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AULAAULAAULA 444 Após essa aula o aluno será capaz de analisar avanços e retrocessos nas políticas educacionais brasileiras Discutir as principais políticas de educação implementadas no Brasil desde a chegada dos Jesuítas, no Brasil Colônia, até o Governo Temer. Demonstrar que a educação como direito social subjetivo é fruto de um pro cesso histórico marcado por avanços e retrocessos, por perdas e ganhos. A história da educação como políticas públicas e a educação como direito social no Brasil META OBJETIVOS 1. INTRODUÇÃO Agora que já estamos familiarizados com os conceitos principais que nortearão as discussões ao longo da disciplina, vamos voltar nossa atenção para as políticas públicas em educação, no contexto brasileiro, especificamente. Começaremos por uma retrospectiva, apontando as principais ações de políticas públicas implementadas nos diversos períodos de nossa história. Na primeira seção, discutiremos as políticas educacionais do Brasil Colônia (a educação jesuíta e a reforma pombalina). Na segunda, abordaremos as políticas educacionais do Império (Primeiro Reinado, Período Regencial e Segundo Reinado) à Primeira República. Na terceira, o foco será a Era Vargas (Governo Provisório, Governo Constitucional e Estado Novo). Na quarta, temos as políticas do governo militar, em evidência. Na quinta, discutimos as políticas públicas em educação, após a Constituição Federal de 1988, passando pelos governos Collor, Itamar, FHC, Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro. Na sexta seção, apresentamos as considerações finais e, na sétima, as referências utilizadas para a confecção deste material. Leia atentamente o material didático! Leia também os textos indicados para complementação do conteúdo desta aula! Tire suas dúvidas com as tutoras. Bons Estudos!!! 2. AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL COLÔNIA 2.1 - 210 anos de educação jesuíta A história da educação brasileira tem como marco o ‘Regimento de D. João III entregue a Thomé de Souza’, quando de sua viagem para o Brasil, para assumir o posto de Governador Geral. Nesse documento, o Rei D. João III orientava todas as ações (políticas públicas) de Thomé de Souza. No tocante à educação, determinava a conversão (catequização) dos povos indígenas à fé cristã. Em 1549, seguindo os ‘Regimentos’ e as orientações do Governador Geral, os Jesuítas, liderados pelo Padre Manuel da Nóbrega, deram início aos trabalhos educacionais, a partir de um plano de ensino dividido em duas etapas: a primeira consistia basicamente no ensino da doutrina cristã, da língua portuguesa e na alfabetização (escola de ler e escrever); na segunda, opcional, o educando poderia escolher o ensino profissionalizante e o ensino médio (gramática latina, para aqueles que pretendiam continuar os estudos na Europa, mais especificamente na Universidade de Coimbra). Em 1599, o plano de ensino desenvolvido por Manuel da Nóbrega foi substituído pelo Ratio atque Institutio Studiorum (ou simplesmente Ratio Studiorum), uma proposta educacional pedagógica universalista (adotada por todas as escolas jesuítas do mundo inteiro) e elitista. Nas escolas tradicionais, cujo número aumentou significativamente, a partir de 1564, com a aprovação da redízima1, os filhos dos colonos e dos proprietários de terras tinham acesso ao curso de humanidades (Língua, literatura, poesia, história, retórica, lógica, combinados com matemática, geografia, filosofia ciências naturais), enquanto nas escolas transitórias, os índios e os negros eram catequizados. 2.2 - Reformas Pombalinas: O Iluminismo e Positivismo nas Políticas Educacionais Brasileiras Entre 1750 e 1777, o Marquês de Pombal, primeiro Ministro português, sob a influência do iluminismo e do positivismo implementou uma série de reformas com vistas aos interesses econômicos do Estado. No campo da educação, seu objetivo era implementar o ensino laico e público, acessível aos filhos da elite dirigente. Nesse sentido, em 1759 expulsou os jesuítas, fechou suas escolas e introduziu as ‘aulas régias’ de Latim, Grego e Retórica (correspondente ao nível secundário), ministradas por professores específicos, de formação precária, de forma autônoma e isolada. Segundo Saviani (2008, p.9), (...) a responsabilidade do Estado limitava-se ao pagamento do salário do professor e às diretrizes curriculares da matéria a ser ensinada, deixando a cargo do próprio professor a provisão das condições materiais relativas ao local, geralmente sua própria casa, e à sua infraestrutura, assim como aos recursos pedagógicos a serem utilizados no desenvolvimento do ensino. A Reforma Pombalina instituiu uma educação elitista, pois as ‘aulas régias’ eram restritas a alunos que já dominavam conhecimentos básicos próprios 1 Destinação de 10% de todos os impostos arrecadados na colônia para o financiamento das escolas jesuítas. das séries iniciais (a chamada escola de primeiras letras), e excludente (os nativos foram excluídos do processo). Teoricamente a política educacional pombalina perdurou até 15 de Outubro 1827, quando foi aprovada, pelo Império, a Lei da Escola de Primeiras Letras, elaborada com base nos princípios da Constituição de 1824 que estabelecia o desenvolvimento de um sistema nacional de educação e a oferta de instrução primária e gratuita para todos os cidadãos, incluindo a população feminina (Art. 179). 3. POLÍTICAS EDUCACIONAIS DO PERÍODO IMPERIAL À PRIMEIRA REPÚBLICA 3.1 - Do I Reinado ao Período Regencial: Os primeiros passos em direção à regionalização do ensino A Lei da Escola de Primeiras Letras é a política educacional que marca o I Reinado. Previa a instalação de escolas em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos, com o objetivo de ensinar a população a ler e escrever, as quatro operações básicas da matemática, fração, decimais, proporções, noções de geometria, gramática da língua nacional, princípios da moral cristã e da doutrina da religião católica apostólica romana (tradução nossa)2. No entanto, na prática essa Lei - inovadora - não chegou a ser implementada (SAVIANI, 2008), porque as províncias não dispunham de recursos para financiar a educação pública, gratuita e universal. Na prática o que se viu foi um retrocesso: a escola voltou a ser uma instituição comprometida com a moral cristã seguindo os ritos da igreja católica, e se manteve elistista. Em 1834, o Ato Adicional à Constituição do Império transferiu do Estado Nacional para as províncias a responsabilidade do ensino primário, dando início ao processo de regionalização do ensino. Como consequência desse processo, surgem as primeiras Escolas Normais – em Niterói (1835), na Bahia (1842) e em São Paulo (1847) – com vistas à formação profissional e moral de professores para atuarem no ensino primário. Por falta de investimento público [no caso da Escola paulista também em decorrência da aposentadoria do único professor regente], as Escolas Normais acabaram fechadas, refletindo o fato de que as províncias não estavam financeira e tecnicamente preparadas para assumirem a responsabilidade do ensino primário, levando Saviani (2008, p. 9) a afirmar que “atravessamos o século XIX sem que a educação pública fosse incrementada”. 2 Artigo 6º da Lei das Escolas de Primeiras Letras, disponível em https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824- 1899/lei-38398-15-outubro-1827-566692- publicacaooriginal-90222-pl.html 3.2 - Do segundo Reinado à Primeira Republica: o nascimento da escola pública no Brasil Durante todo o segundo reinado (1840 a 1888), os investimentos na educação permaneceram irrisórios; a educação seguia sem diretrizes nacionais e o país foi acumulando “um grande déficit histórico, em matéria de educação” (SAVIANI, 2008, p. 9). No entanto, na visão de Saviani (2015), o início do período Republicano foi muito fecundo no que diz respeito à criação de uma escola pública, propriamente dita. Com a Proclamação da República e a adoção do federalismo, o poder que até então era centralizadono imperador foi dividido entre o presidente e os governadores. A Constituição de 1891 (da Primeira República) determinou a União responsável pela educação do Distrito Federal e transferiu para os governadores a responsabilidade sobre a educação, nos seus respectivos Estados, concluindo, assim, o processo de regionalização do ensino, iniciado no período imperial. Nesse sentido, os estados se viram praticamente ‘forçados” a reformularem seus sistemas de ensino e a maioria das reformas ocorreu durante os anos 1920, tendo como referência a bem sucedida Reforma Paulista. Por concentrar o maior número de reformas dos sistemas estaduais de ensino, a década de 1920 pode ser considerada um período marcado pela implementação de Reforma Paulista (1890) Tentativa de romper com a tradição humanística e implementar uma educação com base nos princípios do positivismo (conhecimento científico), o que na prática se restringiu à inclusão de novas disciplinas no currículo. Inicia-se com a reabertura da Escola Normal (1880) e se consolida com a instituição das ‘Escolas Modelo’; construção de grupos escolares; implementação do ensino seriado, enciclopédico, obrigatório e gratuito; e com a adoção de normas de admissão de professores, que passaram a ser remunerados pelo Estado. Alavancou, através das ‘Escolas Modelo’, a formação de professores no Brasil, pois além de oferecerem o ensino primário contribuíam para o aperfeiçoamento da formação docente, ao oportunizarem estágios para as normalistas. Introdução da metodologia intuitiva (método Pestalozzi) e inclusão de disciplinas pedagógicas várias políticas educacionais, em vários estados brasileiros, simultaneamente (SAVIANI, 2015). 4. AS POLÍTICAS PÚBLICAS EM EDUCAÇÃO ENTRE 1930-1945 A Revolução de 1930 põe fim à Primeira República e Getúlio Vargas, que contava com o apoio dos militares e da nova classe dominante, assume a presidência, cargo em que se manteve até 19453. O nacional-desenvolvimentismo de Vargas, e o seu interesse em desenvolver a indústria nacional, proporcionaram mudanças significativas na educação, ao longo de toda a Era Vargas, a começar pela criação do Ministério de Educação e Saúde, em 1930, que como uma de suas primeiras ações criou a Universidade Brasileira, a partir da unificação das faculdades isoladas até então implementadas. Apesar de ter sido eleito com o apoio dos adeptos da ‘Escola Nova’, Getúlio implementou, em 1931, a Reforma Francisco Campos através da qual regulou, em âmbito nacional, o ensino primário, secundário e superior; criou o Conselho Nacional de Educação; e segmentou o ensino médio nas modalidades secundário, para as classes dirigentes, e profissionalizante, para as classes trabalhadoras, com o objetivo de formar mão de obra para a indústria iminente. Contudo, se “com o incremento da industrialização e urbanização, começa a haver, também, um incremento correspondente nos índices de escolarização” (SAVIANI, 2008, p.10), este se mantém “em ritmo aquém do necessário à vista dos escassos investimentos” (idem). 3 Esse período é dividido em três fases: governo provisório (1930-1934), governo constitucional (1934- 1937), e Estado Novo (1937-1945). Em resposta à ação getulista, os integrantes da Escola Nova no Brasil publicaram, em 1932, o Manifesto dos Pioneiros, com a finalidade de oferecerem diretrizes para uma política de educação diferente daquela que havia sido implementada. Nesse documento, os adeptos da Escola Nova apresentam uma série de críticas à Reforma Capanema, como se pode observar no trecho transcrito do texto original: A situação actual, creada pela successão periodica de reformas parciaes e frequentemente arbitrárias, lançadas sem solidez economica e sem uma visão geral do problema, em todos os seus aspectos, nos deixa antes a impressão desoladora de construcções isoladas, algumas já em ruína, outras abandonas em seus alicerces, e as melhores, ainda não em termos de serem despojadas de seus andaimes... (Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, 65 (150), p. 407). O manifesto era, na realidade, um robusto projeto de reestruturação da educação no país baseado (i) na universalização da educação - pública, obrigatória, gratuita, laica e igual - para todas as crianças entre 5 e17 anos de idade; (ii) na adoção de propostas pedagógicas modernas; (iii) na autonomia das escolas; e (iv) na descentralização do ensino. Era uma proposta inovadora e audaciosa, que infelizmente não foi considerada pelo governo à época, que optou por uma política pública mais conservadora para a educação. Na segunda fase da Era Vargas, a Constituição de 1934 estabeleceu o ensino primário público e gratuito como uma obrigação do Estado, tornou a União responsável pela criação de um Plano Nacional de Educação que abrangesse todos os níveis de ensino, e incluiu a Educação Moral e Política nos currículos escolares. Principais representantes da Escola Nova no Brasil: Fernando de Azevedo Anísio Teixeira Lourenço Filho Roquette Pinto Delgado de Carvalho Hermes Lima Cecília Meireles Uma ação inovadora, introduzida por esta Constituição diz respeito à vinculação orçamentária para financiamento da educação pública no país. O Art. 156 desta Lei estabelece que “a União e os Municípios deveriam aplicar nunca menos de 10% e os Estados 20% da arrecadação de impostos na manutenção e desenvolvimento dos sistemas educacionais”. Na terceira fase, a Constituição (ditatorial) de 1937, manteve o ensino primário público e gratuito como uma obrigação do Estado, consolidou a segmentação do ensino (secundário x profissionalizante), criou a União Nacional dos Estudantes (UNE), porém suspendeu a vinculação orçamentária. Em 1942 veio a Reforma Capanema e com ela a reestruturação do ensino secundário, o fortalecimento do Ensino Superior e do Ensino Profissionalizante, com a criação do Sistema ‘S’. Com a segmentação do ensino (secundário x profissionalizante), o governo pretendia reduzir a tensão entre a classe empresarial e classe trabalhadora. A educação para o empresariado tinha o propósito de formar lideranças nacionais; para os trabalhadores, de formar profissionais qualificados e passivos. Nesse sentido, a educação, ao invés de estar sendo utilizada como uma política pública para reduzir as diferenças sociais, estava sendo utilizada para reforçar a divisão de classes. Uma crítica às políticas educacionais da Era Vargas, principalmente àquelas implementadas durante o Estado Novo, é que, de modo geral, na prática, tais políticas ao invés de priorizarem a universalização do ensino, objetivavam “formar uma elite de alta qualidade e estabelecer formas de educação profissionalizante” (ABRUCIO, 2018, p. 45). 5. DA NOVA REPÚBLICA AO GOVERNO MILITAR: DUAS LDB’s Entre as duas ditaduras – Vargas e Militar – houve um curto período de redemocratização, com a promulgação, em 1946, da Constituição da Nova República. No tocante à educação, o texto constitucional determinou a obrigatoriedade da escola primária, manteve a divisão do ensino de nível secundário (aprendizado científico e técnico), reintroduziu a vinculação obrigatória para o financiamento da educação pública (fixou em 20% a obrigação mínima dos estados e municípios e em 10% a obrigação mínima da União) e delegou à União a responsabilidade de implementar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que foi promulgada em 1961. Em 1964 foi instaurado, por meio de golpe de Estado, o regime militar e com ele inauguramos, em 1967, uma nova Constituição a qual, para início de conversa, exclui a vinculação orçamentária destinada a financiar a educação pública. Durante o governo militar, a educação reduziu-se à prática tecnicista de transferência de conhecimento de professores para alunos, tendo como foco a ‘preparação’ de mão de obra para o mercado de trabalho. Para mencionar algumas realizações importantes, durante o governo militar foi criado o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), visandoa erradicação do analfabetismo; foi realizada a reforma universitária (Lei 5.540/1968), e promulgada a nova Lei de Diretrizes e Bases (Lei 5692/1972)4 , considerada retrógrada e conservadora. 6. A EDUCAÇÃO COMO DIREITO SOCIAL Com o fortalecimento de governos liberais por todo o mundo e com a pressão política interna do Movimento ‘Diretas Já’, realizou-se, em 1º de Janeiro de 1985, eleições indiretas para Presidente, com a eleição da chapa Tancredo Neves e José Sarney. Uma das primeiras ações de José Sarney [vice-presidente que assumiu o cargo em 15 de março de 1985, em virtude do falecimento de Tancredo] foi justamente convocar uma Assembleia Nacional Constituinte. Em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, finaliza-se, oficialmente, o governo militar. A Constituição Cidadã, como é conhecida, ampliou significativamente os direitos sociais do cidadão brasileiro, dentre os quais destacamos a educação, que também passou a ser considerada direito subjetivo. Direitos subjetivos são aqueles efetivamente garantidos ao indivíduo pela Lei. Seu descumprimento implica em responsabilização das autoridades competentes. 6.1 – AS POLÍTICAS PÚBLICAS EM EDUCAÇÃO DURANTE OS ANOS 90: Durante a década de 1990 o Brasil teve três Presidentes: Fernando Collor de Mello (1990-1992), Itamar Franco (1992-1995) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) e as políticas educacionais variaram significativamente entre um governo e outro. 6.1.1. Políticas Educacionais no Governo Collor de Melo Segundo Veloso (1992) apud Yanaguita (s/d, p.3), durante o governo Collor as políticas educacionais foram marcadas “por forte clientelismo, privatização e enfoques fragmentados” e por “muito discurso e pouca ação” [ARELARO (2000), FRANÇA (2005) apud Yanaguita (s/d, p.3)]. Collor lançou, em 1990, o Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania (PNAC), objetivando no prazo de 5 anos a redução, em 70%, do número de analfabetos no país. Para o longo prazo, o documento explicita não apenas a intenção de erradicar o analfabetismo mas também a de universalizar o ensino fundamental. Além do PNAC, foi lançado o “Programa Setorial de Ação do Governo Collor na área de Educação (1991-1995)”, documento no qual o governo explicitava sua política educacional, fixava metas para a educação, definia recursos para o seu financiamento e previa a gestão democrática do ensino. O objetivo principal deste Programa era inserir o país na revolução tecnológica, através da introdução, na área da educação, dos princípios de equidade, eficiência, qualidade e competitividade. Visando o sucesso do seu Projeto de Reconstrução Nacional (1991), buscou adequar a oferta da educação à demanda (quantidade) e às necessidades da população brasileira e nesse sentido buscou desenvolver mecanismos de integração e articulação entre governo, sociedade e iniciativa privada. 6.1.2. Políticas Educacionais no Governo Itamar Franco No governo Itamar Franco foi elaborado o Plano Decenal de Educação para Todos, para o decênio 1993-2003. Este documento, além de ser um diagnóstico da situação do ensino fundamental no Brasil, naquele momento, identificava os problemas da educação brasileira e apontava estratégias a serem implementadas visando a minimização/eliminação dos mesmos, assim como sugeria estratégias a serem adotadas para garantir a “universalização da educação fundamental e a erradicação do analfabetismo”, admitindo-se uma ação integrada entre as três esferas governamentais (SAVIANI, 1999). O Plano explicitava, também, uma visão descentralizadora para as políticas educacionais na medida em que previa a modernização da gestão, baseada na concessão de autonomia financeira, administrativa e pedagógica, visando o aumento da produtividade e da competitividade das instituições de ensino. Objetivando a universalização do ensino básico, a erradicação do analfabetismo e a melhoria da qualidade da educação, o Plano explicitava a intenção de aumentar os recursos financeiros para o financiamento e de definir “instrumentos para controle dos gastos públicos em educação de forma a evitar que os recursos, que legal e constitucionalmente eram destinados a essa área fossem aplicados em outros programas” (YANAGUITA, s/d, p. 5). Infelizmente, segundo Saviani (1999), esse plano nunca chegou a ser implementado, limitando-se apenas a orientar algumas ações da esfera federal no âmbito da educação. 6.1.3. Políticas Educacionais no Governo FHC Em 1995, o Presidente Fernando Henrique Cardoso assume a Presidência da República e, segundo Yanaguita (s/d, p. 5), “os eixos da política educacional permearam o estabelecimento de um mecanismo objetivo e universalista de arrecadação e repasse de recursos mínimos para as escolas”, o que condiz com as propostas do Estado em reduzir sua área de atuação e transferir para o setor privado parte dos serviços que até então estavam, prioritariamente, sob a responsabilidade do setor público. Segundo Durham (2010), a maioria das políticas educacionais implementadas pelo governo FHC foram orientadas pela LDB – Lei 9394/96. No documento “Mãos à obra Brasil” a União redefine, com base no princípio da descentralização, as atribuições das três esferas de governo, na oferta dos serviços de educação: a União passou a ser responsável pela coordenação e gerenciamento das políticas educacionais; e Estados e Municípios se tornaram responsáveis por sua execução, desfrutando de certa flexibilidade e autonomia na implementação das ações. No entanto, segundo Pinto (2000), Arelaro (2004) e Rodriguez (2001) apud Yanaguita (s/d, p.8), “esta descentralização foi feita de modo inadequado (sem planejamento nem prioridade claras), visto que boa parte dos municípios não se encontrava preparada administrativa e pedagogicamente” para assumir tal responsabilidade. Durante o governo FHC foi criado o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF)4; implementada a nova LDB - Lei 9496/1996 e o novo sistema de avaliação da educação brasileira. Uma crítica às políticas educacionais no período FHC diz respeito aos efeitos perversos da focalização das políticas – e, portanto, do investimento público - no ensino fundamental: redução do número de vagas e perda da qualidade do ensino infantil, médio e da Educação para Jovens e Adultos. A educação superior continuou sob a responsabilidade da União, muito embora, tenham surgido várias Universidades Estaduais, inclusive como uma tentativa dos governos estaduais de cobrirem as lacunas do ensino superior, tendo em vista seu relativo abandono/sucateamento, durante o governo FHC. Verificou-se também um aumento do número de Instituições privadas de Ensino Superior as quais, segundo Durham (2010), não foram diretamente beneficiadas com nenhuma política governamental. Pelo contrário, tais instituições perderam a vantagem da isenção fiscal e foram submetidas ao Provão, o que acirrou a competição entre elas. Importante ressaltar que, em 2001, foi criado o Fundo de Financiamento ao estudante do Ensino Superior (FIES), uma política de financiamento que beneficia, indiretamente, as instituições privadas. Em relação ao ensino técnico-profissionalizante, o governo FHC separou a formação técnica para o mercado de trabalho da formação propedêutica; 4 O financiamento da educação brasileira e a avaliação do sistema educacional serão abordados em aulas específicas. em grande parte essa medida deveu-se ao fato de que os cursos oferecidos pelas Escolas Técnicas Federais, que além do curso técnico contavam com formação propedêutica de excelente qualidade, estavam sendo usados, por grande parte dos alunos, principalmente aqueles de classe social mais elevada, como um pré-vestibular para ingresso nas Universidades Federais. Ao implementar esta medida FHC afastou das Escolas Técnicas os alunos interessados no curso superior. 6.2 - AS POLÍTICAS PÚBLICAS EM EDUCAÇÃO APÓS OS ANOS 2000 Nos anos 2000 temosquatro presidentes com mandatos já concluídos: Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011); Dilma Rousseff (2012-2016); Michel Temer (2016-2018); e Jair Messias Bolsonaro (2019-2022). Nesse ano de 2023, o Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, que venceu o pleito eleitoral de 2022, volta ao cargo. Porém, como se trata de um governo incipiente, este não será abordado nesta aula. 6.2.1 – Os governos Lula e Dilma Durante os anos 2000 (2003 a 2016) o Brasil foi governado por dois Presidentes – Lula e Dilma – ligados ao Partido dos Trabalhadores. Ambos os governos caracterizaram-se por um maior intervencionismo, inclusive na área da educação, cujas políticas focalizaram o ensino técnico profissionalizante e o ensino superior. Em relação ao primeiro, chama a atenção a expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, em todo o território nacional: “entre 2003 e 2016, o Ministério da Educação concretizou a construção de mais de 500 novas unidades referentes ao plano de expansão da educação profissional, totalizando 644 campi em funcionamento” (BRASIL, MEC, 2017). FIGURA 1: BRASIL - Distribuição espacial, segundo a UF, das Instituições que formam a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (2017) Fonte: http://redefederal.mec.gov.br/instituicoes. Acesso dia 10/02/2023 Em relação à educação superior, também verificou-se a expansão da rede federal com a criação de novas Universidades e inauguração de novos Campi, tendo havido, inclusive, uma forte política de interiorização do ensino superior no Brasil (Programa REUNI). Além de manter o FIES (após reestruturações), implementou o Programa Universidade Para Todos (PROUNI), com a finalidade de conceder bolsas de estudo integrais e parciais em cursos de graduação e sequenciais, em instituições de ensino superior privadas, principalmente para a população de baixa renda, e adotou medidas – Bolsa Permanência, FIES e PNAES - para garantir a permanência dos estudantes no ensino superior. O governo Dilma deu continuidade a todas as políticas educacionais do governo Lula, e buscou ampliar ainda mais o acesso da população ao ensino, através da implementação do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC e PRONATEC-EJA), com o objetivo de expandir, interiorizar e democratizar a educação profissional e tecnológica no país. 6.2.2 – O governo Temer O governo Temer representou um enorme retrocesso para a educação brasileira, na medida em que esvaziou as políticas educacionais que estavam em curso no país e buscou promover mudanças estruturais que favoreciam significativamente o setor privado. Uma das mudanças – felizmente não aprovada pelo Congresso Nacional – dizia respeito à destinação de recursos do FUNDEB para as Instituições privadas. Na prática isto significaria menos recursos públicos para as escolas públicas e injeção de recursos públicos nas escolas privadas. Principais pontos da reforma do ensino médio O Currículo do ensino médio será definido pela BNCC. Carga horária do ensino médio será dividida da seguinte forma: 60% da carga horária para conteúdos comuns; 40% para assuntos específicos, de acordo com o itinerário formativo escolhido pelo estudante (disciplinas eletivas). Itinerários formativos: (1) linguagens; (2) matemática; (3) ciências da natureza; (4) ciências humanas; e (5) formação técnica. As escolas devem oferecer pelo menos um itinerário formativo. Inglês passa a ser disciplina obrigatória a partir do 6º ano do ensino fundamental. Se a escola ofertar segunda língua, preferencialmente deve ser o espanhol. Português e Matemática são disciplinas obrigatórias nos 3 anos do ensino médio. “A privatização, o desmonte das leis educacionais como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a desconstrução da educação infantil, a prevalência da agenda de reforma empresarial e o descumprimento do PNE” (DANIEL CARA, 2017 apud UCZAK et al, 2020, s/p), assim como o esvaziamento do FIES, do PROUNI e a redução dos mecanismos de participação e controle social constituíam a agenda de políticas públicas em educação deste governo. Em 2017, o governo aprovou a reforma do ensino médio (Lei 13.415/2017), que tem como principal justificativa o grande contingente de evasão escolar no ensino médio e também o elevado número de “egressos/as do ensino médio que não prosseguem os estudos no ensino superior e nem conseguem uma colocação profissional” (CÁSSIO e GOULART, 2022). Segundo Jacomini (2022, p. 267), trata-se de uma reforma de grandes proporções, estabelecida de cima para baixo (política top-down), com participação restrita ao setor privado. Apesar de ter sido aprovada no governo Temer, o processo de implementação da reforma do ensino médio teve início no governo de Jair Bolsonaro, ressaltando-se que apesar das diretrizes nacionais serem de responsabilidade do Ministério da Educação (MEC), os Estados é que são os responsáveis diretos pela implementação da mesma, dado que, de acordo com o §3º do Art. 209 da Constituição Federal brasileira de 1988, “Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio”. O Estado de São Paulo foi o primeiro a dar início à implementação do novo ensino médio, em 2021, em meio à pandemia e durante o isolamento social, porém na maioria dos Estados brasileiros tal processo teve início no primeiro semestre de 20225. 6.2.3 - O governo Jair Bolsonaro No período do governo Bolsonaro experimentamos, mais uma vez, uma série de retrocessos na área da educação, a começar pelo contingenciamento de verbas para a educação básica e para a educação superior. Um outro ponto que marca as políticas públicas em educação deste governo é, na visão e Lobo (2020), diz respeito à quebra da autonomia - política, pedagógica, de gestão e financeira - das instituições de ensino em todos os níveis. Como exemplo mencionamos o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares e o Programa Future-se. No primeiro os militares assumiriam a gestão escolar; no segundo a gestão seria compartilhada entre as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) e as Fundações de 5 A reforma do Ensino Médio será estudada mais aprofundadamente em aula específica. Nessa ocasião trataremos do conteúdo da reforma, da visão de pesquisadores sobre as consequências desta reforma e do processo de implementação do novo ensino médio nos Estados brasileiros, principalmente no Estado do Rio de Janeiro. Apoio à Pesquisa, por meio da assinatura de um contrato de resultados firmado entre as IFES e o MEC. Segundo Lobo (2020, p.5) “, o contrato de resultado equivaleria, na prática, a um contrato de gestão, onde o controle e a avaliação de desempenho das IFES e dos servidores serviria como forma de coerção. Outro prejuízo para a educação, que se repercute em várias outras áreas e na qualidade de vida da sociedade - foi a política de enfraquecimento das atividades de pesquisa e extensão, nas universidades. Segundo Lobo (2020, p. 5), “no projeto Future-se a produção científica está atrelada aos interesses estritos do mercado. (...) Pesquisas “aceitáveis” nesse programa são aquelas que apresentem resultados em curto prazo e produzam “produtos” a serem comercializados na bolsa de valores”. São também apontados por Lobo (2020) como prejuízos para a educação brasileira, ao longo do governo Bolsonaro: (i) o fortalecimento do setor educacional privado, vis a vis o enfraquecimento do setor público, principalmente via corte de verbas; (ii) a mudança de foco na formação continuada de professores, de uma formação teórica e prática visando a formação de um docente com autonomia intelectual, para uma formação técnica-instrumental, para um sistema tradicional, na tentativa de expurgar o método paulo-freiriano de ensino. Outra marca das políticas educacionais deste governo é o estímulo ao empreendedorismo, em um cenário de precarização das relações trabalhistas e de recrudescimento de oportunidades no mercadode trabalho, e a defesa do ensino domiciliar (modalidade de ensino realizado em casa, sem vínculo com instituição de ensino, em que pais ou responsáveis ou tutores assumem o papel de professor). 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS Esperamos ao final desta aula, que você compreenda que as políticas em educação não são definitivas; não são imutáveis. Pelo contrário, as ações do Estado na educação brasileira variam significativamente ao longo do tempo e de um governo para outro, isso porque muitas políticas públicas em educação não são políticas de Estado. É importante observar que em alguns momentos prevaleceram ações voltadas para a universalização do ensino, em outros, as políticas públicas em educação se revelaram excludentes e elitistas. Na realidade, considerando todo o percurso histórico das políticas públicas em educação, pode-se dizer que a exclusão e a elitização são a regra; a universalização, a exceção. Outro ponto importante a se destacar é que a história das políticas públicas em educação é marcada por avanços e retrocessos. E, por esses motivos, continuamos acumulando um “grande déficit histórico em educação” (SAVIANI, 2008, p.9). 8. REFERÊNCIAS ABRUCIO, F. L. Uma breve história da educação como política pública no Brasil. In DALMON, D. L, SIQUEIRA, C., BRAGA, F. M. (orgs). Políticas Educacionais no Brasil: o que podemos aprender com casos reais de implementação? São Paulo. Edições SM, 2018. CÁSSIO, Fernando; GOULART. Débora Cristina. A implementação do Novo Ensino Médio nos estados: das promessas da reforma ao ensino médio nem-nem. Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 16, n. 35, p. 285- 293, mai./ago. 2022. 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