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PROMOÇÃO EM SAÚDE DO ADULTO E DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA AULA 4 Profª Maria de Fátima Fernandes Vara 2 CONVERSA INICIAL Veremos, no tópico 1, alguns aspectos históricos que envolvem a pessoa com deficiência. É importante refletir sobre a forma como a pessoa com deficiência participou da sociedade ao longo da história. O tópico 2 vai definir o preconceito, o estereótipo e o estigma. Infelizmente a falta de conhecimento ainda existe e provoca ações/reações equivocadas em relação à pessoa com deficiência. Destacamos, no tópico 3, os artigos da Lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência que abordam questões da saúde. Fique atento e reflita sobre os direitos da pessoa com deficiência e a realidade que podemos observar: está de acordo com a Lei? O tópico 4 apresenta aspectos relevantes da Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência. Vamos destacar pontos necessários que devem ser oferecidos às pessoas com deficiência. Finalizaremos com o tópico 5, em que vamos discutir sobre a paralisia cerebral, incluindo testes que são utilizados para avaliar tônus e coordenação. Bons estudos! TEMA 1 – ASPECTOS HISTÓRICOS QUE ENVOLVEM A PESSOA COM DEFICIÊNCIA Diferentes aspectos sobre a deficiência foram relatados ao longo da história “de uma forma ou de outra a deficiência sempre fez parte da história do homem, [...] presente em suas concepções e preocupações, seja para o sentindo de aceitação ou negação” (Corrent, 2016). Pode-se observar, pelos achados históricos, que as sociedades gregas, egípcias e romanas relatavam questões sobre o tema, cada qual de uma forma. Os egípcios “demonstravam afetos e preocupações” com as pessoas com deficiência, inclusive oportunizando trabalho. Gugel (2022, on-line) aponta que Evidências arqueológicas nos fazem concluir que no egito antigo, há mais de cinco mil anos, a pessoa com deficiência integrava-se nas diferentes e hierarquizadas classes sociais (faraó, nobres, altos funcionários, artesãos, agricultores, escravos). A arte egípcia, os afrescos, os papiros, os túmulos e as múmias estão repletos dessas revelações. Os estudos acadêmicos baseados em restos biológicos, de mais ou menos 4.500 a.c., ressaltam que as pessoas com nanismo não tinham qualquer impedimento físico para as suas ocupações e ofícios, principalmente de dançarinos e músicos. 3 Já os gregos, valorizavam corpos saudáveis e a prática de exercício físico para a manutenção da boa forma. De acordo com Silva (1987), tanto na Grécia como em Roma (500 a.C. e 400 d.C.), existia mais preocupação com o condicionamento físico dos soldados pela necessidade de proteção do Estado contra os inimigos. Considerando que as atividades bélicas eram parte do dia a dia desses povos, que preparavam corpos fortes e perfeitos para as batalhas. Os combatentes que sofriam amputação recebiam homenagens e eram tratados como heróis. Por outro lado, no mesmo período, havia superstição em relação aos bebês que nasciam com algum tipo de malformação, sendo-os eliminados ao nascer. As informações mais remotas sobre pessoas com deficiência estão contidas, de forma esparsa, na “literatura grega e romana, na Bíblia, no Talmud e no Corão” (Aranha, 2001, p. 160). Sabe-se que em Esparta as pessoas nascidas com qualquer deficiência eram eliminadas. Os romanos abandonavam suas crianças deformadas e seus filhos excedentes. Antes, na Grécia de Platão (República) e de Aristóteles (Política), tratava-se da composição e do planejamento das cidades, indicando os disformes como objetos de exposição (Gugel, 2016). Com o passar dos tempos, o crescimento do cristianismo, que pregava a caridade, o olhar para a pessoa com deficiência sofreu mudanças, “embora se passe a considerar as pessoas com deficiência como filhos de Deus, o tratamento concedido caminhava da prestação de caridade ao extermínio para expurgar-lhes dos pecados” (Gugel, 2016). Ou seja, ainda muito aquém do ideal, pois as pessoas com deficiência ficavam na casa da família (em quartos, isolados), ou aos cuidados dos padres em monastérios (Silva, 1987). Os séculos XVI e XVII continuaram com muita discriminação, segregação em relação às pessoas com deficiência. Algumas ações pontuais, como na Alemanha e França, atendendo aos menos favorecidos, entre eles, as pessoas com deficiência física e intelectual. “A Revolução Francesa, no século XVIII, trouxe mudança de ótica da sociedade, passou-se a encarar a deficiência do ponto de vista alquímico, portanto tratável”. Foi a partir dessa época que surgiram “hospitais psiquiátricos, confinamentos em asilos e conventos” (Gugel, 2016). Foi no século XVIII que iniciou um movimento para reabilitar e educar a pessoa com deficiência. Dessa forma, foram criadas as primeiras instituições, 4 hospitais psiquiátricos, confinamentos em asilos e conventos e escolas para atender pessoas cegas e surdas (Silva, 1987; Gugel, 2016). Alguns episódios ocorridos no século XX, como a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais e o movimento dos direitos humanos (1950) foram essenciais para despertar os interesses de sociedades privadas internacionais e governantes nas questões voltadas às pessoas com deficiência, em especial na área da saúde (Medicina, reabilitação, Terapia ocupacional) e da educação (Silva, 1987). Nos anos 1970, a Organização das Nações Unidas (ONU) apresentou a Declaração dos Deficientes Mentais. Esse documento foi essencial para o início do processo de mudança do olhar para a pessoa com deficiência intelectual, relacionada ao déficit cognitivo “aproximando-a dos demais seres humanos ao se referir, por exemplo, à necessidade de salvaguardas jurídicas para a proteção contra abusos”. Em 1975, a Assembleia Geral das Nações Unidas cria a Declaração dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiências (Resolução da ONU n. 30/84, de 1975) (Gugel, 2016). Em Brasil (1981) encontramos que Em sua trigésima sessão, de 16 de dezembro de 1976, a ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, pela RESOLUÇÃO 31/123, proclamou, oficialmente, o ano de 1981 como o ANO INTERNACIONAL DAS PESSOAS DEFICIENTES e estabeleceu seus objetivos principais: 1. Ajudar os deficientes no seu ajustamento físico e psicossocial na sociedade; 2. Promover todos os esforços, nacionais e internacionais, para proporcionar aos deficientes assistência adequada, treinamento, cuidadosa orientação, oportunidades para trabalho compatível e assegurar a sua plena integração na sociedade; 3. Estimular projetos de estudo e pesquisa, visando a participação prática e efetiva de deficientes nas atividades da vida diária, melhorando as condições de acesso aos edifícios públicos e sistemas de transportes; 4. Educar e informar o público sobre o direito das pessoas deficientes de participarem e contribuírem nos vários aspectos da vida econômica, social e política; 5. Promover medidas eficazes para a prevenção de deficiências e para a reabilitação das pessoas deficientes. Outro documento que marcou a história das Pessoas com Deficiência foi A carta para os anos 80, que propôs promover as metas "de participação e igualdade plena" (Brasil, 1981, p. 33) para pessoas com deficiência no mundo todo. A Declaração de Salamanca, de 1994, foi um marco na história da luta pelos direitos da pessoa com deficiência, recomendando “aos governos e organizações que preservem o direito fundamental à educação de toda criança, devendo-lhe ser dada a oportunidade de atingir e manter o nível adequado de 5 aprendizagem, resguardadas as suas características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem”. Apontam que o ensino regular que pratica inclusão promove “meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias, criando comunidades acolhedoras e construindo uma sociedade inclusiva” Gugel, 2016). A partir daí o movimento pelos Direitos da Pessoa comDeficiência vem crescendo, sendo que A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), de 2006, juntamente com o protocolo facultativo, assinada na Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York em 30 de março de 2007, aprovada pelo Congresso Nacional em 10 de julho de 2008 por meio do Decreto Legislativo nº 186 e, finalmente promulgada em 25 de agosto de 2009 no Decreto nº 6.949, consolida vertiginosa mudança de paradigma nas concepções, atitudes e abordagens em relação às pessoas com deficiência. (Gugel, 2016) Toda essa evolução histórica traz a necessidade de esclarecimentos sobre a forma de designar a pessoa com deficiência, uma vez que "o termo, a palavra, carregam significados variados e quando mal-empregados acabam por confundir a mente e a prática, levando a entendimentos distorcidos e práticas não desejadas” (Gugel, 2016). A partir da Convenção Sobre os direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD), em 2009, considera-se que “o melhor termo a ser utilizado é pessoa com deficiência, na forma do artigo 1”. Necessidades especiais “é um termo próprio para a área da educação, introduzida pela lei de diretrizes e bases da educação, que designa não só as pessoas com deficiência, mas também as pessoas superdotadas, [...] pessoas com distúrbios de atenção, emocionais” e outros (Gugel, 2016). Outro ponto muito importante é [...] a impropriedade do uso de siglas como PPD (pessoa portadora de deficiência), SD (Pessoa com síndrome de Down), DM (deficiente mental), PCD (pessoa com deficiência). Siglas devem se restringir às marcas, tão bem utilizadas como recurso de comunicação e propaganda, e não para designar pessoas com reconhecida capacidade legal. (Gugel, 2016) Vocês perceberam que as Pessoas com Deficiência vêm lutando ao longo da história por direitos básicos de qualquer ser humano? O direito de ser um cidadão pleno; o direito de ir e vir; o direito de ser respeitado. Já houve um avanço enorme, mas muito ainda deve ser conquistado para que possamos viver em um ambiente verdadeiramente inclusivo. 6 TEMA 2 – PRECONCEITO, ESTEREÓTIPO E ESTIGMA O preconceito significa: 1 Conceito ou opinião formados antes de ter os conhecimentos necessários sobre um determinado assunto; 2 Opinião ou sentimento desfavorável, concebido antecipadamente ou independente de experiência ou razão; [...] 3 Superstição que obriga a certos atos ou impede que eles sejam praticados; 4 Atitude emocionalmente condicionada, baseada em crença, opinião ou generalização, determinando simpatia ou antipatia para com indivíduos ou grupos. (Michaelis, 2022) Ou seja, é um julgamento prévio, antes de conhecer. Os grupos humanos, ao longo da história, vêm praticando diversos preconceitos uns em relação aos outros. O julgamento prévio pode ser foco de tragédias e incompreensão de todos os lados envolvidos, além de estar acompanhado, na maioria das vezes, de opiniões distorcidas, sem fundamento (Vara; Cidade, 2021). Dessa forma, o preconceito provoca um julgamento, não pelos méritos das pessoas, mas por ideias exageradas e/ou fora da realidade, admitindo-se de forma equivocada que todas as pessoas de uma mesma comunidade são idênticas e que não existem exceções (Vara; Cidade, 2021). Dessa forma, como podemos avançar? Com a informação, que é uma ferramenta poderosa no combate às ideias distorcidas. O preconceito tem como pilar a ignorância, e esta pode estar presente em diversas situações: referentes a gênero, características físicas, aspectos culturais, religiosos de um povo. “A ignorância provém tanto da ausência de conhecimentos quanto da presença de ideias falsas e, por si só, não faz nascer o preconceito, mas promove seu desenvolvimento” (Vara; Cidade, 2021). O estereótipo significa: Aquilo que se amolda a um padrão fixo ou geral; Esse padrão formado de ideias preconcebidas, resultado da falta de conhecimento geral sobre determinado assunto; Imagem, ideia que categoriza alguém ou algo com base apenas em falsas generalizações, expectativas e hábitos de julgamento. (Michaelis, 2022). Estereótipo é um clichê, um chavão, está atrelado ao preconceito. No caso da pessoa com deficiência, o estereótipo reforça o preconceito, à imagem de coitadinho, ineficiente e incapaz. Já o estigma, de acordo com o dicionário Michaelis (2022), significa “marca ou cicatriz deixada na pele por ferida; qualquer marca ou sinal natural no 7 corpo; marca infamante feita com ferro em brasa, geralmente em escravos ou criminosos; [...] aquilo que é considerado vergonhoso ou desonroso”. No caso da deficiência, a pessoa nessa condição é segregada, estigmatizada e conduzida ao distanciamento do que é considerado normal, cujos critérios seguem padrões preestabelecidos socialmente. “Estereótipo e estigma são, pois, ferramentas do preconceito e da segregação, em uma dinâmica do desconhecimento que leva a um círculo vicioso nas relações sociais” (Vara; Cidade, 2021). Observe que “quando excluímos o outro estamos reconhecendo sua existência ainda que sejamos incapazes de identificá-la claramente. Esta incapacidade gera tensões entre quem define e quem é definido” (Gebara, 2001, p. 45). Vejamos, a seguir, mais alguns conceitos importantes: exclusão, segregação, integração e inclusão (Figura 1). À medida que cada um dos conceitos é discutido, pense em todas as atividades do dia a dia: em casa, na escola, no trabalho, nos momentos de lazer, acesso a serviços de saúde. Agora, reflita o que ainda acontece com as pessoas com deficiência. O quanto já vivemos em uma sociedade inclusiva? Figura 1 – Exclusão, segregação, integração e inclusão Créditos: Desdemona72/Shutterstock. 8 Vimos que ao longo da história a exclusão das pessoas com deficiência esteve presente e a segregação se fez presente quando elas foram mantidas distanciadas, tanto da sociedade quanto da família, isoladas em instituições específicas. A integração pode ser percebida quando, por exemplo, a pessoa com deficiência passou a ser atendida em escolas especiais ou em classes especiais em escolas públicas (o aluno frequentava uma sala de aula destinada somente a indivíduos com deficiência). A inclusão, como processo social amplo, vem acontecendo paulatinamente em todo o mundo e, efetivamente, a partir da década de 1950. Quando falamos em inclusão, estamos nos referindo a um cenário que acolhe todas as diferenças, e não somente pessoas com deficiência. Portanto, a inclusão é a modificação dos indivíduos em sociedade (Vara; Cidade, 2021). Ela também é um processo sem fim e sua proposta inclui o engajamento coletivo dos profissionais de todas as áreas na minimização de barreiras de qualquer tipo. Outro esclarecimento necessário é acerca de equidade e universalização. A equidade diz respeito ao reconhecimento de cada pessoa em sua singularidade; e a universalização é o acesso irrestrito a espaços, qualidade de serviços e profissionais preparados, entre outros. Igualdade ou equidade? Observe a Figura 2 e reflita. 9 Figura 2 – Igualdade e equidade Crédito: Mentalmind/Shutterstock. Observe que cada pessoa é única. Não precisamos de uma sociedade na qual tudo seja igual. Precisamos trabalhar por uma sociedade onde exista equidade, respeito às diferenças. E que esse respeito se reflita em condições, em liberdade, direito de ir e vir de todos os cidadãos. TEMA 3 – LEI BRASILEIRA DE INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA Nesta temática apresentaremos os dispositivos legais e as recomendações aos direitos das pessoas com deficiência, com foco aos aspectos da saúde mencionados na Lei n. 13.146 de julho de 2015, Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência – LBI) (Brasil, 2015). O art. 2º da LBI (Brasil, 2015) esclarece que Considera-se pessoa com deficiência aquelaque tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. 10 Ainda no art. 2º da LBI, parágrafo 1º, é apontado que, quando necessária, a avaliação da pessoa com deficiência deve ter abrangência biopsicossocial, de preferência realizada por equipe multiprofissional, considerando: “I - os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; II - os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; III - a limitação no desempenho de atividades; e IV - a restrição de participação”. Essa proposta de avaliação está de acordo com a CIF1 , que há anos é utilizada em diversos países, com os resultados em uma linguagem universal e pode ser aplicada “como uma ferramenta de política social – no planejamento dos sistemas de previdência social, sistemas de compensação e projeto de implementação de políticas públicas” (CIF, 2003, p. 17 citado por Gugel, 2016). O art. 8º da LBI descreve que É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico. O art. 15, em seu inciso V, aborda a necessidade de “prestação de serviços próximo ao domicílio da pessoa com deficiência, inclusive na zona rural, respeitadas a organização das Redes de Atenção à Saúde (RAS) nos territórios locais e as normas do Sistema Único de Saúde (SUS)”. O art. 17 reforça que devem haver ações articuladas entre o SUS e o Suas2, para assegurar à pessoa com deficiência o acesso a “informações, orientações e formas de acesso às políticas públicas disponíveis”, possibilitando a plena participação na sociedade. O art. 18 aponta que é “assegurada atenção integral à saúde da pessoa com deficiência em todos os níveis de complexidade, por intermédio do SUS, garantido acesso universal e igualitário”. O inciso 1º do art. 18 esclarece o direito à pessoa com deficiência “na elaboração das políticas de saúde a ela 1 CIF = Classificação Internacional de Funcionalidade. Disponível em: <http://www.periciamedicadf.com.br/cif2/cif_portugues.pdf>. Acesso em: 21 jul. 2022. 2 Suas – Sistema Único de Assistência Social. http://www.periciamedicadf.com.br/cif2/cif_portugues.pdf 11 destinadas”. O inciso 2º do mesmo artigo aponta que é assegurado o atendimento com respeito às especificidades da pessoa com deficiência. Ainda no art. 18, inciso 4º, são elencados serviços de saúde pública que devem ser assegurados à pessoa com deficiência: I - diagnóstico e intervenção precoces, realizados por equipe multidisciplinar; II - serviços de habilitação e de reabilitação sempre que necessários, para qualquer tipo de deficiência, inclusive para a manutenção da melhor condição de saúde e qualidade de vida; III - atendimento domiciliar multidisciplinar, tratamento ambulatorial e internação; IV - campanhas de vacinação; V - atendimento psicológico, inclusive para seus familiares e atendentes pessoais; VI - respeito à especificidade, à identidade de gênero e à orientação sexual da pessoa com deficiência; VII - atenção sexual e reprodutiva, incluindo o direito à fertilização assistida; VIII - informação adequada e acessível à pessoa com deficiência e a seus familiares sobre sua condição de saúde; IX - serviços projetados para prevenir a ocorrência e o desenvolvimento de deficiências e agravos adicionais; X - promoção de estratégias de capacitação permanente das equipes que atuam no SUS, em todos os níveis de atenção, no atendimento à pessoa com deficiência, bem como orientação a seus atendentes pessoais; XI - oferta de órteses, próteses, meios auxiliares de locomoção, medicamentos, insumos e fórmulas nutricionais, conforme as normas vigentes do Ministério da Saúde. Percebam que, embora presente na Lei, nem sempre a pessoa com deficiência tem acesso a todos os serviços. Quando tem acesso a alguns serviços, nem sempre acontece de forma rápida e na quantidade necessária. Vale ressaltar que, em relação às próteses, a demora em ter acesso ao serviço e/ou para receber o recurso pode impactar negativamente no processo de reabilitação. O art. 20 aponta que as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos de acesso aos serviços das operadoras de planos e seguros privados de saúde como os demais clientes. O art. 21 esclarece que, quando necessário, “será prestado atendimento fora de domicílio, para fins de diagnóstico e de tratamento, garantidos o transporte e a acomodação da pessoa com deficiência e de seu acompanhante”. O art. 22 complementa que a pessoa com deficiência, quando internada ou quando em observação, tem direito a acompanhante em tempo integral. O inciso 2º reforça que, se necessário, “o órgão ou a instituição de saúde deve adotaras providências cabíveis para suprir a ausência do acompanhante ou do atendente pessoal”. O art. 23 da LBI deixa claro que não pode haver cobrança de valores extras por planos de saúde em virtude de sua condição. O art. 24 indica que a 12 pessoa com deficiência tem direito ao acesso às informações e aos serviços de saúde, públicos e privados, “por meio de recursos de tecnologia assistiva e de todas as formas de comunicação previstas no inciso V do art. 3º da LBI”. O acesso ao serviço de saúde sem barreiras é indicado no art. 25 da LBI. Caso ocorra suspeita ou confirmação de atos de violência3 contra a pessoa com deficiência, o art. 26 da LBI aponta que deverá ocorrer “notificação compulsória pelos serviços de saúde públicos e privados à autoridade policial e ao Ministério Público, além dos Conselhos dos Direitos da Pessoa com Deficiência”. Programas de reabilitação/habilitação profissional devem ser assegurados à pessoa com deficiência, de acordo com o art. 36 da LBI, sempre respeitando sua escolha, vocação e/ou interesse. Ainda, o art. 69 esclarece que devem ser assegurados à pessoa com deficiência esclarecimentos sobre produtos e serviços ofertados, incluindo qualidade, valor, quantidade, composição e possíveis riscos à sua saúde e/ou à sua “segurança do consumidor com deficiência, em caso de sua utilização”. O abandono de pessoas com deficiência em instituições, clínicas, hospitais, segundo o art. 90 da LBI, pode levar a uma “pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa”. O mesmo nos casos em que não são oferecidas condições básicas para a pessoa com deficiência quando obrigado por lei ou mandado. O art. 95 aponta que é proibida a exigência de a pessoa com deficiência ir a órgãos públicos quando, em razão de seu comprometimento, houver barreiras que acarretem “ônus desproporcional e indevido”. TEMA 4 – POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA A pessoa com deficiência precisa de atenção específica, conforme o tipo e o nível de seu comprometimento. Para isso, é imprescindível o acesso a um serviço de reabilitação. Mas, afinal, o que é reabilitação? 3 Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, considera-se violência contra a pessoa com deficiência qualquer ação ou omissão, praticada em local público ou privado, que lhe cause morte ou dano ou sofrimento físico ou psicológico (Brasil, 2015). 13 Reabilitaçãoé a área, envolve uma equipe multidisciplinar, que possibilita o treino de habilidades com diferentes recursos às pessoas com deficiência, tornando possível o enfrentamento dos desafios das AVDs4 (Machado, 2018). A realidade brasileira ainda está aquém das necessidades das pessoas com deficiência, tanto em relação ao acesso a uma equipe interdisciplinar quanto em relação ao número de horas necessárias para uma reabilitação adequada. De acordo com a Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência, deve-se considerar que além das necessidades específicas, as pessoas com deficiência podem ser acometidas por outros agravos, como qualquer cidadão, necessitando, assim, ter assegurado o “atendimento em toda a rede de serviços no âmbito do (SUS)” (Machado, 2018). A Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência, instituída pela Portaria de Consolidação n. 3/GM/MS de 28 de setembro de 2017, [...] parte da necessidade de ampliar, qualificar e diversificar as estratégias para a atenção às pessoas com deficiência física, auditiva, intelectual, visual, estomia e múltiplas deficiências, por meio de uma rede de serviços integrada, articulada e efetiva nos diferentes pontos de atenção para atender às pessoas com deficiência, assim como iniciar precocemente as ações de reabilitação e de prevenção precoce de incapacidades. O Quadro 1 apresenta as diretrizes que norteiam as ações da rede de cuidados à pessoa com deficiência. 4 AVD = Atividade de vida diária. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prc0003_03_10_2017.html#ANEXOVI http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prc0003_03_10_2017.html#ANEXOVI 14 Quadro 1 – Diretrizes que norteiam ações da rede de cuidados à pessoa com deficiência Respeito aos direitos humanos: garantia de autonomia e liberdade às pessoas com deficiência para fazerem as próprias escolhas Equidade Respeito às diferenças – ações contra estigmas e preconceitos Qualidade dos serviços Cuidado integral Assistência multiprofissional / interdisciplinar; Atenção humanizada Estratégias de cuidado respeitando as especificidades de cada pessoa com deficiência Promoção da inclusão social com vistas à promoção de autonomia e ao exercício da cidadania Serviços de base territorial e comunitária Serviços em rede de atenção à saúde regionalizada Educação permanente Cuidado para pessoas com deficiência física, auditiva, intelectual, visual, estomia e múltiplas deficiências Fonte: Brasil, 2022. A Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência tem como foco a ampliação e a promoção ao acesso a um serviço de qualidade e contínuo no SUS. O processo de reabilitação da pessoa com deficiência envolve um conjunto de ações e serviços com a finalidade de melhorar/resgatar a capacidade funcional e/ou sensorial da pessoa com deficiência, desenvolvendo suas potencialidades “físicas, cognitivas, sensoriais, psicossociais, atitudinais, profissionais e artísticas que contribuam para a conquista da autonomia e participação social em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas”. A reabilitação plena precisa de diferentes olhares, por isso uma equipe interdisciplinar é necessária. Os profissionais que participam do processo de reabilitação são: • médicos; • enfermeiros; • fisioterapeutas; • fonoaudiólogos; 15 • terapeutas ocupacionais; • engenheiros biomédicos, entre outros. Parcerias entre instituições públicas e privadas podem contribuir para um melhor processo de reabilitação, com maior número de profissionais e mais horas de atendimento. O CER5 é “organizado a partir da combinação de no mínimo duas modalidades de reabilitação (auditiva, física, intelectual, visual). Atualmente, os CERs estão presentes em todos os estados da Federação” e apresentam diferentes níveis, conforme o número de combinações de modalidades (Brasil, 2015). Essenciais, as oficinas ortopédicas auxiliam no acesso à confecção, manutenção de órteses, próteses e dispositivos auxiliares de locomoção. Vamos esclarecer: • órteses – dispositivo ortopédico destinado a dar suporte ao corpo ou corrigir uma malformação, como um colar cervical, uma tala etc. (Michaelis, 2022); • próteses – peça artificial que substitui um órgão ou parte do corpo, assegurando suas respectivas funções, ou que ajuda ou proporciona melhora em uma função natural; • dispositivos auxiliares de locomoção – são exemplos os andadores, muletas e bengalas (Figura 3). Figura 3 – Diferentes modelos de muletas e bengalas Créditos: Zuperia/Shutterstock. 5 CER = Centro Especializado de Reabilitação. 16 Após a avaliação de um profissional habilitado, auxiliam no equilíbrio, deslocamento da pessoa com deficiência (também podem ser usados por pessoas com mobilidade reduzida temporariamente, como nos casos de fraturas em membros inferiores). TEMA 5 – PARALISIA CEREBRAL A paralisia cerebral (PC) é uma encefalopatia crônica não progressiva, que pode acontecer antes, durante ou depois do nascimento. Ela resulta na alteração do controle motor e da coordenação. Quanto à área de lesão, a paralisia cerebral pode ser espástica (lesão no córtex cerebral), atáxica (lesão no cerebelo), discinética (lesão nos núcleos da base) em diferentes níveis de comprometimento. Segundo as Diretrizes de atenção à pessoa com paralisia cerebral, A paralisia cerebral descreve um grupo de desordens permanentes do desenvolvimento do movimento e postura atribuídos a um distúrbio não progressivo que ocorre durante o desenvolvimento do cérebro fetal ou infantil, podendo contribuir para limitações no perfil de funcionalidade da pessoa. A desordem motora na paralisia cerebral pode ser acompanhada por distúrbios sensoriais, perceptivos, cognitivos, de comunicação e comportamental, por epilepsia e por problemas musculoesqueléticos secundários [...]. Estes distúrbios nem sempre estão presentes, assim como não há correlação direta entre o repertório neuromotor e o repertório cognitivo, podendo ser minimizados com a utilização de tecnologia assistiva adequada à pessoa com paralisia cerebral. (Brasil, 2013, p. 8). Quanto à classificação topográfica, pode apresentar-se como monoplegia, diplegia, hemiplegia, triplegia e quadriplegia. 17 Figura 4 – Classificação topográfica que se apresenta como monoplegia, diplegia, hemiplegia, triplegia e quadriplegia Créditos: Artemida-psy/Shutterstock. Para avaliar o grau de espasticidade, existem diferentes escalas, como a Escala Modificada de Ashworth (EMA) (Quadro 2). Quadro 2 – Escala Modificada de Ashworth* GRAU DESCRIÇÃO 0 Sem aumento do tônus muscular 1 Discreto aumento no tônus muscular, manifestado no início ou no final do arco de movimento 1+ Aumento do tônus em menos da metade do arco de movimento 2 Aumento do tônus em mais da metade do arco de movimento 3 Aumento considerável no tônus muscular, dificuldade de movimento passivo 4 Partes rígidas em flexão ou extensão Fonte: Charalambous, 2014. A ataxia pode ser avaliada com alguns testes, como os que seguem: 18 • Teste index – nariz – o avaliador pede ao paciente que leve a extremidade do dedo indicador tentando encostar no nariz. Avalia a metria6, no caso, a capacidade de levar o dedo indicador ao nariz. Pode ser feito com os olhos abertos e fechados (Figura 5). Quando o paciente não consegue realizar, apresenta uma dismetria. Figura 5 – Teste index – nariz Crédito: Maria de Fátima Fernandes Vara. • Teste index-index – o avaliador pede para o avaliado levar a extremidade de um dedo indicador à extremidade do outro, conforme você pode observar na figura a seguir. Pode ser feito com os olhos abertos e fechados. Quando o paciente não consegue realizar, apresenta uma dismetria. Figura 6 – Teste index-index Crédito: Maria de FátimaFernandes Vara. 6 Metria – quando o teste dá positivo, diz-se que tem uma dismetria. 19 • Teste de diadocinesia – o avaliador pede para o paciente realizar movimentos alternados de pronação e supinação. Quando o indivíduo não consegue realizar os movimentos alternados, diz-se que tem um déficit de coordenação em membros superiores, também chamado de disdiadococinesia. Figura 7 – Teste diadocinesia Crédito: Maria de Fátima Fernandes Vara. Todos os testes são simples e podem ser realizados pelos profissionais da equipe interdisciplinar. NA PRÁTICA Vimos, nesta etapa, três testes que avaliam a coordenação: teste index – nariz; teste index-index e teste de diadocinesia. Que tal realizar os testes com os olhos abertos e fechados? Tente fazer com uma pessoa próxima também. É sempre bom praticar e perceber as diferenças entre cada pessoa que realiza. FINALIZANDO Destacamos, no tópico 1, alguns aspectos de como a pessoa com deficiência participou da sociedade ao longo da história. O tópico 2 definiu o preconceito, o estereótipo e o estigma. Vimos, no tópico 3, os artigos da Lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência que abordam as questões da saúde. O tópico 4 apresentou pontos importantes da Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência. Finalizamos com o tópico 5, discutindo sobre a paralisia cerebral e mostramos alguns testes comumente utilizados para avaliar tônus e coordenação. 20 REFERÊNCIAS BRASIL. Lei n. 13.146 de julho de 2015. LBI – Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm>. Acesso em: 21 jul. 2022. ______. Ministério da Saúde. Saúde da Pessoa com Deficiência. Disponível em: <https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/s/saude-da- pessoa-com-deficiencia>. Acesso em: 21 jul. 2022. ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes de atenção à pessoa com paralisia cerebral. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Brasília: Ministério da Saúde, 2013. CHARALAMBOUS, C. P. Interrater reliability of a modified Ashworth scale of muscle spasticity. Classic papers in orthopaedics. Springer, London, p. 415- 417, 2014. CORRENT, N. Da antiguidade a contemporaneidade: a deficiência e suas concepções. Revista Científica Semana Acadêmica, 2016. 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