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FUNDAMENTOS ETIMOLÓGICOS Prezado aluno, O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 1. DA ROMANIZAÇÃO À RECONQUISTA CRISTÃ Em 218 a.C., os romanos desembarcaram na Península Ibérica, marcando um dos eventos da Segunda Guerra Púnica, que chegou ao fim em 209 a.C. com a vitória romana. Os romanos conquistaram todo o território e, como resultado, os habitantes locais foram obrigados a adotar o latim como idioma, com exceção dos bascos, que mantiveram sua língua nativa. Esse processo de adoção da cultura romana e da língua latina é conhecido como romanização, conforme mencionado pelo autor Silva: A Península Ibérica esteve por muitos séculos sob a dominação romana. Sofreu um processo de romanização tão profundo que acabou por assimilar não só a língua, mas também os costumes, leis, religião, usos romanos. Como a língua é dinâmica, visto que a cultura também o é, foi-se modificando através dos séculos. (SILVA, 2014, p. 2284). Após isso, em 409 d.C., os vândalos, suevos e alanos invadiram a Península Ibérica, sendo posteriormente seguidos pelos visigodos, como descrito pelo autor Paul Teyssier: Os alanos foram rapidamente aniquilados. Os vândalos passaram para a África do Norte. Os suevos, em compensação, conseguiram implantar-se e, por muito tempo, resistiram aos visigodos, que tentavam reunificar a Península a seu favor. No século V o reino suevo era muito extenso, mas por volta de 570 reduziu-se à Gallaecia e aos dois bispados lusitanos de Viseu e Conímbriga. Em 585, esse território foi conquistado pelos visigodos e incorporado ao seu Estado. (TESSIER, 1998, p. 5). Tanto os suevos quanto os visigodos não trouxeram grandes contribuições culturais e linguísticas. Nesse contexto, o latim na forma escrita continuou a ser a única língua para comunicação e disseminação cultural. No entanto, na forma oral, o latim evoluiu rapidamente e se diferenciou. Essa observação está em conformidade com o que é afirmado pelo autor Silva. [...] Quando o Império Romano ruiu e a unidade política cessou, as mudanças linguísticas acentuaram-se, ainda mais porque foram assimilados diversos fatores provenientes das invasões dos povos ditos bárbaros. De uma só língua falada, o latim vulgar, surgiram variações cada vez mais acentuadas [...]. (SILVA, 2014, p. 2284). No ano de 711, os muçulmanos ocuparam e conquistaram a Península Ibérica em um curto período de tempo, incluindo as regiões da Lusitânia e Galécia. Esses muçulmanos, que influenciaram a região com a religião islâmica, língua e cultura árabe, eram conhecidos como "mouros". Ao longo do tempo, os cristãos do norte gradualmente expulsaram os mouros em direção ao sul durante o período conhecido como Reconquista. Foi durante o século XII que o reino independente de Portugal surgiu. Tanto a invasão muçulmana quanto a reconquista cristã foram eventos históricos decisivos para a formação das línguas peninsulares subsequentes: o catalão (no leste), o castelhano (no centro) e o galego-português (no oeste). 1.1 Do galego-português O galego-português tem origem no latim vulgar, que surgiu no século IX, durante o período em que a Península Ibérica estava sendo dominada pela presença árabe. Nesse período, houve um processo de isolamento dos dialetos, levando ao desenvolvimento e diferenciação do galego-português. Só então no século XIII é que começam a aparecer os primeiros textos escritos em galego-português, conforme mencionado pelos autores Saraiva e Lopes. Os mais antigos textos literários em língua portuguesa são composições em língua portuguesa em verso coligadas em cancioneiros de fins do século XIII e do século XIV, que reúnem textos desde fins do século XII. Mas devemos supor muito anteriormente a tal época produção verificatória e cantada testemunhado por estes textos escritos. A literatura oral, com efeito, só se fixa por texto escrito em época tardia da sua evolução, quando as condições ambientes já divergem daqueles que deram a sua origem (SARAIVA; LOPES, 2010, p.45-46). Nessas composições, podemos observar um léxico de formação popular, ou seja, palavras que sofreram modificações ao longo do processo de evolução da língua. [...] Pero que troban e sabenloar sas senhores o mais e o melhor que eles podem, sõo sabedor que os que troban, quand’a frol sazon há e nom ante, se Deus mi perdom, nom ham tal coita qual eu hei sem par [...] [...] Mesmo(os) que trovam e sabem louvar às suas senhoras o mais e o melhor que eles podem, sabem que os que trovam (o faz) quando éa estação da flor e não antes, se Deus (conceder a) a mim (o) perdão, não hão (de ter) tal sofrimento que eu hei (de ter) sem par. [...] No mundo non me sei parelha, mentre me for como me vai, ca já moiro por vós e ai mia senhor branca e vermelha, [...] No mundo não sei (se há) alguém semelhante a mim Enquanto (minha vida) for como vai, Pois já morro por vós e ai Minha senhora (pele) branca (face) rosada [...] Amigos, nomposs’ eu negar a gran coita que d’amor hei, me vejo sandeu andar, e con sandece o direi: os olhos verdes que eu vi me fazen ora andar assim [...] Não posso eu negar o grande sofrimento de amor (que)hei (de ter) pois me vejo louco andar e com loucura o direi: os olhos verdes que vi me fazem (por) ora andar assim Ai, dona fea, fostes-vos queixar que vos nunca louv’en (o) meu cantar; mais ora quero fazer un cantar en que vos loarei todavia; e vedes como vos quero loar: dona fea, velha e sandia! Ai, dona feia, fostes-vos queixar que nunca vos louvo em meu cantar; mas agora quero fazer um cantar em que vos louvarei todavia; e vedes como vos quero louvar; dona feia, velha e louca. (DINIS, 2011). Estes fragmentos das cantigas medievais escritas em galego-português ou português arcaico, trazem nas palavras em destaque, termos que datam entre os séculos XII e XIV de acordo com a tabela abaixo: Tabela 1 – Léxico de formação popular Fonte: HOUAISS, 2009. A palavra "branco(a)" é de origem germânica e é apenas uma das muitas palavras que têm raízes etimológicas herdadas na formação da língua portuguesa. Ao longo do tempo, o português incorporou influências de diferentes fontes, resultando em um vocabulário diversificado, como pode ser observado na tabela 2. Tabela 2- Léxico de origem germânica Fonte: HOUAISS, 2009. A formação do léxico da língua portuguesa ocorreu tanto por hereditariedade, ou seja, pela incorporação de palavras de origem germânica, latina, grega, entre outras, que foram transmitidas ao longo do tempo, como também por empréstimos linguísticos, quando palavras de outras línguas foram adotadas e adaptadas ao português. Tema que será apresentado na nossa próxima aula. 2. DO PORTUGUÊS MODERNO As grandes navegações portuguesas, que ocorreram no século XV, desempenharam um papel fundamental na expansãodo império português e tiveram um impacto significativo no léxico da língua portuguesa. Durante esse período de exploração e descobrimentos, os portugueses estabeleceram contatos com diferentes povos e culturas ao redor do mundo. Essas interações resultaram em um intenso intercâmbio linguístico, com a incorporação de novas palavras e termos provenientes de empréstimos de outros idiomas. Por exemplo, o português adotou palavras de origem africana, indígena americana, árabe, persa e asiática, entre outras. Essas palavras enriqueceram o vocabulário da língua portuguesa e refletiram as influências culturais e comerciais das rotas marítimas exploradas pelos portugueses. Além disso, os avanços científicos e as descobertas geográficas da época também trouxeram a necessidade de criar novos termos para descrever os fenômenos e lugares recém-descobertos. Assim, o vocabulário moderno do português foi enriquecido com palavras relacionadas à navegação, astronomia, geografia, flora, fauna e muito mais. Portanto, as grandes navegações portuguesas contribuíram não apenas para a expansão geográfica do império, mas também para a expansão e enriquecimento do léxico da língua portuguesa, incorporando novas palavras e expressões provenientes de empréstimos linguísticos. [...] português teve contato, durante a sua fase clássica, com diversas línguas, literalmente das mais diferentes partes do globo. Alguns exemplos dessas incorporações lexicais são: zebra (do etíope), canja (do malabar, língua falada no Sri-Lanka), chá (mandarim), condor e lhama (do quéchua), chocolate (azteca), manga (indonésio), sagu (malaio), várias palavras de origem tupi, como ananás, amendoim, mandioca etc. (GONÇALVES; BASSO, 2010, p. 98). Ao longo da evolução da língua portuguesa, ocorreram várias mudanças, incluindo a perda do gênero neutro, que ocorreu na fase arcaica da língua, especificamente no galego-português. No galego-português, assim como em outras línguas românicas, havia três gêneros gramaticais: masculino, feminino e neutro. No entanto, ao longo do tempo, o gênero neutro foi gradualmente desaparecendo, e as palavras que anteriormente eram neutras passaram a ser classificadas como masculinas ou femininas. Essa mudança linguística pode ser observada nos estágios mais antigos do português, entre os séculos XIII e XIV. Nessa fase, a distinção entre gênero masculino e neutro foi sendo gradualmente perdida, até que o gênero neutro deixou de existir na língua. Essa evolução gramatical faz parte do processo natural de transformação da língua ao longo do tempo, e o português atualmente possui apenas dois gêneros gramaticais, masculino e feminino. É interessante observar como o idioma evolui e passa por mudanças ao longo dos séculos, moldando a sua estrutura e características. Conforme o autor Bagno: Na 1ª declinação não existiam nomes neutros: eram quase todos femininos, de tal forma que a terminação -a passou a ser característica dos nomes femininos em português, ao contrário do latim, em que as palavras femininas podiam ter as mais diversas terminações (inclusive -o, como no nominativo de passio, religio, virgo, vertigo etc.). Na 2ª declinação, a maioria dos nomes eram masculinos e neutros. Com isso, a terminação -o (do acusativo singular -um > - u > -o) se tornou a característica dos nomes masculinos em português. Os substantivos neutros, como tinham suas desinências idênticas às dos masculinos, também passaram a esse gênero: pratum > pratu > prado; exemplum > exemplu >e xemplo; templum > templu > templo; uinum > uinu > vino > vinho etc. No entanto, como a terminação do plural dos neutros era -a (exemplum – exempla), ocorreram confusões desse plural com o gênero feminino. É o que se verifica com as palavras usadas com o valor de pluralidade ou de coleção que, neutras plurais em latim, se transformaram em femininas singulares em português (BAGNO, 2007, p. 31) Observe na tabela 1- a transição do gênero neutro para o feminino. Tabela 1 – Transição do gênero neutro para o feminino Fonte: BAGNO, 2007, p. 31. Na evolução do latim para o português, muitos nomes neutros da 3ª declinação passaram a assumir o gênero masculino na 2ª declinação. Essa mudança aconteceu durante o processo de transição do latim para o português e resultou na perda do gênero neutro. No latim, havia substantivos neutros que pertenciam à 3ª declinação, e esses substantivos geralmente assumiam uma forma idêntica tanto no nominativo quanto no acusativo. No entanto, durante o desenvolvimento do português, muitos desses substantivos neutros passaram a ser tratados como substantivos masculinos na 2ª declinação, adotando a forma de masculino tanto no nominativo quanto no acusativo. Por exemplo, o substantivo "mare" (mar) no latim era neutro na forma nominativa e acusativa, mas no português evoluiu para assumir o gênero masculino. Assim, temos "o mar" em vez de "o maren" como seria esperado se ainda mantivéssemos o gênero neutro. Essa mudança do gênero neutro para o gênero masculino ocorreu em alguns nomes específicos, enquanto outros nomes neutros evoluíram para o gênero feminino. Cada palavra passou por um processo de mudança e adaptação ao longo do tempo, resultando no sistema de gênero atualmente presente na língua portuguesa. É interessante observar como essas transformações ocorreram durante a evolução do latim para o português, moldando a gramática e o vocabulário da língua ao longo dos séculos. A transição do latim para o português e as mudanças na atribuição de gênero dos substantivos causaram flutuações no gênero das palavras, especialmente durante a fase de transição da língua. Isso pode ser observado no fragmento de cantigas trovadorescas, onde ocorrem variações entre os gêneros masculino e feminino. No mundo non me seiparelha, mentre me for como me vai, ca já moiro por vós e ai mia senhor branca e vermelha, [...] No mundo não sei (se há) alguém semelhante a mim Enquanto (minha vida) for como vai, Pois já morro por vós e ai minha senhora (pele) branca e (face) rosada [...] Dinis (2011). No fragmento da cantiga trovadoresca, o termo "senhor" foi usado no feminino, indicado pela presença do pronome possessivo arcaico "mia" (minha). No entanto, ao longo do tempo, houve uma normatização no uso do masculino e feminino, ocorrendo a padronização do gênero no século XV, na fase moderna da língua portuguesa. Na língua portuguesa moderna, de fato, não existe mais o gênero neutro, no entanto, podemos encontrar vestígios do gênero neutro em certos pronomes demonstrativos, como "isto", "isso" e "aquilo". Esses pronomes não possuem distinção de gênero e são usados indistintamente para objetos, ideias ou conceitos. Por exemplo: ➢ Isto é interessante. (usado para algo de gênero desconhecido ou neutro) ➢ Isso é importante. (usado para algo de gênero desconhecido ou neutro) ➢ Aquilo é bonito. (usado para algo de gênero desconhecido ou neutro) Esses pronomes demonstrativos neutros são remanescentes do antigo gênero neutro presente nas línguas indo-europeias, do qual o português evoluiu. Além dos pronomes demonstrativos, existem outros vestígios do gênero neutro na língua portuguesa moderna: Pronomes indefinidos: os pronomes "nada", "tudo" e "algo" são exemplos de pronomes indefinidos que não possuem distinção de gênero. Exemplos: ➢ Nada aconteceu. (gênero neutro) ➢ Tudo está bem. (gênero neutro) ➢ Algo me incomoda. (gênero neutro) Adjetivos substantivados: quando um adjetivo é utilizado como substantivo, ele pode assumir o gênero neutro. Exemplos: ➢ A bela (referindo-se a uma pessoa) ➢ A linda (referindo-se a uma pessoa) ➢ O agradável (referindo-se a algo) Infinitivo substantivado: quando o infinitivo de um verbo é utilizado como substantivo, ele também pode ser considerado de gênero neutro. Exemplos: ➢ O amar é importante. (gênero neutro)➢ O fazer é necessário. (gênero neutro) ➢ O trazer é um ato de gentileza. (gênero neutro) Ao abordar novamente o assunto dos empréstimos, é importante destacar que, durante esse período, o idioma português moderno obteve influências de outras línguas pertencentes a povos de diferentes continentes, como América, Europa e Ásia. Além disso, houve também posteriormente contribuições do latim, provenientes de palavras clássicas. 2.2 Da relatinização Após estabelecida a fronteira entre o português arcaico e o português moderno, o século XVI marca o início de um movimento durante o renascimento cultural na Europa. Esse movimento contou com a participação de renomados gramáticos e intelectuais, conforme mencionado por Bagno: [...] no empenho de criar uma língua de cultura erudita capaz de transmitir os novos valores humanistas, filosóficos e científicos, e de ser veículo de uma literatura requintada, recorreram à obra dos grandes escritores romanos, de onde tomaram emprestados muitos termos com os quais esperavam conferir à língua portuguesa uma feição clássica. Não por acaso também deste período que datam as primeiras gramáticas da língua portuguesa, sendo a pioneira delas a de Fernão de Oliveira, de 1536. (BAGNO, 2007, p. 53). O termo utilizado para descrever esse movimento é relatinização. Essa expressão engloba o processo de desenvolvimento de palavras com influência latina. É importante destacar que esse fenômeno tem sido observado desde a Idade Média, como mencionam os autores Saraiva e Lopes. O Latim, e, sobretudo o Latim escolástico, foi como não podia deixar de ser, a língua sobre a qual a prosa doutrinal portuguesa apoiou os primeiros passos, que decalcando nele suas formas, quer aprovisionando-se do vocabulário que lhe faltava. [...] D.Duarte socorre-se frequentemente a latinismos, embora condene seu uso imoderado. Palavras como: abstinência, infinito, fugitivo, evidente, sensível, intelectual, circunspecção e etccontam-se entre os latinismos que nesta época são enxertados no tronco da língua. (SARAIVA; LOPES, 2010, p. 115). A inserção de termos latinizados, impulsionada por esse movimento, ocorreu de duas maneiras: por meio da introdução de palavras novas ou da reconfiguração de palavras existentes. A utilização de neologismos latinos pode ser identificada, por exemplo, na obra de Camões, "Os Lusíadas", como evidenciam os trechos a seguir: E se buscando vás mercadoria Que produz o aurífero [...] Ou se queres luzente pedraria [...] [...] Não foge, mas espera confiado, E o ginete belígero arremessa. [...] Mas neste passo a Ninfa, o som canoro Abaixando, fez ronco e entristecido [...] [...] Num globo vão, diáfano, rotundo, Que Júpiter em dom lho concedeu [...] [...] A Fé, o Império, e as terras viciosas De África e de Ásia andaram devastando [...] (CAMÕES) Os termos mencionados nos fragmentos citados possuem origem recente, como demonstrado na tabela a seguir: Tabela 2 – Léxico inovador Fonte: HOUAISS, 2009. Conforme mencionado, além da introdução de termos inovadores, a relatinização também ocorre por meio da recondução, ou seja, formas derivadas do processo natural de evolução das palavras foram rejeitadas em favor de formas mais próximas da língua latina. Isso pode ser observado na tabela a seguir: Tabela 3 – Léxico reconduzido Fonte: HOUAISS, 2009. 3. ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA Apesar de ter existido imposição linguística, é comprovado que a sociedade passa por mudanças e a língua é um reflexo dessas transformações. Isso significa que se o meio em que vivemos não é uniforme, a língua também não será. Assim como existem variantes linguísticas nas línguas contemporâneas, conforme demonstrado por estudos sincrônicos atuais, o latim também possuía "subdivisões": o latim clássico e o latim vulgar. O latim clássico era usado pela elite, classe dominante do Império, bem como por poetas, senadores, filósofos, entre outros. Era caracterizado por ser o latim correto e culto. Por outro lado, o latim vulgar, além de apresentar características de outros idiomas falados pelas classes dominadas, era usado por grupos considerados inferiores. Durante muitos séculos, Portugal enfrentou diversas guerras e invasões, e, ao mesmo tempo, a língua portuguesa passou por transformações até se configurar no idioma que conhecemos hoje. De acordo com Cardeira (2006), existem quatro fases fundamentais para a língua portuguesa: o português antigo ou arcaico, o português médio, o português clássico e o português moderno. Na monarquia de D. Dinis, no século XIII, o português arcaico foi elegido como língua escrita. Sendo utilizado em documentos como o pacto de Gomes Pais e Ramiro Pais (1173-1175) e o testamento de Afonso II (1214), entre outros escritos em português antigo. Entretanto, devido à diversidade linguística, ao lado do português antigo, surgiu a produção poética galego-portuguesa, associada aos trovadores. O português médio, embora não tenha sido a língua escrita de Camões, floresceu no início do século XV. Essa época foi crucial para a autonomia da língua portuguesa, pois a sua utilização começou a fazer parte da cultura de Portugal. Cardeira (2006) explica que um processo de grande expressão do português a partir do século XV é a relatinização do português", indicando que, embora a língua portuguesa tenha alcançado sua autonomia nas instituições de ensino, somente no século XVII, visto que, os primeiros passos foram dados pelo menos duzentos anos antes desta data. Além do mais, este período ficou caracterizado pela separação do galego e do português. A expansão da língua portuguesa durante as grandes navegações foi impulsionada pela exigência de afirmar a identidade nacional e consolidar uma nova monarquia. Essa situação guarda semelhanças com o que aconteceu no Império Romano, onde o latim se restabeleceu como língua oficial através de imposição linguística, um processo que também aconteceu com o português. Somente após a ruína do Império Romano, a crise feudal e a proclamação de independência por parte do rei D. Afonso Henriques, é que Portugal renasceu para uma nova era: a época das grandes navegações e descobrimentos. Nessa fase, aqueles que outrora foram dominados se tornaram desbravadores e dominadores, e a sua dominação incluía a imposição linguística. A época das grandes navegações desempenhou um papel fundamental na formação do português clássico. À medida que os portugueses avançavam em suas conquistas, eles descobriam novas terras, línguas e realidades. A relação com a igreja católica e a permanência de impor uma cultura oficial levaram à oficialização não apenas da língua portuguesa, mas também da língua espanhola. Portugal e Espanha foram duas nações poderosas durante o período de dominação no Brasil. O Reino de Castela, originou à língua espanhola, enfrentou o mesmo desafio que Portugal: a urgência de dominar as novas nações conquistadas. Além disso, de acordo com Azeredo (2001), esse período foi marcado pelo Renascimento Cultural e Urbano (séculos XV a XVIII), que viu o surgimento das primeiras gramáticas das línguas vernáculas. Assim, a primeira gramática das línguas neolatinas ou românicas foi a gramática espanhola, intitulada "Gramática de la lengua castellana" e escrita por Elio Antonio de Nebrija em 1492. Após chegar ao Brasil em 1500, Portugal se atentou a mesma necessidade e deu início à normatização da língua. A primeira gramática da língua portuguesa, foi escrita por Fernão de Oliveira, data de 1536, enquanto a gramática de João de Barros foi publicada em 1540. Tanto uma quanto a outra, foram veemente influenciadas pelas gramáticas clássicas. Essa fase foi de grande importância para o desenvolvimento da língua portuguesa. Ao mesmo tempo em que a primeira gramáticado português foi produzida, o último auto de Gil Vicente foi representado e, nessa mesma época, o Santo Ofício da Inquisição foi estabelecido. Gil Vicente estabeleceu uma ponte linguística e cultural entre o português médio e o clássico. Além disso, a língua começa a ser considerada pelos portugueses não apenas como um meio de comunicação, mas como um objeto em si. Dessa forma, a importância linguística para a consolidação de um império foi estabelecida. O interesse pelo estudo, organização e planejamento da língua como um objeto é um reflexo do movimento humanista. As gramáticas e os dicionários surgiram por meio de um movimento europeu que buscava unificar e proteger as línguas nacionais. Nesse contexto, Cardeira (2006, p. 69) afirma que "[...] nacionalismo, ideal unificador e expansionista traduzem-se em preocupação com o ensino da língua portuguesa. Multiplicam-se as gramáticas, os vocabulários e as cartilhas [...]". No final do século XVII, o português era uma língua em expansão, difundida por grandes escritores. De acordo com Azeredo (2001), o racionalismo dos séculos XVII e XVIII fortaleceu a conexão “linguagem e o pensamento”, considerando "abusos" ou "imperfeições" tudo o que estivesse fora dessa concepção de língua. Embora os séculos XVII e XVIII tenham sido ocasiões primordiais para a consolidação da língua portuguesa, eles representam um período de transição. O século XVIII marca a nova fase do português: o português moderno. Em 1759, a Companhia de Jesus foi expulsa de Portugal e o monopólio educacional jesuíta chegou ao fim. Isso levou à criação da Escola dos Nobres e da Academia Real da Ciência, bem como à reforma da universidade. O ensino da língua portuguesa e das línguas modernas passa a integrar o currículo escolar, e estudos linguísticas passaram a ser parte integrante da educação em Portugal. Com isso, se deu a fixação da norma culta, até os dias de hoje. No entanto, embora o século XVIII tenha sido fundamental para o português moderno, Portugal teve uma história paradoxal em sua existência. Quando se inicia o português moderno, no século XVIII, Portugal encontra-se dividido entre Europa e Brasil e entre um pensamento conservador e uma nova mentalidade. Na Europa, as inovações tecnológicas “iluminavam” o conhecimento; no Brasil, as riquezas agrícolas e minerais atraíam a emigração e alimentavam, em Portugal, um trono absolutista e uma aristocracia nobiliária e clerical (CARDEIRA, 2006, p. 74). Essa situação perdurou durante a maior parte do século XVIII, porém a coroa portuguesa não imaginava que o Brasil se tornaria oficialmente sua nova morada no século XIX. Em 1808, após a invasão francesa, enquanto a Inglaterra lutava contra os franceses em Portugal, a corte portuguesa se estabeleceu no Brasil. Foi partir desses acontecimentos, que a história da língua portuguesa entrou em um novo período, na qual ocorreu a expansão oficial do português culto de Portugal, mas também emergiu a identidade nacional da língua portuguesa falada no Brasil, que se tornou uma variante distinta. É crucial compreender a história da língua portuguesa europeia e a imposição linguística no Brasil para entender o português brasileiro falado nos dias de hoje. 3.1 Português lusitano e português brasileiro A língua é um reflexo da comunidade que a fala. Conforme afirmado por Calvet (2002), as línguas só existem porque há pessoas que as falam, e a história de uma língua é a história de seus usuários. Embora haja uma suposta unificação da língua portuguesa, é importante destacar que o português expresso em Portugal e o português expresso no Brasil são duas línguas com histórias distintas. A língua portuguesa se estabeleceu oficialmente há quase 900 anos, o que significa que tem duas vezes mais a idade do português brasileiro. Portanto, para compreender as diferenças entre essas duas variantes do português, é necessário refletir sobre a história da língua portuguesa no Brasil. A história do Brasil, após as grandes navegações e a vinda dos colonizadores europeus, é marcada por vários idiomas devido aos diversos contatos linguísticos que ocorreram desde o século XVI. Segundo Mello (2011, p. 175), "[...] o contato inicial entre os portugueses e os povos indígenas de línguas tupis-guaranis levou à formação da língua brasílica, que chegou a ser falada como língua materna por parte da população da área que hoje é a cidade de São Paulo [...]". conforme Battisti (2014), durante o período colonial do Brasil (1530-1815), o português entrou em contato com as línguas indígenas faladas pelos nativos brasileiros, bem como com as línguas africanas dos mais de quatro milhões de escravos trazidos para o país. De fato, desde 1500, o Brasil nunca foi um país monolíngue, mesmo que o português tenha sido a língua oficial. Como mencionado, a comunidade já falava línguas indígenas desde a imposição inicial do português, e o contato não se restringiu apenas às línguas africanas, mas também ocorreu com outras nações europeias, como espanhóis, franceses, holandeses e ingleses. Essas interações linguísticas ocorreram nos primeiros trezentos anos a partir do descobrimento. Conforme afirmado por Mello, Altenhofen e Raso (2011, p. 13), "[...] ao longo dos mais de cinco séculos desde o descobrimento, no território brasileiro, conviveram, comunicaram e se misturaram populações ameríndias, europeias, africanas e asiáticas. Embora a língua dominante tenha sido o português, essa língua coexistiu e ainda coexiste em muitos lugares e domínios do repertório linguístico com muitas outras [...]". Battisti (2014) esclarece que durante o período colonial do Brasil que se estabeleceu a identidade nacional, baseada na interação entre brancos, índios e negros. Além disso, segundo a autora, foi nesse contexto que surgiram características distintivas do português brasileiro, como a colocação dos pronomes antes do verbo em início de sentença ("Me viu" em vez de "Viu-me"). Na visão de Mello (2011), a língua portuguesa se estabeleceu após a família real portuguesa vir de vez para o Brasil em 1808 e a expansão da educação no século XIX. Além disso, Andreazza e Nadalin (2011) destacam que o descobrimento do ouro no século XVIII atraiu um grande número de colonos portugueses em busca de enriquecimento através da mineração, o que resultou na ocupação de áreas até então não colonizadas, como Goiás e Mato Grosso. Isso, por sua vez, demandou uma nova onda de importação de africanos. É verdade que ao longo do tempo, o plurilinguismo inicial do Brasil foi gradualmente diminuindo e o português se fez a língua efetivamente falada por uma população mestiça, com os brancos ocupando o topo da hierarquia social. Conforme Calvet (2002) menciona, existem atitudes e sentimentos dos falantes em relação às suas línguas, às variedades linguísticas e àqueles que as utilizam. Nesse contexto, se o homem branco português ocupa uma posição privilegiada na hierarquia social, é natural que sua língua seja progressivamente estabelecida na sociedade. Esse processo de imposição linguística está intimamente ligado ao poder e às relações de dominação. A língua de um grupo dominante tende a se tornar a língua oficial e ser valorizada socialmente, enquanto as línguas de grupos subalternos muitas vezes são marginalizadas ou até mesmo reprimidas. No caso do Brasil, a disseminação do português como língua dominante ocorreu em grande parte devido à colonização portuguesa e à imposição cultural e social exercida pela elite branca. No entanto, é importante reconhecer que a diversidade linguística e cultural do Brasil é um aspecto fundamental de sua identidade. Mesmo com a predominância do português, as influências das línguas indígenas, africanas e de outras origens ainda estão presentes no vocabulário, nos sotaques e nas variações regionais do português brasileiro. A valorizaçãoe o respeito por essa diversidade linguística são essenciais para a construção de uma sociedade mais inclusiva e igualitária. 3.2 A relação atual entre a língua portuguesa brasileira e a lusitana A relação entre a língua do colonizador e a língua do colonizado é um tema complexo e controverso. No caso específico do português brasileiro e do português europeu, é importante notar que ambos são variantes de uma mesma língua, o português. Embora existam diferenças linguísticas entre as duas variantes, como pronúncia, vocabulário e algumas construções gramaticais, elas ainda são mutuamente inteligíveis, ou seja, os falantes de uma variante conseguem entender a outra. No entanto, é válido reconhecer que o português brasileiro e o português europeu também têm suas particularidades e características distintas. Essas diferenças são resultado de uma série de fatores históricos, culturais e sociais que influenciaram o desenvolvimento dessas variantes ao longo do tempo. A unidade maior observada na língua espanhola em comparação com o português pode ser explicada pelo fato de o espanhol ter uma presença mais ampla em diferentes países, com variações regionais menores em comparação ao português. Além disso, a normatização da língua espanhola, com a publicação da primeira gramática pelo latinista Elio Antonio de Nebrija em 1492, contribuiu para uma maior uniformidade e aceitação da língua. Por outro lado, no contexto do português, a normatização e a padronização da língua ocorreram posteriormente, com a publicação da primeira gramática em 1536. As diferenças entre o português brasileiro e o português europeu também foram acentuadas pela distância geográfica e pelas influências culturais e linguísticas de outras línguas presentes nas respectivas regiões. Em resumo, embora o português brasileiro e o português europeu sejam variantes da mesma língua, eles possuem diferenças resultantes de fatores históricos e culturais. Ambas as variantes são reconhecidas como parte do patrimônio linguístico da língua portuguesa, e a compreensão e valorização dessas diferenças são importantes para uma comunicação mais efetiva e uma maior compreensão mútua entre os falantes das duas variantes. É verdade que a normatização linguística e a padronização ortográfica têm como objetivo criar uma unidade linguística e facilitar a disseminação da língua em contextos de colonização e conquista. Essas medidas visam fornecer diretrizes e regras para a escrita e a gramática da língua, tornando-a mais acessível e uniforme. No entanto, é importante ressaltar que a normatização linguística não é um processo instantâneo, nem totalmente artificial. Ela é construída ao longo do tempo e baseada nas práticas linguísticas existentes em determinada comunidade de falantes. A normatização é uma tentativa de estabelecer uma forma padrão da língua que seja amplamente compreendida e aceita. No caso específico do português, é verdade que a unificação ortográfica entre os países falantes da língua só foi alcançada em 2009, com a última reforma ortográfica. No entanto, é importante notar que a língua portuguesa já possuía uma base comum compartilhada por todos os falantes, mesmo antes dessa unificação oficial. A compreensão mútua entre falantes de diferentes variantes do português, como o brasileiro e o europeu, é possível e ocorre na prática, apesar das diferenças regionais. No caso do espanhol, é verdade que a unidade linguística entre os países hispanofalantes é maior do que a unidade entre os países lusofalantes. Isso se deve em parte à padronização da língua espanhola e à influência cultural e política da Espanha ao longo dos séculos. No entanto, ainda existem diferenças regionais na pronúncia, vocabulário e até mesmo na gramática do espanhol falado em diferentes países. Em resumo, a normatização linguística busca criar uma unidade linguística e facilitar a comunicação, mas a unificação completa de uma língua é um processo complexo e contínuo. As diferenças regionais e históricas entre as variantes linguísticas podem persistir, mas ainda é possível alcançar uma compreensão mútua e efetiva entre os falantes das diferentes variantes. É correto afirmar que o português lusitano e o português brasileiro têm histórias distintas e apresentam diferenças significativas em termos de vocabulário, pronúncia, gramática e até mesmo em aspectos culturais. Essas diferenças são reflexo das diferentes trajetórias históricas, sociais e culturais vivenciadas pelos dois países. O estabelecimento da Real Academia Española na Espanha contribuiu para a unificação e normatização da língua espanhola, promovendo uma maior coesão linguística entre os países hispanofalantes. Essa instituição desempenha um papel importante na definição de padrões linguísticos, na criação de dicionários e na regulação da língua espanhola. No caso do português, não existe uma instituição equivalente à Real Academia Española. No entanto, tanto Portugal quanto o Brasil possuem órgãos reguladores da língua, como a Academia Brasileira de Letras e a Academia das Ciências de Lisboa, que desempenham um papel consultivo na promoção e preservação da língua, mas não têm o mesmo nível de autoridade normativa e unificadora que a Real Academia Española. Embora o português brasileiro tenha uma unidade dentro de sua variedade territorial, é verdade que a comunicação entre brasileiros e portugueses pode apresentar desafios de compreensão devido às diferenças linguísticas e culturais. Essas diferenças incluem o uso de vocabulário específico, variações na pronúncia e na gramática, além de expressões idiomáticas e aspectos culturais distintos. Portanto, é válido afirmar que o português lusitano e o português brasileiro são duas línguas que carregam suas próprias histórias, identidades e características linguísticas. Embora exista uma base comum e a possibilidade de comunicação entre falantes das duas variantes, as diferenças são notáveis e fazem parte da riqueza linguística e cultural do português. 3.4 O contraste estrutural entre o português do Brasil e o português europeu É importante ressaltar que há diferentes perspectivas e opiniões em relação à questão de considerar o português brasileiro e o português de Portugal como duas línguas distintas. O linguista Para Câmara Jr. (1976), argumenta que são de fato dois idiomas distintos. [...] as discrepâncias de língua padrão entre Brasil e Portugal não devem ser explicadas por um suposto substrato tupi ou por uma suposta influência africana, como se tem feito às vezes. Resultam essencialmente de se achar a língua em dois territórios nacionais distintos e separados (CÂMARA JR., 1976, p. 30–31). As evidências linguísticas que estabelecem as diferenças entre o português brasileiro e o português europeu refletem a identidade linguística de cada comunidade. De acordo com Souza (2011), à medida que a linguística avança, surgem novos delineamentos nas discussões sobre o português no Brasil. Busca-se compreender como essas línguas, embora relacionadas, funcionam de maneira diferente em sua estrutura, resultando em sistemas linguísticos ou até mesmo idiomas distintos. Segundo Perini (2011), atualmente no Brasil, a população urbana e escolarizada utiliza uma variedade do português que pode ser considerada padrão, pois é a língua falada pela elite culta do país. O autor ressalta que também existem outras variedades não padrão (geralmente estigmatizadas) presentes nas áreas rurais e entre pessoas com menor grau de escolaridade nos centros urbanos. Além disso, existe uma língua padrão escrita que difere de todas as variedades faladas e ainda se baseia no modelo do português escrito com base nas gramáticas da língua portuguesa europeia. Assim como há uma forma padrão de fala entre os brasileiros, também existe uma forma padrão de fala entre os portugueses. Noentanto, segundo Perini (2011, p. 140), "o padrão falado brasileiro difere em muitos aspectos importantes do padrão falado europeu, de modo que não é ficção falar em um português americano como um bloco, em contraste com o bloco do português europeu". A seguir, apresentamos algumas diferenças sintáticas existentes entre o português lusitano e o brasileiro. . A morfologia verbal Em Portugal, de acordo com Holm (2011), o pronome de tratamento "tu" é usado informalmente, enquanto "você" é empregado em situações formais. No Brasil, os locais que utilizam o pronome "tu" o conjugam na terceira pessoa do singular, enquanto os locais que usam "você" o empregam tanto em contextos formais quanto informais. Além disso, os falantes brasileiros não fazem uso do pronome de sujeito "vós". Conforme observado por Perini (2011), o pronome "vós" está completamente extinto no Brasil. De modo geral, há uma redução na conjugação verbal no português brasileiro. Como pode ser observado no Quadro 1: Quadro 1– Redução na conjugação verbal no português brasileiro Fonte: própria autoria. De acordo com Mello (1997), os falantes brasileiros utilizam os pronomes de sujeito com mais frequência do que os falantes portugueses. Isso ocorre porque os pronomes são necessários em todas as pessoas, exceto na primeira pessoa, uma vez que ela mantém sua forma flexionada distinta. Perini (2011), por sua vez, destaca que a simplificação também é observada na substituição do pronome da primeira pessoa do plural, "nós", por "a gente", que é conjugado na terceira pessoa do singular. Portanto, de acordo com o autor, o panorama do português falado no Brasil, como pode ser observado no Quadro 2: Quadro 2– Simplificação na substituição do pronome da primeira pessoa do plural, "nós", por "a gente. Fonte: própria autoria. O uso dos pronomes em relação à substituição de oblíquo por reto No português brasileiro, uma das características mais distintas é o uso de formas pronominais plenas como objeto direto, em vez dos pronomes clíticos que seriam esperados na norma padrão. Por exemplo, pode ser observado no Quadro 3: Quadro 3 – Uso de formas pronominais plenas como objeto direto, em vez dos pronomes clíticos. Fonte adaptada de Perini (2011). O uso dos pronomes em relação à ordem No Brasil há o hábito de usar o pronome oblíquo para iniciar a oração. Por exemplo: Quadro 4 – Uso do pronome oblíquo no início da oração Fonte adaptada de Perini (2011). Tempos verbais Segundo Perini (2011), o futuro do presente ("chegarei"), o mais-que-perfeito ("chegara") e o futuro do pretérito ("chegaria") são praticamente inexistentes no português brasileiro. O autor argumenta que a noção de futuro é expressa pelo presente do indicativo, como pode ser visto no Quadro 5. Quadro 5 – Tempo futuro sendo representado por um verbo no presente do indicativo. Fonte adaptada de Perini (2011). Segundo Perini (2011), está em formação uma nova língua no Brasil e em Portugal, uma vez que o processo de afastamento é mútuo. Isso significa que as diferenças linguísticas abrangem todas as áreas da gramática - não apenas a sintaxe, mas também a fonologia, a morfologia e a semântica. Com o avanço da linguística e o progresso dos estudos linguísticos, há uma tendência gradual de separação. 4. LEIS FONÉTICAS De acordo com Coutinho (1976), as leis fonéticas são princípios que descrevem os padrões e as regularidades das mudanças sonoras que ocorrem nas línguas ao longo do tempo. Elas são formuladas com base nas observações sistemáticas das transformações fonéticas que ocorrem em diferentes contextos linguísticos. Essas leis buscam explicar as regras e os processos pelos quais os sons das palavras sofrem alterações e se desenvolvem ao longo da história de uma língua. As leis fonéticas são fundamentais para entender a evolução das línguas, pois ajudam a explicar como os sons podem se modificar de uma geração para outra. Elas são influenciadas por fatores como o ambiente fonético em que os sons estão inseridos, a interação com outros sons na mesma palavra ou em palavras vizinhas, e os processos de assimilação, dissimilação, elisão, entre outros. Elas também, são estabelecidas a partir de padrões recorrentes de mudanças sonoras, permitindo reconstruir o estado anterior de uma língua, comparar diferentes línguas relacionadas e traçar relações históricas entre elas. As leis fonéticas constituem uma importante ferramenta para os linguistas no estudo da fonética histórica e na compreensão da diversidade linguística e da evolução das línguas ao longo do tempo. Coutinho (1976), acrescenta que as modificações nas palavras decorrem das limitações que temos para compreender um idioma: a imperfeição das representações sonoras e a incapacidade de reproduzir com precisão os sons que ouvimos. A transmissão da linguagem não pode ser representada como uma entidade contínua, como uma linha reta em que o falante e o ouvinte ocupam as extremidades. Pelo contrário, observa-se uma completa descontinuidade nessa transmissão, o que faz com que cada geração tenha que realizar as mesmas tentativas que as anteriores para adquirir o domínio da linguagem. Durante a fase de formação dos órgãos emissores e receptores, o sistema fonético das crianças está em desenvolvimento e, portanto, é improvável que seja idêntico ao de seus pais, mesmo após um longo e desafiador processo de aprendizado, as crianças não recebem a língua pronta, pois só conseguem reproduzir aquilo que ouvem, e é inevitável que nuances mais sutis escapem à sua atenção. Devido à natureza descontínua da linguagem, sua transmissão dá lugar a diversas modificações. Conforme Elia (2003), as causas das mudanças fonéticas são semelhantes para toda uma geração em um determinado local e época, levando em consideração as mesmas condições sociais, biológicas, entre outras, que produzem efeitos semelhantes em todos. Essas transformações apresentam três características principais: São inconscientes: As modificações observadas nas palavras de uma língua são independentes da vontade do povo. Falamos de acordo com as tendências próprias da época em que vivemos, e essas tendências podem variar, explicando a diversidade de tratamento dado às palavras ao longo da história de uma língua. São graduais: A evolução das palavras ocorre de acordo com a lei natural, seguindo o princípio de que a natureza não dá saltos abruptos. Muitas vezes, há uma compreensão equivocada da evolução das palavras ao comparar formas latinas com as formas atuais em português. É necessário restabelecer todos os estágios intermediários, citando as formas intermediárias, para entender como essa evolução ocorreu gradualmente. As alterações manifestadas nas fases finais de uma língua já estavam presentes nos estágios anteriores. São constantes: Foi graças aos neogramáticos que foi atribuído esse caráter de constância às leis fonéticas. A regularidade das transformações permitiu a generalização das leis fonéticas. Sempre que um fonema ocorrer em uma determinada circunstância, ele deve ser modificado da mesma maneira. Existem três leis que governaram a evolução das palavras em português: Lei do menor esforço (ou economia fisiológica): Essa lei é universal e se aplica a todas as áreas da atividade humana. No contexto das leis fonéticas, a lei do menor esforço busca simplificar os processos articulatórios envolvidos na produção das palavras. As modificações e perdas de fonemas ocorreram em conformidade com essa lei, que busca alcançar a eufonia e o ritmo. Um princípio fundamental baseado nessa lei é a queda frequente das consoantes sonoras intervocálicas latinas em português. Lei da permanência da consoante inicial: A fonética histórica revela que a evolução das consoantes depende da posição em que se encontramdentro da palavra. As oclusivas surdas (p, t, c) se transformam em sonoras fracas (b, d, g), enquanto as consoantes no meio e no final das palavras estão frequentemente submetidas à sonorização ou quedas. No entanto, as consoantes iniciais são preservadas integralmente em português, com poucas exceções. Lei da persistência da sílaba tônica: As palavras em português mantêm a mesma acentuação tônica do latim. Mesmo com as transformações e perdas de fonemas, o acento tônico desempenhou um papel fundamental na preservação da unidade da palavra, pois a pausa prolongada na sílaba acentuada torna evidente a sua resistência. Os exemplos contrários a essa lei, alguns dos quais remontam ao latim vulgar, são resultado de causas fonéticas, morfológicas e analógicas. Causas fonéticas: Uma das causas fonéticas do deslocamento do acento tônico no português está relacionada aos casos em que ocorre o hiato com as vogais "i" ou "e" em palavras de origem latina, ou seja, quando essas vogais estão seguidas de outra vogal. No latim vulgar, havia uma tendência de evitar o hiato, então o acento tônico foi deslocado para a última vogal, frequentemente reduzindo-as a uma única vogal que era a última. Alguns filólogos explicam esse deslocamento com base na regra fisiológica segundo a qual, entre duas vogais contíguas, a vogal mais sonora tende a predominar. O quadro 1– traz alguns exemplos: Quadro 1 – O deslocamento do acento tônico para a última vogal. Fonte: adaptada deTrujillo (2011). Ainda conforme Elia (2003), outra causa fonética ocorre nos polissílabos, em que no latim havia vogal em “posição débil” a qual era seguida de grupo consonantal formado de muda (p, b, t, d, c, g) e líquidas (l, r). A sílaba em que figurava esta vogal era considerada comum no latim clássico, ou seja, podia ou não receber o acento, segundo as necessidades do verso. Na prosa, porém, era átona. O latim vulgar tornou- a tônica, e o português conservou a acentuação do latim vulgar como podem ser observadas no quadro 2. Quadro 2– Conservação dos grupos consonantais do latim vulgar átonas, que se tornaram tônicas e permaneceram tônicas no português. Fonte: adaptada deTrujillo (2011). É claro que os acentos gráficos colocados nas palavras latinas representadas no quadro 2– servem apenas para indicar a vogal tônica e seu timbre. Uma terceira causa fonética para o deslocamento do acento tônico no português está relacionada a palavras que, de acordo com a etimologia, deveriam terminar em "â" tônico final fechado, caso a língua portuguesa os permitisse. Nesse caso, temos exemplos como "quinta", "campa" e "venta", que no período arcaico eram pronunciados como "quintãa", "campãa" e "ventãa". Essas palavras têm sua origem no latim "quintana", "campana" e "ventana". Causas morfológicas: além das causas fonéticas, existem também causas morfológicas. No latim vulgar, ocorria a transposição do acento tônico para o segundo elemento nas palavras compostas, quando havia consciência da composição e o segundo elemento carregava a ideia principal. Isso pode ser explicado pelo fato de que o segundo elemento era considerado mais significativo. No português, essas palavras se mantiveram como paroxítonas, herdada do latim vulgar nesses casos de palavras compostas, como podem ser observadas no quadro 3. Quadro 3 – Palavras que se mantiveram como paroxítonas, herdada do latim vulgar Fonte: adaptada deTrujillo (2011). Causas Analógicas: a analogia é uma força poderosa que atua como um agente transformador. No caso do deslocamento do acento tônico, a analogia também desempenhou um papel importante, como pode ser observado nas conjugações verbais. Os verbos da terceira conjugação do latim erudito, que possuíam terminação em "ĕre", acabaram se identificando, no latim vulgar lusitânico, com os verbos da segunda conjugação, que tinham terminação em "ēre", resultando no desaparecimento da terceira conjugação. A força analógica também influenciou alguns verbos da segunda conjugação latina erudita, que passaram para a quarta conjugação no latim vulgar, assim como nas primeiras e segundas pessoas do plural de certos tempos verbais do indicativo e do subjuntivo. Na transição para o português, as formas tônicas do latim vulgar foram preservadas, como podem ser observadas no quadro 4. Quadro 4 – Permanência das formas tônicas do latim vulgar preservadas no português. Fonte: adaptada deTrujillo (2011). Muitas palavras, em vez de permanecer a silaba tônica latina, tomaram entre nós a grega, como pode ser observada no quadro 5. Quadro 5 – Palavras do português que tem sílaba tônica grega em vez de latina. Fonte: adaptada deTrujillo (2011). Observe no quadro 6– os verbos da terceira conjugação clássica latina ĕre identificaram-se por analogia com os da segunda ēre no latim vulgar da península. . Quadro 6 – Verbos da terceira conjugação clássica latina ĕre identificaram-se por analogia com os da segunda ēre no latim vulgar da península. Fonte: adaptada deTrujillo (2011). Como você pode observar no quadro 7– na 1ª e 2ª pessoa do plural do imperfeito, mais-que-perfeito do indicativo e imperfeito do subjuntivo, houve deslocamento, por influência da acentuação das três pessoas do singular. Quadro 7 – Deslocamento, por influência da acentuação das três pessoas do singular. Fonte: adaptada deTrujillo (2011). 5. METAPLASMOS Metaplasmos é uma designação comum a todas as figuras que acrescentam, suprimem, permutam ou transpõem fonemas nas palavras. Os metaplasmos são modificações fonéticas que sofrem as palavras na sua evolução. Tais modificações não somente se deram do Latim para o Português, mas se dão no interior do próprio idioma, fato que se evidencia ao analisar as vozes de épocas distanciadas. É que cada geração altera inconscientemente, segundo as suas tendências, as palavras da língua, alterações essas que se tornam perfeitamente sensíveis, só depois de decorrido muito tempo (Coutinho, 1976, p. 143). Todas as modificações sofridas na língua podem ser motivadas pela troca, pelo acréscimo, pela supressão de fonemas e ainda pela transposição de fonemas ou do acento tônico. Os Metaplasmos dividem-se em quatro grupos: 1 – Metaplasmos por permuta: Consistem na substituição de um fonema por outro e se dividem em: A) Sonorização: é a troca de um fonema surdo por um fonema sonoro homorgânico. Dá-se a sonorização, em português, dos seguintes fonemas latinos, quando colocados entre vogais: ➢ P > B: lupu > lobo; ➢ T > D: cito > cedo; ➢ C > G: acutu > agudo; ➢ F > V: profectu > proveito. B) Vocalização: É a transformação de um fonema consonantal num fonema vocálico. As consoantes b, c, l, n, p, nos grupos ct, lt, lc, lp, pt, bs, gn, pt, transformam- se em i ou u, ao passarem do latim para o português: ➢ CT: octo > oito ➢ LT: multu > muito ➢ LC: falce > fouce = foice ➢ LP: palpare > poupar ➢ PT: conceptu > conceito ➢ BS: absentia > ausência ➢ GN: regno > reino ➢ PT: cap(i)tale > caudal C) Consonantização: Consiste na transformação de um fonema vocálico num fonema consonantal. O i e o u transformam-se, respectivamente, em j e v: ieiunu > jejum; iam > já; uagare > vagar; Hieronymu > Jerônimo; uiuere > vever. D) Assimilação: é a troca de um fonema por outro igual ou semelhante ao que antecede ou segue o fonema que se troca: inregular > irregular. O fonema que exerce influência sobre o outro chama-se assimilador; o que se modifica, assimilado. No exemplo acima, o fonema assimilador é o r, e o assimilado o n. A assimilação divide- se em: Total: quando o fonema assimilado é igual ao assimilador: saeta>seeta>seta. Parcial: quando entre o fonema assimilado e o assimilador existe semelhança, sem haver perfeita identidade: tauru > touro. Progressiva:quando o fonema assimilador vem antes do assimilado: nostru>nosto>nosso. Regressiva: quando o fonema assimilador vem depois do assimilado: persicu > pêssego. E) Dissimilação: é a queda ou a transformação de um fonema, quando já existe na palavra fonema igual ou semelhante àquele que se modifica ou desaparece: calamellu > caramelo (transformação); cribru > crivo (queda). A dissimilação também poder ser: Progressiva: quando o fonema dissimilador vem antes do dissimilado: prora > proa. Regressiva: quando o fonema dissimilador vem depois do dissimilado: horologiu > rologio > relógio. F) Nasalização (ou nasalação): consiste na transformação de um fonema oral em um fonema nasal: mihi > mim; sic > si > sim; mac(u)la > mancha; matre > mãe. G) Desnasalização (ou desnasalação): é a transformação de um fonema nasal em um fonema oral: luna > lua; corona > coroa; bona > boa; persona > pessoa; sonare > soar. H) Apofonia ou deflexão: é a modificação que sofre a vogal da sílaba inicial de uma palavra, quando se lhe acrescenta um prefixo: in + amigo > inimigo; per + factum > perfeito; ad + cantu – accentu > acento. I) Metafonia: é a modificação do som, ou mais propriamente do timbre de uma vogal, em virtude da influência que sobre ela exerce a vogal seguinte: décima > dízima; debita > dívida; 2– Metaplasmos por aumento: consiste no acréscimo de um fonema à palavra. São os seguintes A) Prótese: é o acréscimo de um fonema no início do vocábulo: stare > estar; spíritu > espíritu; scribere > escrever; scutu > escudo. B) Epéntese: acréscimo do fonema no meio da palavra: masto > mastro; stella > estrela. C) Anaptixe ou suarabácti: é a epéntese especial qu consiste em desfazer um grupo de consoantes pela intercalação de uma vogal: grupa > garupa; bratta – blatta > barata; febrariu > fevereiro. D) Paragoge ou epítese: acréscimo de fonema no fim da palavra: ante > antes. 3 – Metaplasmos por subtração: é a eliminação de fonemas na palavra. Os metaplasmos por subtração classificam-se em: A) Aférese: perda de fonema no início da palavra: episcopu > bispo; acume > cume; inamorare > namorar. B) Síncope: é a subtração de fonema no interior do vocábulo: legale > leal; male > mau; opera > obra; liberare > livrar. C) Haplologia: é a síncope especial que consiste na queda de uma sílaba medial quando há outra igual ou semelhante na palavra: idololatria > idolatria; semimimo > semínimo; bondadoso > bondoso. D) Apócope: é a queda de fonema no fim do vocábulo: atroce > atroz; legale > legal; servum > servo; capitale > capital; mense > mês. E) Crase: é a fusão de dois sons vocálicos contíguos: pede – pee > pé; legere – leere > ler; videre – veer > ver; colore – coore > cor. F) Sinalefa ou Elisão: é a queda do fonema vocálico no final de uma palavra quando esta se une a outra iniciada por vogal: de + aquele > daquele; de + este > deste; de + um > dum; de + intro > dentro. 4– Metaplasmos por transposição: consiste na deslocação de fonema ou de acento de uma sílaba para outra. Classificam-se em: A) Metátese: deslocação de fonema: pro > por; inter > entre; semper > sempre; inter > entre; super > sobre. B) Hiperbibasmo: transposição do acento de uma para outra sílaba. Subdivide-se em: C) Sístole: é a transposição do acento tônico de uma sílaba para a sílaba anterior: pantánu > pântano; erámus > éramos; amabámus > amávamos. D) Diástole: é a transposição do acento tônico de uma sílaba a posterior: cáthedra > cadeira; íntegru > inteiro; mulíere > mulher; júdice > juiz. 5.1 A formação do léxico português De acordo com Trujillo (2011), há três fontes básicas do léxico português: derivação latina (as que remontam ao latim vulgar e as de formação etimológica que remontam ao latim clássico e ao grego); criação ou formação vernacular; importações ou empréstimos estrangeiros. As palavras eruditas: São consideradas palavras eruditas aquelas criadas diretamente a partir de formas latinas e/ou gregas que já haviam dado origem a outras palavras. O conhecimento das línguas clássicas foi por muito tempo uma condição à qual todo cientista teria de sujeitar-se para a criação de sua terminologia especializada e, ainda hoje, este material serve de instrumento para enriquecer o léxico científico. As palavras de formação vernacular: Os recursos mais usados no processo de criação vernacular são os da morfologia derivacional (sufixação, prefixação, e derivação parassintética) e; a chamada derivação imprópria ou conversão em que uma palavra muda de classe e passa a desempenhar outra função gramatical. Também se pode encontrar o mecanismo de “composição” em que de várias palavras se forma uma só expressão. Além da composição temos a formação de expressões complexas que geralmente recebem a denominação de locuções. Campos “marginais” do léxico: A) Antroponímicos: a história dos prenomes usados no português do Brasil atravessou as mesmas etapas que a história da própria língua. Além dos prenomes herdados do latim como Antônio, Marcos, César, Cláudia; encontram-se nomes germânicos como Diego, Diogo, Guilherme, Roberto; é possível também encontrar prenomes de origem indígena como Moacir, Jurandir, Maíra e; prenomes africanos como Janaína. O Brasil tem sido importador de prenomes estrangeiros, assim como criador de prenomes por combinação Norberto + Walnice = Walnor. B) Hipocorísticos: São nomes caracterizados pela insuficiência de pronúncia infantil ou utilizados para expressar carinho: Alberto – Beto – Betinho; Alexandre – Xando, Xandinho, Xandoca etc. Na formação dos hipocorísticos sempre há mutilação do nome originário. Nessa mutilação, observa-se que geralmente se conserva a sílaba tônica como em: Joaquim – Quim, José – Zé; ou das sílabas mais importantes do nome: Antônio – Tônio, Sebastião – Tião. Também há casos de manutenção, nos hipocorísticos, de sílabas átonas no nome: Filomena – Filó, Guiomar – Guio, Beatriz – Bea (Bia). Outro processo comum nos hipocorísticos é o redobro: Zezé, Lulu, Quinquin. C) Patronímicos: Na idade média era praxe juntar-se ao nome de batismo o nome próprio do pai para distinguir pessoas diferentes, mas que tinham nome idêntico. Tais nomes se conhecem pela terminação, primeiro em “ez” e, depois “es” correspondente ao genitivo latino “ci”. Assim, José Fernandes significa José, filho de Fernando. Posteriormente deixaram de indicar filhação, e são hoje empregados como simples agnomes ou sobrenomes. D) Toponímia: Na toponímia brasileira é comum encontrar nomes de lugares de origem indígena. Muitos desses nomes descrevem a maneira como os indígenas representavam o relevo, a vegetação, ou o clima de certas localidades. Cumbica, por exemplo, significa “nuvem baixa”; Jundiaí alude a rios habitados em outros tempos por muitos bagres “jundiás”. 5.2 A Língua Portuguesa no Mundo Elia (2001), considera como o estágio atual da língua portuguesa no mundo, a situação da Lusitânia após a segunda guerra mundial, sendo que diferencia cinco faces da Lusitânia atual: ➢ Lusitânia Antiga: constituída por Portugal e pelos Arquipélagos de Madeira e Açores; ➢ Lusitânia Nova: corresponde ao Brasil; ➢ Lusitânia Novíssima: composta pelas cinco nações africanas constituídas em consequência do processo chamado de “descolonização” e que adotaram o Português como língua oficial. São essas nações: Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, e São Tomé e Príncipe; ➢ Lusitânia Perdida: constituída pelas regiões da Ásia – Macau (na China) e Goa (na Índia) e; da Oceania – Timor Leste; ➢ Lusitânia Dispersa: constituídas palas comunidades de fala portuguesa espalhadas pelo mundo não lusófono, em consequência do afluxo de correntes migratórias. Elia (2001) define os seguintes traços sociolinguísticos do português europeu, indicando que excluindo o primeiro traço, todosos outros se aplicam ao Português Brasileiro, acrescentando a este o traço de língua transplantada: ➢ O primeiro traço do português europeu é o de ser língua-berço: traço importante porque não se encontra em nenhuma das outras faces da Lusitânia; ➢ O segundo traço é o de Língua materna: em Portugal há uma sensível unidade linguística: os diversos falares pouco diferem entre si; ➢ O terceiro traço é o de ser Língua oficial: o primeiro passo nesse sentido foi dado por D. Dinis em 1290 quando decretou que a língua portuguesa fosse adotada nos atos e documentos públicos. Essa língua é a única reconhecida, até hoje, pelo Estado português como válida em sua vida política e administrativa. ➢ O quarto traço define o português como Língua nacional do povo lusitano: isso quer dizer que a língua é falada sem contraste em toda a extensão do Portugal continental e insular. Mesmo a existência do Mirandês, em Miranda do Douro, não impede que o Português seja predominante na região. ➢ O quinto traço do Português é o de ser Língua de cultura: desde o século XIII já surge como língua gráfica e “literatada”, segundo descrição de Antônio Houaiss. A importância literária do português já se encontra no lirismo do trovadorismo medieval; no Renascimento com autores como Luís de Camões e Gil Vicente; a grande voz seiscentista ecoa nas palavras do Padre Antônio Vieira; são Camilo Castelo Branco, Eça de Queiros e Garrett os autores que tornam adulto o romance português; para chegar aos grandes expoentes da contemporaneidade que são Fernando Pessoa e José Saramago entre outros. 6 A PERSPECTIVA LINGUÍSTICA DESDE A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL Ao refletir sobre as mudanças linguísticas da língua portuguesa no território brasileiro, é importante considerar três marcos históricos que tiveram um papel significativo: a chegada dos portugueses ao Brasil, a vinda da família real portuguesa e a imigração de portugueses. Quando os portugueses chegaram ao Brasil, no período do descobrimento, encontraram uma sociedade indígena bem estruturada, com sua própria cultura e diversidade linguística. Com o objetivo de evangelizar, doutrinar e impor sua própria cultura, os colonizadores tiveram que mesclar o português com o latim e algumas palavras indígenas, resultando na criação da língua geral. Dessa forma, os indígenas mantinham suas línguas nativas dentro de suas tribos, mas utilizavam a língua geral para se comunicarem com a comunidade externa. Desta forma: [...] as línguas gerais eram línguas de base tupi, em uso por grande parte da população. As mais importantes foram a Geral Paulista e a Geral Amazônica. Constituíam a língua do contato entre os indígenas, entre os indígenas e portugueses e todos que iam se agregando ao novo território. Em termos gerais, era a língua da informalidade, comum a nativos e não nativos, sendo instrumento básico no processo de catequização dos povos indígenas. Já o português, era a língua oficial do Estado, empregada em atos e documentos oficiais relacionados à administração colonial. (SANTANA; MÜLLER, 2015, p. 3). Após a chegada da família real ao Brasil em 1808, devido à Revolução Liberal do Porto, eles retornaram a Portugal em 1820. No entanto, D. João I deixou seu filho, D. Pedro II, como governante representante da corte portuguesa. Em 1822, o príncipe proclamou a independência do Brasil, tornando-se o imperador do país. O português brasileiro se desenvolveu a partir da língua portuguesa trazida pelos colonizadores, que foi adquirida como segunda língua por milhões de africanos e povos indígenas. Essa língua sofreu alterações influenciadas por outras nações europeias desde o início da colonização e continuou a evoluir por meio de contatos linguísticos após 1822. A partir da independência, conforme apontado por Andreazza e Nadalin (2011), uma nova sociedade começou a ser construída, com o objetivo de povoar e "branquear" a nação. Nesse contexto, a imigração passou a ser extremamente necessária para trazer progresso e colonizar as áreas internas do país. Entre o final do século XIX e grande parte do século XX, mais de cinco milhões de imigrantes italianos, alemães, espanhóis, ucranianos, poloneses e japoneses entraram no Brasil. Esses imigrantes ocuparam pequenas propriedades em colônias, principalmente no Sul do país, conforme o propósito estabelecido. Entretanto, a entrada dos imigrantes, embora tenha tido o objetivo de "branquear" a nação, nem sempre foi vista de forma positiva. A abolição da escravidão em 1888 ocorreu devido a um movimento significativo de resistência por parte dos escravizados, resultando em uma grande fuga dos afrodescendentes. Os negros estavam formando suas próprias comunidades quilombolas, e a mão de obra escrava tornou-se cada vez mais escassa. Por questões de necessidade e também sob pressão da sociedade intelectual abolicionista, a Lei Áurea foi assinada. No entanto, o país viveu uma contradição entre aqueles que detinham o poder. Enquanto os latifundiários buscavam apenas substituir a mão de obra escrava, a burocracia imperial e a intelectualidade estavam preocupadas com a configuração social e cultural do país. Seu objetivo era transformar a imigração em um processo de "civilização", visando construir a identidade nacional. Eles se baseavam em teorias sobre o "branqueamento" da população e almejavam a "melhora" da raça brasileira. Segundo Croci (2011), a entrada de imigrantes europeus foi estrategicamente planejada para promover o "branqueamento" da sociedade em formação. Apesar de os imigrantes terem recebido terras, suas condições ainda eram subalternas. Além disso, quando sua cultura passou a ser efetivamente inserida na sociedade, mesmo os brancos, que antes eram desejados, passaram a ser considerados indesejáveis. Devido a promessas não cumpridas e às péssimas condições de trabalho, o fluxo de emigração dos imigrantes europeus superou o de entrada. Em 1902, o governo italiano emitiu o decreto Prinetti, afirmando que o governo brasileiro tratava seus imigrantes como "escravos brancos" e proibindo a emigração subsidiada. Diante da necessidade de mão de obra, o Brasil conseguiu firmar um acordo com o Japão como solução imediata. Assim, em 1907, Brasil e Japão estabeleceram um acordo migratório. No entanto, o governo japonês, além de possuir uma cultura completamente diferente da brasileira, era mais imperialista do que os governos europeus. Por esse motivo, o acordo não agradou aos governantes nem à elite brasileira. Com o crescimento populacional e o aumento da imigração, em 1900, havia 17.318.556 habitantes no território brasileiro, e em 1960, esse número já havia alcançado 70.967.185 habitantes, de acordo com Andreazza e Nadalin (2011). As metrópoles brasileiras foram se formando e se tornando verdadeiras misturas étnicas, configurando assim uma cultura e uma variedade linguística diversificada. Mello, Altenhofen e Raso (2011), afirmam que, apesar de o Brasil parecer um país monolíngue, é na verdade um dos territórios com maior diversidade linguística do mundo. Além disso, com os processos de globalização, a internet e o turismo, o Brasil, por ser um país jovem e pluricultural, constantemente absorve novas características em sua linguagem. Mello, Altenhofen e Raso (2011), se opõem à visão de que o português do Brasil é uma evolução linguística do português de Portugal. Para a autora, não houve um processo de crioulização e descrioulização, ou seja, o português falado no Brasil não se formou apenas por influência do português falado em Portugal, mas também foi influenciado por inúmeras línguas indígenas, africanas, europeias, entre outras. Noll (2004), identifica oito variedades do português no Brasil nesse período: o português europeu escrito/impresso; as variedades dos colonos vindos de diferentes regiões de Portugal; o português dos índios integradosem contato permanente com os portugueses; o português dos mamelucos, resultante da união entre brancos e índios; o português dos negros boçais trazidos da África; o português dos negros crioulos e mulatos; o português falado no ambiente da casa-grande e da senzala, e o português das populações urbanas (SANTANA; MÜLLER, 2015, p. 8). Essa miscigenação do povo também se refletiu na língua falada no país. De forma alguma podemos considerar isso como um prejuízo linguístico; pelo contrário, essa diversidade linguística é um aspecto enriquecedor e característico da identidade brasileira. [...] foi justamente essa contribuição e influência vocabulares que propiciaram a ampliação do léxico brasileiro. O contato entre as populações autóctone, branca e africana, dado por diversos motivos, no que tange ao aspecto linguístico resultou no processo natural de renovação lexical. (SANTANA; MÜLLER, 2015, p. 10). 6.1 Diversidade linguística regional O território brasileiro constitui-se de uma grande diversidade linguística. Desde o início da colonização portuguesa, o país sofreu influência de diferentes culturas, as quais caracterizam a língua falada das regiões brasileiras. Além disso, existiram as contribuições idiomáticas dos indígenas, dos africanos e dos europeus. São regionalismos as expressões próprias de uma região específica. Observe algumas expressões regionais: Observe nos Quadros 1, 2 e 3 algumas expressões regionais: Regionalismos – região nordeste Quadro 1– Regionalismos – região sul. Baixa da égua - Lugar onde ninguém quer ir, lugar muito longe Balaio de gato - Desorganização, confusão Bater a caçoleta – Morrer Cambito - Perna fina Cão chupando manga - Pessoa muito feia Caxaprego - Lugar muito distante Dar o prego - Enguiçar Dar pitaco - Dar opinião Encangado - Em cima, montado Ensacar - Por a blusa dentro da calça Fastiado - Sem fome Fez mal - Engravidou alguém Gaia - Chifre, traição Invocado - Corajoso ou “muito bom” Jerimum - Abóbora Liso - Sem dinheiro Mangar - Ridicularizar Nome feio - Palavrão Pastorar - Vigiar Quenga - Prostituta Racha - Pelada, jogo de futebol ou disputas em geral Sustança - Energia dos alimentos Triscar – Tocar Varapau - Homem alto Zambeta - De pernas tortas. Fonte da imagem: Variação Linguística (2013). Alçar a perna - Montar a cavalo Campo santo - Cemitério Embretar-se - Meter-se em apuros Guacho - Animal ou pessoa criada sem mãe ou sem leite materno Lindeiro - Ao lado de, vizinho Maleva - Bandido, malfeitor, perverso Olada - Ocasião, oportunidade Parada - Importância em dinheiro pela qual se contrata uma corrida de cavalos ou uma rinha de galos Relho - Chicote pequeno com cabo de madeira e cabo torcido Solito - Isolado, sozinho, sem companhia Tirana - Cantiga e dança popular, acompanhada de viola. Variedade de fandango. De rocha - Palavra ou assunto com convicção Égua de largura - Muita sorte Essa é da grife do varal - Roupa roubada Levou o farelo - Morreu Muidinho - Pequeno Paga uma aí - Paga uma bebida Vigia bem - Preste muita atenção Umborimbora? - Vamos embora? Zé ruela - Abestado, besta. Quadro 2 – Regionalismos – região sul Fonte da imagem: Variação Linguística (2013). Regionalismos – região norte. Fonte da imagem: Variação Linguística (2013). 6.2 A diversidade linguística na sala de aula Ao abordar o ensino da língua portuguesa em sala de aula, os professores frequentemente se deparam com a diversidade linguística presente nas falas dos alunos. Estudos demonstram que a forma de falar de cada indivíduo é influenciada por diversos fatores, como nível de escolaridade, status socioeconômico, faixa etária e gênero (BORTONI-RICARDO, 2004, p. 49). Esses fatores podem ser considerados atributos estruturais, ou seja, fazem parte da individualidade de cada falante. Além disso, existem fatores funcionais que resultam das interações sociais. Portanto, ao tratar do ensino da língua portuguesa no Brasil, é necessário prestar uma atenção maior à forma como esse ensino tem sido conduzido e aos desafios enfrentados pelos professores. A perspectiva sociolinguística em geral reconhece que um dos principais problemas no ensino da língua é o uso de um padrão linguístico, no caso, a norma padrão, que difere da fala dos alunos e não leva em consideração suas vivências linguísticas. Para os sociolinguistas, essa questão é crucial, uma vez que a participação dos alunos é fundamental para promover a integração social e enriquecer o repertório linguístico do grupo. Atualmente, as variações linguísticas presentes nas falas dos alunos no contexto escolar não recebem a devida importância, apesar das pesquisas apontarem a necessidade de considerá-las. Essa controvérsia levanta a discussão sobre como conciliar o estudo da língua falada e escrita nas escolas. É importante ressaltar que a variação linguística está presente em todas as línguas e em todos os períodos históricos. A escola desempenha um papel social, e os estudos sociolinguísticos destacam que não se pode ser ignorado o contexto cultural e linguístico dos alunos, subjugando-os a um único padrão, a língua padrão instituída. Na escola, é fundamental se aprender as dominar o uso da língua culta e escrita, porém, também é relevante reconhecer e valorizar a fala, pois ela faz parte da identidade dos estudantes. A escola não pode ignorar as diferenças sociolinguísticas. Tanto os professores quanto os alunos precisam estar cientes de que existem diferentes formas de expressar a mesma ideia, e essas formas alternativas servem a propósitos comunicativos distintos e são percebidas de maneiras diferentes pela sociedade (BORTONI-RICARDO, 2005). 7. DEFINIÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO PELA ABORDAGEM DIACRÔNICA DOS FENÔMENOS LINGUÍSTICOS A linguística, assim como outras ciências, possui um objeto e um método de estudo. Isso significa que, quando a linguística começou a ser considerada uma ciência, foi necessário estabelecer o que ela investigaria e como seria conduzida essa investigação. No início do século XX, Ferdinand de Saussure (1857-1913) definiu o objeto de estudo da linguística como sendo a língua. Além disso, ele introduziu os conceitos de sincronia e diacronia para delinear a abordagem de estudo da língua. Saussure distinguia dois aspectos da linguagem: o individual, relacionado à fala de cada indivíduo, e o social, relacionado à língua como um sistema compartilhado por uma comunidade. Por exemplo, a língua portuguesa é compartilhada por todos os falantes dessa comunidade, tornando-se, portanto, um fenômeno social. No entanto, a maneira como cada pessoa utiliza a língua é individual, embora todos sigam regras pré-estabelecidas. Diante da ampla natureza da linguagem e sua relação com outras disciplinas, como história e psicologia, a linguística definiu a língua como seu objeto de estudo (SAUSSURE, 2012). 7.1 Sincronia e diacronia A diacronia diz respeito aos fatos da língua ao longo do tempo, ou seja, como a língua evoluiu, o que foi modificado, quais termos deram origem a outros e assim por diante. Os estudos diacrônicos consideram a história e a formação da língua no tempo. Por exemplo, atualmente, falamos “você”, que veio de “vosmecê”, que por sua vez já havia sofrido uma alteração, substituindo “vossa mercê”. Essa mudança já está estabelecida entre os falantes, mas ainda é possível que, gradualmente, mais alterações aconteçam, reduzindo ainda mais o pronome, como a substituição por “cê”. Segundo Silva (2014, p. 34), “[…] quando o linguista se coloca na perspectiva diacrônica, percebe uma série de acontecimentos que modificam a língua, mas não a língua viva em uso”. Já a sincronia tem relação com o momento atual da língua. Os estudos sincrônicos se ocupam de uma época específica, observam o agora. Para o falante comum, normalmenteinteressa o aspecto sincrônico da língua: os usos que esse falante faz dos termos que estão em voga e do vocabulário do momento. Por isso, Saussure defendia que a língua deveria ser estudada de maneira sincrônica, sem levar em conta seus processos evolutivos. Abaixo, estão relacionados alguns aspectos dos estudos sincrônicos e diacrônicos apontados por e Neves (2019): Sincronia ➢ É momentânea; estudada em um momento específico. ➢ Apresenta características estáticas e descritivas, referindo-se ao estado da língua naquele momento específico. ➢ Estuda apenas as variações da língua que coexistem em uma determinada época, como variações regionais, sociais e situacionais. ➢ Analisa a língua como um conjunto fechado que apresenta regularidade e homogeneidade própria de uma determinada época. Diacronia ➢ Apresenta a evolução que as palavras sofrem ao longo do tempo, analisando as transformações ocorridas até à palavra atual. ➢ Apresenta caraterísticas dinâmicas e históricas, remontando à origem das palavras. ➢ Ao incidir sobre o processo evolutivo da língua, caracteriza-se como o estudo da sucessão de diversas diacronias, possibilitando comparações. 7.2 Mudanças consolidadas no português e processos de variação em curso A variação linguística é uma característica constante da língua, que está sujeita a mudanças ao longo do tempo. Essas variações podem ocorrer de acordo com diversos fatores, como época, situação, região geográfica, idade ou grupo social do falante. No entanto, mesmo diante dessas variações, a língua continua sendo um sistema organizado e estruturado, capaz de atender às necessidades comunicativas dos falantes (FARACO, 2005). No contexto brasileiro, é possível identificar uma grande variedade de distinções relacionadas à pronúncia, à construção sintática, ao uso de palavras, gírias e à morfologia. Essas diferenças podem ser encontradas tanto entre diferentes regiões geográficas quanto dentro de uma mesma região. Isso demonstra que não existe uma única variedade fixa da língua, pois os mesmos indivíduos podem participar de múltiplos contextos sociais. Por exemplo, uma pessoa pode viver em uma cidade onde prevalece um determinado modo de falar, enquanto utiliza uma linguagem específica no meio acadêmico como estudante universitário, e adota outra forma de comunicação ao interagir com seus pais. Essa diversidade é conhecida como variação linguística. A variação linguística pode ser classificada em diferentes tipos. A variação estilística, também conhecida como contextual ou de registro, varia de acordo com a situação em que nos encontramos no dia a dia. Por exemplo, utilizamos diferentes registros linguísticos ao falar com amigos, no ambiente acadêmico ou em uma entrevista de emprego. A variação social, também chamada de diastrática, refere-se a contextos socioeconômicos e culturais, como classe social, gênero, idade, nível de escolaridade e profissão. Um exemplo dessa variação é a concordância nominal e verbal, que pode ocorrer de maneiras diferentes, como em frases como "os meninos saíram cedo" e "os meninos saiu cedo". Já a variação geográfica, também conhecida como regional ou diatópica, está relacionada às diferenças entre regiões dentro de um mesmo país ou entre países diferentes. No Brasil, por exemplo, utilizamos termos diferentes para se referir a um jovem, como "guri" no Rio Grande do Sul e "moleque" no Rio de Janeiro e em outras regiões. Em Portugal, utilizam-se os termos "miúdo" ou "rapaz" (GÖRSKI; COELHO, 2009). É importante ressaltar que a língua falada é mais dinâmica do que a língua escrita e passa por mudanças em um ritmo mais acelerado. É a língua falada que dita as regras do que está em uso em determinado momento, resultando em mudanças que podem estar consolidadas ou em processo de variação. Consequentemente, quando não há mais falantes de uma determinada variedade linguística, ela deixa de ser utilizada pelas gerações seguintes e cai em desuso. A linguística acompanha constantemente esses processos de variação da linguagem falada. O Quadro 1 apresenta a classificação dessas variações. Quadro 2. Classificação das variações linguísticas Fonte: Adaptado de Monteiro (2014) Mudanças consolidadas Contração de + o, a, os, as e de + ele, ela, eles, elas com verbos no infinitivo Observe as frases: Antes de ela ir para a Espanha, falarei com ela. Antes dela viajar, conversarei com ela. Existe um debate entre gramáticos em relação à forma contraída (de + ela), em comparação com a forma não contraída (dela). Alguns gramáticos valorizam a forma não contraída, argumentando que se trata da combinação de uma preposição (de) com o pronome sujeito (ela), seguindo uma estrutura mais tradicional da língua. Por outro lado, outros gramáticos argumentam que a forma contraída (dela) está mais alinhada com a linguagem oral e coloquial. Ambas as formas são aceitas na norma- padrão da língua, sendo utilizadas por diversos autores, como o gramático. Dupla concordância de um dos que Neste caso, há duas possibilidades, já aceitas, para a concordância com “um dos que”: singular ou plural. Assim: Ela é uma das que estavam em minha casa. Ela é uma das que estava em minha casa. Expressão a gente Aceitam-se a expressão “a gente” e todas suas variantes — “da gente”, “para a gente” — como possibilidade de pronome para a primeira pessoa do plural. Extinção dos pronomes vós, vos, vosso, vossos No caso da segunda pessoa, o pronome correspondente passa a ser "vocês", indicando um tratamento plural ou de respeito. Os pronomes possessivos associados a essa forma são "seu" ou "de vocês". No Quadro 3, é possível observar como esses pronomes são utilizados. Fonte: Adaptado de Rafael (2010) Mudanças ou variações em andamento Advérbio melhor como comparativo de superioridade antes de particípio “Melhor” é usado como comparativo de superioridade tanto para o adjetivo “bom” quanto para o advérbio “bem”. A substituição de “melhor” por “mais bem” não é bem vista por todos os gramáticos. Por exemplo: João é melhor em matemática do que Carlos. João é melhor apresentado do que Carlos. = João é mais bem apresentado do que Carlos. Regência de verbos de movimento com uso da preposição em Alguns autores apontam para a possibilidade de uso das formas “chegar em” e “chegar a” como sinônimas. Ainda que não se perceba muita evidência do uso com a preposição “em”, Monteiro (2014) destaca que, no latim, a preposição “in” podia ser usada com verbos em movimento. Por exemplo: João chegará em São Paulo hoje à tarde. João chegará a São Paulo hoje à tarde. Pronome reflexivo se como sujeito São observadas construções de verbos no singular quando o sujeito da oração está no plural. Observe: Compra-se casas. Vende-se pães. O sujeito das frases, na voz passiva e na voz ativa, é o mesmo: casas são compradas; pães são vendidos. Desse modo, aceita-se a forma no plural em ambos os casos. Através de com o significado de por meio de Na tradição da língua portuguesa, a expressão "através de" possui o sentido de indicar uma passagem de algo de um lugar para outro. No entanto, essa expressão é fortemente condenada, pois muitas vezes é utilizada de maneira generalizada para substituir a locução "por meio de", mesmo quando poderia ser substituída por uma única palavra. Observe o exemplo: O tratamento foi feito através da medicina alternativa. O tratamento foi feito com medicina alternativa. Alguns gramáticos condenam o uso dessa expressão para evitar o uso de uma locução quando uma preposição simples seria suficiente para suprir a necessidade. 7.3 Abordagem descritiva e abordagem normativa A abordagem descritiva refere-se à descrição dos fenômenos linguísticos no processo de mudança de uma língua. Ela busca entender e explicarcomo a língua é utilizada pelos falantes em diferentes contextos, sem necessariamente estabelecer normas rígidas. Por outro lado, a abordagem normativa está relacionada às normas da língua, ou seja, às regras gramaticais que devem ser seguidas para que a comunicação esteja em conformidade com um padrão gramaticalmente aceitável (BINDA; ALMEIDA; FRAGA, 2011). É interessante observar que, muitas vezes, existem pessoas que possuem habilidades na escrita e conseguem se expressar bem, mesmo sem dominar as regras da gramática tradicional, ou seja, a abordagem normativa. Por outro lado, há pessoas que possuem um conhecimento profundo das regras gramaticais, mas enfrentam dificuldades ao utilizar a linguagem em diferentes contextos nos quais estão inseridas. Essa distinção mostra que ser habilidoso na linguagem vai além do domínio estrito das regras gramaticais. A competência comunicativa abrange a capacidade de se adaptar à linguagem de acordo com os diferentes contextos sociais e comunicativos, levando em consideração aspectos linguísticos, culturais e pragmáticos. 8. O CONCEITO DE LINGUÍSTICA SOB A ÓTICA DOS ESTUDOS ESTRUTURALISTAS, FUNCIONALISTAS, GERATIVISTAS E SEMANTICISTAS E SUAS RELAÇÕES COM AS VARIADAS TEORIAS LINGUÍSTICAS Saussure (2012), estabelece o conceito de língua como um sistema de signos, um código utilizado para comunicação e troca de informações. Nessa formulação, reconhecemos a presença do enunciador como um elemento fundamental no ato da fala. A concepção de Saussure desfaz da visão comparatista da linguística do século XIX, em que a língua era entendida como expressão do pensamento, e introduz uma nova abordagem, considerando-a como um sistema no qual um signo só adquire significado ou validade no momento que se relaciona aos demais signos que os circundam. No livro "Curso de linguística geral" (SAUSSURE, 2012), encontramos algumas características da língua: ela é uma parte social da linguagem, pertencente à comunidade, e está exteriorizada ao indivíduo, que não pode modificá-la. Essas afirmações demonstram a inserção da língua em um campo de estudos que considera sua relação com o mundo exterior, bem como as dependências intrínsecas das partes que compõe esses sistemas, pois um signo é definido pelo que o outro não é, como explicitado pela noção de par opositivo de Saussure. É importante ressaltar que, na concepção dos estruturalistas, o que é real e concreto não são relevantes, pois a estrutura da língua é considerada abstrata. Desta forma, no estruturalismo, a noção de referência entre língua e realidade não podem ser consideradas, visto que o referente está sempre presente no interior do sistema. Outras questões que evidenciam o estudo da língua voltado para si mesma e que determinam combinações, em que todas as probabilidades já estão estabelecidas, reforçam a concepção de língua e, consequentemente, limitam a interpretação, impedindo a consideração de situações enunciativas ou o caráter subjetivo da produção de sentido. Saussure (2012), fez uma escolha consciente ao não abordar essas questões específicas, mas dispôs suas contingências ao estabelecer a distinção entre língua e fala, isto é, entre o uso global e privativo da linguagem, e entre sincronia e diacronia. Ao propor essas dicotomias, Saussure não hesitou de investigar as questões que deixou de lado. De fato, ele propôs a criação de uma área de pesquisa chamada Semiologia, que seria responsável pela análise de diversos tipos de signos não linguísticos. A confusão que gerou mais consequências para os estudos linguísticos foi a falta de observação da distinção entre língua e linguagem, que era fundamental para Saussure. Entretanto, os formalistas, veementemente, procuraram contestar essa teoria saussuriana, que afirmava ser necessário se afastar de tudo que é particular à linguagem para tratar das relações internas do sistema abstrato - a língua. Saussure buscava sobretudo não permitir a retomada à concepção de língua como referência, que diminuiria a multiplicidade do sistema à ideia de que os léxicos são para determinar objetos da realidade. Isso pressupõe também que as palavras têm um sentido pré-determinado. É preciso compreender, portanto, que a inovação de Saussure foi tratar a língua como um sistema abstrato que precisa ser estudado conforme suas estruturas internas. Isso permitiu à linguística se tornar uma ciência linguística e trouxe avanços significativos na fonologia, morfologia e sintaxe sob essa perspectiva de análise. Além de Saussure, o linguista Roman Jakobson também contribuiu com importantes trabalhos, desde a fonologia até a gramática, da aquisição da linguagem ao estudo da afasia. 8.1 Gerativismo: linguagem e mente Com o declínio dos estudos estruturalistas, surgem os estudos gerativistas, que enfatizam a relação entre linguagem e mente, considerando que as regras e os princípios linguísticos estão enraizados na mente humana. O formalismo enquadra-se dentro da tradição empirista, acreditando na existência de um mecanismo mental inato para a aquisição da linguagem, abordando a questão da ordem biológica da faculdade da linguagem. Nessa abordagem, também ressurge a noção de língua como expressão do pensamento, ou seja, há uma simetria entre o referente e o mundo. Dessa forma, a interpretação seria simplesmente a compreensão do discurso conforme foi proferido, de forma literal. Segundo Chomsky (2015), as línguas naturais são adquiridas e utilizadas espontaneamente apenas pelos seres humanos, o que é um fator crucial para o sucesso evolutivo da nossa espécie. É importante ressaltar que Chomsky, assim como outros teóricos dessa abordagem, não está interessado na dimensão social da língua, mas sim na aquisição da linguagem e na capacidade humana de produzi-la. Seus estudos se concentram na competência inata do falante, em vez de dar importância ao uso concreto da língua, ou seja, ao desempenho linguístico. Nessa teoria, a língua é considerada a partir de seu aspecto biológico, e a aquisição é vista como um processo de maturação e desenvolvimento de um "órgão" mental, em vez de um mero aprendizado. Portanto, acredita-se que todo falante possui um conjunto de princípios inatos em sua mente, chamado de gramática universal, que permite o desenvolvimento do mecanismo da língua. A gramática universal consiste nos princípios linguísticos específicos da espécie humana. O objetivo central dos estudos gerativistas é compreender a natureza e as propriedades precisas dessa gramática. Com base nessas ideias, o ensino da língua materna, baseado em um conjunto de regras externas à gramática internalizada pelo falante, seria desnecessário e prejudicial ao processo natural de aquisição. Uma vez que uma criança, ao utilizar a língua, já possui conhecimento de sua estrutura, não seria necessário apresentar a gramática a ela. Chomsky (2015), aponta uma questão com relação ao modelo dos dados primários, que é a gramática universal, e a gramática final, que é a gramática interiorizada pelos adultos. Ele argumenta que esse modelo é idealista, pois ignora a diferença quantitativa e qualitativa entre os dados primários e o sistema de conhecimento final do adulto. Ou seja, o processo de amadurecimento do órgão da linguagem não é igual para todas as pessoas, provavelmente devido a fatores não exclusivamente mentais. Isso sugere que Chomsky (2015), considera a influência do ambiente externo no desenvolvimento da linguagem. No entanto, Chomsky (2015), também defende a independência dos princípios formais da gramática interiorizada em relação à semântica e à pragmática. Ele destaca a possibilidade de produção de sentido sem levar em conta aspectos externos à estrutura mental da língua. Além disso, os estudos formalistas de Chomsky também encontram aplicações na pesquisa em inteligência artificial, aproveitandoos avanços científicos para o desenvolvimento de outras formas de linguagem com base nos estudos da aquisição da linguagem humana. 8.2 Funcionalismo: língua e função O funcionalismo na linguística é uma área que estuda a língua em relação ao seu uso. Segundo essa teoria, o significado das palavras está relacionado às suas condições de uso. No Brasil, Maria Helena de Moura Neves (1997), foi pioneira nessa linha de estudo linguístico com sua obra "A gramática funcional". No entanto, as origens do pensamento funcionalista remontam aos estudos da pragmática, que investigam os atos de fala, a intencionalidade e a relação entre os falantes. Conforme Ilari (2003), o funcionalismo tem como objetivo explicar as características formais da língua por meio das funções que desempenham. Na segunda metade do século XX, o linguista inglês M.A.K. Halliday (1995), observou que toda sentença desempenha simultaneamente três funções, que ele denominou de ideacional, interpessoal e textual. Essas funções consistem em: ➢ Ideacional: consiste em fornecer representações do mundo, ou seja, expressar ideias, fatos e estados de coisas por meio da linguagem. ➢ Interpessoal: refere-se à instauração de diferentes formas de interlocução, como fazer perguntas, fazer afirmações, dar ordens, expressar comprometimento em relação ao que está sendo dito. ➢ Textual: envolve o monitoramento do fluxo de informação em um determinado contexto, garantindo a coerência e a coesão do texto, além de estabelecer relações entre as partes do discurso. Outro conceito fundamental do funcionalismo é o de escolha. Segundo esse conceito, o falante constrói seus enunciados selecionando entre várias alternativas oferecidas pelo sistema linguístico. Ao produzir uma frase, fazemos escolhas em relação às palavras, construções gramaticais, entonação, entre outros elementos. Compreender o sentido de uma sentença significa compreender por que certas alternativas foram escolhidas e outras foram descartadas. O funcionalismo atribui grande importância à escolha, colocando em destaque o papel do falante e as características da mensagem que ele produz. Isso abre caminho para o estudo do texto e do estilo. 8.3 Possíveis abordagens de estudo linguístico Pragmática e os atos de fala Austin (1990), estuda profundamente as práticas sociais, estabelecendo uma relação entre elas e a linguagem. Dessa forma, a dimensão externa torna-se um elemento constitutivo do significado dos enunciados, levando em consideração tanto os elementos linguísticos quanto os contextuais. O autor desenvolve o conceito de ato ilocucionário, defendendo a ideia de que a linguagem é uma forma de ação e possui um status jurídico, uma vez que a fala de um indivíduo obriga o outro a responder (AUSTIN, 1990). Como uma forma de ação, o ato de fala sempre gera efeitos e possui força ilocucionária, ou seja, provoca consequências. Para alcançar um determinado efeito, é necessário utilizar um ato de fala locucionário, que consiste na emissão de uma sentença com um sentido específico. Ao proferir uma sentença com uma força ilocucionária, busca-se obter o efeito desejado, e assim ocorre o ato perlocucionário. O ato locucionário, portanto, refere-se à emissão de uma sentença com um sentido e referência determinados, correspondendo ao significado no sentido tradicional do termo: literal. Por outro lado, o ato ilocucionário é uma emissão que possui uma certa força, como informar, ordenar, advertir, comprometer-se, entre outros. Já o ato perlocucionário é alcançado quando os efeitos desejados ao dizer algo são obtidos, como convencer, persuadir, impedir, surpreender, confundir, e assim por diante. É importante ressaltar que, para Austin (1990), o efeito de uma emissão nem sempre corresponde à intenção do falante. O autor constata esse fato ao perceber que não é possível estabelecer uma relação linear entre um ato de fala e suas consequências. Dessa forma, ele reconhece a impossibilidade de limitar os sentidos na linguagem, ou seja, a intenção revela-se fugaz demais para controlar os efeitos dos atos ilocucionários. Austin (1990), aborda a noção de performatividade implícita, reconhecendo a multiplicidade de sentidos que a linguagem pode gerar. Ele compartilha com Frege (2011), a ideia central de que é o sentido que determina a referência, e não o contrário. Não há uma simetria perfeita entre sentido e referência, e essa assimetria é o que permite as situações inesperadas, não intencionais e inconscientes da performatividade. O sentido de um enunciado está intrinsecamente ligado às circunstâncias em que é proferido, à força que possui e ao efeito que provoca, pois qualquer alteração nessas circunstâncias acarreta modificações no sentido. No final de sua obra "Quando dizer é fazer", Austin reconhece a impossibilidade de determinar de forma precisa a força de um ato ilocucionário. Ele conclui que os critérios tradicionais de intencionalidade e previsibilidade são insuficientes para controlar plenamente os efeitos dos atos ilocucionários. Em consonância com o referido auto, fica evidente que os critérios estritamente estruturais não são suficientes para resolver os problemas que envolvem o campo semântico. Isso ocorre porque os aspectos extralinguísticos desempenham um papel fundamental quando se trata da compreensão e interpretação da significação. Portanto, é imprescindível levar em consideração tanto os aspectos linguísticos quanto os extralinguísticos para uma análise abrangente e precisa da significação. Grice (1982), em contraste com Austin, postula que a linguagem é um instrumento utilizado pelo locutor para comunicar suas intenções ao destinatário, e é nessas intenções que reside o sentido. Com base na ideia de intencionalidade, Grice (1982), concebe um sujeito psicológico, individual e consciente. Para fundamentar sua teoria, ele estabelece um conjunto de regras que devem reger os atos de conversação. Essas regras são conhecidas como máximas conversacionais e estão reunidas sob o princípio da cooperação, no qual os participantes se engajam na conversa e contribuem de acordo com as exigências da interação verbal. Com base nesse princípio, Grice (1982), formula as máximas conversacionais nas categorias de quantidade, qualidade, relação e modo. Além disso, ele estabelece as implicaturas conversacionais que surgem quando as regras são violadas. Essas categorias descrevem o conjunto de inferências que o ouvinte faz para deduzir, concluir ou interpretar o sentido do que o locutor disse. O ouvinte busca um sentido para o enunciado que esteja em conformidade com as máximas estabelecidas previamente, levando em consideração o que a informação literal pode estar comunicando de forma cooperativa, verdadeira e relevante para a situação discursiva específica. Caso o sentido literal não seja aparente, é necessário buscar um sentido que esteja em conformidade com esses princípios. Grice (1982), defende a existência de um sentido literal, que está intimamente ligado ao significado convencional das palavras. Para ele, dizer algo se refere aos sons emitidos e à informação transmitida, sem levar em consideração os implicados e os pressupostos presentes na teoria de Ducrot (1979). A ironia, as expressões ambíguas, as metáforas, entre outras formas linguísticas, são consideradas por Grice (1982), como violações do princípio de cooperação ou, pelo menos, de uma das máximas. Teorias semânticas A partir das três correntes de estudo apresentadas, surgiram várias outras correntes que visam atender às necessidades de estudar fenômenos linguísticos distintos, como os diversos gêneros textuais e as diferentes formas de discurso presentes na sociedade. Atualmente, as teorias que enfatizam o aspecto semântico, como a teoria da enunciação e a análise de discurso (AD), despertam o interesse dos linguistasem compreender a dinâmica social da linguagem. A seguir, serão apresentados alguns pontos relevantes sobre a teoria discursiva. Análise do discurso A teoria do discurso, para ser compreendida, requer atenção a uma característica crucial: a relação entre sentido e história. A Análise do Discurso (AD) surge na França na década de 1960 e tem duas figuras fundadoras, Dubois e Pêcheux. Embora atuem em esferas distintas, esses teóricos compartilham o interesse pela política e pelo marxismo, ou seja, são estudiosos preocupados com questões sociais nas ciências humanas. Tanto Pêcheux (2011), quanto Dubois (1973), estavam envolvidos com a política da época, e é essa ideologia que permeia o trabalho de fundação dessa nova teoria, que tem como objetivo estudar a língua como efeito de sentido. Assim, é necessário buscar conceitos filosóficos que relacionem a língua aos eventos sociais, sua historicidade e a memória que deles deriva, auxiliando na formação de um discurso cristalizado pela reiteração e pela fantasia de uma realidade dada a priori, da qual temos acesso limitado por meio das formações discursivas em que estamos inseridos. O que diferencia essa teoria linguística da época é sua abordagem que relaciona a língua com o exterior, não a vendo como um sistema ou estrutura fechada em si mesma. Ao buscar o que está além da língua, é necessário considerar questões relacionadas às situações em que ela atua, o fator sociológico (ou histórico), bem como os sujeitos que a enunciam, ou seja, o fator psicológico (ou psicanalítico). O primeiro passo para isso é reconhecer a subjetividade envolvida no próprio fazer científico. Sem dúvida, os estudos de Émile Benveniste e Mikhail Bakhtin são de grande relevância para a compreensão da natureza do signo linguístico. Benveniste, linguista francês, desenvolveu a teoria da enunciação, na qual ele explorou a dimensão discursiva da linguagem. Ele argumentou que a linguagem só adquire significado por meio de atos de enunciação, nos quais os indivíduos utilizam a língua para se expressar em contextos específicos. Benveniste destacou a importância do sujeito falante e da relação entre linguagem e discurso, enfatizando a função performativa da linguagem. Por sua vez, Bakhtin (1988), teórico russo, concentrou-se na análise do discurso e na relação entre linguagem e contexto social. Bakhtin (2003), desenvolveu o conceito de "gêneros discursivos", que são tipos de enunciados moldados por convenções sociais e que refletem diferentes esferas de atividade humana. Ele argumentou que a compreensão da linguagem deve considerar não apenas as estruturas linguísticas, mas também os contextos culturais, históricos e sociais nos quais os enunciados são produzidos e interpretados. Ambos os autores contribuíram para ampliar a compreensão da natureza do signo linguístico, destacando a importância do contexto, do discurso e da interação social na construção do significado. Seus estudos influenciaram significativamente a linguística contemporânea e as teorias semânticas, ao abordarem a linguagem como uma prática social e discursiva, enraizada em contextos específicos e inseparável das relações humanas. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ANDREAZZA, M. L.; NADALIN, S. O. História da ocupação do Brasil. In: MELLO, H. R.; ALTENHOFEN, C. V.; RASO, T. (org.). Os contatos linguísticos no Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2011. p. 57–72. ANDREAZZA, M. L.; NADALIN, S. O. História da ocupação do Brasil. In: MELLO, H. R.; ALTENHOFEN, C. V.; RASO, T. (org.). 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