Prévia do material em texto
CAPÍTULO 6 DIREITO DA MULHER NO PROGRAMA MULHERES MIL: COSTURANDO VIVÊNCIAS CIDADÃS Ana Paula Dantas Ferreira13 IFRN/-campus Caicó Ana Santana Batista de Farias14 IFRN-campus Caicó Suely Soares da Nóbrega15 IFRN-campus Caicó “A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele” Hannah Arendt 13 Ana Paula Dantas Ferreira é mestra em Educação Profissional e bacharela em Direito. Atualmente é pós-gra- duanda em Tecnologias Educacionais e Educação a Distância e técnica-administrativa no IFRN-campus Caicó. 14 Ana Santana Batista Farias é mestranda em Edu- cação, especialista em Direito Tributário, bacharela em Direi- to e escritora. Atualmente é auditora no IFRN-campus Caicó. 15 Suely Soares da Nóbrega é mestra em Educação, especialista em Educação Infantil e pedagoga com habilita- ção em Gestão Escolar. Possui experiência profissional como gestora do Programa Mulheres Mil, professora, coordena- dora pedagógica, diretora, palestrante e docente do ensi- no superior no curso de Pedagogia e da pós-graduação em Educação. Tem participação em bancas examinadoras e de orientação de monografia. Atualmente, é Técnica em Assun- tos Educacionais no IFRN-campus Caicó. 130 MULHERES MIL NO IFRN-CAMPUS CAICÓ INTRODUÇÃO A disciplina “Gênero, Cidadania e Direitos da Mulher” compõe a matriz curricular do Curso de Formação Inicial e Continuada (FIC) em Costureiro do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecno- logia do Rio Grande do Norte (IFRN), desenvolvi- do para atender ao Programa Mulheres Mil (IFRN/ PPC FIC em COSTUREIRO, 2014). Estruturada no eixo articulador do Projeto Pedagógico de Curso (PPC), a disciplina contribui para o enriquecimento da integração curricular, ratificando a proposta de formação humana integral das discentes, além de oportunizar a vivência com a cultura dos direitos humanos, a partir da abordagem multidisciplinar de questões ligadas ao gênero feminino, à cidada- nia e aos direitos. A ementa da disciplina (IFRN/PPC FIC em COSTUREIRO, 2014) aborda temas sensíveis à mu- lher no mundo contemporâneo numa perspectiva histórica, crítica, sociocultural, política e jurídica. Nesse contexto, a abordagem pedagógica de con- teúdos relacionados ao processo histórico de luta das mulheres pela emancipação e autonomia, bem como a educação para o exercício da cidadania e direitos humanos, devem privilegiar práticas edu- cativas que provoquem nas alunas em condição 131 TECENDO SABERES E PRÁTICAS EMANCIPATÓRIAS de vulnerabilidade social a busca não somente de sua emancipação financeira, através do aprendiza- do de um ofício, mas também de sua emancipação afetiva e cognitiva. Na classificação de Mizukami (1986), a abor- dagem pedagógica sociocultural, cujo maior ex- poente foi Paulo Freire, busca justamente a pro- moção de uma educação “conscientizadora” que se baseia na relação dialógica e equânime entre professor e aluno, bem como privilegia a constru- ção do pensamento crítico, partindo da realidade dos educandos. A reflexão da realidade possibilita que as alunas do Programa Mulheres Mil desen- volvam uma percepção crítica do contexto social no qual qual estão inseridas, dando significado maior ao conhecimento adquirido. Assim, apresentamos como problema de pesquisa a seguinte questão: a aplicação de uma abordagem pedagógica sociocultural na disciplina “Gênero, Cidadania e Direito da Mulher”, compo- nente curricular do curso de costureiro ofertado pelo Programa Mulheres Mil do IFRN-campus Cai- có, contribui para a descoberta da cidadania e o fortalecimento da identidade das mulheres que participam do programa? O presente trabalho objetiva apresentar, através de relato de experiência com discentes do 132 MULHERES MIL NO IFRN-CAMPUS CAICÓ referido curso de costureiro, a utilização de abor- dagem pedagógica sociocultural no desenvolvi- mento da disciplina supracitada e a importância da promoção de Educação em Direitos Humanos para a consolidação de uma educação libertadora às mulheres mil. EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: proposta pedagógica emancipadora para a disciplina “Gêne- ro, Cidadania e Direitos da Mulher” O compromisso com a Educação em Direi- tos Humanos está registrado no art. 26 da Declara- ção Universal de Direitos Humanos, em seu item 2: [...] 2. A instrução será orienta- da no sentido do pleno desen- volvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do ser hu- mano e pelas liberdades funda- mentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos e coadjuvará as atividades das Na- ções Unidas em prol da manu- tenção da paz. [...] (ONU, 1948). A valorização da personalidade humana e a tolerância como valores educacionais centrais 133 TECENDO SABERES E PRÁTICAS EMANCIPATÓRIAS é fruto da construção de um pacto internacional pela promoção da cultura dos direitos humanos. Nas palavras de Zenaide (2016), significa firmar o pacto de educar para o “nunca mais”, para o não retorno, e o enfrentamento a retrocessos que des- tituem a condição humana de grupos e pessoas por sua condição sexual, racial, religiosa, convic- ção política, entre outros. Nessa perspectiva, a proposta de educar em Direitos Humanos no âmbito do Programa Mulhe- res Mil, especificamente no caso da disciplina de “Gênero, Cidadania e Direitos da Mulher”, para mulheres com um histórico de direitos violados, a começar pelo direito à educação, é paradigmático e desafiador. É preciso conduzir as alunas à valo- rização de sua subjetividade e de suas liberdades, e apresentar a importância da defesa dos direitos humanos para a mitigação da violência vivenciada pelo grupo e para a transformação social. Segun- do a lição de Carvalho et al. (2012, p. 115), “[...] só se educa em direitos humanos quem se humaniza e só é possível investir completamente na humani- zação a partir de uma conduta humanizada”. De acordo com Mizukami (1986. p. 94), a pe- dagogia sociocultural parte justamente da concep- ção de que a ação educativa será válida quando for “[...] precedida tanto de uma reflexão sobre o 134 MULHERES MIL NO IFRN-CAMPUS CAICÓ homem como de uma análise do meio de vida des- se homem concreto, a quem se quer ajudar para que se eduque”. Dessa forma, a abordagem dialógica pro- posta por Freire (2005) conecta-se com os princí- pios que balizam a EDH à medida em que a prá- tica educativa desafia as educandas a assumirem uma postura crítica ativa diante da responsabili- dade que cada pessoa tem com o desenvolvimen- to de uma sociedade mais justa e igualitária. Nes- se sentido, deve-se levar em conta as experiências sociais das educandas e debater os temas a partir da realidade concreta. Assumir os valores da dignidade humana, éticos e de tolerância na condução da disciplina, tanto na postura docente em relação às alunas quanto na abordagem dos temas, possibilita que as mulheres participantes do programa interna- lizem sua condição de sujeitas de direitos e pro- tagonistas de suas histórias, bem como reconhe- çam nos outros a mesma condição de pessoas autônomas, livres e cidadãs. Segundo Hunt (2009), os indivíduos são considerados sujeitos de direito apenas se todos se reconhecessem essencialmente semelhantes. “É o desenvolvimento incompleto dessa última condição que dá origem a todas as desigualdades 135 TECENDO SABERES E PRÁTICAS EMANCIPATÓRIAS de direitos que nos têm preocupado ao longo de toda a história” (HUNT, 2009, p. 28). Seguindo essa ótica, a disciplina em ques- tão é um terreno fértil para o desenvolvimento das premissas da EDH, tendo como perspectiva que a pedagogia sociocultural em sala de aula, pois inserida no eixo articulador, propõe a cons- trução de reflexões sobre os direitos da mulher a partir da análise da prática social. De acordo com a ementa do curso de cos- tureiro (IFRN/PPC FIC em COSTUREIRO,2014), devem ser debatidos no âmbito da disciplina a contextualização histórica dos movimentos fe- ministas; as políticas públicas de gênero e de atenção à mulher; os mecanismos de proteção previstos na legislação; os direitos da mulher na Constituição, no Código Civil e na legislação tra- balhista; bem como e as modalidades de violên- cia contra a mulher. Assim, pretendemos apresentar, através deste relato, quais estratégias foram adotadas na condução da disciplina para a promoção de Edu- cação em Direitos Humanos com vistas a educa- ção libertadora às mulheres mil.