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Caso 4 Estrutura e função das meninges As meninges são três revestimentos de tecido conjuntivo que envolvem e protegem amedula espinal e o encéfalo, principais componentes do SNC. Dura-máter: amais superficial das três meninges, é uma camada espessa e resistente de tecido conjuntivo denso não modelado. É ricamente vascularizada e, ao contrário das outras, é inervada. → Por sermais espessa, pode ser chamada de paquimeninge. → Entre as duas membranas da dura-máter há o espaço (virtual) epidural/extradural. Aracnoide: é ameninge média, um revestimento avascular de tecido conjuntivo. → Entre a dura-máter e a aracnoide, existe um espaço (virtual) subdural estreito que contém liquido intersticial. Pia-máter: é ameninge mais interna, uma camada fina e delicada de tecido conjuntivo que é bem vascularizada. → Entre a aracnoide e a pia-máter há o espaço (real) subaracnóideo, que contém LCR (que tem função de amortecimento, protegendo o SNC de impactos). A aracnoide e a pia-máter constituem a leptomeninge (meninge fina). LCR: líquido semelhante ao sangue que oferece proteção física ao SNC (amortecendo contra impactos), ajuda a manter a pressão intracraniana, proporciona um ambiente químico adequado para a sinalização entre os neurônios, fornece nutrientes para as células nervosas e ajuda a transportar resíduos metabólicos para excreção. → Produzido pelo plexo coroide dos quatro ventrículos do encéfalo, são células com junções apertadas, mas que possuem poros mais abertos do que os da BHE, permitindo a passagem de, p. exemplo, componentes do sistema imunológico e fármacos. Barreira hematoencefálica As células endoteliais dos vasos sanguíneos do sistema nevoso ficam super coladas por junções oclusivas, fazendo com que essa barreira funcione de forma semipermeável altamente seletiva. Sua principal função é proteger o sistema nervoso, impedindo que, p. ex, microrganismos emoléculas potencialmente tóxicas entrem e causem danos às células nervosas, que são vitais para o nosso corpo, mas tambémmuito frágeis. Moléculas essenciais, como água e oxigênio, conseguem passar por essas células coladas. Outras conseguem passar através de difusão passiva, se forem pequenas, não-ionizadas e lipossolúveis. → Se umamolécula tóxica possuir essas características favoráveis, ela pode conseguir. Ex: álcool. → Moléculas grandes, ionizadas e hidrossolúveis que são essenciais para o tecido nervoso precisam de proteínas transportadoras ou receptores que ajudem elas a passarem. Ex: glicose. A barreira também não permite a entrada de anticorpos, células imunes e citocinas, por isso é chamado de sítio imunoprivilegiado. Existem partes do cérebro que são intencionalmentemais fáceis de serem acessadas, onde a BHE é menos rígida, principalmente aquelas que participam do sistema endócrino. Ex: hipófise. Meningite É o processo inflamatório das leptomeninges e do espaço subaracnóideo preenchido por LCR, geralmente causado por uma infecção. A inflamação se espalha rapidamente por causa da circulação de LCR em torno do encéfalo e da medula espinal. A sazonalidade da doença caracteriza- se pelo predomínio das meningites bacterianas no inverno e das meningites virais no verão. As crianças, na faixa etária de ummês aos cinco anos de idade, respondem por cerca de 90% dos casos. Contudo, a meningite bacteriana pode se apresentar em qualquer idade, incluindo os idosos. Classificação Meningite infecciosa: pode ser dividida em piogênica aguda/purulenta aguda (bacteriana), asséptica/linfocítica aguda (viral) e crônica (tuberculosa, por espiroqueta ou criptocócica). → Pode ser causada também por parasitas (Toxoplasma gondii, Taenia solium) e fungos. Meningite não infecciosa: pode ocorrer em resposta a um agente irritante não bacteriano introduzido no espaço subaracnóideo. Ex: fármacos, vacinas, etc. → Cada tipo é acompanhado por alterações característica do LCR. Fisiopatologia Os fatores responsáveis pela gravidade da meningite incluem fatores de virulência do patógeno e fatores do hospedeiro. Os fatores de risco associados à contração da doença são traumatismo craniano com fratura de base de crânio, otite média, sinusite oumastoidite, neurocirurgia, fístula dérmica, septicemia sistêmica ou imunossupressão. As vias de infecção são três: → Hematogênica: é a mais comum, ocorre através do sangue de áreas como orofaringe, pulmões ou pele até o SNC. → Acesso direto: pode ocorrer em procedimentos cirúrgicos sem a devida esterilização domaterial e em traumatismos cranianos. → Contiguidade: foco bacteriano em áreas próximas ao SNC, como em otites médias, mastoidites e sinusites. Meningite bacteriana Bactérias distintas causam a doença em diferentes faixas etárias: Streptococcus pneumoniae e Listeria monocytogenes (idosos), Escherichia coli e estreptococos do grupo B (recém-nascidos) e Neisseria meningitidis (adolescentes e adultos). → A Haemophilus influenzae foi durante décadas a principal causadora, principalmente em crianças, mas sua incidência diminuiu por causa da vacinação. As bactérias se replicam e são submetidas à lise no LCR, liberando endotoxinas ou fragmentos da parede celular. Essas substâncias promovem a liberação de mediadores inflamatórios, que aumentam a permeabilidade da BHE, permitindo o movimento de patógenos, neutrófilos e albumina através dos capilares até o LCR. À medida que os agentes patogênicos entram no espaço subaracnoide, causam uma inflamação que se caracteriza por um exsudato purulento. Pode haver tromboflebite (trombose venosa superficial) nas veias da ponte ou a destruição das arteríolas por conta da inflamação, provocando congestão vascular e infarto nos tecidos circundantes. Asmeninges se tornam espessas e formam aderências, que podem acabar invadindo os nervos cranianos, resultando em paralisia dos nervos. Podem também prejudicar o escoamento de LCR, causando hidrocefalia. Meningite viral De muitas formas, ela se manifesta como a bacteriana, masmenos grave e com os achados do LCR significamente diferentes. → Existem linfócitos no líquido, ao invés de células polimorfonucleares (granulócitos), o teor de proteínas é menor e o teor de açúcares é geralmente normal. São autolimitadas e muitas vezes requerem apenas um tratamento sintomático. Pode ser causada por vários vírus diferentes, na maioria das vezes enterovírus (80% dos casos). → Também pode ser pelo vírus varicela-zóster, arbovírus, etc. Ameningite crônica não é incomum durante a evolução da infecção pelo HIV. Pleocitose e sinais meníngeos leves são frequentes no início da infecção pelo HIV, e, em certas ocasiões, verifica-se a persistência de meningite de baixo grau. Embora muitas vezes o vírus não possa ser identificado, têm surgido novos ensaios que possibilitam, em algumas circunstâncias, uma rápida identificação de RNA viral no LCR. → Doença meningocócica é a meningite causada por bactérias Neisseria meningitidis, enquanto a pneumocócica pelas Streptococcus pneumoniae. Quadro clínico (bacteriana) A tríade clássica de sintomas é composta por cefaleia intensa, rigidez nucal e febre alta de início súbito. Outros são sonolência,mialgia, dores na costa, no abdome e nosmembros, náuseas e vômitos, agitação e fotofobia. Outros sinais são convulsões, paralisia de nervos cranianos e sinais cerebrais focais. A presença de papiledema bilateral (inchaço de parte do nervo óptico) quando observada, representa o aumento da pressão intracraniana. Em neonatos/lactentes, o quadro é caracterizado por irritabilidade, baixa aceitação da dieta, hipertonia/hipotonia, abaulamento de fontanela e grito meníngeo (o bebê grita ao ser manipulado, principalmente quando flete as pernas para trocar a fralda). A rigidez nucal quase nunca está presente. Sinais focais podem refletir a presença de uma complicação do processo inflamatório (p. exemplo: abcesso cerebral, vasculite, etc). → Sinais focais são indícios de déficit neurológico focal, que caracteriza-se pela perdade movimento, sensação ou função em um local específico do corpo. Ex: complicações na visão, audição e fala. Namaioria dos indivíduos, ameningite meningocócica causa uma erupção petequial com púrpura palpável, e essas petéquias variam em tamanho, podendo ser pequenas ou grandes. Profilaxia (bacteriana) Medicamentosa: indicada em contatos familiares e íntimos do paciente, como crianças em creches ou escolas. Feita em indivíduos que permaneceram com o paciente por cerca de 4h/dia durante 5 a 7 dias, assim como profissionais de saúde que foram expostos às secreções respiratórias do paciente. A rifampicina é a primeira opção de droga. Vacinação: a vacina contra o meningococo sorotipo C faz parte do calendário vacinal básico das crianças brasileiras. A vacina contra a Haemophilus influenza (Hib) também faz parte do calendário vacinal, compondo a pentavalente (difteria, tétano, coqueluche, Hib e hepatite B). Diagnóstico (bacteriana) O diagnóstico baseia-se no histórico e no exame físico, em conjunto com dados de testes laboratoriais. Exame físico: O sinal de Kerning é a resistência à extensão do joelho, enquanto o indivíduo está deitado com o quadril flexionado em um ângulo reto. O sinal de Brudzinski é provocado quando a flexão do pescoço induz à flexão do quadril e joelho. Exame de LCR (padrão-ouro): o diagnóstico deve ser confirmado por uma punção lombar (raquicentese). Os resultados incluem LCR purulento e turvo. Geralmente, há uma grande quantidade de neutrófilos e proteínas e baixo teor de açúcar. → O paciente fica em decúbito lateral e a agulha é inserida no interespaço L3-L4 ou L4-L5. → O LCR normal apresenta aspecto cristalino, límpido e com quase 100% dos leucócitos presentes sendo linfócitos emonócitos. → Quando há redução do nível de consciência, com déficits focais novos e/ou papiledema, sinais de HIC, nova crise convulsiva e pacientes imunocomprometidos, recomenda-se um exame de neuroimagem antes da punção. → Contraindicado para pacientes com comprometimento cardiorrespiratório, suspeita de HIC com sinais de edema papilar e infecção no local da punção. Neuroimagem: a punção lombar pode causar hérnia cerebral em pacientes com certas lesões, como edema cerebral difuso, hidrocefalia, papiledema ou estado imunocomprometido grave, sendo indicado a realização de tomografia computadorizada (TC) craniana antes da punção lombar, além de iniciar tratamento com antibióticos antes do exame de imagem. Cultura de bactéria: feita com a coloração de Gram e a inoculação em meios de cultura, é realizada com o LCR a fresco. Hemoculturas e biópsia das lesões cutâneas: em casos demeningite bacteriana, as hemoculturas costumam ser positivas e a biópsia de lesões petequiaismostram omicrorganismo. Teste de aglutinação do látex: é uma forma que pode detectar as bactérias causadoras emmenos de 15 minutos. Geralmente é feito em pacientes que apresentam suspeita e fizeram o teste de cultura do LCR com coloração de Gram, mas tiveram resultados negativos. → É um teste feito para identificar o sorotipo de vários microrganismos com base na resposta imunitária antígeno- anticorpo do paciente. PCR: tem a capacidade de detecção do DNA dosmicrorganismos, e seu resultado é obtido rapidamente (cerca de 1 dia). Tratamento A rápida instituição do tratamento antibiótico específico é a principal medida de impacto no prognóstico. A terapia antimicrobiana inicial deve ser baseada no conhecimento epidemiológico dos principais agentes para a idade e das condições predisponentes da pessoa, e o ajuste para a terapia específica ocorre quando o patógeno e seu perfil de resistência forem identificados. A escolha inicial é de antibióticos com cobertura de amplo espectro, como cefalosporinas de terceira geração (ceftriaxona, cefotaxima ou cefepima), vancomicina e algumas vezes ampicilina. → RN (com menos de 2 meses): recomenda-se o uso intravenoso de cefotaxima com ampicilina. → Pessoas entre 2 meses e 50 anos: uso intravenoso de cefalosporinas de terceira geração. → Maiores de 50 anos: devido ao risco de meningite por L. motocytogenes, deve-se usar ampicilina em conjunto com as cefalosporinas. A penicilina G é o antibiótico de escolha para ameningite meningocócica, enquanto o tratamento para a pneumocócica deve ser iniciado com uma cefalosporina e vancomicina. Antibióticos efetivos produzem rapidamente a lise do agente patogênico, que produz mediadores inflamatórios com potencial para exacerbar as anormalidades da BHE. Para suprimir essa inflamação patológica, a terapia com corticosteroides deve ser conjuntamente administrada a cada vez ou imediatamente antes da primeira dose de antibióticos em pacientes de todas as idades, exceto neonatos. Complicações da meningite 95% dos pacientes apresentam pelo menos duas das três síndromes na meningite bacteriana. Síndrome toxêmica Caracteriza-se pela queda importante do estado geral, febre alta e, eventualmente, quadro de delírio e confusão mental. A febre é o sintoma de maior sensibilidade diagnóstica, estando em 95% dos casos envolvendo pacientes imunocompetentes. Sinal de Faget: dissociação do pulso com a temperatura, ou seja, apesar da febre alta, o paciente está bradicárdico. Síndrome da hipertensão intracraniana Caracterizada por cefaleia intensa, náuseas e vômitos em jato (ou não), podendo ocorrer fotofobia. → O exsudato purulento gerado com o aumento da permeabilidade da BHE provoca a diminuição da drenagem do LCR no espaço subaracnoide, e o liquor, por conta do abcesso cerebral formado a partir do processo inflamatório da infecção, vai crescendo e pressionando o LCR, aumentando a pressão intracraniana. O paciente deve, antes de qualquer coisa, ser submetido a uma TC. HIC grave: redução do nível de consciência, podendo chegar ao estado comatoso (por conta da compressão de componentes do sistema reticular, responsáveis pelo estado de vigília, e por hipofluxo sanguíneo cerebral). Meningococemia É um quadro de septicemia meningocócica, apresentado por cerca de 1 em 4 casos da doença meningocócica. De 15-20% dos casos possui evolução rápida, apresentando prostração intensa, palidez, sinais de toxemia, exantema e/ou petéquias, hipotensão, etc. → Lesões como petéquias, púrpura oumaculopapular são observadas em todo o corpo, inclusive nas extremidades e mucosas.