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Conteúdo do livro Existem dois tipos de jurisdição: a contenciosa e a voluntária. Enquanto na jurisdição voluntária não há conflito, mas é necessária a participação do juiz para a validação do negócio jurídico dos interessados; na jurisdição contenciosa há conflito, há natureza jurisdicional e o conflito é decidido por um terceiro imparcial, no caso, o juiz. No capítulo Procedimentos de jurisdição voluntária, da obra Direito Processual Civil IV, você irá aprender as principais características da jurisdição voluntária e saberá identificar as hipóteses de cabimento do procedimento, bem como sistematizar esse recurso. Boa leitura. DIREITO PROCESSUAL CIVIL IV Michelle Fernanda Martins Procedimentos de jurisdição voluntária Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Caracterizar a jurisdição voluntária. � Identificar as hipóteses de cabimento do procedimento de jurisdição voluntária. � Sistematizar o procedimento de jurisdição voluntária. Introdução Se o Estado estiver organizado — o que inclui a ordem jurídica —, será vedada a autotutela, que consiste na defesa ou realização própria dos interesses sob a proteção do direito objetivo. Nessa situação, os cidadãos têm o dever/poder de acionar o Estado para que ele preste a função jurisdicional, resolvendo os conflitos presentes na sociedade de acordo com as normas jurídicas que a regem. A jurisdição é a atividade pela qual os juízes estatais analisam as pre- tensões e resolvem os conflitos. Portanto, é o serviço público que o Estado presta para solucionar os conflitos. A jurisdição abarca diversos tipos de procedimento, que vão desde a organização dos atos processuais até a prolação da sentença. O procedimento traz as regras, como os prazos e os meios, para que o processo seja conduzido do início ao fim. Existe o procedimento comum e os procedimentos especiais, que apresentam algumas especificidades em razão das suas peculiaridades. Os procedimentos especiais subdividem-se em jurisdição voluntária e jurisdição contenciosa. A jurisdição contenciosa é aquela que apresenta conflitos, tendo natureza jurisdicional, de modo que o juiz decide o desfecho. Já a jurisdição voluntária tem natureza administrativa, isto é, não existe conflito, mas a participação do juiz é necessária para o negócio jurídico. Neste capítulo, você vai estudar a jurisdição voluntária. 1 Características da jurisdição voluntária A jurisdição divide-se em jurisdição voluntária e jurisdição contenciosa. Alguns atos jurídicos precisam da participação do Poder Judiciário para que possam produzir efeitos. A simples vontade dos participantes do ato não basta para produzir as consequências desejadas. Assim, quando a lei exige a participação do Estado-juiz na prática de alguns atos jurídicos, ocorre a jurisdição voluntária. Essa é, na verdade, uma atividade de fiscalização e integração. O juiz fiscaliza a prática dos atos jurídicos e verifica se eles foram realizados com regularidade, se os pressupostos foram observados e se os requisitos foram cumpridos. Para compreender melhor o conceito de jurisdição voluntária, atente à seguinte definição: Chama-se jurisdição voluntária à atividade de natureza jurisdicional exercida em processos cujo objeto seja uma pretensão à integração de um negócio jurídico. Explique-se: há negócios jurídicos cujas validade e eficácia depen- dem de um ato judicial que os complemente, aperfeiçoando-os. É o que se dá, por exemplo, no caso de um divórcio consensual de um casal que tenha filhos incapazes. Neste caso (diferentemente do que se dá quando o casal não tem filhos incapazes, hipótese em que o negócio jurídico por eles celebrado, observados os requisitos formais estabelecidos em lei, é válido e eficaz inde- pendentemente de participação do Estado-Juiz) o negócio jurídico só é válido e eficaz se aprovado judicialmente. É preciso, então, que em casos assim se instaure um processo em que se veiculará pedido de integração (isto é, de com- plementação) do negócio jurídico. A atividade jurisdicional desenvolvida em casos assim é conhecida como jurisdição voluntária (CÂMARA, 2017, p. 41). O juiz verificará o preenchimento das condições legais do ato. Se estiver tudo correto, tornará o ato perfeito, de modo que ele estará apto para produzir os efeitos jurídicos desejados. A jurisdição voluntária também é chamada de “jurisdição integrativa”. Há quem diga que a jurisdição voluntária é uma jurisdição necessária, pois as partes precisam necessariamente submeter o ato ao juiz, sob pena de o ato não produzir efeitos. Portanto, o crivo do Poder Judiciário é obrigatório, e não opcional. Um exemplo disso é que não é possível promover a interdição de alguém se não for por meio do Poder Judiciário. Na jurisdição voluntária, não há conflito, de modo que as nomenclaturas utilizadas são diferenciadas. Veja: Procedimentos de jurisdição voluntária2 Aquela característica é decisiva para que a doutrina em geral não se refira, ao tratar da jurisdição voluntária, a partes, mas a interessados; que não empregue a palavra lide no sentido de conflito ou de mérito, dando-se preferência a pala- vra diversa, controvérsia; que acentue a atuação mais marcante do princípio inquisitório, a legitimar a atuação oficiosa do magistrado, em detrimento do princípio dispositivo; que destaque que, na jurisdição voluntária, a atuação do direito relaciona-se muito mais à constituição de situações jurídicas novas, e não à solução de conflitos; que há consonância de interesses na consecução do negócio jurídico de uma mesma forma, com a obtenção de um mesmo resultado; que não há coisa julgada, isto é, o que vier a ser estabelecido pelo Estado-juiz não assume foros de imutabilidade, e assim por diante (BUENO, 2018, p. 828–829). Verifica-se, portanto, que se utiliza palavras como “interessado”, e não “partes”, “controvérsia”, e não “lide”. Isso ocorre pois não há conflito, e sim uma situação conflituosa. Em síntese, a jurisdição voluntária é uma atividade administrativa que tem como causa um negócio, ato ou providência jurídica. Não existem partes, mas apenas interessados na tutela de um mesmo interesse. Existem algumas peculiaridades na jurisdição voluntária, como o fato de alguns procedimentos poderem ser instaurados de ofício, como é o caso da abertura e do cumprimento de testamento e da arrecadação de herança jacente. Portanto, é importante que você conheça as características da jurisdição voluntária, apresentadas a seguir. a) A jurisdição voluntária é uma atividade do juiz que consiste na inte- gração da vontade de determinados sujeitos. Isso significa que, pela jurisdição, o juiz torna a vontade desses sujeitos apta a produzir determi- nados efeitos. Os efeitos jurídicos só podem ser obtidos após a atuação do Estado-juiz, que fiscaliza os efeitos legais. Por isso, se diz que não há voluntariedade, e sim obrigatoriedade, pois os efeitos do ato estão condicionados à intervenção do juiz, em função da sua imparcialidade e do seu compromisso com a justiça. Logo, se diz que a jurisdição voluntária é uma atividade de fiscalização; para integrar a vontade, o juiz tem de fiscalizar se o ato está sendo praticado regularmente. b) O juiz pode tomar decisões contra a vontade dos interessados e ter iniciativa de processo, conforme os arts. 738, 744 e 746 do Código de Processo Civil (CPC). Ele também pode basear a sua decisão na equidade, ou seja, não aplicar a legalidade estrita, mas usar da discri- cionariedade, de acordo com a conveniência e a oportunidade. Nesse 3Procedimentos de jurisdição voluntária sentido, veja o que afirma o art. 723, parágrafo único, do CPC: “O juiz não é obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que considerar mais conveniente ou oportuna” (BRASIL, 2015). c) Há regras comuns (arts. 719 a 729 do CPC) e regras especiais (art. 730 e seguintes). As disposições comuns são aplicáveisse não contra- riam as regras especiais. d) Em regra, nas situações de jurisdição voluntária, é necessário se dirigir ao Judiciário. A necessidade é um atributo bastante generalizado da jurisdição voluntária. Porém, existem casos de jurisdição voluntária que são opcionais, embora isso seja raro. Um exemplo é o divórcio consensual sem filhos. É possível ir ao Poder Judiciário, mas também ir ao cartório, de modo que tal divórcio pode ser feito extrajudicialmente. e) A jurisdição voluntária é um tipo de processo que costuma ser organi- zado de maneira inquisitiva, ou seja, é um processo estruturado com caráter inquisitorial. Uma marca da inquisitoriedade diz respeito à possibilidade de vários procedimentos de jurisdição voluntária serem instaurados de ofício pelo juiz. f) A jurisdição voluntária é essencialmente constitutiva. Pela jurisdição voluntária, objetiva-se a produção de situações jurídicas novas, ou a criação, extinção ou modificação de situações jurídicas. g) Na jurisdição voluntária, há contraditório. h) Não há coisa julgada material na jurisdição voluntária. A coisa jul- gada formal é a imutabilidade da sentença na mesma relação processual, enquanto a coisa julgada material é o efeito produzido pela sentença definitiva sobre o mérito da causa, o que faz com que o conteúdo declaratório seja imutável e vinculativo para as partes e para os órgãos jurisdicionados. Nesse sentido, considere o seguinte: Qualquer sentença que encerre a relação processual, decidindo pela procedên- cia ou improcedência do pedido, produz coisa julgada formal, seja o proce- dimento de jurisdição contenciosa ou jurisdição voluntária, seja de processo de conhecimento, seja de processo cautelar. Já a coisa julgada material exige outros pressupostos. Assim, não farão coisa julgada as sentenças proferidas nos procedimentos de jurisdição voluntária e nem as proferidas no processo cautelar. Igualmente as decisões que encerram o processo executivo no Livro II do Código de Processo Civil — ainda que se tornem também imodificáveis na mesma relação processual, onde teve lugar o pronunciamento judicial, não constituem coisa julgada material (SILVA; GOMES, 2006, p. 322–323). Procedimentos de jurisdição voluntária4 Contudo, isso não significa que o juiz possa alterar livremente a sentença, até porque muitas situações são mutáveis, como o caso da interdição. A mu- dança não depende do arbítrio do juiz, mas da modificação da situação fática ou circunstancial. Existe ainda uma discussão sobre a natureza jurídica da jurisdição vo- luntária. Há quem defenda que a jurisdição voluntária não é jurisdição; ela seria a administração de interesses privados, sendo o juiz o administrador. Há, entretanto, outra corrente que defende que a jurisdição voluntária é jurisdi- ção. No Quadro 1, a seguir, veja como cada uma dessas correntes compreende a jurisdição voluntária. Natureza jurídica Administração pública de interesse público Jurisdicional Lide Não há lide. Não é correta a informação de que não há lide sem jurisdição. Em jurisdição voluntária, um processo pode ser instaurado sem lide. Basta pensar na interdição de alguém que está em coma. Considere também este exemplo: um sujeito está vivendo a vida e o seu filho promove a sua interdição. Naturalmente, o sujeito irá contestar, dizendo que pode administrar a sua vida. Assim, a jurisdição voluntária é uma lide potencial. Ação Não há ação. Não se pode falar em ação de jurisdição voluntária. Fala-se em requerimento de jurisdição voluntária. Há ação. Processo Não há processo. Não se pode falar em processo, pois não há ação e jurisdição. Está em jogo um procedimento. Há processo. Se existe contraditório em jurisdição voluntária, é praticamente inconcebível dizer que não há processo. Quadro 1. Natureza jurídica da jurisdição voluntária (Continua) 5Procedimentos de jurisdição voluntária Natureza jurídica Administração pública de interesse público Jurisdicional Partes Não há partes; só há interessados. Há partes. Coisa julgada Não há coisa julgada. Se não há jurisdição, não pode haver coisa julgada. Só se pode falar em preclusão. Há coisa julgada. Quadro 1. Natureza jurídica da jurisdição voluntária 2 Hipóteses de cabimento do procedimento de jurisdição voluntária Hipóteses do art. 725 do CPC O art. 725 do CPC elenca os procedimentos aos quais se aplicam as regras gerais da jurisdição voluntária (BRASIL, 2015, documento on-line): Art. 725. Processar-se-á na forma estabelecida nesta Seção o pedido de: I — emancipação; II — sub-rogação; III — alienação, arrendamento ou oneração de bens de crianças ou adoles- centes, de órfãos e de interditos; IV — alienação, locação e administração da coisa comum; V — alienação de quinhão em coisa comum; VI — extinção de usufruto, quando não decorrer da morte do usufrutuário, do termo da sua duração ou da consolidação, e de fideicomisso, quando decorrer de renúncia ou quando ocorrer antes do evento que caracterizar a condição resolutória; VII — expedição de alvará judicial; VIII — homologação de autocomposição extrajudicial, de qualquer natureza ou valor. A partir de agora, você vai conhecer brevemente cada um desses procedimentos. (Continuação) Procedimentos de jurisdição voluntária6 Emancipação A emancipação é uma das formas de cessar a incapacidade civil em função da menoridade. Existem três formas: a voluntária, a judicial e a legal. Sobre os tipos de emancipação, considere o seguinte: Quando a incapacidade cessa por expressa determinação legal, diz-se que se trata de emancipação legal. A emancipação voluntária dá-se por concessão de ambos os pais, ou por sentença do juiz. Há uma terceira acepção jurídica do termo emancipação, [...] que trata da emancipação do jovem no sentido de lhe ser assegurada inclusão, liberdade e participação em sociedade (NERY JUNIOR; NERY, 2014, p. 552). A emancipação voluntária é promovida pelos filhos que já tenham comple- tado 16 anos e é feita por escritura pública. A emancipação judicial, segundo o Código Civil, é aquela concedida pelo juiz, por sentença, em procedimento de jurisdição voluntária, ouvido o tutor, desde que o menor tenha pelo menos 16 anos completos. Já a emancipação legal é aquela feita por força de lei, desde que o incapaz pratique um dos atos enumerados pelo Código Civil como hábeis a emancipá-lo: o casamento ou a colação de grau em estabelecimento. Sub-rogação Aqui, se trata da chamada sub-rogação de vínculo ou de ônus, como no caso da cláusula de inalienabilidade, quando a venda do bem é autorizada excepcionalmente. Alienação, arrendamento ou oneração de bens de crianças e adolescentes, de órfãos e de interditos Os bens de crianças, adolescentes, órfãos e incapazes só podem ser alienados com autorização judicial, a qual é obtida em procedimento de jurisdição voluntária. O procedimento é regulamentado pelos arts. 1.691, caput, 1.750 e 1.774 do Código Civil. Alienação, locação e administração da coisa comum Esses procedimentos são relativos a situações em que existe condomínio. Qualquer um dos condôminos pode pedir a extinção do condomínio. Se a coisa for divisível, é feita a divisão da coisa comum. Se for indivisível, faz-se 7Procedimentos de jurisdição voluntária a alienação judicial da coisa e depois a partilha do produto no procedimento da jurisdição voluntária. A ação de divisão e alienação judicial da coisa só será necessária se não houver acordo entre os condôminos. Alienação judicial de quinhão em coisa comum Em coisa indivisível, o condômino não pode vender o seu quinhão sem dar direito de preferência, de modo que os coproprietários devem ser citados para exercitar o direito de preferência. Extinção de usufruto e de fideicomisso Os arts. 1.410 e 1.411 do Código Civil regulamentam a extinção do usufruto (BRASIL, 2002, documento on-line): Art. 1.410. O usufruto extingue-se, cancelando-se o registro no Cartório de Registro de Imóveis: I — pela renúnciaou morte do usufrutuário; II — pelo termo de sua duração; III — pela extinção da pessoa jurídica, em favor de quem o usufruto foi constituído, ou, se ela perdurar, pelo decurso de trinta anos da data em que se começou a exercer; IV — pela cessação do motivo de que se origina; V — pela destruição da coisa, guardadas as disposições dos arts. 1.407, 1.408, 2ª parte, e 1.409; VI — pela consolidação; VII — por culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora, ou deixa arruinar os bens, não lhes acudindo com os reparos de conservação, ou quando, no usufruto de títulos de crédito, não dá às importâncias recebidas a aplicação prevista no parágrafo único do art. 1.395; VIII — Pelo não uso, ou não fruição, da coisa em que o usufruto recai (arts. 1.390 e 1.399). Art. 1.411. Constituído o usufruto em favor de duas ou mais pessoas, extinguir- -se-á a parte em relação a cada uma das que falecerem, salvo se, por estipulação expressa, o quinhão desses couber ao sobrevivente. Já o art. 1.958 regulamenta a situação do fideicomisso (BRASIL, 2002, documento on-line): Art. 1.958. Caduca o fideicomisso se o fideicomissário morrer antes do fidu- ciário, ou antes de realizar-se a condição resolutória do direito deste último; nesse caso, a propriedade consolida-se no fiduciário, nos termos do art. 1.955. Procedimentos de jurisdição voluntária8 Expedição de alvará judicial Há atos jurídicos que estão condicionados à concessão de autorização judicial, que é dada por meio de alvará, uma forma de fiscalização judicial da prática de determinados atos. Por exemplo, os valores referentes à Lei nº. 6.858, de 24 de outubro de 1980, não podem ser inventariados, a não ser que se tenha alvará judicial, que será processado como procedimento de jurisdição voluntária. Homologação de autocomposição extrajudicial, de qualquer natureza ou valor Já havia a previsão de homologação de qualquer acordo extrajudicial no art. 57 da Lei dos Juizados Especiais Cíveis (Lei nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995), independentemente de natureza ou valor, em juízo. A ideia é que a homologação passe a valer como título executivo judicial, conforme o art. 515, III, do CPC. Outras hipóteses de jurisdição voluntária Existem ainda outros procedimentos de jurisdição voluntária além daqueles previstos no art. 725 do CPC. A seguir, veja alguns deles (BUENO, 2018). a) Notificação e interpelação: a notificação serve para dar ciência a pessoas que integrem a mesma relação jurídica de um assunto jurídico relevante. Se a ideia é dar conhecimento ao público geral, é publicado um edital. Já a interpelação serve para “dar ciência ao requerido para que ele faça ou deixe de fazer o que o requerente entenda ser de seu direito (art. 727)” (BUENO, 2018, p. 32). b) Alienação judicial: a alienação judicial serve para alienar bens, res- peitando o contraditório, sempre que os interessados não concordarem a respeito de como a venda deve ser feita. É possível, inclusive, que ela seja determinada de ofício. c) Divórcio e separação consensuais, extinção consensual de união estável e alteração do regime de bens do matrimônio: também podem ser procedimentos de jurisdição voluntária o divórcio e a separação consensuais, a extinção consensual de união estável e a alteração do regime de bens do matrimônio. Conforme o art. 731 do CPC, devem constar na petição inicial, assinada por ambos os cônjuges (BRASIL, 2015, documento on-line): 9Procedimentos de jurisdição voluntária I — as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns; II — as disposições relativas à pensão alimentícia entre os cônjuges; III — o acordo relativo à guarda dos filhos incapazes e ao regime de visitas; IV — o valor da contribuição para criar e educar os filhos. d) Testamentos e codicilos: o procedimento de jurisdição voluntária regulamenta como o testamento (ato jurídico por meio do qual alguém, no todo ou em parte, determina a sua vontade a respeito do destino do seu patrimônio) e o codicilo (documento que estabelece vontades da pessoa que devem ser realizadas após o seu falecimento, como provi- dências relativas ao seu enterro) serão feitos e confirmados perante a autoridade judicial. e) Herança jacente: o objetivo da herança jacente é regulamentar a ar- recadação dos bens do falecido que não deixa herdeiros, bem como colocar esses bens sob a guarda de um curador. f) Bens do ausente: a finalidade é a mesma da herança jacente, isto é, regulamentar a arrecadação dos bens de pessoa considerada ausente, bem como colocá-los sob a guarda de um curador. g) Coisas vagas: esse procedimento serve para efetuar a apuração de quem é dono ou legítimo possuidor de coisas achadas. h) Interdição: esse procedimento tem como objetivo reconhecer as causas que motivam a interdição, bem como nomear um curador. i) Disposições comuns à tutela e à curatela: esses procedimentos de jurisdição voluntária servem para nomear, remover ou substituir tutor ou curador, bem como para definir regras básicas para esses assuntos. j) Organização e fiscalização das fundações: esse é um procedimento especial que tem a finalidade de permitir ao Ministério Público fiscalizar a formação e a atuação das fundações. k) Ratificação dos protestos marítimos e dos processos testemunháveis formados a bordo: a finalidade desse procedimento é dar publicidade ao diário de navegação, conforme os arts. 501 a 504 do Código Comercial. A seguir, veja o que afirma o art. 766 do CPC. Como você vai notar, trata-se de dar publicidade aos protestos e processos testemunháveis realizados a bordo (BRASIL, 2015, documento on-line): Art. 766. Todos os protestos e os processos testemunháveis formados a bordo e lançados no livro Diário da Navegação deverão ser apresentados pelo coman- dante ao juiz de direito do primeiro porto, nas primeiras 24 (vinte e quatro) horas de chegada da embarcação, para sua ratificação judicial. Procedimentos de jurisdição voluntária10 Existem outros procedimentos comuns da jurisdição voluntária que não foram enu- merados, como o suprimento de outorga uxória (art. 74 do CPC) e o consentimento para o casamento (art. 1.519 do Código Civil). 3 Procedimento da jurisdição voluntária Quando o CPC não estabelecer nenhum tipo de procedimento especial, serão aplicáveis os regramentos relativos à jurisdição voluntária, conforme o art. 719 desse documento. Em todos os procedimentos de jurisdição voluntária, o Ministério Público deve ser intimado pessoalmente, conforme o art. 721 do CPC (BRASIL, 2015). O procedimento, em regra, se inicia pela provocação do interessado, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, que direcionam o pedido ao juiz, instruindo-o com a documentação necessária e com a indicação da providência judicial que se deseja. Existem alguns casos que são iniciados de ofício pelo juiz, como os apresentados pelos arts. 730, 738, 744 e 746 do CPC (BRASIL, 2015). Para determinar a competência da jurisdição voluntária, segue-se a disciplina de competência do CPC, nada impedindo que a Justiça Federal analise pedido relativo à jurisdição voluntária (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2017). Todos os interessados são citados, inclusive o Ministério Público. Os interessados são aqueles cuja presença é necessária para integrar o negó- cio jurídico privado. A citação é para que se manifestem dentro do prazo de 15 dias (BRASIL, 2015). Veja: O interesse que outorga legitimidade para participação no processo é aquele denotado em função da imediata afetação da esfera jurídica de alguém pela decisão judicial em jurisdição voluntária. Se o requerente é o único interes- sado na medida postulada em jurisdição voluntária, então obviamente não é necessária a citação de mais ninguém. O mesmo se diga se todos os demais interessados renunciaram extrajudicialmente ao direito postulado (MARI- NONI; ARENHART; MITIDIERO, 2017, p. 816). 11Procedimentos de jurisdição voluntária A citação não é para que os interessados apresentem convenção ou recon- venção,pois “essas espécies de resposta são inadmissíveis nos processos de jurisdição voluntária”, sendo a resposta “uma simples manifestação a respeito da causa de pedir e do pedido formulado pelo requerente com o intuito coo- perativo” (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2017, p. 816). A intervenção do Ministério Público só ocorrerá nas hipóteses previstas no art. 178 do CPC: quando houver interesse público ou social, interesse de incapaz ou litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana. Se a Fazenda Pública tiver interesse, ela será ouvida. São exemplos de procedimentos que interessam à Fazenda Pública a herança jacente e os bens do ausente (BRASIL, 2015). Outra questão importante é que não há nulidade se a finalidade legal ou se os fins de justiça do processo são alcançados (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2017). Ademais, conforme o art. 88 do CPC, “Nos procedimen- tos de jurisdição voluntária, as despesas serão adiantadas pelo requerente e rateadas entre os interessados” (BRASIL, 2015). O juiz deve decidir dentro do prazo de 10 dias, conforme o art. 723 do CPC. Outro detalhe importante, como você já viu, é aquele previsto no pará- grafo único do mesmo artigo: “O juiz não é obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que considerar mais conveniente ou oportuna” (BRASIL, 2015). Isso significa que o magistrado não está adstrito à legalidade. Veja: Após as manifestações cabíveis e produzidas as provas pertinentes, o magis- trado proferirá sentença, reservando, o caput do art. 723, dez dias para tanto. É nesse contexto que o parágrafo único do dispositivo afasta o magistrado do “critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que considerar mais conveniente ou oportuna”. A terminologia quer aproximar a manifestação jurisdicional de verdadeiro “ato discricionário”, o que, com o devido respeito, não tem razão de ser, em um Estado Constitucional, nem sequer para a função administrativa. O que ocorre é que os padrões da cha- mada “legalidade estrita” estão inequivocamente superados no atual estágio do constitucionalismo, coisa bem diferente, como exponho a propósito do art. 8º no n. 2.8 do Capítulo 2 (BUENO, 2018, p. 831–832). Procedimentos de jurisdição voluntária12 O art. 8º do CPC determina o seguinte (BRASIL, 2015, documento on-line): Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência. Isso significa que o magistrado deve considerar algumas regras na in- terpretação da lei. São elas: os fins sociais, as exigências do bem comum, a dignidade da pessoa humana, a proporcionalidade, a razoabilidade, a lega- lidade, a publicidade e a eficiência. Bueno (2018) destaca ainda o art. 489, § 2º, do CPC: “No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afas- tada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão” (BRASIL, 2015). Ao interpretar os arts. 8º e 489, § 2º, do CPC, o doutrinador afirma o seguinte: O dispositivo revela, com transparência, o que é tão claro (e comum) nas escolas hermenêuticas da atualidade, e que é incentivado pelo próprio art. 8º: o interpretar o texto normativo é, antes de tudo, um ato de vontade e um ato criativo. É mister, por isso mesmo, que o magistrado indique as razões pelas quais chegou a uma e não a outra conclusão, revelando por que a partir do texto normativo alcançou a norma concretamente aplicada. Assim, o ma- gistrado deverá, invariavelmente, justificar a sua interpretação na aplicação do direito. Interpretação esta que, longe os tempos em que o “juiz era boca da lei”, deverá levar em consideração os valores dispersos pelo ordenamento jurídico (que não necessariamente coincidirão com os pessoais do magistrado) aplicáveis ao caso concreto e às suas especificidades (BUENO, 2018, p. 144). De forma resumida, portanto, quando o juiz interpreta o texto normativo, exerce um ato de vontade e uma atividade criativa. Logo, ele precisa explicitar por qual razão chegou àquela regra. Bueno (2018) destaca ainda que é preciso analisar a constitucionalidade das leis, tanto material quanto formalmente. Em síntese, a legalidade deve ser analisada junto a diversos outros fatores, como a constitucionalidade e a dignidade da pessoa humana. Também é possível que o juiz utilize a equidade para decidir. 13Procedimentos de jurisdição voluntária Sobre a equidade, considere o seguinte: A equidade concerne ao ato de decidir a respeito do direito material — em regra, não atinge o processo. A equidade só alcança a conformação do formalismo processual se observado o módulo processual mínimo represen- tado pelo contraditório e se existirem elementos nos autos que denotem a concordância de todos os interessados com a adequação processual proposta pelo órgão jurisdicional. Assim, já se decidiu, de um lado, que “o art. 1.109 do CPC abre a possibilidade de não se obrigar o juiz, nos procedimentos de jurisdição voluntária, à observância do critério de legalidade estrita, aber- tura essa, contudo, limitada ao ato de decidir, por exemplo, com base na equidade e na adoção da solução mais conveniente e oportuna à situação concreta. Isso não quer dizer que a liberdade ofertada pela lei processual se aplique à prática de atos procedimentais, máxime quando se tratar daquele que representa o direito de defesa do interditando. Recurso especial provido” (STJ, 3.ª Turma, REsp 623.047/RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 14.12.2004, Dj 07.03.2005, p. 250); e, de outro, que, “em se tratando de procedimento de jurisdição voluntária, em que não há necessidade de se observar a legalidade estrita, podendo o juiz decidir por equidade (art. 1.109 do CPC), a expedição imediata de alvará, antes do término do prazo para a interposição de recurso, não configura ofensa à lei processual” (STJ, 5.ª Turma, REsp 251.693/GO, rel. Min. Felix Fischer, j. 19.02.2002, Df 18.03.2002, p. 281) (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2017, p. 817). A equidade é a busca do justo, do bom, do equilibrado. A justiça equitativa significa que o bom é o justo e o razoável. Excepcionalmente, o ordenamento prevê o uso da equidade como forma de integração da lei, quando prevista. Toda equidade exige previsão legal. Pode haver equidade legal (critério de equidade previsto em lei) ou judicial (quando couber ao juiz determinar o critério de equidade). O recurso cabível da sentença, que é o que finaliza o processo de conhe- cimento da jurisdição voluntária, é o de apelação, com o prazo de 15 dias (BRASIL, 2015). Bueno (2018, p. 832) ressalta o seguinte: “se for o caso — e para afastar o dogma de que não há (e nem pode haver) conflito só porque de jurisdição voluntária se trata — o art. 724 prevê o cabimento do recurso de apelação da sentença”. Por fim, é importante destacar que as regras gerais sobre a jurisdição voluntária, estabelecidas entre os arts. 719 e 725 do CPC, se aplicam aos procedimentos específicos, desde que não haja incompatibilidade. Procedimentos de jurisdição voluntária14 BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília: Casa Civil da Presidência da República, 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 5 maio 2020. BRASIL. Lei nº. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília: Casa Civil da Presidência da República, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 5 maio 2020. BUENO, C. S. Manual de direito processual civil, volume único. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. 912 p. CÂMARA, A. F. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017. 569 p. MARINONI, L. G.; ARENHART, S. C.; MITIDIERO,D. Novo Código de Processo Civil comentado. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. 1341 p. NERY JUNIOR, N.; NERY, R. M. A. Código Civil comentado. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. 2512 p. SILVA, O. A. B.; GOMES, F. L. Teoria geral do processo civil. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. 351 p. Leituras recomendadas BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Casa Civil da Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 29 abr. 2020. BRASIL. Lei nº. 556, de 25 de junho de 1850. Código Comercial. Rio de Janeiro: CLB, 1850. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l0556-1850.htm. Acesso em: 5 maio 2020. BRASIL. Lei nº. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Revogada pela Lei nº. 13.105, de 2015 (Vigência). Brasília: Casa Civil da Presidência da República, 1973. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm. Acesso em: 5 maio. 2020. 15Procedimentos de jurisdição voluntária Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Procedimentos de jurisdição voluntária16