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O historiador Capistrano de Abreu, um dos pioneiros no estudo dos sertões coloniais, destacou os “sertões de dentro e de fora” no atual Nordeste, usando termos do século XVII. Da Bahia para o interior eram os sertões de dentro, passando pelo rio São Francisco, rumo às florestas do Ceará e do Maranhão, ao passo que Pernambuco era o ponto de partida para os sertões de fora, ultrapassando o planalto da Borborema no sentido das matas cearenses. A nomenclatura em foco exprimia mais um caminho, uma rota de exploração, do que propriamente uma região. Os sertões de fora, segundo Capistrano de Abreu, ocupavam um trecho entre o interior a oeste do rio Capibaribe e do rio Paraíba, ultrapassava a Borborema e terminava nas matas ribeirinhas do Acaraú e do Jaguaribe, no atual Ceará. No século XVI, a identificação dos sertões era ainda mais incerta. Não por acaso, frei Vicente do Salvador (1564-1636), cronista do século XVII, escreveu: “[…] da largura que a terra do Brasil tem para o sertão não trato porque até agora não houve quem a andasse por negligência dos portugueses que, grandes conquistadores de terras, não se aproveitam delas, mas contentam-se de andar arranhando ao longo do mar como caranguejos”. Frei Vicente exagerou nessa opinião, pois, no início do século XVII, os portugueses já se arriscavam nos sertões. ABREU, Capistrano de. Capítulos de história colonial, 1500–1800. 1. ed. 1907. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1988. FREI Vicente do Salvador. História do Brasil (1627). São Paulo: Melhoramentos, 1975. p. 59. O sertão e os sertões O jornalista e militar Euclides da Cunha (1866-1909) acompanhou a expedição contra os rebeldes de Canudos, no interior da Bahia, no fim do século XIX. Em Os sertões, escrito em 1897 durante a expedição e publicado em livro em 1902, tratou somente do caminho para Monte Santo, onde ficava o arraial dos rebeldes. Gilberto Freyre (1900-1987) foi um dos principais intelectuais brasileiros nos campos da Antropologia, Sociologia e História. Sua vasta obra privilegiou a região açucareira do Nordeste, mas também abordou outras regiões e os sertões coloniais. Na obra de Euclides da Cunha, o sertão é uma terra desolada, de clima árido, da caatinga, do juazeiro. É um deserto pontilhado por vilas paupérrimas dispersas na paisagem. A maioria da população era formada por mestiços de índios e negros, chamados cafuzos, mulatos ou cabras. Eram jagunços ou vaqueiros a serviço de grandes criadores de gado. Quanto a Gilberto Freyre, no livro Nordeste, publicado em 1945, lê-se que: a palavra nordeste é hoje uma palavra des�gurada pela expressão obras do nordeste, que quer dizer obras contra as secas. E quase não sugere senão as secas… mas este Nordeste de �guras e homens e bichos de El Greco é apenas um lado do Nordeste… Mais velho que ele é o nordeste de árvores gordas, e sombras profundas, de bois pachorrentos, de gente vagarosa e às vezes arre- dondada quase em sanchos-pan•a pelo mel do engenho. El Greco pintor grego que fez carreira na Espanha do século XVII. Várias de suas obras retratavam figuras alongadas e esquálidas. Sancho-Pança era o gordo escudeiro do cavaleiro Dom Quixote, personagem central de Miguel de Cervantes (1547-1616) na obra O engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha (1605). CONVERSA DE CONVERSA DE SOCIÓLOGO & FILÓSOFO CUNHA, Euclides da. Os sertões. 33. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1987. FREYRE, Gilberto. Nordeste. Rio de Janeiro: Melhoramentos, 1989. p. 41. ■ Discuta com os colegas as questões a seguir. a) Que visão cada autor manifesta sobre o Nordeste? b) O que pode explicar duas visões tão diferentes sobre uma mesma região? c) Euclides da Cunha foi o pioneiro, entre os escritores pré-modernistas, a aproximar a Literatura da História. Sua obra Os sertões é conhecida como ‘’a Bíblia da nacionalidade brasileira’’. Apesar disso, o autor escreveu influenciado por teorias deterministas, ultrapassadas hoje em dia. Pes- quisem como o escritor brasileiro traz um alerta sobre os preconceitos racistas tão implícitos na época e transcrevam alguns trechos que comprovem essa visão em Os sertões. 69 V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 69V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 69 9/21/20 2:15 PM9/21/20 2:15 PM Os protagonistas da expansão territorial na colônia portuguesa foram os bandeirantes, nome derivado de “bandeiras”, entendidas na época como expedições, ora particulares, ora ordenadas por governadores coloniais para capturar indígenas, reprimir nativos considerados hostis e buscar metais preciosos – verdadeira obsessão dos portugueses desde o século XVI. A historiografia tradicional construiu a figura do bandeirante como o aventureiro natural de São Paulo e, mesmo na época, eram costumeiramente chamados de paulistas. Isso porque partiram dali muitas expedições desbravadoras dos sertões ou punitivas de rebeliões. O Quilombo dos Palmares, na serra da Barriga (atual Alagoas) – principal foco de luta contra a escravidão no Brasil colonial –, foi reprimido de vez em 1695 por tropas comandadas pelo paulista Domingos Jorge Velho (1641-1705), contratado pelo governo de Pernambuco para esse objetivo específico. A imagem acima reproduz um bilhete da Loteria Federal, de um sorteio realizado em 1971. Ela traz a ilustração de um bandeirante e um grupo de negros armados. ■ Analisem a imagem em grupos e, com base nas informações do capítulo, façam as atividades seguintes. a) Identifiquem o nome do bandeirante celebrado e o episódio a que se refere a ilustração. b) Pesquisem o regime político vigente no Brasil no início dos anos 1970. c) Relacionem o episódio da história colonial ilustrado no bilhete e a maneira como ele foi representa- do ao contexto brasileiro no concurso da Loteria Federal realizado em 6 de fevereiro de 1971. A N A L I S A N D O M E N S A G E N S Bilhete lotérico brasileiro de 400 mil cruzeiros. Domingos Jorge Velho era português, mas a maioria dos bandeirantes era natural do Brasil. Em geral, eram filhos de indígenas com portugueses – os mamelucos. Muitos eram nascidos e criados em aldeias indígenas, por vezes em missões jesuíticas, e depois passavam a viver no litoral a serviço dos colonizadores. Conheciam melhor do que ninguém as florestas do interior, eram falantes de tupi e de português, sabiam como viver no mato e como retirar do corpo veneno inoculado por cobras, buscar alimentos na mata quando as provisões acabavam, entre outras coisas. A expansão territorial foi liderada por homens nascidos no Brasil, não por portugueses. R e p ro d u ç ã o /A rq u iv o d a e d it o ra 70 V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 70V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 70 9/21/20 2:15 PM9/21/20 2:15 PM