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ACT 2: AVALIAÇÃO LABORATORIAL DO LÍQUIDO CÉFALO RAQUIDIANO 1) Formação do líquido cefalorraquidiano (LCR): O LCR é formado principalmente pelos plexos coroides, estruturas altamente vascularizadas localizadas nos ventrículos cerebrais, especialmente nos ventrículos laterais. O processo de formação envolve tanto a filtração do plasma sanguíneo quanto a secreção ativa de íons e substâncias pelas células epiteliais ependimárias dos plexos coroides. Essas células possuem transportadores que bombeiam íons sódio (Na+), cloreto (Cl–) e bicarbonato (HCO3–) para o interior do espaço ventricular. A água acompanha esse movimento por osmose, formando o líquido. Além disso, pequenas quantidades de glicose, aminoácidos, vitaminas hidrossolúveis e ureia também são secretadas. O LCR circula pelos ventrículos, passa pelo forame de Monro, aqueduto de Sylvius e forames de Luschka e Magendie até chegar ao espaço subaracnóideo, onde envolve cérebro e medula. A absorção ocorre principalmente nas vilosidades aracnoides, que drenam o líquido para o sistema venoso. É importante lembrar que o LCR se renova várias vezes ao dia, sendo produzido em torno de 500 mL/dia, embora o volume total seja de apenas 120-150 mL. Essa alta taxa de renovação garante limpeza de metabólitos e proteção do sistema nervoso central. 2) Principais parâmetros avaliados no LCR: glicose, proteína e lactato desidrogenase (LDH): Glicose do LCR: corresponde a cerca de 2/3 da glicemia sérica. O valor normal é de aproximadamente 45 a 80 mg/dL. A queda da glicose no LCR, chamada hipoglicorraquia, ocorre principalmente em meningites bacterianas e tuberculosas, pois os microrganismos e células inflamatórias consomem glicose. Em meningites virais, geralmente a glicose se mantém normal. A glicose entra no LCR através de um mecanismo de transporte facilitado. Esse mecanismo não é totalmente funcional até quatro a oito semanas após o nascimento, e por isso que, juntamente com a barreira hematoencefálica imatura nesse momento, a concentração de glicose no LCR é dependente da idade. Os níveis de glicose se normalizam antes dos níveis de proteínas e da contagem de células durante a recuperação da meningite, tornando-se um parâmetro útil na avaliação de resposta ao tratamento. Proteína do LCR: As proteínas do LCR são constituídas albumina (maior quantidade) e globulina (menor quantidade); Em condições normais, a concentração é baixa (até 45 mg/dL), porque a barreira hematoencefálica restringe a entrada de proteínas séricas. O aumento proteico (hiperproteinorraquia) ocorre em qualquer processo inflamatório ou infeccioso, já que a permeabilidade da barreira aumenta. Em meningite bacteriana, a elevação é marcante, podendo ultrapassar 100 mg/dL. Em meningites virais, a elevação é discreta, porém é um achado inespecífico e deve ser interpretado em correlação à apresentação clínica e outros achados laboratoriais. Em recém nascidos, o LCR geralmente é xantocrômico (amarelado) devido à elevação frequente dos níveis de bilirrubina e proteína nessa faixa etária, e em razão da imaturidade da barreira hematoencefálica nos RN’s. Lactato desidrogenase (LDH): é uma enzima que se eleva quando há necrose ou lise celular. Seus níveis aumentam significativamente nas meningites bacterianas devido à intensa destruição de células inflamatórias e bacterianas, além de maior metabolismo anaeróbio. Nas meningites virais, a elevação do LDH é menor. Em condições normais, a atividade da LDH no LCR é bem menor do que a encontrada no soro sanguíneo. Em RN, elevações da LDH são observadas em hemorragias intracranianas e estão de forma significativa associadas com distúrbios neurológicos, como convulsões e hidrocefalia. Esses três parâmetros em conjunto são fundamentais para diferenciar meningite bacteriana, viral, tuberculosa e fúngica. 3) Celularidade do LCR e relação com a etiologia das meningites: A celularidade do líquido cefalorraquidiano (LCR), no contexto das meningites, refere-se ao tipo e à quantidade de células encontradas durante o processo inflamatório que acomete as meninges. As meninges são as membranas que envolvem o cérebro e a medula espinhal, e sua inflamação pode ser causada por diferentes agentes infecciosos, como bactérias, vírus, fungos ou parasitas. Cada agente gera alterações características no LCR, especialmente na composição celular, o que ajuda a diferenciar os tipos de meningite e, consequentemente, a orientar o diagnóstico e a escolha do tratamento adequado. Na meningite bacteriana, o LCR costuma apresentar um aumento expressivo de leucócitos (glóbulos brancos), com predomínio de neutrófilos, que são células de defesa de ação rápida contra infecções bacterianas. Os principais agentes são Neisseria meningitidis, Streptococcus pneumoniae e Haemophilus influenzae. Nessa situação, além da leucocitose com predominância de neutrófilos (chamados polimorfonucleares), há também aumento da quantidade de proteínas no líquido e redução dos níveis de glicose. Esse conjunto de achados é típico de meningite bacteriana e tem grande valor diagnóstico, pois confirma o caráter infeccioso bacteriano. Na meningite viral, também chamada de asséptica, o número de leucócitos pode estar aumentado, mas de forma mais discreta, e aqui predomina a presença de linfócitos, que são células relacionadas à resposta imune contra vírus. Os agentes mais comuns incluem enterovírus, o vírus herpes simplex e o vírus da caxumba. Nesse caso, as proteínas no LCR podem estar normais ou apenas levemente elevadas, e a glicose costuma permanecer normal. Essas características – linfocitose, proteínas pouco alteradas e glicose normal – diferenciam a meningite viral da bacteriana, sendo que a viral geralmente é menos grave. Já a meningite fúngica apresenta um quadro mais insidioso, ou seja, de evolução lenta e progressiva. O LCR mostra aumento de leucócitos com predominância de linfócitos, mas o padrão é menos evidente que nas bacterianas. Os principais agentes incluem Cryptococcus neoformans e Histoplasma capsulatum. Aqui, observa-se leucocitose linfocitária, proteínas elevadas e glicose normal ou discretamente reduzida. Esse tipo de meningite pode ser mais difícil de identificar porque os achados no LCR são sutis, exigindo investigação cuidadosa. Na meningite tuberculosa, causada pelo Mycobacterium tuberculosis, também há aumento de leucócitos, geralmente com predomínio de linfócitos, mas com algumas diferenças importantes em relação às virais. As proteínas no LCR estão significativamente elevadas e a glicose costuma estar bem reduzida, o que ajuda a diferenciá-la. Esse diagnóstico, no entanto, frequentemente exige exames adicionais, como a cultura do LCR, já que os achados podem se confundir com outras formas. A meningite parasitária é rara, mas quando ocorre pode alterar bastante a celularidade do LCR. A característica marcante é a presença de eosinófilos, células que aparecem em resposta a certos parasitas. Exemplos de agentes que podem causar esse tipo de meningite são Toxoplasma gondii e Naegleria fowleri. Além da eosinofilia no LCR, os níveis de proteína e glicose podem variar, dependendo do parasita envolvido. A identificação da eosinofilia é um dado importante para levantar a suspeita de origem parasitária. Do ponto de vista clínico, a meningite apresenta sinais e sintomas característicos. Febre sustentada, cefaleia intensa, vômitos em jato e rigidez de nuca são muito comuns. Os sinais de irritação meníngea também ajudam no diagnóstico. O sinal de Kernig é considerado positivo quando, ao flexionar o quadril e tentar estender o joelho, o paciente sente dor e resistência, geralmente não conseguindo estender além de 135 graus. Já o sinal de Brudzinski é observado quando o examinador flexiona o pescoço do paciente e isso provoca, de forma involuntária, a flexão dos quadrise joelhos. A meningite pode ser classificada em bacteriana e viral, sendo a bacteriana geralmente mais grave. Na meningite bacteriana, além dos sintomas toxêmicos (febre), compressivos (cefaleia por aumento da pressão intracraniana) e meníngeos (rigidez de nuca), o LCR apresenta-se purulento, com glicose baixa, proteínas elevadas e predomínio de neutrófilos. Esse tipo é mais comum em outono e inverno, devido à maior transmissão em ambientes fechados. A inflamação pode gerar edema cerebral, que compromete a barreira hematoencefálica e aumenta a pressão intracraniana. Entre os principais agentes etiológicos estão Neisseria meningitidis (diplococo gram-negativo encapsulado), Haemophilus influenzae (bacilo gram-negativo encapsulado, com vacina disponível), Streptococcus pneumoniae (coco gram-positivo encapsulado, associado a maior letalidade), além do Mycobacterium tuberculosis. Entre os mais prevalentes em meningites infecciosas estão Influenza, meningococo e pneumococo. 4) Aspecto do LCR e relação com medidas terapêuticas: Límpido: pode corresponder tanto ao LCR normal quanto a meningite viral, em que as alterações só são vistas em exames laboratoriais. Nesse caso, a conduta depende da análise citológica e bioquímica. o LCR límpido, de aspecto normal e incolor, apesar de aparentemente “normal”, nunca é encontrado em uma punção feita em pacientes saudáveis sem motivo clínico. Ele pode estar presente em meningites virais, doenças inflamatórias não infecciosas, tumores, traumas leves ou até hidrocefalia. Purulento: geralmente associado à meningite bacteriana. O LCR se apresenta turvo devido à alta concentração de neutrófilos, proteínas e restos celulares. Esse achado exige antibioticoterapia empírica imediata de amplo espectro (geralmente betalactâmicos), sem aguardar o resultado de cultura. Hemorrágico: pode ocorrer por punção traumática ou por hemorragia subaracnoidea. Se a punção for traumática, o líquido tende a clarear nos tubos sequenciais. Se for hemorrágico verdadeiro, o sangue se mantém em todos os tubos, e após algumas horas pode haver xantocromia (coloração amarelada pela degradação da hemoglobina). Nesse caso, a conduta é diferente, voltada para investigação vascular (aneurisma, malformação, trauma). Nesses casos de aspecto hemorrágico, costuma-se fazer coleta seriada em 3 tubos: Se o sangue diminui progressivamente → punção traumática. Se permanece igual → hemorragia verdadeira. Exames complementares como tomografia ou angiografia ajudam a esclarecer a causa. 5) Mecanismo de ação dos antibióticos beta-lactâmicos: Os beta-lactâmicos são uma classe de antibióticos que têm como característica principal a presença de um anel beta-lactâmico em sua estrutura química. Esse anel é justamente o responsável pela atividade antimicrobiana dessas drogas. De forma geral, os beta-lactâmicos atuam inibindo a síntese da parede celular bacteriana, o que compromete a integridade estrutural da célula e acaba levando à sua destruição. São eficazes contra uma grande variedade de infecções e, por isso, representam um dos grupos de antibióticos mais utilizados na prática médica. Os principais subgrupos incluem as penicilinas, cefalosporinas, monobactâmicos e carbapenêmicos. Apesar da eficácia e do bom perfil de segurança, o uso indiscriminado desses medicamentos favorece o aparecimento da resistência bacteriana, um problema cada vez mais grave na medicina. O anel beta-lactâmico pode se ligar a diferentes outros anéis químicos, formando estruturas distintas que definem cada classe dentro do grupo. Essa variação estrutural é a base que diferencia as subclasses de beta-lactâmicos e explica algumas diferenças no seu espectro de ação contra bactérias. Mecanismo de ação: Todos os antibióticos beta-lactâmicos são considerados bactericidas, ou seja, destroem as bactérias em vez de apenas inibir seu crescimento. Eles atuam especificamente na fase final da síntese da parede celular bacteriana. A parede celular é fundamental para a sobrevivência da bactéria, porque impede que ela se rompa devido à diferença de osmolaridade entre o interior da célula (muito mais concentrado) e o meio externo. Sem a parede, a célula sofre lise osmótica. A composição da parede celular varia conforme o tipo de bactéria. Nas bactérias gram-positivas, a parede é mais espessa, pois contém uma camada de peptidoglicano bastante desenvolvida. Já nas bactérias gram-negativas, a parede é mais complexa: além do peptidoglicano, existe também uma membrana externa, que dificulta a penetração de algumas drogas. Na construção da parede, há um processo em que enzimas chamadas autolisinas quebram ligações já existentes no peptidoglicano para que novos blocos (“tijolos”) possam ser inseridos. Nesse momento, entram em ação as PBPs (penicillin binding proteins). Essas proteínas são responsáveis por formar as ligações cruzadas (cross-linking) entre as cadeias de peptidoglicano, o que garante firmeza e estabilidade à parede. Os antibióticos beta-lactâmicos se ligam irreversivelmente às PBPs, impedindo que essas ligações cruzadas sejam feitas. Isso acontece porque o anel beta-lactâmico se parece estruturalmente com a região dos tetrapeptídeos recém-formados, “enganando” a bactéria. Como resultado, a parede celular não consegue se consolidar, a célula perde sua integridade e acaba morrendo. Um detalhe importante é que os beta-lactâmicos só atuam de maneira eficaz quando a bactéria está em fase de multiplicação ativa, porque é justamente nesse período que a parede celular está sendo sintetizada. Se a bactéria está em fase estacionária (como em abscessos crônicos, em que há pouco crescimento ativo), esses antibióticos perdem sua eficácia. Resistência bacteriana e inibidores de beta-lactamase: Com o uso prolongado e indiscriminado desses fármacos, muitas bactérias desenvolveram mecanismos de defesa. O mais importante deles é a produção de enzimas chamadas beta-lactamases, capazes de hidrolisar o anel beta-lactâmico e inativar o antibiótico. Isso é o que explica, por exemplo, a resistência de grande parte das cepas de Staphylococcus aureus às penicilinas naturais e aminopenicilinas. Para contornar esse problema, foram desenvolvidos os inibidores de beta-lactamase, como o ácido clavulânico, o sulbactam e o tazobactam. Quando usados em associação com os beta-lactâmicos, eles bloqueiam a ação da enzima e restauram a eficácia do antibiótico. Um exemplo clássico é a associação da amoxicilina com ácido clavulânico, que amplia a atividade da amoxicilina contra cepas resistentes. Principais subgrupos de beta-lactâmicos: Penicilinas: foram os primeiros antibióticos beta-lactâmicos descobertos. Têm ação bactericida, inibindo a transpeptidação da parede celular. São eficazes contra bactérias gram-positivas e algumas gram-negativas. ● Penicilinas naturais: Penicilina G e V ● Penicilinas semi-sintéticas: Oxacilina ● Aminopenicilinas: Ampicilina e Amoxicilina ● Carboxipenicilinas: Carbenicilina e Ticarcilina ● Ureidopenicilinas: Piperacilina Cefalosporinas: também bactericidas, atuam ligando-se e inativando as PBPs, o que leva à inibição da síntese da parede e lise osmótica. Existem várias gerações de cefalosporinas, cada uma com espectro antimicrobiano diferente, indo de maior ação contra gram-positivos (1ª geração) até maior eficácia contra gram-negativos (4ª e 5ª gerações). Monobactâmicos: têm atividade restrita principalmente contra bactérias gram-negativas. Não possuem ação relevante contra gram-positivos nem contra bactérias anaeróbias. O principal representante é o Aztreonam. Carbapenêmicos: são potentes antibióticos de amplo espectro, com atividade contra muitos gram-positivos, gram-negativos e anaeróbios. Ligam-se a PBPs essenciais e interrompem o crescimento da parede celular bacteriana. São geralmente usados em infecções graves ouresistentes. 6) Patógenos bacterianos mais frequentemente associados às meningites: Neisseria meningitidis (meningococo): diplococo gram-negativo, de formato reniforme. Principal agente em adolescentes e adultos jovens. Por vezes, causa uma infecção rápida e grave chamada meningite meningocócica, resultando em coma e morte em algumas horas. Essa infecção ocorre comumente quando a bactéria de uma infecção do trato respiratório superior entra na corrente sanguínea. A meningite meningocócica é altamente contagiosa. Podem ocorrer pequenas epidemias de meningite meningocócica entre pessoas que vivem nas proximidades, como ocorre em quartéis militares e dormitórios estudantis. A Neisseria meningitidis se torna menos comum com a idade. Streptococcus pneumoniae (meningite pneumocócica): diplococo gram-positivo, em forma de lança, encapsulado. É a causa mais comum em adultos e idosos, frequentemente associada a infecção respiratória prévia. Haemophilus influenzae tipo B: cocobacilo gram-negativo. Era muito comum em crianças antes da vacinação, hoje menos frequente. Afetava, particularmente, crianças com idade de 2 meses a 6 anos. Listeria monocytogenes: bacilo gram-positivo, importante em neonatos, idosos e imunossuprimidos. Frequentemente associada a alimentos contaminados. Streptococcus agalactiae (grupo B): coco gram-positivo. Principal causa de meningite em neonatos, geralmente transmitido durante o parto. OBS: Se a meningite se desenvolver nas primeiras 48 horas após o nascimento, ela é geralmente adquirida pela mãe. Essa meningite pode ser transmitida da mãe para o recém-nascido ao passar pelo canal vaginal no nascimento. Nesses casos, a meningite é muitas vezes parte de uma infecção grave na corrente sanguínea (sepse). Escherichia coli (principalmente K1): bacilo gram-negativo, frequente em neonatos. Klebsiella pneumoniae: Bacilo gram-negativo; Menos comum, mas pode causar meningite, especialmente em indivíduos imunocomprometidos. OBS. 1: à medida que as pessoas envelhecem, o sistema imunológico enfraquece, aumentando o risco de meningite devido a outras bactérias, tais como Listeria monocytogenes, E. coli ou outras bactérias gram-negativas. OBS. 2: O reconhecimento desses patógenos e suas características é fundamental para o diagnóstico e tratamento adequado das meningites bacterianas. A cultura do líquido cefalorraquidiano (LCR) é uma ferramenta essencial para identificar o agente causador. O quadro é altamente sugestivo de meningite aguda, muito provavelmente meningite bacteriana, dada a associação de: ● Febre alta ● Cefaleia intensa e progressiva ● Fotofobia ● Rigidez de nuca (sinal meníngeo clássico) ● Quadro agudo em jovem previamente saudável 1. Com que doença você está preocupado? → Meningite, com forte suspeita de meningite bacteriana aguda. 2. Como confirmar o diagnóstico? → O diagnóstico é confirmado com punção lombar e análise do líquido cefalorraquidiano (LCR), avaliando: ● Celularidade (predomínio de neutrófilos em bacteriana) ● Proteínas (aumentadas) ● Glicose (reduzida, comparada à glicemia sérica) ● Aspecto (tipicamente purulento) ● Além disso, pode-se solicitar cultura do LCR, Gram e testes rápidos (como PCR para agentes específicos). Exames de imagem (TC de crânio) podem ser necessários antes da punção lombar em casos de suspeita de hipertensão intracraniana ou déficit focal, mas como o exame neurológico não mostra sinais focais aqui, a punção poderia ser feita de imediato. IMPORTANTE: A punção lombar é feita sempre em um nível da coluna onde não exista risco de lesionar a medula espinhal, porque ela termina aproximadamente ao nível de L1–L2 nos adultos (em crianças, pode se estender até L3). Por isso, o local de escolha é entre as vértebras lombares L3–L4 ou L4–L5. ara localizar, usa-se a linha que une as cristas ilíacas, chamada linha de Tuffier, que cruza exatamente o espaço entre L4–L5. Assim, a punção é feita nesse espaço (L4–L5) ou um nível acima (L3–L4). ACT 3: AVALIAÇÃO LABORATORIAL DO LÍQUIDO CÉFALO RAQUIDIANO II 1) AINEs: como funcionam e quais reações adversas importam Os anti-inflamatórios não esteroidais, conhecidos como AINEs, exercem sua ação bloqueando a atividade da enzima ciclooxigenase (COX), responsável pela conversão do ácido araquidônico em prostaglandinas. Esse mecanismo é central porque as prostaglandinas participam da mediação da dor, da febre e da inflamação. A aspirina é única dentro desse grupo por ser um inibidor irreversível da COX, enquanto os demais AINEs inibem a enzima de forma reversível. O ácido araquidônico é liberado a partir de fosfolipídios de membrana pela ação da fosfolipase A2, processo desencadeado por inflamação ou lesão tecidual. Uma vez disponível, pode seguir a via da COX e originar prostaglandinas, ou ser metabolizado pela lipoxigenase para formar leucotrienos. O tipo de prostaglandina produzido depende do tecido. Existem três isoformas de COX: COX-1, COX-2 e COX-3. A COX-1 é constitutiva, isto é, está sempre presente em tecidos normais, participando da produção de prostaglandinas com funções fisiológicas essenciais: manter a integridade da mucosa gástrica, preservar o fluxo renal e promover a agregação plaquetária. É justamente por isso que sua inibição está associada a efeitos indesejados como lesão de mucosa, disfunção renal e alterações hemodinâmicas. A COX-2, ao contrário, é em grande parte induzida em processos inflamatórios, embora também seja constitutiva em alguns órgãos como rim, útero e sistema nervoso central. Ela promove a síntese de prostaglandinas ligadas à dor, febre, vasodilatação e aumento da permeabilidade vascular. Já a COX-3 é encontrada no sistema nervoso central e acredita-se que seja o alvo do paracetamol, ainda que sua natureza exata não esteja totalmente esclarecida. Com a inibição dessas enzimas, os AINEs reduzem a síntese de prostaglandinas, promovendo analgesia, efeito antipirético e ação anti-inflamatória. Uma variedade de fármacos está disponível, cada qual com diferente seletividade por COX-1 e COX-2, o que explica perfis distintos de eficácia e efeitos adversos. Naproxeno, ibuprofeno, diclofenaco e indometacina são exemplos de inibidores não seletivos amplamente utilizados. Ibuprofeno e naproxeno costumam ser melhor tolerados, enquanto diclofenaco é mais potente. A maioria dos AINEs é administrada por via oral, absorvidos principalmente no intestino delgado, apesar de o pH do estômago favorecer a forma não ionizada do fármaco. São moléculas com alta biodisponibilidade, intensamente ligadas a proteínas plasmáticas, o que aumenta o risco de interações medicamentosas por deslocamento de outras drogas, como a varfarina. Sofrem metabolização hepática e seus metabólitos são excretados pela urina. O ácido acetilsalicílico (AAS) tem particularidades. Apesar de ser considerado um AINE, seu efeito anti-inflamatório só se manifesta em doses muito altas, acima de 3 g ao dia, o que raramente é usado. Em doses menores, entre 100 e 200 mg, sua principal ação é inibir de forma irreversível a COX-1 nas plaquetas, impedindo a síntese de tromboxano A2, que é responsável pela agregação plaquetária e vasoconstrição. Como as plaquetas não têm núcleo, não conseguem sintetizar nova COX, ficando inibidas durante todo seu ciclo de vida de aproximadamente 10 dias. É esse efeito que justifica o uso da aspirina em prevenção de eventos cardiovasculares. Os efeitos adversos dos AINEs são bem conhecidos e frequentemente cobrados em provas. Os mais clássicos são os relacionados ao trato gastrintestinal: de simples dispepsia até úlceras perfuradas e hemorragias graves, consequência da perda do efeito protetor das prostaciclinas sobre a mucosa gástrica. Mesmo os inibidores seletivos de COX-2, criados para reduzir esse risco, ainda mantêm algum grau de inibição da COX-1 e, portanto, nãoestão livres de causar sangramentos. Do ponto de vista renal, a inibição das prostaglandinas pode prejudicar a vasodilatação da arteríola aferente no glomérulo, reduzindo a taxa de filtração glomerular e favorecendo retenção de sódio, edema e até lesão renal aguda, principalmente em pacientes hipovolêmicos ou com insuficiência cardíaca. No sistema respiratório, até 10% dos asmáticos podem ter exacerbação induzida por AINEs, por desvio do metabolismo do ácido araquidônico para a via dos leucotrienos, potentes broncoconstritores. Na esfera cardiovascular, os inibidores seletivos de COX-2 (coxibes) foram inicialmente vistos como uma alternativa mais segura para o estômago, mas logo se verificou que aumentavam o risco de eventos trombóticos. Rofecoxibe e valdecoxibe, por exemplo, foram retirados do mercado. O risco é maior em pacientes com doença cardiovascular prévia, razão pela qual esses fármacos são contraindicados nesses casos. Os efeitos hematológicos decorrem do desequilíbrio entre a síntese de tromboxano plaquetário e prostaciclina endotelial. Isso leva a maior tempo de sangramento e menor função plaquetária, algo especialmente relevante no caso da aspirina, cuja inibição é irreversível. Outro ponto discutido é a cicatrização óssea. Como as prostaglandinas participam do processo de reparo pós-fratura, sua inibição teórica poderia atrasar a consolidação óssea. Há suspeita, sobretudo contra os inibidores de COX-2, mas as evidências ainda não são conclusivas. Em resumo, os AINEs são drogas extremamente úteis, mas seu uso exige atenção para o perfil de efeitos adversos, principalmente gastrintestinais, renais e cardiovasculares, além das interações medicamentosas. 2-3) LCR em infecções virais: como “ler” os parâmetros e o que esperar no LCR: viral × trauma. Nas infecções virais do sistema nervoso central, como a meningite viral ou a encefalite viral, as alterações observadas no líquido cefalorraquidiano (LCR) tendem a ser mais brandas do que nas infecções bacterianas, mas possuem características próprias que ajudam a diferenciar um quadro do outro. O aspecto do líquor, por exemplo, geralmente permanece claro e límpido, sem a presença de pus, o que contrasta diretamente com o aspecto turvo e purulento típico das meningites bacterianas. Em relação à celularidade, o achado clássico é a presença de pleocitose com predomínio de linfócitos. O número de células pode variar bastante, geralmente entre 10 e 1000 células por milímetro cúbico, dependendo da gravidade da infecção. Um detalhe importante para não ser confundido em provas é que, nas primeiras horas de evolução, pode haver predomínio de neutrófilos, o que poderia sugerir uma infecção bacteriana, mas logo ocorre a substituição por linfócitos, tornando-se um quadro característico de infecção viral. As proteínas no líquor geralmente estão discretamente aumentadas, em torno de 50 a 100 mg/dL, refletindo a resposta inflamatória local. Esse aumento, no entanto, nunca é tão acentuado quanto o que se observa em infecções bacterianas. A glicose costuma permanecer dentro da faixa normal, entre 50 e 80 mg/dL, ou pode estar discretamente reduzida. Diferentemente das meningites bacterianas, nas quais a queda de glicose é um achado marcante, nas infecções virais essa redução, quando ocorre, é sempre leve. A pressão de abertura, medida no momento da punção lombar, geralmente é normal ou apenas discretamente aumentada, podendo se elevar de forma mais significativa nos casos graves de encefalite viral. Já o cloreto tende a permanecer dentro da normalidade, entre 115 e 130 mEq/L, embora em infecções virais mais graves possa ocorrer uma pequena diminuição. Nos casos de trauma cranioencefálico ou hemorragia subaracnóidea, o líquor apresenta um conjunto de alterações completamente distintas. O aspecto do líquido é marcadamente diferente: nos primeiros momentos ele se apresenta sanguinolento, devido à presença de sangue, e com o passar do tempo ocorre a xantocromia, que é uma coloração amarelada resultante da degradação da hemoglobina. Esse achado é muito valorizado em diagnósticos de hemorragia subaracnóidea porque aparece algumas horas após o início do sangramento e pode persistir por dias. A análise celular mostra a presença de hemácias, e a quantidade depende da extensão da hemorragia. Um ponto essencial é a comparação dos diferentes frascos coletados na punção lombar: em um sangramento provocado pela própria punção, o número de hemácias costuma diminuir progressivamente nos tubos subsequentes, enquanto em uma hemorragia verdadeira os valores permanecem estáveis. Além das hemácias, pode haver discreta resposta inflamatória secundária. As proteínas no LCR estão elevadas devido à presença de sangue e à lesão tecidual, podendo alcançar valores bem altos, que variam de algumas centenas até milhares de miligramas por decilitro, dependendo do volume de sangue extravasado. A glicose, na maior parte das vezes, se mantém normal, a menos que o trauma seja acompanhado por isquemia cerebral ou alterações metabólicas importantes, situações em que pode ocorrer queda dos níveis. A pressão de abertura quase sempre está aumentada quando há hemorragia intracraniana, o que traduz o aumento da pressão intracraniana. Já o cloreto em geral não sofre alterações relevantes, salvo em cenários extremos de trauma com edema cerebral grave. Em resumo, o líquor nas infecções virais tende a ser límpido, com pleocitose linfocitária, proteína discretamente aumentada, glicose normal e pressão levemente elevada, enquanto no trauma ou na hemorragia subaracnóidea o achado mais característico é a presença de sangue, a evolução para xantocromia, proteína elevada de forma significativa, pressão aumentada e glicose geralmente preservada. Esses detalhes são fundamentais para diferenciar os quadros em provas e na prática clínica. 4) Principais fungos do SNC e pistas clínicas As infecções fúngicas do sistema nervoso central são menos comuns do que as bacterianas e virais, mas costumam ocorrer em pacientes imunossuprimidos, como pessoas vivendo com HIV/AIDS, transplantados ou aqueles em uso de terapias imunossupressoras. Esses fungos podem causar meningites de evolução subaguda ou crônica, abscessos cerebrais e encefalites. O agente mais frequentemente associado à meningite fúngica é o Cryptococcus neoformans, um fungo encapsulado presente no solo e em fezes de pombos. A infecção ocorre pela inalação de esporos que inicialmente afetam os pulmões e, em indivíduos imunossuprimidos, podem se disseminar para o sistema nervoso central. Os grupos de risco incluem pacientes com HIV/AIDS, pessoas em uso de corticoides ou transplantados. Clinicamente, a meningite criptocócica tem evolução lenta, apresentando cefaleia persistente, febre, alteração do estado mental, sonolência, rigidez de nuca e até paralisia de nervos cranianos, além de hipertensão intracraniana grave. No LCR observa-se pleocitose linfocitária, proteína aumentada e glicose baixa. O exame com tinta da Índia pode revelar o fungo encapsulado, mas o teste mais sensível e específico é a pesquisa de antígeno criptocócico no LCR ou no soro. O tratamento de escolha é a combinação de anfotericina B com flucitosina, seguida de fluconazol em longo prazo para prevenir recidivas. Outro fungo que pode atingir o SNC é a Candida spp., levedura que faz parte da flora normal da pele, boca, intestino e trato genital. A candidíase cerebral é rara, mas pode ocorrer por disseminação hematogênica em pacientes imunossuprimidos, especialmente neonatos em UTI ou pacientes com cateteres venosos de longa permanência. As manifestações clínicas incluem meningite, abscessos cerebrais, febre, cefaleia e déficits neurológicos focais. O diagnóstico é feito por cultura de LCR e exames de imagem como a ressonância magnética, que pode mostrar abscessos. O líquor geralmente apresentapleocitose, aumento de proteínas e glicose normal ou discretamente reduzida. O tratamento é baseado em anfotericina B, seguida de fluconazol ou outro antifúngico de manutenção. O Aspergillus spp. também pode causar doença cerebral, geralmente na forma de abscessos múltiplos e trombose de grandes vasos. Esse fungo, presente no solo e em material orgânico em decomposição, infecta por inalação e pode se disseminar após infecção pulmonar ou sinusal. O grupo de risco principal são pacientes em quimioterapia, com neutropenia prolongada ou em uso de corticoides. Clinicamente, além de cefaleia e febre, podem ocorrer convulsões, déficits neurológicos focais e sinais de infarto cerebral, já que o Aspergillus tem tropismo por vasos sanguíneos, causando invasão angioinvasiva com necrose e hemorragia. O diagnóstico é feito por imagem, geralmente ressonância, e confirmado por biópsia ou cultura. Testes como o galactomanano no soro ou no líquor também ajudam. O tratamento de primeira escolha é o voriconazol, podendo ser associado à anfotericina B nos casos mais graves. O Coccidioides immitis e o Coccidioides posadasii são fungos endêmicos em regiões áridas dos Estados Unidos e partes da América Latina. A meningite coccidióidica ocorre após uma infecção pulmonar primária e pode se disseminar para o SNC mesmo em indivíduos imunocompetentes. A doença se apresenta como meningite crônica, com cefaleia persistente, febre baixa, rigidez de nuca, hidrocefalia e comprometimento de nervos cranianos. O líquor mostra pleocitose linfocitária, proteínas elevadas e glicose baixa. A sorologia e a cultura ajudam no diagnóstico. O tratamento é feito com fluconazol ou itraconazol, sendo a anfotericina B reservada para casos graves. O Histoplasma capsulatum, encontrado em áreas endêmicas como o vale do rio Mississippi e Ohio, também pode causar meningite ou abscessos cerebrais, principalmente em imunossuprimidos. A infecção ocorre por inalação de esporos presentes em solo contaminado com fezes de aves ou morcegos. Clinicamente, provoca meningite crônica com cefaleia, febre e sinais neurológicos focais, muitas vezes acompanhados de hidrocefalia. O LCR apresenta linfocitose, proteína elevada e glicose baixa. O diagnóstico pode ser confirmado por cultura, teste de antígeno no líquor ou sorologia. O tratamento envolve anfotericina B, seguida de itraconazol para manutenção prolongada. Os fungos da ordem Mucorales, como Mucor, Rhizopus e Rhizomucor, são responsáveis pela mucormicose, uma forma agressiva de infecção que pode se estender ao cérebro. Esses fungos atingem principalmente diabéticos com cetoacidose, pacientes em quimioterapia ou transplantados. A doença geralmente começa nos seios paranasais, com necrose tecidual extensa, podendo progredir rapidamente para o encéfalo. Os sinais incluem cefaleia intensa, proptose ocular, oftalmoplegia e sinais de comprometimento cerebral. O diagnóstico é feito por imagem e confirmado por biópsia, onde se observam hifas largas e não septadas. O tratamento requer desbridamento cirúrgico agressivo associado à anfotericina B, com possibilidade de uso adicional de posaconazol. Em suma, as infecções fúngicas do SNC apresentam evolução geralmente subaguda ou crônica, com líquido cefalorraquidiano caracterizado por pleocitose linfocitária, proteínas aumentadas e glicose reduzida. O diagnóstico definitivo depende de métodos específicos como cultura, detecção de antígenos ou biópsia, e o tratamento envolve quase sempre a anfotericina B, em combinação com outros antifúngicos conforme o agente envolvido. Esses quadros aparecem com frequência em provas, especialmente a meningite criptocócica em pacientes com HIV, pela sua importância epidemiológica. 4) Anfotericina B: por que é tão eficaz e tão “pesada”: A anfotericina B é um antifúngico de amplo espectro, considerado um dos medicamentos mais eficazes no tratamento de infecções fúngicas profundas, como as causadas por Cryptococcus neoformans, Candida spp. e Aspergillus spp.. É amplamente utilizada em casos graves de meningite criptocócica e em outras micoses invasivas, especialmente em pacientes imunossuprimidos. Apesar de sua alta eficácia, seu uso pode ser limitado pelos efeitos colaterais, sendo a nefrotoxicidade o mais importante e frequente. O mecanismo de ação da anfotericina B depende da sua capacidade de se ligar ao ergosterol, um esterol exclusivo das membranas celulares fúngicas e essencial para a integridade estrutural e funcional da célula. Depois de administrada, a anfotericina B se insere na membrana fúngica e se liga ao ergosterol. Esse processo leva à formação de agregados que criam poros transmembranares. Esses poros funcionam como canais que permitem a passagem livre de íons e moléculas pequenas, comprometendo a homeostase da célula. A perda de potássio, sódio, magnésio e outras moléculas essenciais leva a um desbalanço eletrolítico progressivo, resultando em colapso metabólico, lise osmótica e morte celular. A especificidade da droga se deve ao fato de que apenas os fungos possuem ergosterol em suas membranas, enquanto nas células humanas o esterol predominante é o colesterol. Entretanto, a anfotericina B não é totalmente seletiva e também apresenta afinidade residual pelo colesterol, o que explica sua toxicidade para as células humanas, sobretudo renais. Os efeitos adversos mais relevantes são a nefrotoxicidade, que pode causar lesão tubular renal, redução da taxa de filtração glomerular, hipocalemia, hipomagnesemia e acidose tubular renal. Além disso, durante a infusão intravenosa, é comum ocorrer reação aguda caracterizada por febre, calafrios, náuseas e vômitos, atribuída à liberação de citocinas. Outro efeito observado em tratamentos prolongados é a anemia, causada pela diminuição da produção de eritropoetina pelos rins. Para reduzir a toxicidade, principalmente a renal, foram desenvolvidas formulações lipossomais de anfotericina B. Nelas, a droga é encapsulada em lipossomas, o que permite uma liberação mais direcionada para os tecidos infectados e menor interação com as células normais, resultando em menor risco de efeitos adversos. A anfotericina B lipossomal, conhecida como AmBisome, é a mais utilizada nessas circunstâncias. A resistência à anfotericina B é rara, mas pode ocorrer. Em alguns casos, o fungo altera a quantidade ou a estrutura do ergosterol em sua membrana, reduzindo a afinidade da droga e diminuindo sua eficácia. Esse mecanismo é mais descrito em algumas espécies de Candida e Aspergillus, embora não seja um fenômeno comum. Em resumo, a anfotericina B permanece como um dos pilares no tratamento das micoses invasivas graves, sobretudo em pacientes imunossuprimidos. Seu grande diferencial é a potência e a eficácia fungicida, mas o risco de nefrotoxicidade exige monitoramento rigoroso e, sempre que possível, a utilização de formulações lipídicas mais seguras. O naproxeno (Flanax) é um AINE não seletivo que inibe tanto COX-1 quanto COX-2. Apesar de poder causar efeitos gástricos (por inibir COX-1), ele é considerado relativamente seguro quando usado em doses comuns para dor e febre, e por isso pode ser vendido como MIP (medicamento isento de prescrição) em apresentações específicas. O diclofenaco (Cataflam) também é um AINE não seletivo, mas é mais potente e tem maior risco de efeitos adversos — principalmente no trato gastrointestinal e no sistema cardiovascular. Por isso, ele exige prescrição médica, para que o médico avalie risco/benefício e dose. O celecoxibe (Celebra) é um inibidor seletivo de COX-2. Isso significa que ele foi desenvolvido para reduzir o risco de lesão gástrica (já que preserva COX-1), mas a inibição da COX-2 no endotélio vascular acaba aumentando o risco de eventos trombóticos (infarto, AVC). Por isso, seu uso é mais restrito: prescrição com retenção de receita, ou seja, maior controle.O rofecoxibe (Vioxx) foi outro inibidor seletivo de COX-2. Ele chegou a ser amplamente usado no mundo, mas acabou retirado do mercado porque se mostrou claramente associado a um risco aumentado de infarto e morte cardiovascular. A propaganda da época dizia que “aliviava a dor da artrite”, mas, ironicamente, poderia ser fatal — daí a crítica na imagem. Em resumo: COX-1 produz prostaglandinas que protegem o estômago, ajudam na função renal e na agregação plaquetária. Quando você bloqueia COX-1, aumenta risco de gastrite, úlceras e sangramentos. COX-2 é mais ligada ao processo inflamatório, mas também tem papel protetor nos vasos e nos rins. Quando você bloqueia COX-2 seletivamente, diminui a inflamação e protege o estômago, mas aumenta o risco cardiovascular. Por isso alguns AINEs, considerados mais seguros, podem ser vendidos sem receita (como o naproxeno em doses baixas), enquanto outros exigem prescrição simples (caso do diclofenaco), e os de maior risco cardiovascular, como o celecoxibe, ficam sob controle rigoroso com retenção de receita. Já o rofecoxibe nem está mais disponível, justamente porque o risco superava o benefício. Mecanismo de ação: Resistência bacteriana e inibidores de beta-lactamase: Principais subgrupos de beta-lactâmicos: 1) AINEs: como funcionam e quais reações adversas importam Os anti-inflamatórios não esteroidais, conhecidos como AINEs, exercem sua ação bloqueando a atividade da enzima ciclooxigenase (COX), responsável pela conversão do ácido araquidônico em prostaglandinas. Esse mecanismo é central porque as prostaglandinas participam da mediação da dor, da febre e da inflamação. A aspirina é única dentro desse grupo por ser um inibidor irreversível da COX, enquanto os demais AINEs inibem a enzima de forma reversível. O ácido araquidônico é liberado a partir de fosfolipídios de membrana pela ação da fosfolipase A2, processo desencadeado por inflamação ou lesão tecidual. Uma vez disponível, pode seguir a via da COX e originar prostaglandinas, ou ser metabolizado pela lipoxigenase para formar leucotrienos. O tipo de prostaglandina produzido depende do tecido. Existem três isoformas de COX: COX-1, COX-2 e COX-3. A COX-1 é constitutiva, isto é, está sempre presente em tecidos normais, participando da produção de prostaglandinas com funções fisiológicas essenciais: manter a integridade da mucosa gástrica, preservar o fluxo renal e promover a agregação plaquetária. É justamente por isso que sua inibição está associada a efeitos indesejados como lesão de mucosa, disfunção renal e alterações hemodinâmicas. A COX-2, ao contrário, é em grande parte induzida em processos inflamatórios, embora também seja constitutiva em alguns órgãos como rim, útero e sistema nervoso central. Ela promove a síntese de prostaglandinas ligadas à dor, febre, vasodilatação e aumento da permeabilidade vascular. Já a COX-3 é encontrada no sistema nervoso central e acredita-se que seja o alvo do paracetamol, ainda que sua natureza exata não esteja totalmente esclarecida. Com a inibição dessas enzimas, os AINEs reduzem a síntese de prostaglandinas, promovendo analgesia, efeito antipirético e ação anti-inflamatória. Uma variedade de fármacos está disponível, cada qual com diferente seletividade por COX-1 e COX-2, o que explica perfis distintos de eficácia e efeitos adversos. Naproxeno, ibuprofeno, diclofenaco e indometacina são exemplos de inibidores não seletivos amplamente utilizados. Ibuprofeno e naproxeno costumam ser melhor tolerados, enquanto diclofenaco é mais potente. A maioria dos AINEs é administrada por via oral, absorvidos principalmente no intestino delgado, apesar de o pH do estômago favorecer a forma não ionizada do fármaco. São moléculas com alta biodisponibilidade, intensamente ligadas a proteínas plasmáticas, o que aumenta o risco de interações medicamentosas por deslocamento de outras drogas, como a varfarina. Sofrem metabolização hepática e seus metabólitos são excretados pela urina. O ácido acetilsalicílico (AAS) tem particularidades. Apesar de ser considerado um AINE, seu efeito anti-inflamatório só se manifesta em doses muito altas, acima de 3 g ao dia, o que raramente é usado. Em doses menores, entre 100 e 200 mg, sua principal ação é inibir de forma irreversível a COX-1 nas plaquetas, impedindo a síntese de tromboxano A2, que é responsável pela agregação plaquetária e vasoconstrição. Como as plaquetas não têm núcleo, não conseguem sintetizar nova COX, ficando inibidas durante todo seu ciclo de vida de aproximadamente 10 dias. É esse efeito que justifica o uso da aspirina em prevenção de eventos cardiovasculares. Os efeitos adversos dos AINEs são bem conhecidos e frequentemente cobrados em provas. Os mais clássicos são os relacionados ao trato gastrintestinal: de simples dispepsia até úlceras perfuradas e hemorragias graves, consequência da perda do efeito protetor das prostaciclinas sobre a mucosa gástrica. Mesmo os inibidores seletivos de COX-2, criados para reduzir esse risco, ainda mantêm algum grau de inibição da COX-1 e, portanto, não estão livres de causar sangramentos. Do ponto de vista renal, a inibição das prostaglandinas pode prejudicar a vasodilatação da arteríola aferente no glomérulo, reduzindo a taxa de filtração glomerular e favorecendo retenção de sódio, edema e até lesão renal aguda, principalmente em pacientes hipovolêmicos ou com insuficiência cardíaca. No sistema respiratório, até 10% dos asmáticos podem ter exacerbação induzida por AINEs, por desvio do metabolismo do ácido araquidônico para a via dos leucotrienos, potentes broncoconstritores. Na esfera cardiovascular, os inibidores seletivos de COX-2 (coxibes) foram inicialmente vistos como uma alternativa mais segura para o estômago, mas logo se verificou que aumentavam o risco de eventos trombóticos. Rofecoxibe e valdecoxibe, por exemplo, foram retirados do mercado. O risco é maior em pacientes com doença cardiovascular prévia, razão pela qual esses fármacos são contraindicados nesses casos. Os efeitos hematológicos decorrem do desequilíbrio entre a síntese de tromboxano plaquetário e prostaciclina endotelial. Isso leva a maior tempo de sangramento e menor função plaquetária, algo especialmente relevante no caso da aspirina, cuja inibição é irreversível. Outro ponto discutido é a cicatrização óssea. Como as prostaglandinas participam do processo de reparo pós-fratura, sua inibição teórica poderia atrasar a consolidação óssea. Há suspeita, sobretudo contra os inibidores de COX-2, mas as evidências ainda não são conclusivas. Em resumo, os AINEs são drogas extremamente úteis, mas seu uso exige atenção para o perfil de efeitos adversos, principalmente gastrintestinais, renais e cardiovasculares, além das interações medicamentosas. 2-3) LCR em infecções virais: como “ler” os parâmetros e o que esperar no LCR: viral × trauma. 4) Principais fungos do SNC e pistas clínicas As infecções fúngicas do sistema nervoso central são menos comuns do que as bacterianas e virais, mas costumam ocorrer em pacientes imunossuprimidos, como pessoas vivendo com HIV/AIDS, transplantados ou aqueles em uso de terapias imunossupressoras. Esses fungos podem causar meningites de evolução subaguda ou crônica, abscessos cerebrais e encefalites. O agente mais frequentemente associado à meningite fúngica é o Cryptococcus neoformans, um fungo encapsulado presente no solo e em fezes de pombos. A infecção ocorre pela inalação de esporos que inicialmente afetam os pulmões e, em indivíduos imunossuprimidos, podem se disseminar para o sistema nervoso central. Os grupos de risco incluem pacientes com HIV/AIDS, pessoas em uso de corticoides ou transplantados. Clinicamente, a meningite criptocócica tem evolução lenta, apresentando cefaleia persistente, febre, alteração do estado mental, sonolência, rigidez de nuca e até paralisia de nervos cranianos, além de hipertensão intracraniana grave. No LCR observa-se pleocitose linfocitária, proteína aumentada e glicose baixa.O exame com tinta da Índia pode revelar o fungo encapsulado, mas o teste mais sensível e específico é a pesquisa de antígeno criptocócico no LCR ou no soro. O tratamento de escolha é a combinação de anfotericina B com flucitosina, seguida de fluconazol em longo prazo Outro fungo que pode atingir o SNC é a Candida spp., levedura que faz parte da flora normal da pele, boca, intestino e trato genital. A candidíase cerebral é rara, mas pode ocorrer por disseminação hematogênica em pacientes imunossuprimidos, especialmente neonatos em UTI ou pacientes com cateteres venosos de longa permanência. As manifestações clínicas incluem meningite, abscessos cerebrais, febre, cefaleia e déficits neurológicos focais. O diagnóstico é feito por cultura de LCR e exames de imagem como a ressonância magnética, que pode mostrar abscessos. O líquor geralmente apresenta pleocitose, aumento de proteínas e glicose normal ou discretamente reduzida. O tratamento é baseado em anfotericina B, seguida de fluconazol ou outro antifúngico de manutenção. O Aspergillus spp. também pode causar doença cerebral, geralmente na forma de abscessos múltiplos e trombose de grandes vasos. Esse fungo, presente no solo e em material orgânico em decomposição, infecta por inalação e pode se disseminar após infecção pulmonar ou sinusal. O grupo de risco principal são pacientes em quimioterapia, com neutropenia prolongada ou em uso de corticoides. Clinicamente, além de cefaleia e febre, podem ocorrer convulsões, déficits neurológicos focais e sinais de infarto cerebral, já que o Aspergillus tem tropismo por vasos sanguíneos, causando invasão angioinvasiva com necrose e hemorragia. O diagnóstico é feito por imagem, geralmente ressonância, e confirmado por biópsia ou cultura. Testes como o galactomanano no soro ou no líquor também ajudam. O tratamento de primeira escolha é o voriconazol, podendo ser associado à anfotericina B nos casos mais graves. O Coccidioides immitis e o Coccidioides posadasii são fungos endêmicos em regiões áridas dos Estados Unidos e partes da América Latina. A meningite coccidióidica ocorre após uma infecção pulmonar primária e pode se disseminar para o SNC mesmo em indivíduos imunocompetentes. A doença se apresenta como meningite crônica, com cefaleia persistente, febre baixa, rigidez de nuca, hidrocefalia e comprometimento de nervos cranianos. O líquor mostra pleocitose linfocitária, proteínas elevadas e glicose baixa. A sorologia e a cultura ajudam no diagnóstico. O tratamento é feito com fluconazol ou itraconazol, sendo a anfotericina B reservada para casos graves. O Histoplasma capsulatum, encontrado em áreas endêmicas como o vale do rio Mississippi e Ohio, também pode causar meningite ou abscessos cerebrais, principalmente em imunossuprimidos. A infecção ocorre por inalação de esporos presentes em solo contaminado com fezes de aves ou morcegos. Clinicamente, provoca meningite crônica com cefaleia, febre e sinais neurológicos focais, muitas vezes acompanhados de hidrocefalia. O LCR apresenta linfocitose, proteína elevada e glicose baixa. O diagnóstico pode ser confirmado por cultura, teste de antígeno no líquor ou sorologia. O tratamento envolve anfotericina B, seguida de itraconazol para manutenção prolongada. Os fungos da ordem Mucorales, como Mucor, Rhizopus e Rhizomucor, são responsáveis pela mucormicose, uma forma agressiva de infecção que pode se estender ao cérebro. Esses fungos atingem principalmente diabéticos com cetoacidose, pacientes em quimioterapia ou transplantados. A doença geralmente começa nos seios paranasais, com necrose tecidual extensa, podendo progredir rapidamente para o encéfalo. Os sinais incluem cefaleia intensa, proptose ocular, oftalmoplegia e sinais de comprometimento cerebral. O diagnóstico é feito por imagem e confirmado por biópsia, onde se observam hifas largas e não septadas. O tratamento requer desbridamento cirúrgico agressivo associado à anfotericina B, com possibilidade de uso adicional de posaconazol. Em suma, as infecções fúngicas do SNC apresentam evolução geralmente subaguda ou crônica, com líquido cefalorraquidiano caracterizado por pleocitose linfocitária, proteínas aumentadas e glicose reduzida. O diagnóstico definitivo depende de métodos específicos como cultura, detecção de antígenos ou biópsia, e o tratamento envolve quase sempre a anfotericina B, em combinação com outros antifúngicos conforme o agente envolvido. Esses quadros aparecem com frequência em provas, especialmente a meningite criptocócica em pacientes com HIV, pela sua importância epidemiológica. 4) Anfotericina B: por que é tão eficaz e tão “pesada”: