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66 Elinor Goldschmied e Sonia Jackson
criança que já frequenta a creche há algum tempo e é vista como já “acostu-
mada”. De repente, ela expressa seu sentimento de perda por meio de gritos
desesperados. Mais uma vez, a analogia com a questão da perda é esclarece-
dora. Os adultos que perderam alguém que amavam muitas vezes relatam
surtos inesperados de aflição e desamparo, que ocorrem muito tempo depois
do momento em que acharam que haviam resolvido sua perda. As educadoras
precisam perceber que essa atitude da criança não significa que ela a está
rejeitando e o cuidado que ela oferece. A criança pode ter se divertido com
seu brincar até o momento em que gritou e, uma vez reconfortada, voltar a se
divertir.
Muitas vezes uma criança que tem frequentado a creche alegremente
por um determinado período fica doente e não aparece por algum tempo.
Quando volta, o cuidado e a presença de sua educadora-referência são de
grande importância para ajudá-la a se readaptar e novamente lidar com a
separação de sua mãe ou seu pai. Para compreender tal situação, precisamos
apenas lembrar como nos sentimos, mesmo em situações sociais bastante co-
muns, quando adentramos uma sala cheia de pessoas que não conhecemos.
Como ficamos felizes ao vislumbrar alguém que conhecemos, sobretudo se
essa pessoa também ficar feliz ao nos ver.
Um relacionamento mais próximo com uma criança precisa acontecer
lado a lado com os relacionamentos mais próximos com sua mãe e/ou seu pai.
As costumeiras conversas breves no começo e no fim do dia não são mais
suficientes. Fazer reuniões com os pais e a educadora, marcadas em intervalos
convenientes para todos, oferece uma oportunidade de conversar apropriada-
mente, e não necessitam estender-se por muito tempo. O aspecto crucial é o
planejamento cuidadoso e, quando o grupo específico de uma educadora tem
não mais do que quatro ou cinco crianças, as reuniões não são muito difíceis
de organizar. Como disse uma cuidadora:
Conhecer os pais dessa forma parece tirar muito da pressão envolvida no trabalho, e
ajuda a evitar que imaginemos coisas sobre a outra pessoa. Somos então pessoas mais
verdadeiras umas com as outras, e podemos ter muito mais confiança uns nos outros.
A necessidade de criar oportunidades de escuta para as crianças aplica-
se igualmente à relação da educadora com a família.
Mudança de educador-referência
O objetivo de estabelecer uma relação contínua com uma criança e sua
mãe e/ou seu pai pode às vezes ser difícil de atingir, por causa das inevitáveis
mudanças de educadoras e das épocas em que se torna necessário mudar a
criança de um grupo para outro. Temos de nos lembrar constantemente da
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diferença entre as noções de tempo da criança e do adulto. Seis meses, que
podem parecer um período curto para nós, significam um pedaço considerá-
vel da vida da criança pequena; portanto, um relacionamento especial sem-
pre tem valor – mesmo quando ele parece breve, visto sob a ótica da nossa
noção de tempo.
Depois que um vínculo próximo entre a criança e sua educadora-referên-
cia esteja formado, uma mudança nessa relação significará dor para ambas,
devendo obviamente ser evitada, se possível. Quando for inevitável, a cuidadora
que cuidava da criança precisará de apoio para reconhecer e trabalhar seus
sentimentos, e assim também com a educadora-referência, que pode sentir-se
rejeitada se a criança quiser de volta a sua cuidadora anterior, ou mesmo
chorar por ela. Pode ser de ajuda a todos fazer a mudança gradualmente, e
deixar a criança ver sua primeira cuidadora de tempos em tempos. Às vezes
uma mudança de educadora-referência ocorre porque alguém trocou de em-
prego, mas na maioria das vezes ela se deve a uma transição planejada para a
criança – transferida da sala de bebês para a de crianças de 1 a 3 anos, ou
desta última para o grupo de pré-escolares. Nas creches que operam com um
sistema de livre circulação, onde as crianças que já caminham ou engatinham
podem visitar outras salas por sua própria iniciativa, a separação torna-se
muito menos dolorosa. Em geral, a criança irá querer ver sua cuidadora mui-
tas vezes, ao menos por um período, mas depois de um certo tempo ela se
vinculará à nova educadora, que se encarrega de seu cuidado. Não devemos
esquecer que os pais também podem precisar de ajuda para efetuar essa tran-
sição. Há muito que dizer acerca da prática italiana, na qual duas professoras
(insegnatori) acompanham as crianças como um grupo ao longo dos seus três
primeiros anos. No Reino Unido, a organização e o grupo de funcionárias
raramente são estáveis o suficiente para que tal arranjo seja factível, o que
torna a adoção do sistema de educador-referência ainda mais pertinente.
À medida que o sistema de educador-referência se desenvolve na creche,
o interesse e o alcance do trabalho irão aumentar. Reconhecer o conhecimen-
to íntimo que a cuidadora tem das crianças a seus cuidados requer que ela, e
não somente a diretora da creche, irá entrar em contato com os vários espe-
cialistas que podem vir a visitar o local por meio do seu trabalho. Assim, a
fonoaudióloga, a visitadora de saúde, a assistente social ou o médico comuni-
tário podem chegar a perceber que suas relações com a creche tornam-se mais
fáceis e eficazes.
Afora quaisquer observações especiais que a educadora-referência faça
em colaboração com esses especialistas de fora, ela tomará para si a responsa-
bilidade de avaliar, monitorar e fazer relatos em relação às crianças de seu
pequeno grupo. Ela servirá ainda como a principal mediadora entre a creche e
a casa da criança. Isso é obviamente de particular importância nos casos em
que a criança é portadora de necessidades ou dificuldades especiais, ou quan-
do houver possibilidade de estar ocorrendo abuso ou negligência. A educado-
ra-referência será a pessoa que irá falar de uma criança que é objeto de inves-
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tigação de uma comissão de assistentes sociais para avaliar um caso judicial, e
poderá mesmo ter de depor em juízo. Tais ocasiões elicitam ansiedade mesmo
em educadoras mais experientes, mas pode ser de ajuda para a educadora
lembrar-se tranquilamente de que, de todas as pessoas presentes (com exce-
ção dos pais), ela é a que mais sabe sobre aquela criança com a qual passou
tantas horas do dia.
ALGUNS EFEITOS DECORRENTES DA INTRODUÇÃO
DE UM SISTEMA DE EDUCADOR-REFERÊNCIA
Até o presente momento, ainda não foram efetuadas pesquisas sistemáti-
cas que comparem o sistema de educador-referência com os arranjos mais
comuns, e que estudem as formas pelas quais os resultados de tal sistema
afetam as crianças. Entretanto, temos a impressão de que as cuidadoras acham
seu trabalho muito mais satisfatório em creches onde se opera um sistema de
educador-referência genuíno. Essa foi a experiência da diretora de uma cre-
che no norte de Londres, que nos escreveu o seguinte:
Desde que implantamos o sistema de educador-referência aqui, foram desenvolvidas
relações mais próximas entre as educadoras e os pais, especialmente na sala para bebês.
As crianças parecem se ajustar mais facilmente à vida na creche. Algumas delas, que já
estavam na creche há algum tempo e não estavam contentes, ajustaram-se de imediato
quando perceberam que um adulto era a sua pessoa especial. Barry, que era choroso e
retraído, tornou-se uma criança sorridente, extrovertida e confiante, quase que do dia
para a noite, quando lhe foi indicada sua educadora-referência. Nos primeiros dias, ele
sentou-se no colo dela, para depois se levantar e brincar alegremente com as outras
crianças, sabendo que ela permanecia em algum ponto da sala.
As funcionárias parecem ter uma proximidade especial com as “suas” crianças, e isso
aumentou sua compreensão e sua satisfação com o trabalho. Há ocasiões em que alguma
funcionária fica doente ou sai de férias e suas crianças sentem sua falta. Por outro lado,
há ocasiões em que as funcionárias vêm trabalhar mesmo quando não estão se sentindo
muito bem, pois se preocupam com “suas”crianças.
Os pais preferem ter uma pessoa para conversar, em vez de 15, e parecem mais capa-
zes de falar abertamente quando sabem que aquela pessoa tem um cuidado especial para
com seu filho ou sua filha. As reuniões da educadora-referência, um período reservado
para que a mãe ou o pai converse reservadamente com a pessoa especial de seu filho ou
sua filha, funcionaram muito bem no sentido de estabelecer uma parceria entre os pais e
as educadoras no interesse de suas crianças.
Peter Elfer e Doroti Selleck realizaram observações bastante detalhadas
do funcionamento do sistema de educador-referência em uma gama de cre-
ches. Eles relataram, como sugerimos, que foi essencial para as educadoras
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que trabalham com a primeira infância estarem envolvidas completamente na
decisão de introduzir o sistema e compreenderem as razões por trás de tal
decisão, em todos os níveis. Caso contrário, o sistema podia vir a funcionar de
uma forma artificial, que tinha pouco sentido para as crianças e não resultava
em uma aproximação das relações entre a criança e a educadora-referência
que havia sido indicada para ela (Elfer, 1996; Elfer et al., 2001).
RESUMO
Este capítulo discute a importância das relações pessoais íntimas para o
desenvolvimento e a felicidade das crianças e sugere uma forma de organiza-
ção que permite que os vínculos calorosos se desenvolvam em um centro de
cuidado de grupo, levando plenamente em consideração o impacto nos pais e
nas cuidadoras que trabalham com a primeira infância. Reconhece-se a exis-
tência de problemas, mas eles podem ser solucionados se houver concordân-
cia a respeito do princípio.
Uma vez que o sistema tenha sido implantado, a educadora-referência
recebe muitas funções importantes, como organizar a adaptação da criança à
creche, facilitar a separação, estimular o desenvolvimento linguístico e
cognitivo, as visitas às casas, relacionar-se com os pais, avaliar e manter regis-
tros e servir de conexão com especialistas e instituições exteriores à creche. O
trabalho exige muito mais da cuidadora, mas também oferece muito mais
oportunidades para o aprender e se torna mais interessante tanto para o be-
nefício das crianças e seus pais quanto das próprias educadoras.
Esta página foi deixada em branco intencionalmente.

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