é melhor do ponto de vista do interior da pessoa e de sua atitude. E
crucial que esta unidade não seja vista nem entendida como distinta da que a 
segue, porque os exemplos a seguir são comentários sobre o que é dito aqui.
A menção que Jesus faz à lei e aos profetas também é significativa. Jesus tem 
mais que o Pentateuco em mente. Um breve exame em seu ministério mostra 
como os profetas foram uma lente importante para seu entendimento sobre o que 
a vontade de Deus acarretava para seu povo. Assim, trata-se da revelação de Deus 
como um todo. Em adição, Jesus cumpre a lei, não só ao explicar sua verdadeira 
força, como Plummer sugere, mas também por apontar para sua consumação e 
realização em uma nova forma de acondicíonar seu impulso. Esse é o “novo odre” 
que Jesus mencionará mais tarde, em Mateus 9.17 (uma passagem já tratada em 
Mc 2.22 e Lc 5.37, 38). Tal visão da lei tinha seu precedente judaico desde que 
havia uma crença de que o futuro traria uma melhor compreensão da lei (Em 
IMac 4.46 um profeta virá e lhes dirá o que fazer a respeito das exigências da 
aliança).19 Por colocar a discussão da lei no contexto da promessa asseguradora de 
Deus, como observado nas bem-aventuranças, Jesus pode apelar a uma ausência 
de retaliação à luz da certeza da recompensa de Deus, um ato que exige fé 
consumada. Assim, há uma dimensão escatológica na exortação de Jesus. A lei 
atingirá seu objetivo de criar um povo separado para Deus e que confia nele. Esse 
objetivo será alcançado antes que a criação passe, uma observação que reflete o 
talento retórico e hiperbólico de Jesus.’0
A grandeza no Reino dos céus é definida por aqueles que ensinam a outros 
esse padrão, enquanto aqueles que relaxam essa exigência de seguir a lei em seu 
interior serão os últimos no Reino. Esse versículo também é integrado a toda a 
unidade, porque o padrão é que a justiça dos discípulos do Reino deve exceder à 
dos escribas e dos fariseus. Esse padrão não é a simples realização externa de um 
padrão legal, mas um retrabalhar do coração, a partir do âmago do indivíduo, 
que procura honrar a Deus com um espírito renovado e procura seguir o objetivo 
relacionai da lei. E aqui que se encontra o contraste que Jesus introduz — não com 
a lei em si, mas com uma leitura tradicional da lei a qual não leva em consideração 
como a alma e o espírito se relacionam com seus penetrantes padrões. As 
observações de Jesus mostram que ele espera que os discípulos contrastem com o 
que os escribas e fariseus são. Aqui, outro desafio é apresentado por Jesus: Israel 
necessita de reforma e arrependimento, mesmo entre os líderes religiosos. Essa é 
outra razão por que o rejeitam.
4 7 . S o b r e o a s s a s s in a to e a ir a
(Mt 5.21-26; conceituai: Lc 12.57-59) (Aland §55; Orchard §§64-65; Huck-
Greeven §34)
O primeiro exemplo trata da proibição de assassinar, conforme expressa em 
Êxodo 20.13 e Deuteronômio 5-17, um dos Dez Mandamentos.21 Jesus, imediata­
mente, expressa-se por meio de um expositivo: “Mas eu lhes digo”, e levanta a 
questão da ira. O que é significativo é que não só a questão da ira é levantada, mas
que ela também seja apresentada de várias formas, pois são incluídos nessa lista o 
insultar ou o chamar alguém de tolo.22 A atitude e a ação subseqüente estão ligadas. 
Tal violação da dignidade humana de outra pessoa é assunto para um julgamento 
igual ao de assassinato (“corre o risco de ir para o fogo do inferno”)- Que a punição 
seja afirmada tão severamente significa que o crime é igual ao de assassinato, uma 
forma retórica de dizer quão séria é a ofensa. Entretanto, o que ficou irado não 
deve continuar assim e ser condenado. A forma de escape é ver a ira como 
sintomática de um problema mais profundo e perceber que o desprezo e o 
desrespeito são expressões perigosas de ira prolongada.
Jesus dá a seguinte solução: procurar a reconciliação. Mesmo antes de adorar 
no altar, aquele, cujo irmão ou irmã “tem algo contra” ele, deve ir e acertar as 
coisas com aquela pessoa. Reconciliar-se e depois adorar. A ordem é importante, 
porque normalmente adorar a Deus seria considerado uma elevada prioridade. 
Assim, a reconciliação é tão importante que a adoração deve esperar, porque a 
verdadeira adoração acontece quando as contas com os outros são acertadas.23 
Aqui, vemos quão relacionai é a intenção da lei. Também vemos quanta ênfase 
Deus coloca sobre a comunidade genuína e saudável. Adoração real não é possível 
sem ela. A oportunidade vem com a advertência. Fracasso em acertar as coisas 
torna o discípulo responsável. Jesus usa a figura do pátio do devedor, onde alguém 
é reencarcerado até fazer-se a plena restituição.24 Assim, a lei como Jesus a expõe 
para nós mostra que somos responsáveis não só por assassinato, mas também pela 
ira e calúnia direcionadas contra outros, que é o mesmo que assassinar a pessoa. 
Assim, as pessoas sao chamadas a se preocupar com a forma com que se relacionam 
umas com as outras.
48. S o b r e a d u l té r io
(Mt 5 .27-3 0 ; conceituai: Mc 9.43,45,47) (Aland §56 a; Orchard §66; Huck-
Greeven §35)
O segundo exemplo vem de Êxodo 20.14 e Deuteronômio 5.18, que também 
é um dos Dez Mandamentos (o sétimo). O tópico é o adultério, que legalmente 
podia resultar em pena de morte, refletindo a seriedade da infidelidade que o ato 
representa (Dt 22.22-24). A repreensão de Jesus que se inicia com as seguintes 
palavras: “Mas eu lhes digo”, eleva o padrão, pois não só o adultério é relevante, 
mas também a lascívia, uma alusão ao último dos Dez Mandamentos, que trata 
da cobiça. A conexão não é acidental. Desejar ardentemente alguém desumaniza 
aquela pessoa e a transforma em um objeto de satisfação excessiva dos próprios 
desejos. De novo, o que Jesus diz aqui nao é moralmente novo, mas ele intensifica 
bastante a coisa. Jesus afirma que essa / a lei, enquanto o judaísmo tendia a exortar 
de uma maneira que aplicava a lei dessa forma. O judaísmo continha advertências 
contra lascívia. Eclesiástico 9.8 diz: “Desviem seus olhos de uma mulher formosa, 
e não se fixem em uma beleza pertencente a outro; muitos têm sido seduzidos 
pela beleza de uma mulher, e assim a paixão acendeu-se como uma chama”.2:1 Ob­
serve como a exortação judaica está preocupada com o dano feito a quem deseja, 
enquanto a instrução de Jesus considera como a outra pessoa é atingida por intermédio 
do estabelecimento de um relacionamento nocivo. Na visão de Jesus, a lascívia não 
é assunto particular. Aqui é onde o adultério começa. Ele é cometido primeiro no 
coração. A culpa nao é da mulher que é bonita. Nem Jesus ordena que ela se esconda. 
O comportamento responsável envolve não se render aos olhos, às mãos ou, até 
mesmo, à mente. Assim, o remédio é separar-se da causa do desejo, e não usar os 
sentidos e a pessoa para tais esforços. Jesus expressa essa idéia reto ricamente com o 
arrancar o olho direito, cortar fora a mão direita ou perder os membros versus ter 
todo o corpo indo parar no Geena. Geena descreve o lugar do julgamento final. O 
nome vinha do Vale de Hinon, lugar de massacre e sacrifício de crianças no Antigo 
Testamento (2Rs 16.3; 2Cr 28.3).26 A imagem evoca um tom assustador.
4 9 . S o b r e o d iv ó r c io
(Mt 5.31,32; conceituai: Lc 16.18) (Aland §56 b; Orchard §67; Huck-
Greeven §36)
O terceiro exemplo discute Deuteronômio 24.1. E o mais breve dos contrastes. 
Aqui, Jesus trata do efeito de uma ação. Aquele que se divorcia transforma o 
cônjuge divorciado em uma adúltero. A observação pressupõe que um novo 
casamento se seguirá, porque um divórcio tem o objetivo de liberar uma pessoa 
para um novo casamento, bem como de desvincular as posses de uma pessoa de 
seu cônjuge, Além disso, casar-se com uma pessoa divorciada efetivamente ratifica 
o divórcio e resulta em adultério. Jesus é retórico aqui como o foi nos contextos 
anteriores.27 O que ele afirma, principalmente, é querenunciar a um voto, o que 
o divórcio significa, tem conseqüências catastróficas e destrutivas. Não é um assunto 
particular, mas tem conseqüências públicas. Os compromissos do casamento devem 
ser honrados; o divórcio deve ser evitado.
O judaísmo também debateu essa questão e teve três abordagens (m. Gittin 
9.10). Hillel afirmava que uma esposa podia ser dispensada por “qualquer bom 
motivo”, que incluía algo tão trivial como deixar a comida queimar. Shammai 
limitava tal dispensa à “falta de castidade”. Akiba a permitia até por se encontrar 
“alguém mais bonita que ela”.28 Para Jesus, a questão é permanecer no casamento, 
não procurar sair dele. Um divórcio ilegítimo não é divórcio nenhum e tem 
conseqüências de promover infidelidade.
A função da exceção que Jesus faz na base da imoralidade sempre foi 
controversa porque só Mateus a registra. Todavia, o pano de fundo judaico é 
relevante aqui. A pressuposição do judaísmo é que a imoralidade exigia divórcio 
(m. Yebamot 2.8F-H. [numeração de Neusner; divórcio é exigido]; m. Sotah 5.1 
[a ela não é permitido se casar com seu amante]).29 Jesus aparentemente deixa essa 
opção aberta, mas não a ordena.3'1
5 0 . S o b r e j u r a m e n to s
(Mt 5 .3 3 -37) (Aland §57; Orchard §68; Huck-Greeven §37)
O quarto exemplo vem de Levítico 19.12, embora idéias relacionadas 
apareçam em Números 30.3,4 e Deuteronômio 23.21. A réplica de Jesus: “Mas 
eu lhes digo”, assemelha-se a Deuteronômio 23.22, que diz: “Mas se você não 
fizer o voto, de nada será culpado51. Assim, ele pede para que não se faça nenhum 
voto. Não invoque os céus, a terra ou Jerusalém, porque eles são o trono, o estrado 
e a grande cidade de Deus, respectivamente. Nem se deve jurar pela cabeça de 
uma pessoa, porque ninguém tem o poder de criar vida. A solução é ter integridade. 
Sim deve significar sim. Nao deve ser nao. A própria necessidade de um voto é 
ruim, porque sugere que algo mais que a palavra de uma pessoa é necessária. De 
novo, a força retórica que enfatiza a integridade nao pode passar despercebida. Os 
votos eram aprovados na Escrituras (Nm 5.19-22; 6.2). O que Jesus quer dizer é 
que os juramentos não devem substituir a integridade nem tornar-se meio de 
manipulação pela forma que sao feitos. A exortação de Jesus tem precedente no 
judaísmo; os essênios também evitam os juramentos, com uma possível exceção 
de quando se juntavam à nova comunidade (Josefo, War [Guerra] 2.8.6-7 §§ 
135-142; 1QS 5.8; Fílon, Every good man is free[Todo bom homem é livre] 12 
§84). Entretanto, de novo, a intensidade da exortação de Jesus é digna de nota. A 
integridade deve tornar o hábito dos juramentos desnecessário.
5 1 . S o b r e r e ta l ia ç ã o
(Mt 5.38-42; Lc 6.29,30) (Aland §58; Orchard §69; Huck-Greeven §38)
O quinto exemplo envolve a questão da retaliação legal e na mesma medida, 
“olho por olho e dente por dente”. Esse padrão de retribuição por uma perda na 
mesma medida aparece em Êxodo 21.24, Levítico 24.20 e Deuteronômio 19.21, 
e é conhecida como a lex talionis. No século I, as reparações monetárias tinham 
substituído a mutilação física como pena por alguém causar dano físico a outro.31 
O contexto de cada passagem envolve reivindicações legais. As observações tratam 
de relacionamentos pessoais e não são uma questão de como funciona o estado 
político (cf. Rm 13.1-7). A afirmação de Jesus: “Mas eu lhes digo”, estimula a nao 
resistência ao mal. Três exemplos específicos aparecem: dar a outra face, dar a 
túnica bem como a capa em um processo e caminhar uma milha a mais no caso 
de uma convocação militar.32 O pano de fundo nos ajuda a apreciar a primeira 
ilustração. O tapa era um insulto judaico comum que podia expressar rejeição. O 
“dar a outra face” retrata uma disposição para continuar vulnerável em face de tal 
rejeição. Finalmente, afirma-se a disposição para dar àqueles que pedem, ou 
procuram empréstimo. Os exemplos acentuam que antes que exigir um pagamento 
igual, misericórdia e até generosidade devem ser a resposta. O ponto é reverter 
uma tendência de estar em vantagem e uma resposta que habitualmente só estimula 
o conflito. Aqui, estimula-se a disposição para dar sem considerar um retorno e 
até sofrer sem receber algo em troca. De fato, aquela espiral deve ser revertida por
uma tendência para ser generoso com aqueles que têm genuína necessidade.33 
Um exemplo da aplicação desse princípio é achado em ICoríntios 6.1-9.
O paralelo de Lucas segue uma exortação geral de amar os inimigos, fazer o 
bem aos que nos odeiam, abençoar os que nos amaldiçoam e orar pelos que abusam 
de nós. O exemplo vem na oração de Jesus, na cruz, por seus executores e da 
oração de Estêvão por seus perseguidores (Lc 23.34; At 7.60). Em Lucas, a imagem 
da túnica-capa é levemente diferente no fato de que a imagem é invertida e aparece 
em um contexto que diz respeito ao roubo. A questão aqui parece dizer respeito a 
não ser superzeloso na defesa das posses de forma que a situação fuja ao controle.
5 2 . S o b r e a m a r o s in im ig o s
(Mt 5 .43-48; Lc 6.27,28, 32-36) (Aland §59; Orchard §71; Huck-Greeven §39)
O sexto exemplo envolve a exortação a “amar seu próximo e odiar seu inimigo”. 
A exortação positiva reflete Levítico 19.18, enquanto os elementos da negativa 
podem ser vistos em textos como Salmos 139.21,22; 137.7-9. Esses textos estão 
enraizados em um tipo de indignação justa por coisas erradas que foram praticadas. 
A afirmação de Jesus: “Mas eu lhes digo”, pede para que se transcenda aquela 
reação aceitável. O judaísmo algumas vezes afirmou isso muito bem: “Porque um 
bom homem não tem um olho cego, mas ele é misericordioso para com todos, 
mesmo que sejam pecadores” {Testamento de Benjamim 4.2).34 O chamado de 
Jesus intensificava essa perspectiva. O discípulo, ao amar seus inimigos e orar 
pelos seus perseguidores, torna-se um exemplo que reflete que ele é um filho do 
Pai celestial, porque este dá luz e chuva para justos e injustos igualmente. Amar só 
os que nos amam e saudar só nossos amigos é fazer o que pecadores e gentios 
fazem.3'1 A implicação aqui é que os discípulos não devem viver pelos padrões de 
uma pessoa mediana. A resposta relacionai do discípulo não é espelhar o padrão 
médio do mundo, mas refletir o caráter do Pai. Assim, exige-se “perfeição”, ou 
completude, em sua maturidade, algo que combina com a de Deus. Isso é 
precisamente como a resposta do discípulo que deve exceder o padrão da justiça 
dos escribas e dos fariseus, que Jesus mencionou ao introduzir esses seis exemplos 
em 5.20. Assim, a exortação de Jesus começa e termina destacando o objetivo 
abrangente que se persegue nesses relacionamentos: ultrapassar o aparentemente 
piedoso, ultrapassar a pessoa mediana, e refletir o caráter de Deus. A caminhada 
procura alcançar o mais alto padrão de amor e doação.
E essa a parte do sermão que forma o centro da versão de Lucas. Este, tanto 
em Lucas 6.27,28, como em 32-36, destaca o chamado a amar o inimigo. O 
refrão nos exemplos é este: se você faz o que pecadores fazem, que crédito você 
tem por isso? Assim, devemos amar não só aqueles que nos amam e fazer o bem 
não só para aqueles que nos fazem bem. O emprestar deve estender-se não só para 
aqueles que certamente pagarão. Fazer isso e esperar nada em troca leva a uma 
grande recompensa do céu e reflete que seremos “filhos do altíssimo”, seguindo o 
exemplo de Deus para com o ingrato e o egoísta. Lucas destaca um padrão diferente 
do padrão da perfeição afirmada em Mateus. Lucas fala sobre ser “misericordioso
como seu Pai é misericordioso”. A recusa de estar em vantagem e procurar 
retribuição é o exercício da misericórdia.
Esses seis exemplos mostram que Jesus nao rejeita a lei, mas a intensifica, pois 
inclui amar seus inimigos e orar por seus perseguidores. Ele mostra como ele veio 
cumpri-la. Não só ele nos chama para olhar a lei do ponto de vista do coração 
(assassinato-ira; adultério-lascívia), mas ele também pede integridade e 
generosidade que reflete misericórdiae amor para com todos (votos de casamento, 
juramentos, não retaliação, amor pelos inimigos). Viver dessa forma significa 
estabelecer relacionamentos como o Pai os estabelece. Assim, demonstramos a 
todos que somos seus filhos, pois refletimos seu caráter.
53. S o b r e d a r e s m o la s
(Mt 6.1-4) (Aland §60; Orchard §72; Huck-Greeven §40)
Em 6.1-18, três atos de piedade, que Mateus chama de “justiça”, recebem 
atenção: esmolas, oração e jejum. Em cada caso, os discípulos devem servir 
silenciosamente, sem chamar atenção para si mesmos. A passagem se abre com a 
premissa fundamental de que os atos de piedade feitos para ser vistos por outras 
pessoas não têm recompensa diante do Pai. A prática religiosa não deve ser como 
a dos hipócritas (w. 2,5,16).36 Em Mateus 5.16, Jesus afirma que atos piedosos 
devem ser notados por outros, mas o ponto aqui é que essa atenção deve vir 
naturalmente. A Carta de Aristéias 168, uma obra judaica, diz: “Pratique a justiça 
diante de todos os homens sendo obediente a Deus”. O contexto da carta é 
significativo, pois trata dos relacionamentos judaicos com os gentios. A exortação 
de Jesus tem precedentes.
Dar esmolas era visto como uma prática religiosa fundamental (Dt 15.11; 
Eclesiástico 29.8 [não faça o necessitado esperar por esmolas]; Tob 4,7,16 [dê 
alguma comida e roupa para o necessitado, e o que está sobrando dê como esmola]; 
12.8; 14.10; Testamento de Jó 9-7,8 [um exemplo de dar sem chamar atenção e 
encorajar aqueles que precisam de ajuda a vir]; m. ’Abot 5.13 [o santo é aquele que 
dá esmolas e deseja que outros também o façam]). As descrições de Jesus são 
retóricas. Não se deve tocar trombeta, como os hipócritas fazem quando dão 
esmolas, para chamar atenção para si mesmos. Antes, um discípulo deve dar com 
a mão direita enquanto a esquerda nao sabe o que está acontecendo. O ato deve 
ser secreto, e a recompensa também será (veja também Mt 6.6,18).
5 4 . S o b r e o ra ç ã o
(Mt 6.5,6) (Aland §61; Orchard §73a; Huck-Greeven §41)
Semelhante é a exortação sobre oração. Não se deve orar de pé na sinagoga 
ou na rua para ser visto pelos outros. A oração judaica podia ser feita de pé (ISm
1.26; Ne 9.4) ou prostrado de joelhos (lRs 8.54; Ed 9.5). O ato de ajoelhar
geralmente era reservado para ocasiões solenes ou para mostrar sofrimento excep­
cional.37 A recompensa daqueles que oram ostentosamente é somente que outros
os vêem. Antes, a oração deve acontecer em segredo, no “quarto” com a porta 
fechada.38 Jesus, novamente, fala retoricamente, porque quando ele orava, ele 
habitualmente se retirava para um lugar afastado. O que ele quer dizer não é nem 
que se deve entrar em um quarto nem que a oração nunca deva ser pública (porque 
Jesus orava em público de vez em quando). Antes, o ato deve ser feito para Deus, 
pois a oração deve refletir o que ela é: uma discussão entre o discípulo e Deus. A 
recompensa divina será da mesma forma, entre Deus e o discípulo. De novo, a 
intenção não é proibir a oração pública (Mt 15.36; 18.19,20; lTm 2.8), mas 
afirmar que orar para ser visto pelos outros nao é “piedoso”.
5 5 . A o r a ç ã o d o s d is c íp u lo s
(Mt 6.7-15; conceituai: Lc 11.1-4) (Aland. §62; Orchard §§730-75; Huck-
Greeven §42)
Jesus aconselha sobre a oração antes de apresentar um modelo. Ele sugere que 
não se deve usar frases vazias (cf. Lc 18.11,12). Isso provavelmente é uma referência 
aos nomes de múltiplas divindades e uma lista de feitos, quase como se quem 
pede tivesse de persuadir os deuses a agir. Numerosos papiros mágicos dão evidência 
desse tipo de repetição. Eclesiastes 5.2 faz a seguinte reflexão: “Não seja precipitado 
de lábios, nem apressado de coração para fazer promessas diante de Deus. Deus 
está nos céus, e você está na terra, por isso, fale pouco55. Eclesiástico 7.14 insiste: 
“Não fique se repetindo quando orar”. Assim, Jesus combina com a voz da literatura 
de sabedoria. O discípulo não precisa ficar se demorando na oração, porque Deus 
sabe o que é necessário antes que ele peça. Um ponto subjacente à informação é 
que Deus responde com referência a nossas necessidades, não nossos desejos.
Assim, Jesus dá uma oração modelo, conhecida como Pai Nosso. Embora, na 
verdade, esta seja a oração do discípulo. Jesus a dá aos discípulos para que orem 
como comunidade. Quando Jesus diz que devem orar assim, ele provavelmente 
nao dá uma forma fixa que deve ser repetida, mas uma forma que é uma amostra 
de oração em tema e atitude.
Duas características se destacam. Em primeiro, a oração é brevíssima. O judaísmo 
usava uma oração coletiva, o Shemoneh Esreh, bastante longa.39 Ela trata de dezoito 
tópicos, com poucas sentenças para cada tópico. E provável que alguma forma dessa 
oração remonte a esse período, embora seja também bastante possível que ela fosse 
substancialmente mais curta. Não obstante, em contraste, a oração modelo de Jesus 
é muito curta. Ela contém uma forma de dirigir-se a Deus como Pai, três pedidos 
ligados a ações de Deus e depois quatro pedidos postos em termos pessoais. Os 
discípulos se dirigem a Deus utilizando um termo que transmite intimidade, o qual 
também aparece em Romanos 8.15- Eles chamam Deus de “Pai”. Os discípulos 
pedem que o nome de Deus fique separado, isto é, que Deus mostre seu caráter 
único. Eles esperam o dia quando Deus trará seu Reino, mostrando a plenitude de 
sua justiça e autoridade. Os discípulos também procuram fazer com que a vontade 
de Deus seja realizada. O essencial em cada uma dessas três petições é que os discípulos 
expressam uma submissão comum ao caráter, plano e instrução de Deus. A oração
reflete uma perspectiva escatológica. Quando o Reino e a vontade de Deus sobre a 
terra recebem atenção, o desejo é que a presença e autoridade de Deus se manifestem 
plenamente. Assim, em segundo, a oração está saturada com a submissão e 
dependência que os discípulos têm em relação ao Pai. Mesmo os pedidos pessoais 
têm essa ênfase. Se o discípulo pensa nas necessidades diárias, como pão, ou a 
necessidade de procurar perdão, ou a necessidade de proteção da tentação e do mal, 
ele ou ela procura a provisão e proteção de Deus.
Há também o reconhecimento de que um pedido por misericórdia implica a 
prontidão do discípulo para perdoar. O discípulo como seguidor é refletido em 
praticamente cada aspecto da oração. Assim, há a segurança de que com nosso 
perdoar vem a prontidão de Deus em perdoar. Por outro lado, um fracasso de 
nossa parte em perdoar resulta em Deus nos tratar em termos similares. Mais uma 
vez, o relacionamento com Deus está ligado aos relacionamos com os outros. Um 
relacionamento deve definir o outro.
A versão de Lucas dessa oração ocorre em um contexto separado, em que os 
discípulos pedem que Jesus lhes ensine a orar, como João Batista ensinou seus 
discípulos. O que Lucas apresenta como uma instrução pessoal, Mateus apresenta 
como uma oração mais pública, com um tom litúrgico. Lucas usa a ocasião para, 
posteriormente, fazer diversas observações sobre a oração. A ausência de acordo 
dentro da tradição sobre as palavras exatas — a versão de Lucas é mais curta — pode 
bem confirmar que Jesus não pretendia ensinar as palavras específicas, mas um 
tipo de oração. A oração de Lucas se dirige ao Pai, há duas afirmações para que o 
nome de Deus seja separado e sua vontade seja feita e três pedidos. Os pedidos são 
pelo pão de cada dia, pelo perdão e para nao ser conduzido à tentação. Esse 
último pedido mostra que os discípulos reconhecem que se a tentação deve ser 
evitada, Deus deve mostrar o caminho. O espírito das duas versões da oração é 
semelhante. A oração de Lucas será estudada mais tarde no contexto de Lucas.
5 6 . S o b r e o j e j u m
(Mt 6.16-18) (Aland §63; Orchard §76; Huck-Greeven §43)
A palavra de Jesus sobre o jejum é paralela a seu conselho sobre as esmolas e a 
oração. Jejuar não é seguir o exemplo dos hipócritas, que desfiguram suas faces para 
tornar seu sofrimento óbvio para outras pessoas. Lucas 18.12 sugere que algunsjejuavam duas vezes por semana. Alguns rabis instruíam que aqueles que jejuassem 
não deviam se banhar (o que sugere não lavar o rosto) quando em jejum (m. Yoma 
8.1 proíbe o banho; a única exceção é um rei e sua noiva). Jesus ensina que a 
recompensa daqueles que divulgam o seu jejum é simplesmente a atenção que atraem 
sobre si mesmos. Antes, o jejum que Deus honra exige só uma unção da cabeça com 
o lavar do rosto. Deus o observa em segredo e recompensará o esforço daqueles que 
fazem isso diante dele. Assim, nessa seção, Jesus consistentemente insiste que nossa 
prática e serviço a Deus sejam dirigidos a ele, e não sejam feitos para chamar a 
atenção sobre nós mesmos.
5 7 . T e so u ro s n o s c é u s
(.Mt 6.19-21; Lc 12.33 ,34) (Aland §64; Orchard §77; Huck-Greeven §44)
Esta unidade, em Mateus, começa com uma concentração em riquezas que 
se estende até Mateus 6.34. Debate-se a questão sobre a busca da riqueza até 
Mateus 6.24, enquanto a relação da riqueza com a preocupação é o tópico até o 
fim de Mateus 6. A discussão da busca de riqueza tem três partes: procurar tesouro, 
o olho como lâmpada e os dois senhores.
Deve-se buscar ter tesouro no céu, não na terra. Tesouro terreno tem limites 
e, por fim, é consumido por traças ou ferrugem. Também, esses bens podem ser 
roubados. A palavra grega para “ferrugem” refere-se, de fato, à putrefação que se 
assemelha à das roupas, gastas pelo consumo ou uso. Uma variação desse tema é 
encontrada em Lucas 12.15-21, em que as posses não podem ser levadas para o 
céu, enquanto Tiago 5.2,3 fala de roupas comidas por traças. Eclesiástico 29.10,11 
diz: “Perca o dinheiro com o irmão e o amigo, para que ele não se enferruje 
debaixo de uma pedra. Use seus bens segundo os mandamentos do Altíssimo, e 
eles serão mais úteis para você do que o ouro” (BS). De novo, Jesus evoca a tradição 
judaica de sabedoria. O que Jesus impede aqui é a acumulação massiva de tesouro 
como o objetivo de vida.
Em contraste, está a busca de tesouro celestial. Aqui, nada é consumido nem 
roubado. De novo, a tradição judaica de sabedoria fala da mesma forma. Discute- 
se o dar esmolas, Tobias 4.9 diz: “assim acumulas um bom tesouro para o dia da 
necessidade” (BJ). Saímos de Salomão 9.5 diz: “Aquele que pratica a justiça acumula 
para si mesmo vida com o Senhor”. Segundo a Baruque 24.1 fala dos tesouros de 
justiça estocados na conta do fim.
A questão para Jesus é o coração da pessoa. Ele está posto no céu ou na terra? 
Assim, ele observa que onde está o tesouro de alguém, isto é, o que é valorizado e 
procurado, gula e direciona as ações do coração dessa pessoa. E precisamente por 
isso que é tão importante focar o céu e seus valores. De fato, os discursos de Jesus 
são tesouros dos céus, sabedoria que vale mais que os rubis (Pv 3.13-18).
O paralelo de Lucas vem em um contexto diferente, em que Jesus exorta os 
discípulos a vender suas posses e dar esmolas. Isso é o mesmo que fazer bolsas que 
não envelhecem e juntar um tesouro celestial que não se acaba, porque ali não há 
traça nem ladrão. O paralelo fecha com a declaração de que onde está o tesouro 
de alguém, lá está seu coração. Esse tipo de provérbio não está isento de repetição 
no ensino de Jesus, assim ele aparece em muitos contextos.
5 8 . O o lh o s a d io
(Mt 6.22,23; Lc 11.34-36) (Aland §65; Orchard §78; Huck-Greeven §45)
Ao falar sobre o coração, deve-se considerar também o olho. Esse provérbio é 
tão curto que fica difícil estar certo a que se refere essa figura do olho. E o que entra 
através do olho que propicia luz ou trevas? Ou é o que sai do olho que reflete luz ou 
trevas? De novo, textos antigos podem ajudar. O Testamento de Jó 18.3 afirma:
“Meus olhos, agindo como lâmpadas, encontram”. Aqui, os olhos não recebem, 
mas agem. De fato, todos os seis antigos usos judaicos da figura nao têm luz 
entrando em lugar escuro dentro da pessoa, mas saindo através do olho.40 Assim, 
em Daniel 10.6, os olhos do personagem celestial sao como “tochas acesas”. As 
lâmpadas, em Zacarias 4, sao os olhos do Senhor viajando pela terra. Nós, 
anteriormente, destacamos a passagem do Testamento de Jó. Os olhos são a 
expressão da alma, nao sua entrada, embora certamente as duas idéias estejam 
relacionadas. O que Jesus acentua nesse dito é que um bom olho age de forma 
saudável. Ele é o sinal de uma alma saudável. Se ele age de outra forma, então 
uma alma doente está presente. A ênfase é sobre o risco da falta de saúde. Porque 
se a escuridão está presente, essa escuridão é grande. Aqui está outra razão por que 
o coração da pessoa deve estar inclinado para o tesouro, justiça e valores celestiais. 
Tal foco produz a qualidade certa de vida.
O paralelo de Lucas ocorre em um contexto distinto após diversos textos nos 
quais se insiste sobre a necessidade de atender à mensagem de Jesus.41 Em contraste 
com o exemplo de Mateus, ele termina com uma nota sobre o exemplo positivo: 
se o corpo está cheio de luz, sem trevas, será todo luminoso, como uma lâmpada 
com seus raios de luz. A imagem é de luz saindo. Assim, ela confirma o simbolismo 
de ação, nao de recepção. O caráter proverbial dessa imagem também a torna 
capaz de repetição em múltiplos contextos.
5 9 . S o b r e s e r v i r a d o is s e n h o r e s
(Mt 6.24; Lc 16.13) (Aland §66; Orchard §79; Huck-Greeven §46)
A exortação a respeito do tesouro fecha com uma advertência sobre lealdade. 
Não se pode servir a Deus e ao Dinheiro. Esse Dinheiro não é apenas uma referência 
à moeda; mas às posses de qualquer tipo. Em Qumran, uma das três redes que 
prendem Israel é a riqueza (CD 4.17; 6.15 fala de uma riqueza ímpia que 
corrompe). O contraste entre amor e ódio diz respeito à prioridade de fazer uma 
escolha quando é preciso decidir (sobre esse contraste, veja Gn 29.30,33; Jr 8.2). 
A escolha é entre as riquezas e Deus. Em 6.19-24, há uma escolha dos dois tipos 
de tesouro, dois tipos de ver e dois tipos de lealdade.
O paralelo em Lucas 16.13 conclui a parábola do administrador desonesto. 
Tem quase a mesma redação que Mateus 6.24. Grande parte de Lucas 16 trata da 
questão das posses. Lucas registra que os fariseus desprezaram o ensino de Jesus 
sobre esse assunto. Os profetas também fizeram queixas sobre as riquezas, como 
Jesus faz aqui (Am 5.10-12; Is 1.22,23; 5.8-10) e como o judaísmo tardio também 
o fez {lEnoque 92-105).42
6 0 . N ã o se p r e o c u p e m
(Mt 6.25-34; Lc 12.22-32) (Aland §67; Orchard §80; Huck-Greeven §47)
Esse texto bem conhecido chama a uma completa confiança no cuidado de 
Deus e apela para o exemplo dentro da criação para mostrar que Deus se preocupa.
A exortação faz sentido no contexto de Mateus, porque o não estar preocupado 
com posses levanta a questão de como os discípulos terão suas necessidade satisfeitas. 
Não se deve ficar ansioso por comida, bebida ou vestuário — as necessidade da 
vida. Não é a vida mais que essas coisas? O interrogativo grego escolhido mostra 
que a resposta esperada é positiva: vida é mais que comida e vestuário. Se olharmos 
os pássaros, que são alimentados, ou a grama e as flores, que são vestidas, vê-se 
que Deus cuida da criação.43 Além disso, a preocupação não aumenta o tempo de 
vida de quem se preocupa. Portanto, tal preocupação é inútil.
As pessoas sao mais importantes que pássaros, grama ou, até mesmo, flores. 
De novo, a versão de Mateus apresenta a observação como uma pergunta que 
espera uma resposta positiva. Esse estilo de argumento “quanto mais” é conhecido 
como qal wahomer. Se é verdade em relação ao menor, então é ainda mais verdade 
em relação ao maior. A única dica de crítica vem quando Jesus chama sua audiência 
de povo de pouca fé. Os gentios procuram tais coisas, mas o Pai sabe o que é
necessário (SI 127.2; Is 32.17; lPd 5.7; até para os animais: Jó 38.41; SI 147.9).
A implicação é que se pode confiar no Pai que cuida.
A exortação básica é para procurar continuamente o Reino de Deus e sua 
justiça — na realidade, o tópico de todo esse sermão. A promessa é que essascoisas 
básicas serão fornecidas, de forma que não há necessidade de ansiedade. A exortação 
fecha com um chamado para entender que cada dia tem bastante preocupação 
por si só.
O paralelo de Lucas, em 12.22-32, vem em um contexto diferente, seguindo 
a parábola do rico tolo, embora um segundo contexto fora de Lucas 16, em que 
as riquezas, vistas em termos de posses, são o tópico principal. A redação é bastante 
semelhante à de Mateus. A diferença mais significativa vem no fim da exortação, 
em que se diz aos discípulos para não temerj porque o prazer do Pai é dar-lhes o 
Reino. Para Lucas, a ênfase é que basta só o Reino.
6 jf. S o b r e j u l g a r
(Mt 7 .1-5; Lc 6.37-42; conceituai: Mc 4.24,25) (Aland §68; Orchard §81;
Huck-Greeven §48)
O sermão agora continua com uma série de tópicos mais aleatoriamente 
arranjados, começando com julgamento em Mateus 1— 5- Por “aleatório”, quero 
dizer que o sermão agora move-se mais rapidamente de tópico para tópico, com 
uma conexão menos clara entre as unidades. A primeira parte da exortação trata 
da questão sobre não julgar. O risco aqui é superinterpretar o escopo da passagem 
ao afirmar que é uma proibição abrangente contra o julgamento. Contra essa 
opinião, tão conhecida na freqüente citação que o mundo faz dessa passagem, 
está Mateus 7.5, que mostra que esse significado abrangente não pode ser o 
pretendido. A correção pode ser buscada uma vez que se tenha o cuidado de curar 
os próprios erros. Assim, Jesus está condenando o julgamento duro e insensível 
em que se assume imunidade contra o risco de cair. A advertência é que nosso
padrão de julgamento é o que Deus aplicará a nós. A premissa é compartilhada 
com a sabedoria judaica. Eclesiástico 28.2-4 ensina: “Perdoa a injustiça que o seu 
próximo cometeu e, quando você pedir, Deus também perdoará os pecados que 
você tiver cometido. Se um homem guarda rancor contra o outro, como poderá 
pedir que Deus o cure? Se nao usa de misericórdia para com seu semelhante, 
como se atreve a pedir perdão de seus próprios pecados?” (BS). O apelo realmente 
é para que tenhamos um espírito misericordioso, mesmo em meio aos erros morais. 
Gálatas 6.1 utiliza um tom semelhante.
Uma ilustração, ao mostrar sua intenção, dá base ao argumento concreto. 
Nao se deve pensar em tirar um cisco do olho do outro quando se tem uma viga 
no próprio olho. O exagero retórico combina com o estilo utilizado por Jesus em 
todo o sermão. Os discípulos não devem ser tão rápidos em julgar os pequenos 
pecados de outros quando seu próprio pecado é muito grande. A prioridade é 
cuidar de seu próprio bem-estar espiritual e correção. Ao aprender com nossos 
erros e ao remover a viga de nosso próprio olho, estaremos em melhor posição 
para ajudar os outros. Conta-se que Rabi Hillel disse: “Nao julgue seu irmão até 
que tenha se colocado em seu lugar” (m. Abot 2.4). Relacionar-se com os outros, 
mesmo na correção, exige auto-reflexão e sensibilidade.
O paralelo de Lucas, em 6.37-42, forma parte da terceira porção de seu sermão, 
pois contém exortações adicionais sobre dar e perdoar. Jesus explica que o que for 
dado será devolvido, em plena medida, “sacudida e transbordante”. Esses acréscimos 
mostram e explicam bem o sentido do ensino de Jesus. Lucas também acrescenta 
uma observação sobre ser perspicaz, ao indagar se um cego pode guiar outra pessoa 
cega, enquanto comenta que o discípulo deve ser como seu mestre. A implicação 
é que eles devem julgar cuidadosamente a quem eles escolhem seguir. Lucas, 
portanto, tem o ensino sobre o dsco-viga. Nesse contexto de Lucas, o ponto 
adicional emerge, de que o indivíduo deve ser cuidadoso para avaliar a própria 
instrução adequadamente antes de oferecer ajuda a outros. Uma implicação sobre 
ser receptivo ao ensino de Jesus aparece mais claramente na versão de Lucas, alguma 
coisa que ambas as versões explicitam no fim do discurso.
62, S o b r e p r o fa n a r o q u e é s a g r a d o
(Mt 7 .6) (Aland §69; Orchard §82; Huck-Greeven §49)
Esse curto provérbio, provavelmente, está disposto no padrão ABBA ; discute- 
se cães (A) e porcos (B), e depois porcos que pisoteiam (B’), e cães que se voltam 
para atacar (A).44 No Antigo Testamento, um cão era, com freqüência, uma figura 
de reprovação (ISm 17.43; 24.14; Pv 26.11; também em 2Pe 2.22). Porcos eram
animais cerimonialmente impuros. O sentido, portanto, é que não se dá o que é 
precioso (coisas sagradas ou pérolas) para aqueles que não responderão positiva­
mente. O objetivo visado, como em outras partes do ensino de Jesus, não é uma 
proibição absoluta, porque depois o discípulo nao poderia compartilhar o 
evangelho com aqueles que não são receptivos. Antes, o ponto é que o discípulo
não é obrigado a compartilhar com aqueles que sao duros de coração. Essas pessoas 
são como porcos que pisam o que é precioso e como cães que se voltam e atacam 
quem procura alimentá-los. Usar o discernimento é o ponto aqui. O sentimento 
lembra Provérbios 23.9: “Não vale a pena conversar com o tolo, pois ele despreza 
a sabedoria do que você fala”. Um contraste em atitude é sugerido em Provér­
bios 9.8: “Não repreenda o zombador, caso contrário ele o odiará; repreenda o 
sábio, e ele o amará”. O prudente seguidor de Jesus sabe quando um zombador 
está presente e, portanto, permanece quieto.
63. S o b r e p e d i r a D e u s
(Mt 7.7-u; Lc 11.9-13) (Aland §70; Orchard §83; Huck-Greeven §50)
Em Mateus, Jesus volta sua atenção para a questão de como Deus se relaciona 
conosco. Embora a passagem encoraje o discípulo a pedir, o foco é sobre como 
Deus responde. O caráter de Deus é nos dar o que necessitamos como uma 
expressão de sua generosidade. Assim, o discípulo pode pedir com confiança. 
Quer isso seja expresso por meio do pedir, quer por meio do buscar quer por meio 
do bater, o discípulo pode pedir com confiança de que Deus dará o que é necessário. 
A ênfase sobre o caráter de Deus é evidente a partir das ilustrações, que focalizam 
não aquele que pede, mas a atitude daquele que responde. A ilustração-chave é o 
exemplo de um Pai e todo o cuidado que esta função implica. Uma série de 
perguntas indica o tema. Um filho que pede por pão não recebe uma pedra; nem 
um pedido por peixe produz uma serpente. Nenhum Pai em sã consciência reagiria 
dessa forma. A ilustração trata sobre alguns elementos básicos da vida, assim como 
a exortação anterior, em Mateus 6.25-34, sobre a preocupação, o fez. Entretanto, 
as ‘‘coisas boas” apontam para coisas além de posses. A leitura que Lucas faz dessa 
oração considera o Espírito como o presente maior. A conclusão diz tudo: “Se 
vocês, apesar de serem maus, sabem dar boas coisas aos seus filhos, quanto mais o 
Pai de vocês, que está nos céus, dará coisas boas aos que lhe pedirem!”. Aqui, nós 
vemos um argumento “quanto mais”, como também vimos entre a criação e a 
humanidade, em 6.25-34. O ser humano vale mais que a criação, da mesma 
forma, aqui, nosso Pai celestial responderá com mais sensibilidade que os pais 
terrenos e dará aos discípulos o que eles realmente necessitam para seu bem-estar.
O outro ponto principal é que o que é dado está relacionado às coisas boas da 
sabedoria e da vida. Tiago 1.5-8 toca nesse tema de forma semelhante. Esse é um 
tema padrão da sabedoria. Provérbios 8.17 diz: “Amo (eu, a Sabedoria) os que me 
amam, e quem me procura me encontra”. Sabedoria de Salomão 6.12 observa 
que a Sabedoria é achada por aqueles que diligentemente a procuram. 
Eclesiastes 7.23-29 ilustra o ponto em uma curta narrativa. Jeremias 29.13 afirma: 
“Vocês me procurarão e me acharão quando me procurarem de todo o coração”. 
A freqüência e a consistência do tema revelam que Jesus está se referindo às coisas 
boas associadas com um andar sábio, o tópico do sermão.
O paralelo de Lucas, em 11.9-13, vem em um contexto em que oração é a 
questão. O ponto é fundamentalmente o mesmo, mas Lucas estreita o foco. Antes
de falar sobre as boas dádivas, ele registra que o Espírito Santo é dado. Desde que 
o Espíritoé o dom consumado de Deus e também é uma fonte de capacitação e 
sabedoria, a diferença não é tão grande. As ilustrações de Lucas também diferem 
em ordem e conteúdo: um peixe e um ovo são pedidos, e uma serpente e um 
escorpião são dados. O objetivo alcançado é o mesmo, mesmo que as ilustrações 
sejam diferentes: nenhum pai ou mãe atenderia aos pedidos dessa forma.
O discípulo pode pedir por sabedoria em oração e deve fazer isso, pois sabe 
que Deus é melhor que um pai atencioso e atenderá o pedido. A passagem não 
mostra Deus assinando um cheque em branco para os discípulos preencherem 
com pedidos. Ela envolve as necessidades básicas para um caminhar saudável.
64. A r e g r a d e o u r o
(Mt 7.12; Lc 6.31) (Aland §71; Orchard §84; Huck-Greeven §51)
Essa passagem resume a força relacionai de todo o sermão. A alusão, que 
remonta à lei e aos profetas, lembra 5.17-20. Tudo que elas ensinam sobre 
relacionamento é resumido em: “Assim, em tudo, façam aos outros o que vocês 
querem que eles lhes façam”, Nos últimos séculos, denomina-se essa afirmação de 
“Regra de Ouro”. Ela tem precedentes; na antiguidade, expressou-se essa idéia, de 
uma forma ou de outra, como outra peça básica de sabedoria.45 O que torna a 
apresentação de Jesus única é que ele a expressa na forma mais enfática possível, 
porque não há nota de reciprocidade na motivação. Em contraste está a Carta de 
Aristéias 207, que diz: “Como você deseja que nenhum mal caia sobre você, mas 
ser um participante de todas as coisas boas, assim você deve agir sobre o mesmo 
princípio para com seus súditos e ofensores”. Mais típico do material da sabedoria 
é Eclesiástico 31.15, que diz: “Compreenda o que seu próximo quer a partir do 
que você mesmo quer. Pense naquilo que desagrada você” (BS). Testamento de 
Nafiali 1.6 (edição hebraica posterior) diz: “Ninguém deve fazer ao seu próximo 
o que não gosta para si mesmo”.46 O resumo de Jesus apropria-se de outro tema 
popular que representa o melhor da tradição da sabedoria.
O paralelo de Lucas, em 6.31, é também uma parte de seu sermão. Como em 
Mateus, ele aparece em um ponto crítico do discurso, porque ocupa uma função 
essencial na parte central do sermão, ao tratar do amor ao próximo, inclusive aos 
inimigos. E a única observação da seqüência dentro do discurso que se desvia da 
ordem que Mateus dá ao material que Lucas também apresenta em seu sermão. 
Entretanto, o interessante é que dentro dessa alteração preservou-se sua função 
central. Na seção em que Jesus insiste sobre o amor aos inimigos (6.27-36), essa 
regra está no centro, como o núcleo principal da exortação. Lucas não alude à lei 
e aos profetas, pois apresenta sua versão do ensino de Jesus sem mencionar questões 
ligadas à lei.
Assim a “Regra de Ouro” de Jesus realmente é sua regra relacionai central, 
quando diz respeito a como as pessoas devem interagir com as outras, E apropriado 
que essa observação siga o exemplo do pai atencioso em Mateus 7.7-11, porque a
exortação tem um modelo para ela. Preocupação pelos sentimentos de outros 
espelha o cuidado que Deus tem por nós.
65. O s d o is c a m in h o s
(Mt 7.13,14; Lc 13.23,24) (Aland §72; Orchard §85; Huck-Greeven §52)
A doutrina dos dois caminhos era também muito conhecida no judaísmo. 
Deuteronômio 11.26 apresenta a escolha entre bênção ou maldição, uma coisa 
reforçada em 30.15, que afirma: “Vejam que hoje ponho diante de vocês vida e 
prosperidade, ou morte e destruição”. Jeremias 21.8 refere-se aos dois caminhos 
diretamente, como £o caminho da vida e o caminho da morte”, enquanto Salmo 1 
contrasta o caminho do bem-aventurado com o caminho do ímpio. Textos 
extrabíblicos também destacam o tema. Testamento de Aser 1.3-5 fala de dois 
caminhos, duas tendências, dois tipos de ação, dois modos de ação e duas questões 
diante da humanidade. Segundo Enoque 30.15 afirma que apresentou-se a Adão 
dois caminhos, luz e trevas. Mishná ’A bot23 contrasta um bom caminho com 
um mau caminho, e em Qumran, o documento 1QS 3.14-4.26 contrasta o 
caminho dos filhos da luz com o dos fdhos das trevas. Assim, o motivo era bem 
conhecido.
A exortação de Jesus acentua que o caminho da vida passa através da porta 
estreita e nao é possível obtê-lo facilmente, nem automaticamente. E fácil o 
caminho que leva à destruição; aquela porta é ampla e muitos entram por ela. 
Esse tema também tem raízes no judaísmo. Eclesiástico 21.10 afirma o seguinte 
sobre o ímpio: “O caminho dos pecadores é bem pavimentado, mas desemboca 
nas profundezas da mansão dos mortos” (BS). A impiedade vem fácil, diz a 
sabedoria; a justiça deve ser procurada, conforme Provérbios 2.1-4 afirma. Assim, 
Jesus explica que a porta para a vida é estreita, e seu caminho, difícil. Ela vai 
contra a natureza e não é popular na cultura mais ampla. Os que a encontram sao 
poucos. Em outras palavras, a sabedoria que leva à vida tem de ser procurada; ela 
nao vem naturalmente. De novo, o ensino de Jesus está dentro da tradição de 
sabedoria judaica. O que é singular é que ele o traz em um foco tão compacto.
O paralelo de Lucas, em 13.23,24, realmente é um uso distinto da mesma 
imagem. Ela vem em resposta à pergunta da multidão sobre se poucos serão sal­
vos. Aparentemente, alguém que ouviu Jesus deduziu isso de seu ensino. Antes de 
responder à pergunta, Jesus exorta a que se lute, ou melhor, a que continuamente 
se esforce para entrar pela porta estreitai7 Portanto, ele avisa que muitos procurarão 
entrar e não conseguirão. Mais tarde, no mesmo texto, Jesus afirma que pessoas 
virão do leste e oeste, do norte e sul, para reclinar-se à mesa no Reino. Isso sugere 
que muitos conseguirão entrar, mas não necessariamente aqueles que pareciam 
inicialmente estar em vantagem em relação aos outros — um tema de inversão que 
Jesus habitualmente usa. Jesus muda a pergunta aqui de quantos serão salvos para 
quem estará entre os salvos. Por isso, deve haver esforço para se passar pela porta 
estreita. Lucas 13.25-27 coloca a questão sobre se o Senhor conhecia ou não quem 
o buscava, uma questão que o sermão de Mateus também levantará em breve.
6 6 . F r u to e f a l s o s p r o fe ta s
(Mt 7 .15-20; Lc 6.43-45) (Aland §73; Orchard §86a; Huck-Greeven §53)
Discernimento e julgamento sao o tema desde Mateus 7.13. Jesus agora faz 
uma grande sugestão sobre como separar o genuíno do perigoso. Há uma ameaça 
contra a qual eles devem estar prevenidos. Mateus 7.15-20 adverte os discípulos, 
enquanto 7.21-23 adverte sobre o destino daqueles que, equivocadamente, pensavam 
que conheciam Jesus.
Os discípulos devem acautelar-se contra os falsos profetas, que parecem ovelhas 
dóceis, mas, na verdade, sao lobos devoradores. Para discernir sua presença, um 
discípulo precisa somente testar seu fruto. Jó 14.4 diz: “Quem pode extrair algo 
puro da impureza? ’. Uvas não nascem de espinhos, nem figos, de ervas daninhas. 
Tiago 3.11,12 usa simbolismo semelhante com respeito ao que a linguagem revela 
sobre o coração.48 Uma árvore sã produz bom fruto, assim como uma árvore má 
produz mau fruto. De fato, uma boa árvore não produz fruto mau, nem uma má 
dá bom fruto; uma árvore que não produz bom fruto é cortada e queimada. Aqui, 
no contexto de Jesus, possivelmente, haja uma alusão à liderança judaica, mas o 
perigo é constante e nao se limita só ao contexto de Jesus. A passagem subseqüente, 
em 7.21-23, parece dirigir-se àqueles que se uniram de alguma forma ao Senhor. 
Assim, a advertência parece mais bem entendida como dirigida àqueles que parecem 
estar dentro do campo, mas na verdade não estão.49 Os discípulos sempre devem 
estar atentos. O parecer de Jesus é que esses falsos discípulos podem ser identificados 
por seus frutos, Uma simples reivindicação de estar unido a Jesus, ou mesmo o 
uso de seu nome no ministério, não é o bastante.
O paralelo de Lucas, em 6.43-45, é menos claramente conectado ao contexto 
de um falso profeta. Ele parece mais como uma advertência geral sobre qualquer 
pessoa a quem se escolhe para seguir, porque elavem após a advertência sobre o 
cego ser incapaz de guiar outro cego e a ilustração do cisco-viga. Nesse ponto, Mateus 
e Lucas se sobrepõe conceitualmente. Lucas tem só o exemplo de uma árvore boa 
não ser capaz de produzir mau fruto e uma árvore má não ser capaz de dar bom 
fruto. O fruto revela a qualidade da árvore. Assim, frutas não nascem de espinheiros, 
nem uvas, de uma amoreira silvestre. Nesse ponto, termina a sobreposição. Seguindo 
essas observações, só Lucas tem uma palavra sobre o fato de que a pessoa boa produz 
o bem, enquanto a pessoa má produz o mal. Nos dois casos, do bem e do mal, é 
da fartura do coração que a boca (isto é, o ensino) fala. Assim, o contexto de 
Lucas é levemente mais genérico, enquanto a intenção de Mateus é uma aplicação 
mais estreita do mesmo simbolismo. Essa diferença combina com o engajamento 
menos específico dos temas em sua versão desse ensino, dada a forma mais concisa 
de discurso.
6 7 . C la m a n d o : “S e n h o r , S e n h o r ”, e a r e s p o s ta :aN u n c a o s c o n h e c i99
(Mt 7.21-23; Lc 6.46; conceituai: Lc 13.25-27) (Aland §74; Orchard §§86b-
87; Huck-Greeven §54)
O sermão fecha com uma nota sombria. A advertência indica o destino de 
alguns que têm reivindicado ministrar 110 nome do Senhor. A autoridade de Jesus 
aparece nessa cena; ele é o juiz no juízo final que acontecerá “naquele dia”. O 
momento de julgamento é a chegada do Reino no tempo da consumação. Dirigir- 
se a Jesus, com um tratamento duplo e emocionado, como: “Senhor, Senhor”, 
não é um mantra que garante a entrada no Reino. Antes, a entrada vem por fazer 
a vontade do Pai que está no céu. Para não se compreender isso como pura lei, as 
observações que seguem são excessivamente importantes. Muitos reivindicarão 
ter feito a obra do Pai em nome do Senhor, mas a verdade da associação não é um
dado (cf. Jr 14.14; 27.15; 29.9). Eles reivindicarão ter profetizado, expulsado 
demônios e feito outras obras poderosas, porém nada dessa atividade terá 
importância. Reivindicar conhecer aquele que tem autoridade sobre o julgamento 
não é o que conta; na verdade, o que conta é conhecê-lo. A exclusão é registrada 
com a frase: “Nunca os conheci. Afastem-se de mim vocês que praticam o mal”. A 
observação sobre não conhecer é uma frase de rejeição (cf. Jo 10.14; ICo 8.3; 
2Tm 2.19). Salmos 6.8 dirige-se ao ímpio com esta frase: “Afastem-se de mim 
todos vocês que praticam o mal”. No salmo, o justo espera pela vindicação de 
Deus, para ser separado do ímpio. Assim, aqui o juiz pronuncia as palavras de 
exclusão para alguns que tinham sido ativos em seu nome, mas não o conheciam. 
Sua falta de lei os expôs (Mt 7.20).
O paralelo de Lucas, em 6.46, é menos específico. Aqui não há nota explícita 
de julgamento, nem há qualquer detalhe sobre a reivindicação. Há somente 
repreensão sobre invocar o nome e nao fazer o que ele diz. Como em Mateus, 
Jesus é visto como aquele que ocupa uma posição de autoridade. Seu ensino não 
é uma opção a ser levianamente observada; deve ser abraçada.
Um segundo paralelo vem em Lucas 13.25-27. Aqui, o contexto é o mesmo 
que o do paralelo de Lucas a Mateus 7.15-20, em que a questão é levantada sobre 
se somente uns poucos serão salvos. Junto com a exortação para lutar para entrar 
pela porta estreita vem uma ilustração sobre pessoas que estão à porta e procuram 
entrar. A réplica vem duas vezes. Primeiro, o Senhor replica: “Nem sei de onde 
são vocês”. Isso gera a objeção daqueles que estão à porta, pois dizem que comeram 
e beberam na presença do Senhor e que ele ensinou em suas ruas. O argumento é 
que a familiarização com Jesus é o bastante. A réplica vem uma segunda vez: “Não 
os conheço, nem sei de onde são vocês. Afastem-se de mim, todos vocês, que 
praticam o mal!”. O efeito da réplica é que a entrada não foi concedida. O resultado 
dessa rejeição é o “choro e o ranger de dentes”, quando virem que foram lançados 
fora, o que, nesse contexto, significa não poder entrar. Eles são excluídos e julgados, 
deixados de fora. Antes, como a passagem prossegue, a entrada será concedida 
para muitos outros do norte, sul, leste e oeste. Nesse contexto, como em Mateus,
a passagem, portanto, descreve exclusão do Reino de alguns que tinham contato 
com Jesus. Lucas simplesmente é mais genérico em sua descrição, enquanto Mateus 
tem em mente aqueles que reivindicam uma associação com Jesus sem jamais tê- 
lo conhecido.
6 8 . C a sa s c o n s tr u íd a s s o b r e r o c h a o u a r e ia
(Mt 7 .24-27; Lc 6.47-49) (Aland §75; Orchard §88; Huck-Greeven §55)
Em ambos, Mateus e Lucas, o sermão fecha com a mesma ilustração básica. 
Só os detalhes sao diferentes. O quadro é o da construção de dois tipos de casa. 
Uma tem seu fundamento sobre a rocha, enquanto a outra é colocada p recariamente 
sobre areia, O simbolismo, como com outras porções do sermão, tem raízes na 
literatura da sabedoria. Provérbios 10.25 afirma: “Passada a tempestade, o ínipio 
já não existe, mas o justo permanece firme para sempre”. Provérbios 12.7 é 
semelhante: “Os ímpios são derrubados e desaparecem, mas a casa dos justos 
permanece firme”. Provérbios 14.11 declara: “A casa dos ímpios será destruída, 
mas a tenda dos justos florescerá”.50 Entretanto, o texto mais interessante é 
Isaías 28.16,17, porque foi usado com muito freqüência na igreja primitiva. Deus 
coloca uma preciosa pedra angular em Siao, uma pedra de alicerce, de forma que 
aquele que confia, jamais será abalado”; aqueles que fizeram um pacto de morte 
serão varridos quando as águas esmagarem o abrigo. O texto de Isaías é uma 
advertência para os zombadores, de que o julgamento vem para aqueles que não 
dão atenção ao Senhor. Jesus vê seu ensino e a associação a ele coino a rocha. Fica 
claro, a partir da passagem anterior sobre a exclusão que se fundamenta no fato de 
o juiz não conhecer o excluído, que tanto Jesus quanto seu ensino estão em vista. 
Assim, Jesus afirma que quem ouve seu ensino e o pratica é como aquele que 
constrói com um fundamento sólido capaz de suportar as águas da provação. E 
comum no Antigo Testamento retratar-se o julgamento como inundação (Gn 
6— 7; Is 28.2,17; 30.28; Ez 13.10-16).51 O ensino em vista é o do sermão. Em 
contraste, aquele que ouve, mas nada faz, é um tolo porque sua casa não tem base 
para sobreviver à torrente.
O paralelo de Lucas afirma o mesmo, mas o tolo constrói sua casa sem alicerce, 
não sobre a areia. A boa casa tem seu fundamento cavado fundo — um detalhe 
adicional. Em Lucas, as torrentes resultam de rios que transbordam, ao passo que 
em Mateus as chuvas pesadas causam as torrentes. A imagem, entretanto, é a 
mesma: os dois relatos acentuam a tragédia do fracasso, para quem não dá atenção 
ao ensino de Jesus, por meio da ruína da casa de um homem tolo. Uma casa caída 
e torrentes destruidoras são imagens comuns no Antigo Testamento (Jó 8.15; SI
11.6; 83.15; Pv 14.11). Assim, o sermão termina com um desafio para que não se 
ignore o responder a Jesus e ao seu ensino. Jesus é um personagem que não apresenta 
seu ensino, porque é uma forma recomendável de vida. Ele representa muito mais 
que isso. Seu ensino é um chamado para uma aliança que significa a diferença 
entre vida e morte, entre bênção e maldição. Jesus é mais que um profeta.
6 9 . A re a ç ã o a o s e r m ã o
(Mt 7.28,29; conceituai: Mc 1.22) (Aland §76; Orchard §89; Huck-
Greeven §8ga)
Como Mateus faz no fim de cada um dos discursos maiores de Jesus, ele faz 
a seguinte observação: “Quando Jesus acabou de dizer essas coisas” (Mt 11.1; 
13.53; 19.1; 26.1). As multidões ficam admiradas e temerosas. Mateus guarda o 
termo èKTT/lr|oaa) para a resposta ao ensino de Jesus (Mt 13.54; 19.25; 22.33). A 
mistura de emoções é apropriada porque as afirmações de Jesus, embora 
fundamentadas em imagens familiares de sabedoria, estão ligadas a uma afirmação 
pessoal de autoridade sem precedentes. Assim, Mateus registra que Jesus ensinou 
como alguém que tem autoridade, não como um de seus mestres da lei.

Mais conteúdos dessa disciplina