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Amenorreias e SOP • Revisar o ciclo menstrual. • Entender a classificação clínica, diagnóstico e tratamento da amenorreia. • Compreender a fisiopatologia, clinica e diagnóstico da SOP. Ciclo menstrual Define-se ciclo menstrual normal como aquele com 28 ± 7 dias, fluxo durando 4 ± 2 dias, e perda média de 20 a 60 mL de sangue. Por convenção, o primeiro dia de sangramento vaginal é considerado o primeiro dia do ciclo menstrual. Os intervalos entre ciclos menstruais variam entre as mulheres e, com frequência, em uma mesma mulher em épocas diferentes de sua vida reprodutiva. Quando observado sob a perspectiva da função ovariana, o ciclo menstrual pode ser definido em fase folicular pré-ovulatória e fase lútea pós-ovulatória. As fases correspondentes no endométrio denominam-se fase proliferativa e fase secretora. Na maioria das vezes a fase lútea do ciclo menstrual é estável, durando entre 13 e 14 dias. Consequentemente, variações no período do ciclo normal geralmente resultam de variações na duração da fase folicular. O ciclo menstrual é consequência da interação entre o hipotálamo-hipófise os ovários e o útero. O hipotálamo, que encontra-se na base do cérebro, imediatamente acima da junção dos nervos ópticos. Seus neurônios são especialmente importantes na produção de hormônios, dentre eles o GnRH. Em relação à produção do GnRH, O hipotálamo é influenciado tanto por sinais extrínsecos e intrínsecos ao SNC, quanto pelo controle do ovário. A influência exercida pela secreção ovariana sobre o hipotálamo é denominada de feedback, sendo este positivo quando os esteroides ovarianos estimulam a produção do GnRH, e negativo quando a secreção ovariana inibe a produção do GnRH. Além disso, o próprio GnRH controla sua produção, agindo diretamente no hipotálamo, então quando está disponível em grande quantidade ele atua reduzindo sua produção, já quando está presente em níveis baixos, age estimulando sua liberação. O GnRH é responsável pela indução da liberação de gonadotrofinas pela adeno-hipófise. Quanto à função reprodutiva, o GnRH é o principal hormônio. Na mulher, ele é liberado de uma forma pulsátil, sendo sua periodicidade e amplitude críticas para determinar a liberação correta e fisiológica do FSH e LH (produzidos na adenohipófise). Hipófise: É uma glândula neuroendócrina situada na sela túrcica, e é dividida em adeno-hipófise e neuro-hipófise. A adeno-hipófise é responsável pela secreção dos hormônios folículo-estimulante (FSH) e luteinizante (LH), entre outros. O GnRH age nas células gonadotróficas da hipófise anterior (adeno-hipófise), estimulando-as a sintetizar e secretar na corrente sanguínea tanto o FSH quanto o LH. No entanto, a secreção de LH é, essencialmente, caracterizada por um pico no meio do ciclo menstrual. Já a secreção de FSH caracteriza-se por um aumento na fase folicular inicial, um platô na fase lútea e acentuada elevação na fase lútea tardia. Ou seja, as gonadotrofinas são secretadas de forma pulsátil, com frequência e amplitude que variam de acordo com a fase do ciclo. Os hormônios esteroides, como o estradiol e a progesterona, ou fatores ovarianos não esteroides, como a inibida, são os moduladores da secreção de LH e FSH. Ovários: O ovário em funcionamento normal sintetiza e secreta hormônios esteroides sexuais – estrogênios, androgênios e progesterona – com padrão de controle preciso que, em parte, é determinado pelas gonadotrofinas hipofisárias, FSH e LH. Os produtos secretórios mais importantes da biossíntese de esteroides pelos ovários são a progesterona e o estradiol. Entretanto, o ovário também secreta estrona, androstenediona e 17a−hidroxiprogesterona. Os hormônios esteroides sexuais desempenham papel importante no ciclo menstrual preparando o útero para implantação do óvulo fertilizado. Se a implantação não ocorrer, a esteroidogênese ovariana declina, o endométrio degenera e ocorre a menstruação. Útero: A parede uterina consiste em três camadas: serosa, a camada mais externa; miométrio, constituído de músculo liso; e endométrio, a camada mais interna, subdividida em estroma e glândulas. As alterações cíclicas, induzidas pelos hormônios ovarianos, só se manifestam na camada mais superficial endométrio. Fisiologia do ciclo menstrual De forma didática, o ciclo menstrual pode ser dividido em dois ciclos que interagem e são interdependentes: ovariano e endometrial (menstrual). Ciclo Ovariano O ciclo ovariano pode ser dividido em três fases: fase folicular, fase ovulatória e fase lútea. Fase Folicular: A fase folicular, ou proliferativa, é a primeira fase do ciclo menstrual, e ocorre do primeiro dia da menstruação até o dia do pico de LH. Durante essa fase, ocorre uma sequência ordenada de eventos, que assegura que um número apropriado de folículos se desenvolva e esteja pronto para a ovulação. O resultado final desse desenvolvimento folicular é, comumente, um único folículo maduro viável, o qual passará pelos estágios de folículo primordial, folículo primário, folículo pré-antral, antral e pré -ovulatório. Esse processo ocorre ao longo de 10 a 14 dias. O sinal para o recrutamento folicular inicia-se na fase lútea do ciclo anterior, com a diminuição da progesterona, do estradiol e da inibina A. Como consequência, o feedback negativo sobre o FSH é liberado, observa-se então seu aumento nos primeiros dias da fase folicular. Esse aumento é o sinal para o recrutamento folicular. Aproximadamente 15 ou mais folículos são recrutados a cada ciclo. Desenvolvimento Folicular: O desenvolvimento folicular inicia-se com os folículos primordiais gerados durante a vida fetal. Esses folículos nada mais são que oócitos suspensos na primeira divisão meiótica, circundados por uma camada única de células granulosas achatadas. São separados do estroma por uma membrana basal delgada. Os folículos pré-ovulatórios são avasculares. Consequentemente, são criticamente dependentes da difusão e, no final do seu desenvolvimento, de junções comunicantes para obtenção de nutrientes e eliminação de excretas metabólicas. A difusão também permite a passagem dos precursores de esteroides da camada de células tecais para a camada de células da granulosa. No estágio seguinte do desenvolvimento, as células da granulosa se tornam cuboides e aumentam em número para formar uma camada pseudoestratificada. Nesse momento, o folículo é denominado folículo primário. Uma importante mudança que ocorre nessa fase é a diferenciação das células do estroma em teca interna e teca externa, que independe da estimulação pelas gonadotrofinas. Há um padrão de crescimento limitado, que pode ser rapidamente seguido de atresia. Esse padrão só é interrompido se, a partir deste estágio, o grupo de folículos responder a uma elevação do FSH e ser incentivado ao crescimento. A cada ciclo menstrual, na fase lútea do ciclo precedente, a diminuição da progesterona, do estradiol e da inibina A, resultante da regressão do corpo lúteo, possibilita a elevação do FSH por feedback negativo, alguns dias antes da menstruação, o que permite o recrutamento folicular. Quando ocorre um crescimento folicular final e aumento significativo no número de células da granulosa, incentivado pelo FSH, surge o folículo secundário ou pré-antral. Caracteristicamente, nesse estágio, células da granulosa tornam-se cuboidais e apresentam-se em várias camadas. Secretam uma matriz glicoproteica, chamada de zona pelúcida. As células da granulosa do folículo pré-antral são capazes de sintetizar todas as três classes de esteroides, no entanto, são produzidos significativamente mais estrogênios. A produção de estrogênio pelo folículo pré-antral é explicada pelo sistema de duas células, duas gonadotrofinas. Nosfolículos pré -antrais e antrais, os receptores para o LH estão presentes apenas nas células da teca, e os receptores para o FSH apenas nas células da granulosa. As células da teca, a partir da entrada do colesterol induzida pelo LH, são capazes de produzir androgênios, que são transportados às células da granulosa e lá são convertidos em estrogênios, através da aromatização induzida pelo FSH. Com o desenvolvimento em curso, e sob a influência sinérgica do estrogênio e do FSH, ocorre um aumento na produção do líquido folicular, que começa a se acumular entre as células da granulosa, que posteriormente se une, formando uma cavidade cheia de líquido rico em estrogênios produzidos pelas células da granulosa, essa cavidade é conhecida como antro. O folículo passa então a ser denominado folículo terciário ou antral. As células da granulosa que circundam os oócitos passam a ser chamadas de cumulus ooforus. O folículo que possui a maior taxa de proliferação da granulosa, contém concentrações de estrogênio mais elevadas e, consequentemente, possui oócitos de melhor qualidade. Na presença de FSH, o estrogênio passa a ser o elemento dominante no líquido folicular. Na ausência de FSH, o androgênio predomina. E um microambiente androgênico opõe-se à proliferação da granulosa e acarreta degeneração do oócito, gerando a atresia. No estágio final do desenvolvimento folicular, as células da granulosa tornam-se maiores e as da teca ricamente vascularizadas, e folículo é então denominado de pré-ovulatório. Aproximando-se da maturação, o folículo pré-ovulatório produz quantidades cada vez maiores de estrogênio. Durante a fase folicular tardia, o estrogênio eleva- se rapidamente, atingindo seu pico cerca de três dias antes da ovulação. O início do pico de LH ocorre um dia depois que o pico de estrogênio é atingido. É importante salientar que a concentração e o tempo de duração da elevação do estradiol são determinantes para a liberação do LH. Para tanto, a concentração de estradiol deve ser maior do que 200 pg/ml, que deve persistir por aproximadamente 50 horas. Atuando através de seus receptores, o LH promove luteinização das células da granulosa no folículo dominante, resultando na produção de progesterona. Há, então, um pequeno aumento na produção de progesterona que começa a ser detectado 12 horas antes da ovulação, e receptores para esse esteroide começam a surgir nas células da granulosa. A progesterona facilita o feedback positivo do estrogênio, agindo diretamente na hipófise e contribuindo para a elevação do FSH e do LH, observada no meio do ciclo menstrual. As células da teca dos folículos em atresia, sob ação do LH, aumentam a produção de androgênio, elevando os níveis deste no plasma. Fase Ovulatória: A ovulação acontece como consequência da ação simultânea de diversos mecanismos que ocorrem no folículo dominante, estimulando sua maturação e induzindo a rotura folicular. Somente o folículo que atinge seu estágio final de maturação é capaz de se romper. O marcador fisiológico mais importante da aproximação da ovulação é o pico do LH no meio do ciclo, o qual é precedido por aumento acelerado do nível de estrogênio. Sabe-se que o folículo pré- ovulatório produz, com a síntese crescente de estradiol, seu próprio estímulo ovulatório. O pico de estradiol estimula o pico de LH e, consequentemente, a ovulação. O início do pico de LH ocorre 32 a 36 horas antes da ovulação. No momento da ovulação, dentro do microambiente do folículo dominante, ocorrem três fenômenos principais: • Recomeço da Meiose: O pico de LH faz o oócito reassumir a meiose, estimula a síntese de prostaglandinas e luteiniza as células da granulosa que, por sua vez, sintetizam a progesterona. O oócito reassume a maturação nuclear, acontece a transição da prófase I para a metáfase I e a extrusão do primeiro corpúsculo polar na metáfase II. Esses fatos ocorrem em sincronia com a maturação citoplasmática e da zona pelúcida no preparo para a fecundação. A meiose só se completa após a penetração do espermatozoide e a liberação do segundo corpúsculo polar. • Luteinização: Um pequeno aumento da progesterona ocorre 12 a 24 horas antes da ovulação. Esse aumento da progesterona antes da ovulação tem importância na indução da onda de FSH e LH, pelo aumento do feedback positivo do estradiol na ação desses hormônios. O pico do FSH acompanhado do LH não ocorre sem um aumento pré-ovulatório nos níveis da progesterona. Por outro lado, a elevação progressiva na progesterona pode atuar de modo a terminar o pico de LH, pois, sob concentrações mais elevadas, é exercido um efeito de feedback negativo. Além de seus efeitos centrais, a progesterona aumenta a distensibilidade da parede folicular. A parede torna-se delgada e estirada, e a expulsão do oócito ocorre após a ação de enzimas proteolíticas que digerem o colágeno. A produção dessas enzimas é induzida pela ação das gonadotrofinas (LH e FSH) e da progesterona. • Ovulação: O processo de ovulação é comparado a uma reação inflamatória, na medida em que ambos envolvem componentes, como neutrófilos, histamina, bradicinina, enzimas e citocinas. Desde a fase folicular, sob ação das gonadotrofinas no folículo, há acúmulo de prostaglandinas E e F e produção de grande quantidade de fator ativador de plasminogênio, consequentemente plasmina e outras proteases, as quais ativam a colagenase que irá digerir o colágeno presente na parede do folículo, o que facilita a liberação do oócito. O FSH e LH estimulam também a produção e o depósito de ácido hialurônico em volta do oócito e dentro da coroa radiada, dispersam e separam o complexo cúmulo-oóforo da membrana da granulosa. Sob ação sinérgica das prostaglandinas E e F e do LH, acontece contração das células musculares da parede folicular, já enfraquecida, com extrusão do oócito, ocorrendo, dessa forma, a ovulação. Paralelamente às mudanças estruturais que ocorrem durante o processo ovulatório, que envolvem a ação das proteases, ocorrem modificações importantes no fluxo sanguíneo do ovário. Vários mediadores produzidos e liberados pelo ovário após o pico pré-ovulatório de LH, como as prostaglandinas, a histamina, os neuropeptídios e o óxido nítrico, exercem um efeito sobre o sistema vascular do folículo. Observa-se, então, um aumento do fluxo sanguíneo intrafolicular, além de um aumento na permeabilidade capilar. A rotura folicular se acompanha de eliminação do óvulo e do líquido folicular para a cavidade peritoneal. Pode haver uma irritação local e, consequentemente, a dor abdominal referida por algumas mulheres. Tão logo isso ocorra, o óvulo é apreendido pelas fímbrias tubárias, e fica à mercê dos movimentos das tubas e do epitélio ciliar. Estudos ultrassonográficos realizados em mulheres demonstraram que a ovulação não ocorre em lados alternados, mas ocorre aleatoriamente em qualquer ovário (Baird, 1987) Uma vez liberado o oócito, a estrutura dominante passa a se chamar corpo lúteo. Antes da ruptura do folículo e liberação do óvulo, as células da granulosa começam a aumentar de tamanho e assumem um aspecto caracteristicamente vacuolado, associado ao acúmulo de um pigmento amarelado, a luteína. O aumento na vascularização local favorece o aporte do LDL-colesterol, substrato importante na síntese de progesterona. O funcionamento lúteo normal requer um desenvolvimento folicular pré-ovulatório adequado, sobretudo um estímulo apropriado de FSH e um ininterrupto apoio tônico do LH, o que resulta em síntese e secreção adequada de estradiol e progesterona. O estrogênio da fase lútea é necessário para que ocorram as alterações induzidas pela progesterona no endométrio após a ovulação. Uma quantidade inadequada de receptores de progesterona pode levara uma preparação inadequada do endométrio, e representar, portanto, uma possível causa de abortamento precoce. A cada pulso de LH existe um aumento na concentração de progesterona. A progesterona atua tanto centralmente quanto no interior do ovário, na supressão de novos crescimentos foliculares. Esses pulsos de LH são maiores no início da fase lútea e diminuem gradativamente até valores baixos na fase lútea tardia, que favorece a atuação de fatores que levam à luteólise. Como consequência, o corpo lúteo entra em processo de degeneração. Caso ocorra gravidez, o hCG mantém o funcionamento lúteo até que a esteroidogênese placentária se estabeleça plenamente. Ciclo Endometrial: Em um ciclo menstrual ovulatório ocorrem alterações anatômicas e funcionais específicas nos componentes glandulares, vasculares e estromais do endométrio. O endométrio pode ser dividido, do ponto de villsta morfológico, na camada funcional, que compreende os dois terços superiores, e na camada basal, que compreende o terço inferior. A finalidade da camada funcional é preparar-se para a implantação do embrião em fase de blastocisto. As glândulas representam a porção mais responsiva do endométrio à ação estrogênica. A princípio, elas são estreitas e tubulares, revestidas por células de epitélio colunar baixo. Mitoses tornam-se proeminentes e observa-se a pseudo-estratificação, as glândulas tornam-se alongadas e um pouco tortuosas. Um revestimento epitelial contínuo é formado de face para a cavidade endometrial. O ciclo endometrial pode ser dividido em três fases histológicas, determinadas pelos diferentes estímulos dos hormônios produzidos pelos ovários: endométrio menstrual, endométrio proliferativo, endométrio secretor. O endométrio menstrual caracteriza-se por uma ruptura irregular do endométrio, que ocorre pela interrupção da secreção das glândulas endometriais na ausência de implantação embrionária. Essa sequência de eventos ocorre devido ao término da vida funcional do corpo lúteo, o que ocasiona a redução da produção de estrogênio e progesterona. A diminuição dos níveis desses hormônios leva a reações vasomotoras, à perda decidual e à menstruação. Os espasmos vasculares levam à isquemia e à perda de tecido. Há também ruptura de lisossomas e liberação de enzimas proteolíticas que provocam destruição local adicional de tecido. Prostaglandinas são produzidas durante todo o ciclo menstrual, mas apresentam maior concentração no período menstrual. A PGF2alfa é um potente vasoconstrictor que intensifica os espasmos arteriolares, causa isquemia adicional do endométrio e leva à ocorrência de contrações miometriais. Essas contrações podem servir para expelir fisicamente o tecido endometrial que descama do útero. O endométrio proliferativo corresponde à fase folicular no ovário. Após três a quatro dias de menstruação, o endométrio inicia sua regeneração, e cresce rapidamente em resposta ao estímulo estrogênico. No início, as glândulas endometriais são pequenas, tubulares e curtas. No final dessa fase, tornam-se alongadas e tortuosas. O estroma é denso. Outra característica importante é o aumento das células ciliadas e microvilosas, importantes para a fase seguinte do endométrio, a fase secretora. O endométrio secretor corresponde à fase lútea no ovário. Caracteriza-se pela atuação da progesterona produzida pelo corpo lúteo em contraposição à ação estrogênica. As glândulas endometriais se encontram em processo progressivo de dilatação, tornando-se cada vez mais tortuosas. O estroma é edemaciado. Os vasos sanguíneos apresentam-se espiralados. As células das glândulas endometriais formam vacúolos característicos, contendo glicogênio. No início, esses vacúolos aparecem sob o núcleo e depois seguem em direção à luz glandular. O estroma permanece inalterado até o sétimo dia após a ovulação, quando se inicia edema progressivo do tecido. Nesse mesmo período, a atividade secretora das glândulas costuma ser máxima e o endométrio já se encontra preparado para a implantação do blastocisto. Amenorreias A amenorréia é definida como ausência de menstruação e pode ser classificada em: •Amenorreia primária: ausência de menstruação espontânea aos 14 anos de idade em pacientes sem caracteres sexuais secundários ou aos 16 anos de idade em pacientes com desenvolvimento puberal normal •Amenorreia secundária: é o intervalo entre menstruações igual ou maior que 180 dias, após apresentar períodos pregressos de fluxos menstruais, ou ausência de três ciclos consecutivos.1 Períodos de tempo inferiores são considerados atraso menstrual.2 Sua forma fisiológica é registrada em 3 a 4% da população geral. Se existir uma via de saída genital intacta, e não houver doença primária do útero, a amenorreia constitui um sinal de incapacidade do eixo hipotálamo-hipófise-ovário de produzir ciclicamente os hormônios necessários para a menstruação. A amenorreia é fisiológica na menina pré-puberal, durante a gravidez, no início da lactação e após a menopausa. Em qualquer outro momento, ela é patológica e exige avaliação. Para função menstrual seguir normal, é necessário o funcionamento adequado de quatro componentes: útero, ovário, hipófise e hipotálamo. Dessa maneira, as causas de amenorreia podem ser classificadas de acordo com o compartimento ou o nível da disfunção ou distúrbio: •Distúrbios do sistema genital de saída do fluxo menstrual •Distúrbios ovarianos •Distúrbios da hipófise anterior •Distúrbios hipotalâmicos ou do sistema nervoso central. O diagnóstico de amenorreia é, portanto, sindrômico, devendo-se sempre investigar a sua causa. Para isso, inicia-se sempre com anamnese e exame físico, em que devem ser pesquisados: idade da paciente, desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários, associação com outros sintomas (como dor pélvica cíclica, fogachos, hirsutismo ou galactorreia), presença de doenças crônicas, uso de medicações, alterações de hábitos alimentares ou atividade física, além das medidas antropométricas, exame da genitália e observação de estigmas genéticos. A partir de então, exames complementares podem ser solicitados, a depender da suspeita clínica. Anamnese: O diagnóstico etiológico das amenorreias inicia-se com anamnese bem-feita e exame físico completo. Os pontos de abordagem fundamentais na anamnese são descritos a seguir: •Antecedentes menstruais: menarca, alterações de fluxo, quantidade, ciclicidade. •Sexarca: as principais causas de amenorreia fisiológicas são gravidez e lactação. •História obstétrica: tipo de parto, curetagens, acretismo placentário, hemorragia intra ou pós- parto necessitando de hemotransfusões •Desenvolvimento puberal: investigar se a telarca e a pubarca ocorreram no período adequado e tiveram evolução satisfatória. A ausência dos caracteres sexuais caracteriza o hipogonadismo •Dor pélvica cíclica: associada às malformações anatômicas do trato de saída, tais como septo vaginal transverso, hímen imperfurado ou agenesia cervical •Hiperandrogenismo: presença de pelos em regiões atípicas, engrossamento da voz e acne •Galactorreia: suspeita de síndrome hiperprolactinêmica. •Sintomas climatéricos: traduzem deficiência de estrógeno, tendo como sintomas ondas de calor, transtornos do sono e secura vaginal •Exercícios físicos extenuantes: os principais são balé, ginástica e corridas de longa distância •Uso de medicamentos: deve-se pesquisar uso de antidepressivos tricíclicos, anticonvulsivantes, quimioterápicos e contraceptivos de depósito, como sulpirida, cimetidina, metildopa, tioridazina, metoclopramida, domperidona, haloperidol, fenotiazinas, antidepressivos tricíclicos e verapamil. •Procedimentos cirúrgicosprévios: curetagens, leiomiomas e ablação endometrial podem associar- se a sinequias uterinas •Radioterapia pélvica: costuma determinar falência ovariana. Exame físico: Deve-se verificar peso, altura, índice de massa corporal, circunferência abdominal e acantose nigricans. Obesidade associada à oligomenorreia e acantose podem estar associadas a disovulias (SOP, síndrome metabólica), portanto, acantose constitui sinal indireto de resistência insulínica. Outros fatores a serem observados: •Ectoscopia ■Presença de exoftalmia no hipertireoidismo ou bócio no hipotireoidismo ■Baixa estatura com estigmas (síndrome de Turner) ■Hirsutismo ou acne (SOP) •Desenvolvimento puberal: avaliar se os caracteres secundários estão adequados à idade (classificação de Tanner) •Órgãos genitais: avaliar se estão normais ■Vagina em fundo cego: presente nas malformações müllerianas ■Vagina com umidade e rugosidade normais sugere ação estrogênica adequada ■Hipertrofia de clitóris e virilização (hiperandrogenismo) ■Pelos pubianos escassos ou ausentes sugerem insensibilidade androgênica. Exames laboratoriais na amenorreia primária Estima-se que 60% dos casos estejam associados a anomalias do desenvolvimento. A amenorreia primária pode resultar de obstrução do trato de saída ou de ausência de endométrio nos casos com agenesia uterina. Pacientes com amenorreia primária podem ser divididas didaticamente em dois grandes grupos, descritos a seguir: 1) Caracteres sexuais presentes e concordantes ■Deve ser descartada a hipótese de criptomenorreia: septos vaginais transversos, hímen imperfurado ou atresia isolada de vagina. O principal sintoma dessas pacientes é a dor abdominal cíclica devido ao acúmulo de sangue menstrual obstruído. Os exames de imagem são fundamentais para a avaliação da genitália interna. ■Se o sistema genital apresentar-se normal, deve- se investigar o eixo hipotálamo-hipófise-ovariano como em casos de amenorreia secundária. ■Quando houver discordância do desenvolvimento puberal entre pelos, mamas e genitália, investigar síndrome da insensibilidade androgênica ■O cariótipo é útil para a verificação de síndromes e para a diferenciação entre malformação mülleriana ou feminilização testicular 2) Caracteres sexuais ausentes, rudimentares ou discordantes ■Os caracteres sexuais secundários não se desenvolveram em consequência de uma alteração gonadal ou são reflexo de uma alteração extragenital (endócrina, hipotalâmica ou hipofisária) ■Os exames a serem feitos são os mesmos das pacientes com caracteres sexuais presentes e concordantes, anteriormente descritos. Exames laboratoriais na amenorreia secundária Os exames solicitados mudam conforme a história clínica e o exame físico da paciente. Aquelas com amenorreia primária merecem uma abordagem diferente daquelas com amenorreia secundária, tendo em vista as diferenças etiológicas de ambas. Os exames laboratoriais indicados para investigar as causas de amenorreia secundária são: •Dosagem de fração beta da gonadotrofina coriônica humana (β-hCG) sérica: para exclusão de gradvidez. Todas mulheres em idade reprodutiva com amenorreia devem ser consideradas grávidas até se provar o contrário. •FSH: dosagem normal sugere hipogonadismo eugonadotrófico. Por outro lado, valores baixos sugerem disfunção hipotalâmico-hipofisária e níveis elevados, IOP. A dosagem pode ser realizada em qualquer dia do ciclo nos casos de amenorreia. Quando acima de 12 a 20 mUI/mℓ, indica baixa reserva ovariana e, quando acima de 40 mUI/mℓ, falência ovariana. Para o diagnóstico de IOP são necessárias duas dosagens de FSH acima de 40 mUI/mℓ obtidas com intervalo mínimo de 1 mês. Serão necessárias pelo menos duas dosagens elevadas, tendo em vista que a IOP tem evolução flutuante. Essa oscilação provavelmente explica os casos esporádicos de gravidez registrados nessas mulheres. •LH: é pouco sensível a variações da reserva ovariana e não é indicado para tal avaliação. •Hormônio antimülleriano: é uma glicoproteína produzida pelas células granulosas de folículos ovarianos primários, pré-antrais e pequenos folículos antrais. Existe uma correlação direta negativa entre a dosagem dele e reserva ovariana. As concentrações desse hormônio são constantes ao longo do ciclo (e não flutuantes como o FSH e o estradiol) e podem ser mensuradas em qualquer momento com boa acurácia diagnóstica. •Estradiol: tem pouca utilidade, tendo em vista a grande variabilidade dos seus níveis plasmáticos. O exame físico genital (trofismo), a colpocitologia hormonal (índice de Frost) ou o teste do progestógeno podem ser indicativos indiretos do nível estrogênico. O índice de Frost consiste na presença de células das camadas profundas (células basais e parabasais), indicando epitélio atrófico independente dos níveis plasmáticos de estradiol. •Prolactina: as hiperprolactinemias correspondem a uma das principais causas de amenorreia secundária e a dosagem de prolactina plasmática deve fazer parte da rotina de investigação. A secreção de prolactina pode ser transitoriamente elevada por estresse ou alimentação. Por isso, recomenda-se que a dosagem seja pelo menos repetida antes da solicitação do exame de imagem do sistema nervoso central, principalmente naquelas pacientes com elevação discreta (< 50 ng/mℓ). Valores acima de 100 ng/mℓ sugerem prolactinoma. O uso de medicações como metoclopramida, verapamil, risperidona, fenotiazidas (clorpromazina) e butirofenonas (haloperidol) podem levar a níveis de prolactina superiores a 100 ng/mℓ. Inibidores de recaptação de serotonina podem causar hiperprolactinemia; porém, os níveis raramente excedem a normalidade. Inibidores da monoaminoxidase e antidepressivos tricíclicos também podem aumentar os níveis de prolactina. A magnitude da elevação dos níveis de prolactina induzida por medicações é variável e os níveis retornam ao normal alguns dias após a cessação da terapia •Hormônio tireoestimulante (TSH): quadros de hipotireoidismo comumente associam-se com hiperprolactinemia. Portanto, a dosagem é obrigatória, simultânea à da prolactina. O tratamento de hipotireoidismo normaliza os níveis de prolactinêmicos. A tiroxina (T4) livre deve ser solicitada somente se houver elevação de TSH. •Testosterona: os andrógenos devem ser avaliados quando a clínica for compatível com hiperandrogenismo. É útil na diferenciação da hiperplasia suprarrenal congênita da SOP. Valores acima de 300 ng/dℓ sugerem tumor ovariano, enquanto valores mais baixos sugerem SOP. •Sulfato de deidroepiandrostenediona (S- DHEA): é sintetizado essencialmente pelas suprarrenais. Valores acima de 700 mcg/dℓ sugerem hiperandrogenismo de origem suprarrenal, mais comumente associado a tumor suprarrenal, o que justifica a a solicitação de RM ou TC de suprarrenais nesses casos. •17-hidroxiprogesterona (17OHP): é elevado nos casos de hiperplasia virilizante de suprarrenal de manifestação tardia por deficiência da enzima 21- hidroxiprogesterona (mais frequente) e é um importante diagnóstico diferencial de SOP. Valores intermediários são inconclusivos, em decorrência da sobreposição de valores entre pacientes normais e portadores heterozigóticos e homozigóticos de mutação do gene que codifica a 21-hidroxilase. Nesses casos, o estímulo com a corticotrofina (ACTH) pode ser necessário para confirmar o diagnóstico. Valor de referência: 1 a 3 ng/mℓ. •Teste do progestógeno/estrógeno: consiste na administração de 10 mg de acetato de medroxiprogesterona 1 vez/dia, durante 7 a 10 dias. O teste é considerado positivo caso ocorra sangramento dentro de 2 a 7 dias do término do curso de progestógeno e sugere níveis adequados de estrógenos endógenos para estimular a proliferação endometrial. As gonadotrofinasestimulam o funcionamento ovariano e o sistema genital é competente. Em outras palavras, trata-se de anovulação crônica estrogênica. Se não ocorrer sangramento, a paciente deve ser tratada com estrógeno, seguido por progestógeno. No entanto, diversos fatores podem levar a interpretações incorretas do teste. Em primeiro lugar, os níveis estrogênicos podem oscilar tanto na amenorreia hipotalâmica como nos estágios iniciais da insuficiência ovariana. Como resultado, pacientes com esses distúrbios podem ter pelo menos um sangramento após a interrupção do uso de progestógeno. Especificamente, observa-se menstruação após administração de progestógeno em até 40% das mulheres com amenorreia hipotalâmica causada por estresse, perda de peso ou exercício, e em mais de 50% daquelas com insuficiência ovariana. Ademais, as mulheres com níveis androgênicos elevados, como ocorre nos casos de SOP e hiperplasia suprarrenal congênita, podem ter endométrio atrófico e não sangram. Em até 20% das mulheres com estrogênio presente não ocorre sangramento após a interrupção do tratamento com progestógeno. Portanto, devido a sua baixa acurácia, esse teste deve ser realizado em situações nas quais não há possibilidade de investigação laboratorial adequada. •Teste do progestógeno com estrógeno: realiza-se teste usando 1,25 mg de estrógenos conjugados por 21 dias com adição de 10 mg de acetato de medroxiprogesterona nos últimos 10 dias. Podem ser empregados outros esquemas de estrógeno, seguido de estrógeno com adição de progestógeno. Uma vez que também não ocorra o sangramento, a causa da amenorreia é uterina ou uma alteração anatômica (agenesia uterina, sinequias, septo vaginal, entre outros). A síndrome de Asherman é a única causa uterina de amenorreia secundária. Para avaliação de sinequias intrauterinas estão indicados procedimentos de imagem, como histerossalpingografia ou histeroscopia. Em pacientes com sangramento após o teste de estrógeno e progestógeno, ficam confirmados a cavidade endometrial normal e o hipoestrogenismo. O passo seguinte é a solicitação da dosagem de gonadotrofinas para determinar se o hipogonadismo é de causa central (hipotálamo- hipófise) ou ovariana. Coontudo, devem-se aguardar 2 semanas para a coleta devido aos efeitos de feedback negativo do estrógeno e progestógeno exógeno sobre o eixo hipotálamo-hipófise. Exames de imagem Os exames de imagem indicados para o diagnóstico da amenorreia são: •Cariótipo: útil na amenorreia primária (disgenesias gonádicas) ou secundária (falência ovariana antes dos 30 anos de idade). O risco de ter cariótipo anormal é tanto maior quanto mais precoce for a instalação da IOP. O cariótipo deve ser realizado como parte da avaliação de base em pacientes com IOP, com ou sem estigmas da síndrome de Turner. •RM: crânio (anormalidade encefálica), sela túrcica (adenomas hipofisários) e pélvica (malformações de genitália interna). Em qualquer paciente com hipogonadismo hipogonadotrófico deve ser considerada anormalidade anatômica até se provar o contrário por meio de TC ou RM de crânio. •Ultrassonografia: fundamental na avaliação da genitália interna. Nos casos de hipo/hipertireoidismo ou hiperplasia suprarrenal congênita, pode ser solicitada para avaliar suprarrenais e tireoide. •Histeroscopia e histerossalpingografia: sinequias uterinas ou estenoses cervicais. Tratamento A amenorreia é um sintoma, portanto, seu tratamento depende do diagnóstico etiológico e do desejo da paciente. Nas malformações anatômicas, o tratamento é cirúrgico na maioria dos casos. Para os distúrbios hormonais, a melhor conduta é tratamento clínico e acompanhamento. Nas amenorreias primárias, o objetivo é garantir o desenvolvimento puberal normal e preservar a fertilidade (se possível) e evitar as complicações relacionadas com o hipoestrogenismo Sindrome dos Ovários Policísticos É uma síndrome caracterizada por ciclos anovulatórios ou oligo-ovulação, hiperandrogenismo e múltiplos pequenos cistos ovarianos. Atualmente, a SOP é considerada uma doença metabólica, pois, além das manifestações ginecológicas, essa patologia pode cursar com alterações lipídicas, Diabetes Mellitus (DM), obesidade, Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) e aumento do risco cardiovascular. Ela pode advir de histórico familiar patológico, principalmente materno com SOP e/ou diabetes gestacional e se estender pela pós-menopausa. Essa síndrome, portanto, pode ter consequências a curto, médio e longo prazo. A SOP é a endocrinopatia mais comum na menacme e a causa mais comum de anovulação crônica, infertilidade por fator ovulatório, hiperandrogenismo e hirsutismo A prevalência pode chegar a 10% das mulheres em idade reprodutiva. É mais comum em mulheres com hiperandrogenismo (80% delas têm SOP) e infertilidade (até 1/3 tem SOP). Fisiopatologia A SOP é um distúrbio complexo, com componentes genéticos e ambientais. Registra-se que 20 a 40% das mulheres tenham parentes de primeiro grau com a doença, o que sugere uma transmissão hereditária e genética. Alguns genes foram identificados como possíveis responsáveis pela doença, como o 7β-hidroxiesteroide- deidrogenase tipo 6 (HSD17B6). O estilo de vida e os fatores ambientais estão relacionados com a SOP de fenótipos mais graves. A vida sedentária é relacionada com disfunção metabólica e ganho de peso, em associação com anovulação e hiperandrogenismo. Disruptores androgênicos do meio ambiente podem ser acumulados em maior proporção em mulheres com SOP, por diminuírem o clearance hepático, o que aumenta a produção androgênica e a hiperinsulinemia. A obesidade não é a causa da SOP, mas os sintomas da síndrome são exacerbados perante a mesma. A obesidade está presente entre 30 e 75% das portadoras de SOP. A disfunção no adipócito contribui para o desenvolvimento de IGT e hiperinsulinemia. As mulheres com SOP e obesas são mais sujeitas à anovulação e, consequentemente, à infertilidade. A fisiopatologia não é totalmente esclarecida. O hiperandrogenismo (aumento de hormônios masculinos) tem papel importante, e o que levaria ao hiperandrogenismo e à anovulação crônica são alterações ovarianas, do eixo hipotálamo-hipófise, adrenais e até de tecidos periféricos (ex.: gordura). Alterações resultantes da síndrome Na SOP, uma vez deflagrada qualquer uma das alterações implicadas em sua gênese, um círculo vicioso de eventos ocorre sucessivamente, perpetuando as alterações da síndrome. Assim, independentemente da porta de entrada no círculo fisiopatológico, a relação hormônio luteinizante (LH)/hormônio foliculoestimulante (FSH) aumentada provoca hipersecreção de andrógenos ovarianos e ausência de desenvolvimento folicular, com aumento da relação estrona/estradiol, que age em nível hipofisário, perpetuando as alterações de gonadotrofinas, que aumentam a secreção de andrógenos, e assim sucessivamente. Alterações neuroendócrinas Está bem-descrito um aumento tônico de LH, secundário ao aumento de frequência e amplitude de pulsos de hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH). Esse padrão pode ocorrer por exposição pré-natal a níveis altos de andrógenos ou pela diminuição da inibição central de dopamina e opioides endógenos em relação ao GnRH. Do mesmo modo, acredita-se que a baixa concentração de FSH ocorra por inibição endógena, causada possivelmente pela concentração aumentada de hormônio antimülleriano (HAM), característica de pacientes com SOP. Hiperandrogenismo primário suprarrenal e/ou ovariano Foi observada, em mulheres com SOP, alteração de uma base na região CYP17 do gene que codifica a enzima citocromo P450 17-alfa, provocando aumento de sua atividade. Ocorre, então, hipersecreção discreta de androstenedionae testosterona (T) livre, a partir de células da teca e de sulfato de deidroepiandrosterona (S- DHEA) e 17-hidroxiprogesterona a partir do córtex suprarrenal, bem como hiper-resposta dos 17-cetoesteroides ao hormônio adrenocorticotrófico (ACTH). Os altos níveis de andrógenos locais provocam atresia folicular, perpetuam a relação LH/FSH aumentada e aumentam a resistência insulínica. Síntese extraglandular de andrógenos Alterações de atividade da 11β-hidroxiesteroide- deidrogenase109 e das 5-α e β-redutases podem aumentar a síntese de andrógenos no tecido adiposo. Essas enzimas estão envolvidas no metabolismo periférico do cortisol, o que pode ativar a esteroidogênese suprarrenal. Por outro lado, o aumento de tecido adiposo, por sobrepeso e obesidade, representaria uma causa exógena, ambiental, de síntese extraglandular de hormônios. Resistência insulínica Foram descritos polimorfismos genéticos determinando resistência à insulina, mesmo em mulheres magras com SOP. Desse cenário se formaria um novo círculo vicioso, conforme descrito por Nader, com hiperinsulinismo provocando hiperandrogenismo ovariano e vice- versa. Estudos in vitro mostraram que a insulina atua sinergicamente no LH nas células da teca, estimulando a produção de andrógenos, que, por sua vez, estimulam o recrutamento e o tamanho de adipócitos abdominoviscerais, aumentando a relação cintura-quadril. Com o aumento do fluxo de ácidos graxos livres abdominais, a extração hepática, bem como a sensibilidade periférica e hepática à insulina seriam prejudicadas, perpetuando o hiperinsulinismo e o aumento de andrógenos. Fatores intrafoliculares Na SOP, há distribuição anômala de inibina intraovariana, com diminuição nas células da granulosa e aumento nas células da teca, o que causa atresia folicular e hiperandrogenismo. Embora dosagens séricas de inibina sejam normais em pacientes com SOP, após a fase folicular precoce, os níveis intraovarianos de inibina nas células da teca são muito maiores que os de mulheres normais, podendo contribuir para a atresia folicular no momento de seleção do folículo dominante. A inibina aumenta a produção de andrógenos mediada por LH em células da teca em cultura. A redução da folistatina nas células da granulosa pode resultar em aumento da produção de estrogênios. A kit ligande (KL) é uma citocina intraovariana que ativa os folículos primordiais e promove crescimento e sobrevida folicular, diferenciação de células do estroma, proliferação de células da teca e síntese de andrógenos. Desregulação da KL em pacientes anovulatórias hiperandrogênicas com SOP é uma etiopagenia promissora que vem sendo investigada. Policistose ovariana Os cistos na SOP não são cistos verdadeiros, mas folículos antrais recrutados que param o seu desenvolvimento, devido a uma anormalidade hormonal, o hiperandrogenismo. O recrutamento ocorre quando as células da granulosa dos ovários normalmente começam a produzir estrogênio por aromatização da androstenediona produzida pelas células teca. O excesso de 5α-redutase nos ovários inibe a ação da aromatase e, portanto, reduz a síntese de estradiol, necessário para melhor maturação dos folículos. A hiperinsulinemia exacerba o hiperandrogenismo ovariano por: aumentar a atividade 17α-hidroxilase nas células da teca e, assim, promover a produção de androstenediona e testosterona; promover o LH e estimular o fator de crescimento semelhante à insulina 1 (IGF-1), aumentando a produção androgênica; e elevar a testosterona livre por diminuição da produção da globulina ligadora dos hormônios sexuais (SHBG) Quadro clínico A procura por um médico geralmente ocorre por pelo menos um desses 3 quadros: Ciclos anovulatórios: pode se apresentar com quadros de sangramento uterino irregular, oligomenorreia (intervalos menstruais maiores que 35 dias) e até amenorreia secundária. Hiperandrogenismo: hirsutismo e acne (lembrando que a SOP é a principal causa de hiperandrogenismo na mulher). Não é comum a virilização (clitoromegalia, alteração de voz, aumento de massa muscular). Nesses casos de virilização, devemos investigar outras causas, tais como tumores adrenais ou ovarianos virilizantes (produtores de androgênios). Infertilidade: SOP é responsável por até 80% dos casos de infertilidade por anovulação Hirsutismo/alopecia O hirsutismo é um bom marcador ao exame clínico da SOP, mas vale destacar que fatores étnicos, fatores sistêmicos, produção de esteroides sexuais e resposta a esses hormônios em seus receptores podem influenciar o crescimento dos pelos. A escala de Ferriman e Gallwey identifica com precisão o hirsutismo diante do somatório de pontos aferidos de acordo com a distribuição de excesso de pelos facial e corporal. O hirsutismo está presente em até 70% das portadoras de SOP, o que pode resultar da combinação do aumento da produção androgênica, do aumento da circulação da testosterona livre e da maior atividade androgênica na unidade pilossebácea. Escala de Ferriman e Gallwey. Pontuação maior que 6 ou 8 define o hirsutismo. Considera-se hirsutismo leve quando a pontuação não ultrapassa 15 e hirsutismo moderado a grave quando a pontuação é maior que 15. Irregularidade menstrual O que se espera de mulheres com SOP são ciclos anovulatórios e com oligo ou amenorreia (95% dos casos), mas até 32% destas mulheres podem ovular espontaneamente, sem se saber o motivo disso. Mulheres em amenorreia costumam apresentar hiperandrogenismo muito grave, mas em compensação têm mais folículos primordiais do que as oligomenorreicas. A amenorreia também cursa mais com as instabilidades metabólicas, aumentando o risco para dislipidemia, hiperinsulinemia e resistência insulínica e envelhecimento. A amenorreia, portanto, é o pior fator de prognóstico da SOP e os espectros clínicos pioram em sua presença. Acantose nigricans A acantose nigricans caracteriza-se por hiperqueratose de aspecto aveludado em regiões de dobras do corpo, mais especificamente em pescoço (anterior e posterior), axilas, sulcos inframamários, virilhas e outras áreas. e ocasionada geralmente por resistência insulínica, bastante comum em portadoras de SOP quando associada ao hiperinsulinismo. Em face do exposto, tem-se, com base na SOP, o fato de associar-se a acantose nigricans com o quadro de disfunção metabólica. Depreende-se, independentemente da faixa etária, a importância de proceder à inspeção rotineira (principalmente em áreas expostas – pescoço) da acantose nigricans, sinal que integra o quadro fenotípico grave da SOP e prevê as intermediações que culminam no enlace com o amplo conceito de DCV. Acantose nigrans Diagnóstico A SOP é considerada um diagnóstico de exclusão. O principal critério utilizado é o de Rotterdam (ter 2 de 3, excluindo outras causas): • Ciclos anovulatórios: oligomenorreia ou disfunção menstrual (ex.: ciclo > 42 dias). • Hiperandrogenismo laboratorial ou clínico (acne, hirsutismo ou alopecia). • Ovários policísticos ao USG. De acordo com esses critérios, entende-se por alteração no ciclo menstrual a ausência de menstruação por um período de 90 dias ou mais ou a presença de um número de ciclos menstruais menor ou igual a 9 por ano. Em relação ao hiperandrogenismo, deve-se pontuar esse critério quando houver pelo menos 1 dos seguintes achados: acne, hirsutismo e alopecia de padrão androgênico ou hiperandrogenismo laboratorial *O hiperandrogenismo laboratorial ocorre quando há elevação de pelo menos um androgênio, que pode ser testosterona total, androstenediona e/ou sulfato de desidroepiandrosterona sérica (SDHEA). Ultrassonografia A ultrassonografia (US) sempre teve papel de destaque na SOP e, com o avanço tecnológico, pôde-se chegar próximo à realidadeda prevalência da síndrome entre as mulheres (Figura 32.7). Com o recurso do transdutor transvaginal, acentua-se o diagnóstico pela melhor averiguação dos ovários. Esse recurso não é o ideal para avaliação de adolescentes virgens, preferindo-se o método por via pélvico-abdominal. *associar aos dados clínicos e laboratoriais. Classicamente, eram considerados policísticos ao USG quando havia ≥ 12 folículos (de 2 a 9 mm) em um ovário ou volume ovariano > 10 mL). Um guideline de 2018 (em parceria com 2 grandes sociedades internacionais de reprodução humana: ASRM e ESHRE) recomendou o valor ≥ 20 folículos. Dopplervelocimetria O incremento de novas técnicas de imagem como a US transvaginal e o Doppler colorido favoreceu a busca por mais subsídios para o diagnóstico da SOP. As variações do fluxo sanguíneo ovariano e uterino estavam associadas aos parâmetros clínicos, ultrassonográficos e endócrinos típicos da SOP. Estudos demonstraram que o Doppler evidenciou uma velocidade máxima significativamente maior no estroma ovariano das portadoras de SOP quando comparadas ao grupo- controle e a mesma observação foi aferida nas artérias uterinas das pacientes com SOP. Acima, dopplerfluxometria em portadora de síndrome dos ovários policísticos. Hormônio antimülleriano (HAM) É um marcador genético que se correlaciona com um número de pequenos folículos antrais; quanto maior sua dosagem, mais representaria a SOP. Esse pode, portanto, ser um exame útil, especialmente em mulheres mais jovens, para as quais uma US pode ser indesejada e invasiva. É produzido nas células da granulosa e nos folículos pré-antrais e antrais nos ovários. O HAM está significativamente aumentado na SOP, talvez pela maior quantidade de folículos, o que caracteriza a morfologia dos ovários na síndrome. Postula-se que o HAM atue como fator inibitório da foliculogênese e desempenhe papel importante na fisiopatologia da anovulação na SOP. A medição plasmática dos níveis de HAM é muito útil para a identificação da SOP e tem sido sugerida como um critério de diagnóstico importante. Mas ainda é necessária uma padronização internacional do ponto de corte dos níveis HAM a partir de grandes ensaios populacionais, carecendo-se de um consenso global antes de sua incorporação ao diagnóstico de rotina. O corte de 4,7 ng/mℓ vem se destacando entre os trabalhos publicados, mas ainda não é um ponto de corte estabelecido. Dosagens laboratoriais São importantes na avaliação laboratorial tanto para o diagnóstico inicial da SOP (incluindo a avaliação generalizada de amenorreia), como para a resistência insulínica e a SM, pois essas costumam ser as grandes preocupações da doença. A síndrome se estabelece sobre o patamar da fisiopatologia da hipersecreção de LH e do não acompanhamento nos mesmos níveis do FSH, portanto, sempre são esperados níveis destoantes entre os mesmos, mas nunca como patognômonicos da SOP. Os parâmetros indicativos para SOP são: •Glicemia basal 60 e 120 min •Insulina basal 60 e 120 min •Cortisol, prolactina, hormônio tireoestimulante (TSH), tiroxina (T4) livre •Progestógeno, LH, FSH, índice de andrógenos livres, S-DHEA •Função hepática •Função renal. Os parâmetros para a SM (3 de 5 já a caracterizam) são: •Triglicerídeos > 150 mg/dℓ •HDL – colesterol: Homens < 40 mg/dℓ; Mulheres < 50 mg/dℓ •Pressão sanguínea > 130/85 mmHg •Glicose jejum > 100 mg/dℓ •Circunferência abdominal > 80 cm. Os parâmetros para resistência insulínica são: •Insulina de jejum > 15 uU/mℓ •Relação glicose (mg/dℓ) e insulina (uU/mℓ) < 4,5 •TOTG com 75 g por via oral (VO): insulina aos 120 min > 80 uU/mℓ ou curva de 60 min maior que 120 min •QUICKI-LOG •Clamp test: perfusão de insulina e glicose com dosagens seriadas por 3 h (0, 15 min, 30 min) •HOMA-B (avalia a função secretora da célula beta): 20 × insulinemia (uU/ℓ)/glicemia (mmol/ℓ) – 3,5 (obs.: se utilizar a glicemia em mg/dℓ, dividir a glicemia por 18) ***Normal: 167 a 175 •HOMA-IR (avalia a resistência insulínica): insulina (µU/mℓ) × glicemia (mmol) × 0,05551)/22,5 (obs.: se a glicemia estiver em mg/dℓ, utilizar o valor de 405 para a constante em vez de 22,5 ***Normal: até 2,5 em homens e 2,7 nas mulheres. Diagnóstico diferencial: Hiperplasia suprarrenal congênita, Síndrome de Cushing, Tumores secretores de andrógenos, Doenças da tireoide e Hipogonadismo hipogonadotrófico. Tratamento A escolha do tratamento para as mulheres com SOP depende dos sintomas apresentados. Os sintomas geralmente se encaixam em três categorias: distúrbios relacionados com a menstruação, sintomas relacionados com o excesso de andrógenos e estratégias do manejo da infertilidade. Modificações de estilo de vida: A perda de peso, com atividade física e dieta, já pode restaurar os ciclos ovulatórios (regulariza os ciclos menstruais e aumenta a taxa de gestação). Além disso, ajudam no controle da dislipidemia e na prevenção de doenças cardiovasculares e de diabetes tipo 2.