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Saberes em Foco Revista da SMED NH v.5 n.1 out. 2022 13 RESUMO Este artigo tem como tema o processo de ensino-aprendizagem decorrente das concepções epistemológicas e pedagógicas dos professores. Nesse contexto, tem como objetivo defi nir conceit os basilares acerca de concepções epistemológicas, práticas pedagógicas e de inclusão, a fi m de discutir as implicações das concepções epistemológicas dos professores em sua prática pedagógica, na práxis inclusiva. Para atingir o objetivo proposto, realizou-se uma pesquisa bibliográfi ca em livros e artigos publicados em periódicos sobre os temas em questão. O estudo indicou três concepções epistemológicas: o apriorismo, o empirismo e interacionismo, às quais correspondem três concepções pedagógicas: a pedagogia não diretiva, a diretiva e a relacional, respectivamente. Ainda apontou-se que, diante das percepções, o interacionismo e a pedagogia relacional são mais apropriadas no ensino da educação inclusiva. . Palavras-chave: aprendizagem; concepções epistemológicas; concepções pedagógicas. O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM: CONCEPÇÕES EPISTEMOLÓGICAS E PEDAGÓGICAS DOS PROFESSORES 1 Mestra em Diversidade Cultural e Inclusão Social, Professora da Sala de Recursos Multifuncional da EMEB Monteiro Lobato. carminasouza@edu.nh.rs.gov.br 2 Doutora em Letras - Universidade Feevale - ros Cármina Geanini Nunes Monteiro de Souza¹ Rosemari Lorenz Martins² 14 Saberes em Foco Revista da SMED NH v.5 n.1 out. 2022 Cármina Geanini Nunes Monteiro de Souza e Rosemari Lorenz Martins ABSTRACT This article has as its theme the teaching-learning process resulting from the epistemological and pedagogical conceptions of teachers. In this context, it aims to defi ne basic concepts about epistemological conceptions, pedagogical practices and inclusion, in order to discuss the implications of teachers' epistemological conceptions in their pedagogical practice, in inclusive praxis. To achieve the proposed objective, a bibliographic research was carried out in books and articles published in journals on the topics under study. The study indicated three epistemological conceptions, apriorism, empiricism and interactionism, which correspond to three pedagogical conceptions: non- directive, directive and relational pedagogy, respectively. It was also pointed out that, given the perceptions, interactionism and relational pedagogy are more appropriate in the teaching of inclusive education. Keywords: learning; epistemological conceptions; pedagogical conceptions. INTRODUÇÃO Estudos como o de Fragoso e Casal (2012) indicam que a inclusão de crianças com defi ciência nas classes regulares de ensino é determinada pelas atitudes dos docentes e pelas representações sociais que adotam. Logo, estudar as relações entre as concepções dos professores e suas práticas pedagógicas pode contribuir para qualifi car o processo de inclusão escolar. A formação continuada dos professores tem sido tema de muitos estudos, salientando a importância de buscar a atualização para atingir melhor o aluno e contribuir efetivamente para o processo ensino-aprendizagem. Em se tratando da inclusão social, esse ainda é um tema discutido no meio docente com muitas reservas, defesas e contrapontos. Quando se propõe um olhar atento às difi culdades de aprendizagem, a transtornos e defi ciências, promovendo-se um ensino que parta de objetivos específi cos, sem exclusão, segregação ou apenas integração dos alunos, surgem controvérsias por parte de muitos professores. Ainda não está claro para muitos que a prática pedagógica necessita estar associada a uma concepção epistemológica que promova a inclusão e não apenas o empréstimo de um espaço em sala de aula para os alunos (integração). Compreender o que é ensino e o que é aprendizagem, bem como a intersecção entre ambos, tornando-os ensino-aprendizagem, remete o professor a tornar esse processo vivo, ativo e alinhado, aprimorando sua prática pedagógica. Nessa perspectiva, este artigo tem como objetivo defi nir os conceitos basilares da dissertação e discutir as implicações das concepções epistemológicas dos professores em sua prática pedagógica. Para atingir o objetivo proposto, realizou-se uma pesquisa bibliográfi ca em livros e artigos publicados em periódicos sobre os temas em estudo. PERCURSO METODOLÓGICO Saberes em Foco Revista da SMED NH v.5 n.1 out. 2022 15 O processo de ensino-aprendizagem: Concepções Epistemológicas e Pedagógicas dos professores Este estudo caracteriza-se, quanto à abordagem, como qualitativo, uma vez que se busca, neste momento, compreender a totalidade das relações entre concepções epistemológicas e práticas docentes e não focalizar conceitos específi cos. Quanto à natureza, caracteriza-se como uma pesquisa aplicada, já que os resultados obtidos com esta revisão da literatura serão utilizados para compreender o caso em estudo. Quanto aos objetivos, a investigação desenvolvida é exploratória, uma vez que se está buscando maior familiaridade com o problema e a elaboração de hipóteses, a partir das quais será elaborado um questionário a ser aplicado com professores da educação básica do Vale do Sinos/RS, que atendem, em classes regulares, estudantes com defi ciência. No que diz respeito aos procedimentos técnicos, este trabalho constitui-se como uma pesquisa bibliográfi ca, a qual será desenvolvida com base em material já elaborado, como artigos publicados em periódicos, dissertações e teses. A fi nalidade deste estudo é aproximar-se de todo material escrito sobre a temática, o que será importante para o desenvolvimento do trabalho como um todo, pois auxiliará na defi nição da fundamentação teórica, do percurso metodológico e também para a defi nição da amostra e dos instrumentos (PRODANOV; FREITAS, 2013). Para alcançar o objetivo traçado para este artigo, buscaram-se materiais teóricos disponíveis no portal de periódicos da CAPES, nas bases de dados Scielo, Unique e Google acadêmico e também em livros impressos e digitais, no período compreendido entre janeiro e junho de 2021. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Nesta seção, apresentam-se conceitos importantes para compreender as relações entre concepções docentes e práticas pedagógicas no contexto de inclusão escolar, tais como os de aprendizagem, conhecimento, concepções epistemológicas e práticas pedagógicas. Esses conceitos entrelaçados compõem a base teórica desse estudo. Tendo em vista a importância de estudar os conceitos e a teoria basilar acerca das concepções epistemológicas e das práticas pedagógicas na perspectiva inclusiva, é necessário revisitar tais conceitos desde as teorias de aprendizagem que farão sentido para as concepções e práticas dos docentes até o percurso da inclusão e suas bases teóricas. Para tanto, é preciso pensar nas mudanças de paradigmas, partir da construção de conhecimento oriunda de novas ideias e da desconstrução das estruturas antigas para adequar uma pedagogia que inclua, que respeite a diversidade, que tenha o aluno como protagonista e que rume em direção à equidade. APRENDIZAGEM Etimologicamente, a palavra aprendizagem provém do verbo aprender. Ad, em latim, signifi ca 'junto a' e prehendere, signifi ca 'levar para junto de si', metaforicamente 'levar para junto da memória'. Ao longo de sua história, a aprendizagem vem sendo compreendida 16 Saberes em Foco Revista da SMED NH v.5 n.1 out. 2022 Cármina Geanini Nunes Monteiro de Souza e Rosemari Lorenz Martins por meio de diversas concepção e teorias estudadas, testadas e justifi cadas, com o intuito de avançar e melhor se aplicar nos processos de ensino aprendizagem. A aprendizagem, conforme Pozo (2002), consiste naquilo que se aprende. É aquilo que muda como consequência de aprender, considerando-se características do sujeito anteriores ao aprender. Ainda de acordo com Pozo (2002), a aprendizagem “é a atividade mental da pessoa enquanto está em ação, como a atenção, o raciocínio ou a percepção” (VARGAS;PORTILHO, 2018, p. 361). Para a Neurociência (FRANÇA; DINIZ, 2014), a aprendizagem é entendida como a aquisição de novas informações, que serão retidas na memória.³ Por meio das redes sinápticas e da neuroplasticidade cerebral, ocorrem modifi cações que promovem essa consolidação e troca de informação. Ainda acerca desse assunto, as autoras contribuem dizendo que “a aprendizagem é resultado de modifi cações químicas e estruturais no sistema nervoso e, para que seja mais duradoura e efi ciente, novas ligações sinápticas serão construídas” (FRANÇA; DINIZ, 2014, p.2). Fernández (1998) considera o ato de aprender como uma apropriação do objeto em uma elaboração objetivante e subjetivante. Sendo assim, afi rma que A elaboração objetivante permite apropriar-se do objeto ordenando-o e classifi cando-o, quer dizer, por exemplo, reconhecer uma cadeira pondo-a na classe ‘cadeira’, quer dizer tratando de usar o que a iguala a todas as cadeiras do mundo. Por outro lado, a elaboração subjetivante tratará de reconhecer, de apropriar-se dessa cadeira, a partir daquela única e intransmissível experiência que tenha tido o sujeito com as cadeiras (FERNÁNDEZ, 1998, p. 117). Paralelamente ao termo aprendizagem, há o termo ensino, que também tem origem no latim “insignare, ‘gravar, colocar uma marca em’, de in, ‘em’, mais signum, ‘marca, sinal'"4. Assim, o termo ensino-aprendizagem carrega em si o signifi cado de “levar para junto de si, junto da memória, como uma marca, um sinal”. A fusão das duas palavras explica-se pela troca constante entre ensino e aprendizagem em que ora aprendemos, ora ensinamos. Dessa forma, a todo o momento, essas ações se tornam simultâneas. O aluno traz uma modalidade de aprendizagem, segundo Fernández (2001), própria de cada sujeito, que traduz sua forma de operar nas mais diversas situações de aprendizagem de forma relacional. “Cada um de nós se relaciona com o outro como ensinante, consigo mesmo como aprendente e com o conhecimento como um terceiro de um modo singular” (FERNÁNDEZ, 2001, p. 78). Junto a isso, o professor também traz uma modalidade de ensinagem, que é nutrida a partir da relação ensinante-aprendente e frente à dualidade de ensinar para aprender entre ambos os sujeitos. Pensando na cognição, a aprendizagem se dá por redes de conexões e sinapses que, interligadas, geram um novo conhecimento (FONSECA, 2009). O conhecimento gerado pela aprendizagem origina-se da palavra latina cognoscere, que signifi ca ato de conhecer, que, por sua vez, é o ato de apreender, de ser capaz de abstrair e entender (VARGAS; PORTILHO, 2018). O conhecimento foi inicialmente discutido pelos fi lósofos na busca por explicações 3 Defi nição disponível em <https://origemdapalavra.com.br/pergunta/origem-da-palavra-aprender/> acesso em 09 ago. 2021. Saberes em Foco Revista da SMED NH v.5 n.1 out. 2022 17 O processo de ensino-aprendizagem: Concepções Epistemológicas e Pedagógicas dos professores verdadeiras para as coisas, e essas teorias fi losófi cas repercutiram na evolução de teorias sobre a aprendizagem, chegando a três concepções epistemológicas de aprendizagem que permeiam os discursos dos professores (VARGAS; PORTILHO, 2018, p. 361). Logo discorreremos sobre essas concepções, mas, antes, faz-se necessário apresentar as teorias de aprendizagem. TEORIAS DE APRENDIZAGEM Buscando compreender e atuar cientifi camente a partir da ação de "levar para junto de si", diversos teóricos pesquisaram a respeito da aprendizagem. Suas contribuições fazem parte de um apanhado histórico e crescente na área da educação e constituíram linhas distintas: comportamentalismo, cognitivismo, humanismo, socioculturalismo. O comportamentalismo surgiu com a ideia dos comportamentos observáveis e mensuráveis do sujeito, mediante as respostas dadas para os estímulos externos. O behaviorismo surgiu nessa lógica comportamental, no início do século XX, com o norte- americano John B. Watson (1878-1958), que é considerado o fundador dessa corrente no mundo ocidental. Seu pensamento baseava-se nos critérios epistemológicos positivistas, seguindo uma linha empirista. Segundo essa teoria: “as aprendizagens desejáveis, aquilo que os alunos deveriam aprender, eram expressas em termos de comportamentos observáveis” (MOREIRA, 1999, p.14). O behaviorismo, segundo Ostermann e Cavalcanti (2011), pode ser classifi cado em dois tipos: o behaviorismo metodológico, com caráter empirista, e o radical, que se preocupava com métodos e objetivos de estudo da psicologia, considerando assim, os processos mentais. Entre os principais behavioristas da época, o russo Ivan Pavlov (1849- 1936) apresentou a ideia de condicionamento clássico, a qual infl uenciou Watson. Pavlov, a partir de estudos feitos com animais, referia-se à aprendizagem como substituição de estímulos: o estímulo condicionado. Segundo ele, a partir de uma associação de estímulos, obter-se-ia a resposta refl exa. Edwin Guthrie (1886-1959) mostrou-se muito infl uenciado pelo condicionamento clássico, porém de uma forma mais simples. Para ele, uma resposta acompanha um estímulo. “Para Guthrie, não importa se a resposta foi eliciada durante um procedimento de condicionamento clássico ou não, basta que o estímulo e a resposta ocorram juntos” (MOREIRA, 1999, p. 24). Guthrie, segundo Moreira (1999), ainda apresentou como ponto importante em sua teoria três técnicas que considerou efi cazes para substituir respostas indesejáveis por outras desejáveis: método da fadiga (repetir o sinal até que a resposta original canse e continuar repetindo até que nova resposta desejada seja dada); método do limiar (introduzir o estímulo que se deseja desconsiderar em um grau tão fraco que não provoque a resposta); método do estímulo incompatível (apresentar o estímulo quando a resposta não pode ocorrer, diferentes respostas irão ocorrer, até que uma desejada apareça). Edward Lee Thorndike (1874-1949) foi um teórico do reforço. Ele apresentou a Lei de Efeito que, segundo Ostermann e Cavalcanti (2011,p. 19): “traz consigo uma 18 Saberes em Foco Revista da SMED NH v.5 n.1 out. 2022 Cármina Geanini Nunes Monteiro de Souza e Rosemari Lorenz Martins concepção de aprendizagem na qual uma conexão é fortalecida quando seguida de uma consequência satisfatória”. Partindo desse pressuposto, o professor daria ao aluno um reforço positivo (elogio), caso a resposta estivesse certa ou um reforço negativo (punição), caso a resposta não fosse a desejada. Burrhus Frederic Skinner (1904-1990) foi, consoante à Ostermann e Cavalcanti (2011, p. 21), “o teórico behaviorista que mais infl uenciou o entendimento do processo ensino-aprendizagem e a prática escolar”. Sua concepção de aprendizagem está relacionada a uma questão de modifi cação do desempenho, necessitando de estímulos externos a fi m de que o aluno saia da situação de aprendizagem diferente de como entrou. O objetivo do behaviorismo skinneriano é o estudo científi co do comportamento: descobrir as leis naturais que regem as reações do organismo que aprende, a fi m de aumentar o controle das variáveis que o afetam. Os componentes da aprendizagem - motivação, retenção, transferência - decorrem da aplicação do comportamento operante (OSTERMANN; CAVALCANTI, 2011, p. 28). Dentro dessa perspectiva, o processo de ensino-aprendizagem se dá a partir do controle das condições ambientais que asseguram a transmissão/recepção de informações. O professor, dessa forma, buscaria um objetivo adequado à instrução, um procedimento que ordenasse a tarefa sequencialmente da aprendizagem, seguida da execução do programa, reforçando gradualmente as respostas correspondentes ao objetivo. Junto ao behaviorismo está a teoria da Gestalt (criada praticamente na mesma época), como uma reação ao estruturalismo (tentativa de analisar certo campo de estudos considerando-o como um sistema complexo de pequenas partes correlacionadas). Os psicólogos alemães Max Wertheimer (1880-1943), WolfgangKöhler (1887-1967) e Kurt Koff ka (1886-1940) foram os criadores da Gestalt. A teoria da Gestalt tinha como premissa que o todo é mais do que a soma de suas partes. Foi mais uma teoria psicológica do que de aprendizagem, embora tenha se valido do insight (súbita percepção e solução frente ao problema), dentro da aprendizagem. “Com isso, em uma situação de ensino caberia ao professor selecionar condições nas quais a aprendizagem por insight poderia ser facilitada” (OSTERMANN; CAVALCANTI, 2011, p. 27). O cognitivismo surgiu em um caráter até então ignorado pelo comportamentalismo, o ato de conhecer e como o ser humano conhece o mundo, diferentemente dos behavioristas, cujo foco é o que as pessoas fazem, não discutindo as relações com a mente. Para os cognitivistas, o foco deveria estar nas chamadas variáveis intervenientes entre estímulos e respostas, nas cognições, nos processos mentais superiores (percepção, resolução de problemas, tomada de decisões, processamento de informação, compreensão). Quer dizer, na mente, mas de maneira objetiva, científi ca, não especulativa (MOREIRA, 1999, p. 14). Os principais autores da corrente cognitivista são Bruner, Piaget, Ausubel, Saberes em Foco Revista da SMED NH v.5 n.1 out. 2022 19 O processo de ensino-aprendizagem: Concepções Epistemológicas e Pedagógicas dos professores Novak e Kelly, sendo alguns construtivistas com ênfase na cognição, como Bruner, Piaget, Ausubel e Novak. Moreira (1999) destaca o construtivismo como uma posição fi losófi ca cognitiva interpretacionista, uma vez que a perspectiva em relação à cognição é a de que ela se dá por construção. No ensino, esta postura implica deixar de ver o aluno como um receptor de conhecimento, não importando como os armazena e organiza em sua mente. Ele passa a ser considerado agente de uma construção que é a sua própria estrutura cognitiva (MOREIRA, 1999, p. 14). Jerome Bruner (1915-2016) considera ser relevante em uma matéria de ensino sua estrutura, suas ideias e relações fundamentais. Ostermann e Cavalcante (2011, p.38) dizem que “Bruner parte da hipótese de que é possível ensinar qualquer assunto, de uma maneira honesta, a qualquer criança, em qualquer estágio do desenvolvimento”. Coloca ao professor a tarefa de, ao ensinar, representar a estrutura do conteúdo segundo a visualização que a criança tem dos elementos e das coisas. Jean Piaget (1896-1980) defende não propriamente uma teoria de aprendizagem, mas de desenvolvimento mental, dentro do que ele chamou de epistemologia genética. Na epistemologia genética destacam-se quatro períodos de desenvolvimento cognitivo: sensório-motor, pré-operatório, operatório-concreto e operatório-formal. Wadsworth (1998) coloca que o crescimento cognitivo da criança, segundo Piaget, se dá por assimilação e acomodação e o sujeito constrói esquemas de assimilação mental para abordar a realidade. Quando a mente se modifi ca ocorre a acomodação, que leva à construção de novos esquemas de assimilação. “Piaget considera as ações humanas, e não as sensações, como base do comportamento humano” (OSTERMANN; CAVALCANTI 2011, p. 33). Lev S. Vygotsky (1896-1934) entende o desenvolvimento cognitivo, partindo de pressupostos do contexto cultural e histórico do indivíduo. Sua teoria é também conhecida como teoria de mediação ou histórico social. Suas bases teóricas são conhecidas como psicologia histórico cultural, psicologia interativista sociocultural, psicología socio interacionista. Vygotsky trata da linguagem como ferramenta social de contato, como forma de interagir, trocar, partilhar. Moreira (1999, p. 109) coloca que “a asserção de que os processos mentais superiores do indivíduo têm origem em processos sociais é um dos pilares da teoria de Vygotsky”. O mesmo autor sinaliza, ainda, que uma segunda ideia seria a de que esses processos mentais só poderiam ser pensados a partir do entendimento dos instrumentos e dos signos que os mediam. E o terceiro pilar é chamado “método genético-experimental”. Em seus estudos sobre aprendizagem, Neves e Damiani (2006, p. 1) relatam que Vygotsky “entendia que a aprendizagem não era uma mera aquisição de informações, não acontecia a partir de uma simples associação de ideias armazenadas na memória, mas era um processo interno, ativo e interpessoal”. Vygotsky estabelece, em sua teoria, a zona de desenvolvimento proximal, que seria a distância entre o nível de desenvolvimento cognitivo real do indivíduo. Segundo Moreira (1999, p. 116), “a zona de desenvolvimento proximal, defi ne as funções que ainda não amadureceram, mas que estão no processo de maturação”. 20 Saberes em Foco Revista da SMED NH v.5 n.1 out. 2022 Cármina Geanini Nunes Monteiro de Souza e Rosemari Lorenz Martins David Ausubel (1918-2008) traz, em sua teoria, a aprendizagem signifi cativa, que, segundo Ostermann e Cavalcanti (2011, p. 34), ocorre quando “um processo através do qual uma nova informação se relaciona de maneira não arbitrária e substantiva a um aspecto relevante da estrutura cognitiva do indivíduo”. A partir disso, a nova informação interage como uma estrutura de conhecimento específi ca chamada de subsunçor, que é um excelente mecanismo para adquirir e reter a informação de um corpo de conhecimentos. O ‘subsunçor’ é um conceito, uma ideia, uma proposição já existente na estrutura cognitiva, capaz de servir de ‘ancoradouro’ a uma nova informação de modo que ela adquira, assim, signifi cado para o indivíduo: a aprendizagem signifi cativa ocorre quando a nova informação ‘ancora-se’ em conceitos relevantes preexistentes na estrutura cognitiva (OSTERMANN; CAVALCANTI, 2011, p.34). Quanto à teoria humanista, Moreira (1999, p. 16) destaca que “a fi losofi a humanista vê o ser que aprende primordialmente como pessoa. O importante é a autorrealização da pessoa, seu crescimento pessoal. O aprendiz é visto como um todo - sentimentos, pensamentos e ações - não só intelecto”. Aspectos afetivos são percebidos como relevantes dentro da aprendizagem, nas ações, nos sentimentos e nos pensamentos. Carl Rogers (1902-1987) foi o precursor do “ensino centrado no aluno” e nas “escolas abertas”, acreditando em um ensino voltado às potencialidades do aluno. Moreira (1999) destaca que Rogers apresenta princípios de aprendizagem, ao invés de apresentar uma teoria de aprendizagem. Ostermann e Cavalcanti (2011) sinalizam que o objetivo educacional, segundo Rogers, deve ser a facilitação da aprendizagem e que o professor é esse facilitador dentro desta aprendizagem signifi cativa. “Os estudantes precisam ser compreendidos, não avaliados, não julgados, não ensinados. Facilitação exige compreensão e aceitação empática” (OSTERMANN; CAVALCANTI, 2011, p. 38). George Kelly (1905-1967) elaborou uma teoria formal, a “Psicologia dos Construtos Pessoais”, em que argumenta, conforme Ostermann e Cavalcanti (2011, p. 38), “que os processos de uma pessoa são psicologicamente canalizados pelas maneiras nas quais ela antecipa eventos”. Sua fi losofi a é dita alternativista construtivista. Uma tarefa do professor, segundo o construtivismo de Kelly, consiste em apresentar aos estudantes situações através das quais seus construtos pessoais possam ser articulados, estendidos ou desafi ados pelos construtos formais da visão científi ca (OSTERMANN; CAVALCANTI, 2011, p. 39). Joseph Novak (1932-) defende um humanismo mais viável para a sala de aula e, conforme Moreira (1999, p.16), “é a aprendizagem signifi cativa que subjaz à integração construtiva de pensar, sentir e agir, engrandecendo o ser humano”. Essas seriam as premissas básicas da teoria de Novak, associadas a cinco elementos educacionais: aprendiz, professor, conhecimento, contexto e avaliação. Moreira (1999) ainda ressalta que esses cinco elementos são fundamentais em qualquer evento educativo, implicando uma ação para trocar signifi cados e sentimentos entre professor e aluno. D. Bob Gowin (1926-) defende um modelo pautado na estrutura deconhecimento Saberes em Foco Revista da SMED NH v.5 n.1 out. 2022 21 O processo de ensino-aprendizagem: Concepções Epistemológicas e Pedagógicas dos professores em uma relação triádica entre professor, materiais educativos e alunos. “Para ele, um episódio de ensino-aprendizagem se caracteriza por compartilhar signifi cados entre aluno e professor, a respeito de conhecimentos veiculados por meio de materiais educativos do currículo” (MOREIRA, 1999, p. 177). A linha teórica sociocultural, além de Vygotsky, conta também com os pensamentos de Paulo Freire (1921-1997), considerado um dos educadores mais infl uentes, cujos primeiros projetos educacionais se voltam para a alfabetização de adultos. Segundo Ostermann e Cavalcanti (2011, p. 44), “a perspectiva educacional de Paulo Freire é muito mais uma teoria do conhecimento e uma fi losofi a da educação do que um método propriamente dito”. Seu trabalho é mais conhecido enquanto método freiriano, a partir dos estudos com analfabetos adultos. O processo educativo, a partir de sua perspectiva, é impulsionado pela orientação dos educadores e por debates dos educandos, considerando vivências, conhecimentos e hábitos (sabedoria popular), na chamada hierarquia horizontal (OSTERMANN; CAVALCANTI, 2011, p. 45) entre educador e educando, diferente do ensino tradicional centrado na autoridade do professor. Humberto Maturana (1928-2021), biólogo chileno, juntamente com Francisco Varela (1946-2001), também chileno e com a mesma formação, chegaram ao conceito de autopoise ou biologia do conhecer. Essa é uma explicação do que é viver. “A organização característica dos seres vivos é, então, a autopoise, mas ela tem como produção a organização da máquina-ser-vivo em questão, que produz sua própria organização” (MOREIRA, 2004, p. 598). As máquinas autopoiéticas são autônomas, têm individualidade e não têm entradas nem saídas (mas podem ser infl uenciadas por fatos externos, experimentando mudanças internas). Nessa organização, Maturana trata da racionalidade e das emoções, da linguagem e do amor, enquanto fundamentos do ser humano como ser social de convivência. “A emoção que funda o social como a emoção que constitui o domínio de ações no qual o outro é aceito como um legítimo outro na convivência é o amor” (MATURANA, 2002, p. 26). Partindo dessa teoria, Maturana (2002) fala da educação e das relações, da convivência e da importâncias do outro: O educar se constitui no processo em que a criança ou o adulto convive com o outro e. Ao conviver com o outro, se transforma espontaneamente, de maneira que seu modo de viver se faz progressivamente mais congruente com o do outro no espaço de convivência. O educar ocorre, portanto, todo o tempo e de maneira recíproca (MATURANA, 2002, p. 29). Nessas muitas formas de pensar a aprendizagem e a educação, as teorias e concepções embasam o fazer pedagógico constituindo novos olhares e refl exões, evoluindo a práxis e adaptando o conhecimento dentro da sociedade líquida (BAUMAN,). “O mundo do lado de fora das escolas cresceu diferente do tipo de mundo para o qual as escolas estavam preparadas para educar nossos alunos” (ALMEIDA; GOMES; BRACHT, 2003, p. 65). Cada infl uência pedagógica, dentro de sua visão, soma para a educação e a 22 Saberes em Foco Revista da SMED NH v.5 n.1 out. 2022 Cármina Geanini Nunes Monteiro de Souza e Rosemari Lorenz Martins constituição desses saberes, alinhada à concepção epistemológica do professor e atribui a sua prática uma relação de ensino-aprendizagem intrinsecamente ligada, em que uma depende da outra para efetivar a construção do conhecimento. CONCEPÇÕES EPISTEMOLÓGICAS A palavra epistemologia vem do grego epistm, que signifi ca conhecimento, e de logia, que signifi ca estudo, sendo assim, epistemologia é o estudo do conhecimento, de suas fontes e como ocorre sua aquisição (BEZERRA, 2021). Do ramo da Filosofi a, a epistemologia ocupa-se do conhecimento científi co. Já o termo concepção epistemológica remete-se às teorias do conhecimento que embasam estudos e diferenciam o senso comum da Ciência. Acerca dessa teoria apresentam-se três fortes correntes que buscam explicar a aquisição do conhecimento e o processo cognitivo envolvido nesta ação. São elas: apriorismo, empirismo e interacionismo. APRIORISMO O apriorismo ou inatismo é a teoria que consiste na ideia de que o ser humano já nasce pronto e carrega consigo, naturalmente, certas aptidões, habilidades, conhecimentos, conceitos e qualidades em sua bagagem hereditária. Sendo assim, segundo Nutti (2010, p. 1), “a concepção inatista parte do pressuposto de que os eventos que ocorrem após o nascimento não são essenciais ou importantes para o desenvolvimento”. Nutti (2010) coloca que Platão (427 - 347 a.C) defendia a tese de que a alma precedia o corpo e que antes de encarnar tinha acesso ao conhecimento. Sócrates (469 - 399 a.C), seu discípulo, afi rmou que conhecer é relembrar porque a pessoa domina determinados conceitos desde que nasce. A partir do apriorismo, surgiu a teoria da forma ou a Gestalttheorie (BECKER, 2008), que trabalha dentro da tradição do racionalismo alemão. Essa teoria, também conhecida como da aprendizagem por insight, é associada a traços de memória (efeitos que as experiências deixam no sistema nervoso). Sendo a aprendizagem considerada um processo interno do sujeito, Becker (2008, p. 15) afi rma, quanto ao apriorismo, que Podemos dizer que aprioristas são todos aqueles que pensam que as condições de possibilidades do conhecimento são dadas na bagagem hereditária: de forma inata ou submetidas ao processo maturacional, mas de qualquer forma, predeterminadas ou a priori - isto é, estão aí, dadas, como condição de possibilidades. Nesse sentido, o papel do ambiente é interferir o mínimo possível sobre o sujeito e em seu processo espontâneo. Becker (2008) representa essa ação com a seguinte referência: S → O. Relacionado ao professor, este interfere pouco e deixa que o aluno Saberes em Foco Revista da SMED NH v.5 n.1 out. 2022 23 O processo de ensino-aprendizagem: Concepções Epistemológicas e Pedagógicas dos professores organize em seu pensamento o conteúdo em uma perspectiva de aula não diretiva. EMPIRISMO O empirismo surgiu a partir de Aristóteles (384 - 322 a. C) e tem como seguidores os fi lósofos Thomas Hobbes (1588 - 1679), Francis Bacon (1561 - 1626) e John Locke (1632 - 1704), que sustentaram a ideia de que as informações se transformam em conhecimento a partir do momento em que fazem parte do dia a dia das pessoas, assim, fortalecendo o ensino por transmissão, imitação e memorização (NUTTI, 2010). Conforme os estudos feitos por Nutti (2010), o maior defensor da posição ambientalista é o norte americano B. F. Skinner, que elaborou uma teoria baseada na análise dos comportamentos observáveis. Baseado na teoria do behaviorismo, Skinner colocou o papel do ambiente como sendo mais importante do que a maturação biológica. Com isso, trouxe a ideia de controle do comportamento por meio do elogio ou punição. Nessa perspectiva, o ensino é visto como o planejamento e o arranjo das contingências de reforçamento (elogios, notas, diplomas) as quais vão permitir a aprendizagem que consiste em obter mudança de comportamento dos alunos, tendo em vista objetivos predeterminados (NUTTI, 2010, p. 4). Segundo Becker (2008, p. 12), na visão empirista “o conhecimento é algo que vem do mundo do objeto (meio físico ou social). Portanto, o mundo do objeto é determinante do sujeito e não o contrário”. O professor empirista acredita na transmissão do conhecimento e busca um modelo de aula diretiva, em que o professor é o detentor do conhecimento e o transmite para o aluno, enquanto este, de forma passiva, busca absorver a informação. O aluno é visto como uma folha de papel em branco, uma tábula rasa. Segundo John Locke (1632 - 1704), o objeto (meio físico ou social) gera infl uência sobre o sujeito. Essa relação pode ser representadaassim S ← O, conforme Becker (2008). INTERACIONISMO O século XX trouxe a ideia de um ensino centrado na interação e na construção do conhecimento. A origem desse conhecimento não está nem no sujeito nem no objeto, mas na interação entre os dois e no fenômeno da assimilação primordial do recém-nascido humano, a partir dos aspectos estudados por Piaget (1896-1980) na Epistemologia Genética. Becker (2008) ilustra essa ação como sendo: S ↔ O. Nos estudos realizados por Piaget, com ápice a partir de 1955, quando foi fundado, em Genebra, um centro de altos estudos na Fundação Rockefeller, a Epistemologia Genética recebeu um perfi l baseado em investigações sustentáveis que direcionam o conhecimento e sua aquisição para um novo olhar. Piaget (1983, p. 3) coloca que 24 Saberes em Foco Revista da SMED NH v.5 n.1 out. 2022 Cármina Geanini Nunes Monteiro de Souza e Rosemari Lorenz Martins O conhecimento não poderia ser concebido como algo predeterminado nas estruturas internas do indivíduo, pois que estas resultam de uma construção efetiva e contínua, nem nos caracteres preexistentes do objeto, pois que estes só são conhecidos graças à mediação necessária dessas estruturas; e estas estruturas os enriquecem e enquadram (pelo menos situando-os no conjunto dos possíveis). Em outras palavras, todo conhecimento comporta um aspecto de elaboração nova, e o grande problema da epistemologia é o de conciliar esta criação de novidades com o duplo fato de que, no terreno formal, elas se acompanham de necessidade tão logo elaboradas e de que, no plano do real, elas permitem (e são mesmo as únicas a permitir) a conquista da objetividade. A Epistemologia Genética propõe-se a elucidar a evolução do conhecimento (raízes), desde suas formas mais elementares, seguindo sua constituição por todos os níveis (PIAGET, 1983). Nesse sentido, voltar à gênese, termo indicado pelo nome da teoria, remete a “insistir no fato de que, para compreender suas razões e seu mecanismo, é preciso conhecer todas as suas fases ou pelo menos o máximo possível” (PIAGET, 1983, p. 4). A pergunta principal de Piaget (1983) diante do problema da epistemologia foi se toda a informação cognitiva emanava dos objetos vindo de fora do sujeito (empirismo tradicional) ou se o sujeito estava desde o início munido de estruturas endógenas que ele iria impor aos objetos (apriorismo ou inatismo). Sendo assim, O conhecimento resultaria de interações que se produzem a meio caminho entre os dois, dependendo, portanto, dos dois ao mesmo tempo, mas em decorrência de uma diferenciação completa e não de intercâmbio entre formas distintas (PIAGET, 1983, p. 6). Becker (2008) traz a assimilação como processo constitutivo de estruturas e incorporação das coisas a essas estruturas. E, a partir das formas de assimilação, Piaget vai inferir as formas de organização desde as assimilações primordiais, práticas do recém-nascido, até as operações formais. O processo de acomodação, combinado ao de assimilação, produz no sujeito epistêmico a transformação da informação em um novo esquema e, por sua vez, em conhecimento. Wadsworth (1998, p. 21) coloca, acerca destes conceitos de Piaget, que “a acomodação é responsável pelo desenvolvimento (uma mudança qualitativa) e a assimilação pelo crescimento (mudança quantitativa); juntos eles explicam a adaptação intelectual e o desenvolvimento das estruturas mentais”. Assim, o aluno é o centro de todo o processo, mas a troca do sujeito com o ambiente produz a construção do conhecimento. PRÁTICAS PEDAGÓGICAS Associadas às concepções epistemológicas, têm-se as práticas pedagógicas, que são ações na práxis docente que viabilizam o processo ensino-aprendizagem. Essas práticas necessitam alinhar o objeto de estudo com o objetivo, a metodologia e a avaliação do processo, com o intuito de promover aprendizagens e, consequentemente, o conhecimento. Becker (2008) traz uma concepção pedagógica alinhada a cada uma das Saberes em Foco Revista da SMED NH v.5 n.1 out. 2022 25 O processo de ensino-aprendizagem: Concepções Epistemológicas e Pedagógicas dos professores concepções epistemológicas, como já foi sinalizado nas seções anteriores. Assim, da concepção epistemológica empirista provém a pedagogia diretiva, da apriorista, a pedagogia não diretiva e, do interacionismo, a pedagogia relacional. A seguir, defi nem-se, brevemente, cada uma dessas pedagogias com base em Becker (2008). PEDAGOGIA DIRETIVA A pedagogia diretiva é legitimada pela epistemologia empirista. O professor que possui essa concepção entende o aluno como uma tábua rasa, como um sujeito que não sabe nada. Para esse professor, o conhecimento está no objeto, no mundo. O aluno só aprenderá o que o professor ensinar. O professor acredita na transmissão do conhecimento. Em função disso, quer os alunos organizados na sala de aula, sentados um atrás do outro, em fi las organizadas e em silêncio. Na aula desse professor, só o professor fala; o aluno escuta e executa o que o professor pede: o professor ensina e o aluno aprende. Essa pedagogia reproduz uma sociedade autoritária, da recusa à criatividade, conforme Becker (2008). O aluno egresso dessa escola interessa bastante ao mercado de trabalho, consoante o mesmo autor, pois sabe fi car em silêncio, não argumenta, não contraria o chefe, não pede nada, não reclama. “O produto pedagógico acabado dessa escola é alguém que renunciou ao direito de pensar e que, portanto, desistiu de sua cidadania e do seu direito ao exercício da política no seu mais pleno signifi cado”, de acordo com Becker (2021, p.16). Nesse tipo de concepção, o ensino é dicotômico: o professor não aprende nem o aluno ensina. PEDAGOGIA NÃO DIRETIVA Um professor que possui uma concepção epistemológica apriorista desenvolve uma postura pedagógica não diretiva, isto é, ele se vê como um auxiliar do aluno, como um facilitador. Ele acredita que o aluno já tem o saber, cabe ao professor ajudar a trazer esse saber à consciência, a organizá-lo. Mas o professor deve interferir o mínimo possível, porque o aluno aprende por si mesmo. Segundo essa concepção, ninguém transmite nada o aluno apenas aprende. De acordo com Becker (2021, p.18), “esta epistemologia acredita que o ser humano nasce com o conhecimento já programado na sua herança genética”. Essa pedagogia, consoante Becker (2021), está alinhada com a liberdade de mercado do neoliberalismo. O professor, nesse caso, renuncia à função como docente e ao aluno é dado um status que ele não tem. A não aprendizagem do aluno é explicada como um défi cit herdado. E, sendo assim, impossível de ser superado. Cabe destacar que, nessa concepção, o ensino não deve ocorrer e, portanto, o centro é a aprendizagem. 26 Saberes em Foco Revista da SMED NH v.5 n.1 out. 2022 Cármina Geanini Nunes Monteiro de Souza e Rosemari Lorenz Martins PEDAGOGIA RELACIONAL A pedagogia relacional provém da concepção interacionista. O professor que possui essa concepção acredita que o saber é construído. Ele vê o estudante como alguém que possui conhecimentos já construídos, não uma tábua rasa. Esta pedagogia tem como base os estudos de Piaget, para o qual o conhecimento inicia com o recém- nascido, quando ele assimila alguma coisa do meio físico ou social e não tem fi m. Sendo assim, o professor acredita que seu aluno pode aprender sempre. Deste modo, o professor, além de ensinar, também vai aprender. Logo, professor e aluno avançam em seus conhecimentos. Conforme Becker (2008, p. ), “o resultado desta sala de aula é a construção e a descoberta do novo, é a criação de uma atitude de coragem que esta busca exige”. A convicção defendida por essa pedagogia é a de que ela adianta os conhecimentos ao sujeito. INCLUSÃO Buscando conceituar aspectos ligados à inclusão, Fragoso e Casal (2012 p. 527) pontuam que “o princípio da inclusão defende uma escola que acolha todas as crianças, independentemente das suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais,linguísticas ou outras”. A defi nição traça um perfi l de escola ideal, cujo ponto de chegada é a educação para todos. Para falar de inclusão é importante pensar na exclusão, buscando compreender aspectos conceituais e culturais sobre o tema em questão. Rangel e Goulart (2018, p. 89) destacam que A compreensão ampla da exclusão e seu enfrentamento (associados ao empenho acadêmico, social e político em decisões e movimentos pela inclusão, justiça e autonomia dos sujeitos, respeitando-se suas diferenças socioculturais), requerem a sua abordagem dialética e a sua percepção no contexto mais abrangente em que se situam: o da diversidade, entendida como contexto no qual as diversas formas de ser e estar no mundo se expressam, acrescentando seus valores, sua cultura. O caminho percorrido pela inclusão atravessou ações de exclusão, segregação (ou separação) e integração, pontuados por Beyer (2006). Inclusão e integração, embora pareçam conceitos semelhantes, não o são, pois A integração refere-se a alunos com NEE que são inseridos em escolas de ensino regular, tendo como instrumento a qualidade de ensino. Estes alunos, apesar de tudo, ainda são vistos como portadores de defi ciência e necessitam de se adaptar às condições dos outros alunos. Se não houver essa adaptação, não há integração e, por conseguinte, o aluno permanece à margem do processo de ensino-aprendizagem e não obterá sucesso. (FRAGOSO; CASAL, 2012, p. 531). Na escola inclusiva, segundo os mesmos autores, Saberes em Foco Revista da SMED NH v.5 n.1 out. 2022 27 O processo de ensino-aprendizagem: Concepções Epistemológicas e Pedagógicas dos professores O processo educativo deve privilegiar as relações sociais entre os seus participantes, devendo todos os alunos ter o direito a uma escolaridade normalizante, sem preconceitos, para os alunos com NEE atinjam o máximo do seu potencial através de um processo adequado às suas necessidades. (FRAGOSO; CASAL, p. 532) A integração promove a separação por categorias, de um lado as “crianças com necessidades especiais”; e, do outro, “as crianças sem necessidades especiais" (BEYER, 2006). Essa ideia de categorização segrega e, a partir deste conceito, as pessoas são atendidas em escolas especiais. A exclusão não se preocupa com o sujeito e não dispensa nenhuma atenção aos grupos minoritários. O referido conceito está ligado aos estigmas presentes na sociedade e, por consequência, na representação social. Mantoan (2003, p. 13) coloca que “a exclusão escolar manifesta-se das mais diversas e perversas maneiras e, quase sempre, o que está em jogo é a ignorância do aluno diante dos padrões de cientifi cidade do saber escolar”. Numa visão inclusiva, o processo ensino-aprendizagem passa a ser percebido com um olhar para todos, dentro de suas especifi cidades, sem deixar de lado a equidade. Porém, esse olhar acontece muito mais na teoria do que na prática. De acordo com Fragoso e Casal (2012, p. 53), “uma sociedade inclusiva perspectiva ideias de igualdade social e promove condições de acessibilidade a todas as pessoas nos vários espaços sociais”. Além da teoria, que estabelece e defende os espaços para todos de forma igualitária, existe a legislação, que prioriza essa equidade. Desde o processo da Declaração de Salamanca (1994), que trata dos princípios das políticas e práticas na área das necessidades educativas especiais, caminhos vêm sendo percorridos por meio da LDB (9.394/96), do ECA (8.069/90), da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (948/2007), do PNE (13.005/14), do Estatuto da Pessoa com Defi ciência (13.146/15) e de tantas outras leis, decretos, portarias e resoluções, destinados à inclusão. A escola vem buscando ajustes, a fi m de se adequar à legislação, na perspectiva inclusiva, e, diversos estudos e discussões estão sendo realizados ao longo dos anos. Sabe-se, todavia, que O sucesso da aprendizagem está em explorar talentos, atualizar possibilidades, desenvolver predisposições naturais de cada aluno. As difi culdades e limitações são reconhecidas, mas não conduzem nem restringem o processo de ensino, como comumente se deixa que aconteça (MANTOAN, 2003, p. 38). Sendo assim, a importância do entendimento da visão inclusiva não está somente no respeito à diferença, mas na concepção de diversidade, elevando os processos educacionais, na formação de profi ssionais e na mudança de paradigmas e nas práticas pedagógicas. CONSIDERAÇÕES FINAIS 28 Saberes em Foco Revista da SMED NH v.5 n.1 out. 2022 Cármina Geanini Nunes Monteiro de Souza e Rosemari Lorenz Martins A partir do estudo realizado, é evidente que as concepções epistemológicas do professor implicam em sua prática pedagógica. Também pode-se concluir que, para alcançar uma educação de qualidade, faz-se conveniente que os professores tenham uma concepção interacionista, para assim desenvolver uma uma pedagogia relacional. A pedagogia relacional também parece ser a mais indicada quando se pensa na educação inclusiva, justamente por trazer, em seu formato, um olhar para o outro e a interação da troca, da relação e do protagonismo. Fato é que o efetivo trabalho da sala de aula deve ir para além da transmissão de conteúdos determinada pela concepção empirista. Deve-se buscar a interação e uma prática pedagógica relacional para a construção do conhecimento, as quais encaminham para uma educação mais equitativa. Partindo dos conceitos estudados, percebe-se ser necessário que haja espaços de formação para os professores, a fi m de trabalhar tais conceitos, relacionando-os ao seu dia a dia, para que faça sentido diante de suas práticas pedagógicas o conhecimento teórico. A refl exão, a partir de vivências e de estudo da teoria, associados à prática docente, promovem o crescimento acadêmico e a possibilidade de uma práxis mais efi caz do professor. Conhecer a concepção epistemológica, que permeia a prática pedagógica, fortalece a visão e o trabalho do professor, afetando os alunos signifi cativamente, promovendo o ensino-aprendizagem para todos e olhando a inclusão por uma ótica sem preconceitos. Essa perspectiva, certamente quebra paradigmas e constrói possibilidades frente ao trabalho inclusivo e frente à ideia de uma educação para todos. REFERÊNCIAS BECKER, Fernando. A Epistemologia do Professor: o cotidiano da escola. 13 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. ______. Modelos pedagógicos e modelos epistemológicos. Educação e Realidade. Porto Alegre: UFRGS, Faculdade de Educação, v. 19, n. 1, p. 89-96, Jan./Jun. 1994. BEYER, Hugo Otto. Da integração escolar à educação inclusiva: implicações pedagógicas. In. BAPTISTA, C. R. 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