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191 [...] gerando hábitos de investigação, proporcionando confiança e desprendimento para analisar e enfrentar si- tuações novas, propiciando a formação de uma visão ampla e científica da realidade, a percepção da beleza e da harmonia, o desenvolvimento da criatividade e de ou- tras capacidades pessoais. [...] (BRASIL, 2000, p. 40). Além disso, as habilidades necessárias para demonstrar a competência de interpretar informações de natureza científica e social são, de fato, habilidades de leitura. Se, novamente, retiramos as referências aos gráficos e tabe- las, devemos utilizar informações para fazer inferências; resolver problemas com dados; e analisar informações como recurso para a construção de argumentos. Um dos importantes atributos da Matemática con- siste em sua natureza abstrata, e tal abstração está baseada nas capacidades de deduzir, inferir, prever e extrapolar, ou seja, na capacidade de pensamento crítico. Por isso, quando o jovem ou adolescente con- segue transformar um enunciado (uma história, uma descrição em palavras) em um problema matemático, ele está, de fato, retirando o contexto, ou abstraindo dele a Matemática, de tal modo que o problema básico passa a ser entendido independentemente da situação em que foi apresentado, isto é, de sua aplicação. A extração de um problema matemático com base em um enunciado em linguagem natural é um proces- so complexo. Para ensinar esse processo, o professor pode iniciar com problemas simples, aumentando aos poucos a complexidade. Novos conceitos e novas ha- bilidades podem ser desenvolvidos em problemas de complexidade crescente, aumentando gradativamente a maneira de traduzir a linguagem natural em lingua- gem matemática, uma forma de raciocínio crítico. Des- sa forma, ao engajar os alunos com suas perguntas, na resolução desses problemas, do mais simples aos mais complexos, o professor propicia a mobilização do pen- samento crítico, exigindo habilidades usadas na leitura de outros textos e em outras situações da vida cotidia- na que demandam o engajamento intelectual do indi- víduo. Portanto, está ensinando a ler criticamente os textos de sua área de especialização. Saber posicionar-se social e politicamente é funda- mental para o jovem em formação. Por isso é impor- tante que o professor desenvolva nos alunos a com- petência comunicativa, para que eles sejam capazes de utilizar com segurança os recursos comunicativos que forem necessários para determinados contextos, sabendo argumentar e defender suas opiniões com co- erência, criticando, se necessário, no sentido de discor- dar daquilo que lhes é apresentado, mas sem recorrer a discussões sem fundamento ou concordar simples- mente por não saber argumentar. Aprendizagem de vocabulário especializado O conhecimento e o uso preciso de termos, opera- ções e símbolos são essenciais para o domínio da ma- téria (assim como em toda disciplina). Nesse contexto, a Matemática é precisa: os significados de termos e os conceitos devem ser completamente unívocos, sem am- biguidades, sob a pena de, na falta desse conhecimento, o jovem ou o adolescente falhar na comunicação e na Com esses argumentos, é difícil pensar em alguma prática formativa que venha a ser mais enriquecedo- ra e viabilizadora para essa formação do que a leitura. Nesse contexto, assim como outros recursos tecnoló- gicos são explorados pelo professor, como o uso da calculadora, constituem-se de caráter fundamental o ensino e o uso da língua escrita – especificamente a leitura – como uma tecnologia, um recurso, um instru- mento central para a aprendizagem contínua. É importante lembrar que o professor de Matemáti- ca não foi formado para ensinar a ler. Todavia, ele pode atuar modelando os modos de leitura nas práticas ma- temáticas. Isso pode ser feito com base em uma refle- xão sobre seus hábitos e estratégias de leitura aliados a uma compreensão das dificuldades características do leitor escolar no Ensino Médio. Levando essas restrições em consideração, é possível encontrar pelo menos três áreas de atuação do profes- sor de Matemática para contribuir na formação de leito- res de textos matemáticos: desenvolvimento da leitura crítica, do vocabulário e de estratégias de estudo. Desenvolvimento da leitura crítica A Matemática está relacionada intimamente com o desenvolvimento das capacidades de interpretar, analisar, sintetizar, abstrair e projetar, e todas estas se apoiam no uso da linguagem natural, ou seja, verbal. Se tomamos como exemplo uma das competências matemáticas exi- gidas nas provas do Enem, como a competência de [...] Interpretar informações de natureza científica e social obtidas da leitura de gráficos e tabelas, realizando previsão de tendência, extrapolação, interpolação e inter- pretação (INEP, 2015, p. 6), e retiramos a especificidade do texto matemático (ou seja, gráficos e tabelas), vemos que esse trecho po- deria descrever uma competência de leitura, pois prever, extrapolar, interpolar e interpretar são também absolu- tamente indispensáveis para a leitura de qualquer texto. cionais para o Ensino Médio (PCNEM) (BRASIL, 2000). De fato, o ensino de Matemática deve ter, como os PCNEM sugerem, uma função formativa, podendo auxi- liar os alunos a estruturar o pensamento e o raciocínio dedutivo, transcendendo seu papel instrumental e assim 1_g21_scp_mp_4mat_p161a192_geral.indd 1911_g21_scp_mp_4mat_p161a192_geral.indd 191 9/17/20 4:08 PM9/17/20 4:08 PM 192 resolução de problemas. Por isso, professor e alunos de- vem estar completamente de acordo sobre os significa- dos das palavras que usam para se comunicarem. Existem termos matemáticos utilizados na linguagem cotidiana com sentidos diferentes. Estudos realizados sobre a apropriação de vocabulário mostram que uma criança, ao se deparar com uma palavra já conhecida, mas com sentido diferente, o primeiro significado se impõe a ela, mesmo que não faça sentido no contexto. Com os jovens, essa dificuldade de descartar o signifi- cado primário também pode acontecer. De acordo com alguns estudos, há uma probabilidade maior de os alu- nos perceberem os dois sentidos quando sua atenção é dirigida para o fato. Em uma pesquisa sobre conheci- mentos matemáticos, Oliveira e Lopes (2012) destacam que, em um primeiro contato com o tema, os alunos não conseguem entender o significado matemático de um termo da linguagem natural. Uma atividade proposta nesse mesmo estudo con- sistia na elaboração de um glossário pelos alunos, com base em um levantamento dos termos que eles consi- deravam mais importantes. Nesse trabalho, os alunos apresentavam a definição com as próprias palavras, fornecendo um exemplo, uma aplicação ou uma relação com outro termo. Quando os termos tinham significa- dos diferentes na Matemática e na linguagem cotidiana, ambos eram registrados. Certamente, o conhecimento vocabular é essencial para a aprendizagem de novos conceitos apresentados aos alunos. Essa pesquisa mos- tra que a focalização no termo, no decorrer da aula, por exemplo, leva-os a procurar as diferenças com a lingua- gem cotidiana e a construir uma nova definição, dessa vez matemática, para o termo em questão. Desse modo, a prática de leitura e escrita nas aulas de Matemática no Ensino Médio pode ser um caminho que propicia a relação professor/aluno e aluno/alunos mais interativa e, consequentemente, mais efetiva. Isso não apenas para a construção do conhecimento mate- mático, mas para o conhecimento em geral, contribuin- do, de acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), para uma estratégia que repense os processos de ensino e aprendizagem, possibilitando aos alunos não apenas a aquisição de conhecimentos e competên- cias, mas também convivência e realização individual, por meio de experiências inovadoras. Desenvolvimento de estratégias de estudo No Ensino Médio, é possível que alguns alunos ain- da não tenham desenvolvido as estratégias de estudo independentes,esperadas nessa etapa da Educa- ção Básica, na qual já deviam ter desenvolvido prá- ticas de leitura (e de escrita, ou seja, práticas de le- tramento) mais autônomas. Em relação a qualquer leitura, mais ainda em relação a textos matemáti- cos, os alunos parecem depender do auxílio contí- nuo do professor. Pesquisadores (RIBEIRO; KAIBER, 2012) têm observado que a tendência é solicitar ajuda diante da primeira dificuldade na leitura do problema, sem ao menos tentar resolvê-la relendo, anotando e sublinhando. Entretanto, esses estudos também des- tacam que basta o professor orientá-los a fazer uma segunda leitura, que a superação das dificuldades já passa a ser notada. Essas práticas mostram que boa parte dos alunos não tem repertório de leitura adequa- do e, com isso, não desenvolveu estratégias de estudo que permitam um aprendizado autônomo. Uma maneira de orientar o jovem ou adolescente a desenvolver estratégias próprias de estudo é ensiná- -lo a utilizar o livro didático, pois este, se bem utiliza- do, fornece aos alunos uma oportunidade de revisar o conteúdo estudado e refletir sobre os conceitos abor- dados. Desse modo, o livro didático de Matemática auxilia na consulta e no esclarecimento de conceitos. Com o livro, os alunos determinam seus ritmos de lei- tura e de aprendizagem (eles podem até solicitar ajuda a algum membro da família e este pode ajudar, desde que seja um leitor e o material esteja apresentado de modo explícito). Para que os alunos estudem de maneira independen- te, eles devem entender como o texto está estruturado. Saber usar a estrutura textual é uma habilidade que pre- cisa ser desenvolvida, e os alunos precisam de estratégias que os ajudem a explorar todo o capítulo, a lê-lo de modo global, para entender que parte da informação é impor- tante, que informações dependem de outras e o que é detalhe. Esse conteúdo pode fazer parte de uma aula cujo objetivo é conhecer o livro didático: ler o sumário; analisar como são sinalizados os títulos e os subtítulos (tamanho das letras, cores, uso de números); descobrir partes do texto e suas relações, o que os subtítulos indicam; veri- ficar hierarquias entre seções e subseções; e elaborar um diagrama mostrando essas relações. Também, com o ob- jetivo de adquirir estratégias de leitura e estudo indepen- dentes, eles podem ser orientados a fazer um resumo do capítulo contendo os conceitos mais importantes aborda- dos, com exemplos ou aplicações. Os documentos oficiais defendem que a Matemá- tica no Ensino Médio tem valores formativo e instru- mental. O foco na leitura, por um lado, desenvolve o raciocínio e o pensamento crítico; por outro, constitui- -se em ferramenta indispensável para interpretar e re- solver problemas corriqueiros. O professor de Matemática tem a oportunidade de formar cidadãos que sejam capazes de expressarem suas ideias adequadamente e de modo competente, oralmente e por escrito, para que possam se inserir de pleno direito na sociedade e ajudar na construção e na transformação da sociedade em que atuam. Portanto, é preciso reconhecer que a linguagem matemática é de suma importância, não apenas para os estudiosos da área, mas para qualquer cidadão que necessita utilizá- -la com criticidade e autonomia. 1_g21_scp_mp_4mat_p161a192_geral.indd 1921_g21_scp_mp_4mat_p161a192_geral.indd 192 9/17/20 4:08 PM9/17/20 4:08 PM