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transgridem e questionam nosso senso comum, falam dos seus jeitos e chacoalham nossas certezas. Porque as crianças estão no mundo! Vamos finalmente escutá-las?! ■ 7 Os slams são campeonatos de poesia: os participantes têm até três minutos para apresentar uma poesia de autoria própria, sem adereços ou acompanhamento musical. O texto pode ser escrito previamente, mas também pode haver improvisação. Não há regras sobre o formato da poesia. 8 Texto publicado na obra Patas arriba: las escuela del mundo al revés. Uruguai: Siglo XXI, 1999, p. 11-20. Crianças se expressam todo dia, toda hora. Seus corpos cantam e gingam. Seus olhares piscam, sorriem ou gritam. Suas mãozinhas gesticulam. Suas palavras revelam ou abafam. Seus cantos desabafam e aliviam. Emoções escondidas, ou não compreendidas… Seus brincares as libertam e as ajudam a experimentar a vida. E talvez a compreendê-la? Ou a assimilar o mundo à sua volta… Crianças expressam-se, todo dia, toda hora. Corpo, gesto e movimento O corpo de cada criança fala: os gestos expressam emoções profundas, doenças sinalizam seu estado anímico. A maior ou menor flexibilidade e habilidade dos corpos infantis são narrativas primordiais que nos contam quem cada criança é, o que está vivendo, suas alegrias e sofrimentos, sua superação ou seus esforços por transpor barreiras. Raramente nos detemos para perceber essas expressões. Muito menos as “lemos” para compreendê-las: elas dizem – e até gritam no silêncio aparente – muito sobre cada criança. Os corpos infantis estão atualmente propensos a ficar imóveis nas carteiras das salas de aula, à frente de telas, videogames e computadores, em qualquer tipo de meio de transporte, que não a pé. As crianças de hoje movimentam-se muito menos do que deveriam, carecem de espaços para os corpos se expressarem, caminham na contramão de um desenvolvimento corporal e emocional equilibrado. Em outras situações – tantas! – as medicamos e ignoramos ou não prestamos atenção ao significado dos sintomas de uma ou outra doença. Longe de dizer que não seja importante medicá-las em muitas ocasiões, mas as doenças dos corpos revelam também, tantas e tantas vezes, sintomas e mensagens de feridas e doenças psíquicas e anímicas. Chegar perto de decifrá-las é o grande desafio desta nossa existência. Nesse sentido, especialistas podem nos sinalizar possibilidades, mas cabe a nós, enquanto educadores e cuidadores, estarmos atentos às emoções, expressões e falas das crianças, e oferecer caminhos para que se expressem como formas de canalizarem suas dores, feridas, prazeres e alegrias. Isso é propiciar possibilidades de cura e saúde para elas. As falas dos corpos aparecem a toda hora: em brincadeiras, reações, produções. O tempo todo, as crianças fazem gestos, movimentos, rabiscam, falam sozinhas ou com outros, reagem expressivamente a situações, imagens, palavras… Nem precisamos provocar: elas estão sempre reverberando vozes e narrativas. Vejamos algumas modalidades de expressão. Linguagens artísticas A arte é um dos mais importantes canais de expressão dos seres humanos, nos ajudando a canalizar nosso inconsciente e nossas emoções, nosso entendimento de mundo, transpõe a compreensão ou intenção conscientes. A arte vai muito além da estética e dos materiais, suportes e ferramentas utilizadas. Seja por meio do desenho, da pintura, da modelagem ou qualquer outra forma de expressão plástica, ela é linguagem expressiva simbólica e privilegiada de que a humanidade usufrui, tanto os artistas como os observadores. A partir das contribuições, reflexões e experiências de educadores especialistas no campo das artes, consideram-se as múltiplas linguagens um aspecto essencial de comunicação e expressão, de ser e estar no mundo, sobre as quais é fundamental colocar foco. Elas fazem parte do cotidiano das crianças, e é por meio delas que conseguem ter “vez e voz”, desenvolver a criatividade e potenciais e, essencialmente, experimentar uma diversidade de possibilidades, relações, espaços e vivências. As linguagens artísticas apoiam as crianças na ampliação de seu conhecimento sobre o mundo, de sua sensibilidade e capacidade de lidar com sons, ritmos, melodias, formas, cores, imagens, gestos, falas e com obras elaboradas por artistas e por elas mesmas, que emocionam e constituem o humano. Atividades e propostas como o jogo simbólico podem ser incrementadas com narrativas de histórias, filmes, desenhos, pinturas, representações teatrais, expressões musicais, entre outras. A expressividade pressupõe, acima de tudo, muita pesquisa e experimentação, e uma grande familiaridade com materiais e processos que estão implicados em diferentes fazeres artísticos. É importante reconhecer o que as crianças já sabem, como se expressam, o que gostam de produzir, olhar, escutar; reconhecer a intenção, o propósito, o prazer que está por trás de cada gesto, de cada traço ou movimento e propor desafios que façam sentido para elas. Os interesses, a curiosidade e a sensibilidade de cada criança são tanto produto de sua natureza individual quanto construídos e mediados por elementos simbólicos, culturais e contextuais. Além do fazer das crianças e das propostas dos educadores, é importante que elas tenham contato com uma diversidade de imagens – estáticas ou em movimento; internas ou externas – que visitem exposições, museus, cinemas e outros equipamentos e eventos oferecidos em suas cidades e territórios. A seleção e a diversidade de materiais oferecidos às crianças em diferentes situações vai nortear a vontade e o impulso criativo de cada uma: a quantidade e a qualidade, o jeito de disponibilizá-los de modo que se sintam incentivadas a experimentá-los e a ajuda necessária oferecida para a execução de ideias são pontos importantes em um planejamento que considere o modo próprio de agir, pensar e sentir de cada uma. Antes de iniciar qualquer atividade artística, é desejável que o educador apresente às crianças uma gama de materiais diversos e possibilidades de sua utilização, para somente então deixá-las livres em seus próprios processos criativos. Isso não significa que os educadores não possam ou não devam acompanhar as produções individuais e auxiliá-las em suas demandas (não fazendo por elas, nem querendo impor um único caminho criativo!). É fundamental assegurar tempo para as crianças se apropriarem de suas possibilidades, habilidades e ferramentas, assim como manter uma atmosfera em que se arriscar, experimentar, mostrar o que cada uma fez sejam valores reconhecidos por todos e por elas desejados. Todos esses cuidados têm como expectativa trabalhar percursos e processos de produção e de transformação, a busca de significações, confiança e valorização das várias experiências do outro, bem como a postura do educador como mediador de processos criativos que são, essencialmente, singulares, próprios de cada criança. Não se defende um único padrão de beleza, clássico, mas sim diferentes abordagens construídas pela humanidade ao longo de sua história, abrindo assim possibilidades expressivas e sensíveis às crianças. Para elas, a arte é uma expressão cotidiana: garatujas, desenhos, pinturas, modelagens em terra, argila, massinha, farinha etc., com todos os tipos de tintas, aquarelas, guaches, tintas naturais, diferentes suportes, ferramentas, dobraduras e muito mais. A arte envolve os corpos, a motricidade, as sensações – ver, ouvir, cheirar, tocar, pensar, falar. Quando falamos das artes como linguagens expressivas sugerimos que, mais do que controlar ou criar situações artificiais para que elas ocorram, é importante deixar que as situações aconteçam naturalmente. Descobrir materiais, sejam da natureza ou não, brincar com eles, experimentar, desenhá-los, fazer garatujas, pintá-los, cada uma do seu jeito. Toda criança tem uma expressão própria, embora existam traços primitivos semelhantes em seus desenhos. O trabalho com arte favorece a improvisação, na qual se misturam emoções, atmosferas e diversas outras possibilidades. Pintar, desenhar, modelar oudar forma são atividades diferentes e todas podem ser apresentadas às crianças como oportunidades criativas e exploratórias. Quando as crianças conseguem contar o que desenharam, seus desenhos se Expressões infantis: linguagens não verbais, culturas e narrativas diversas Corpo, gesto e movimento Linguagens artísticas