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Raça, cor e etnia SST Duwe, Ricardo; Silva, Débora Luiza da Raça, cor e etnia / Ricardo Duwe; Débora Luiza da Silva Ano: 2020 nº de p.: 12 Copyright © 2020. Delinea Tecnologia Educacional. Todos os direitos reservados. 3 Raça, cor e etnia APRESENTAÇÃO Nesta unidade, buscaremos constituir uma definição para o conceito de etnia, bem como o papel que os grupos étnicos desempenharam nas relações e conflitos políticos, culturais e sociais no decorrer da história. Estudaremos as distinções entre raça, cor e etnia, verificamos a importância da diversificação para a construção da cultura e da histórica de um povo, incluindo aspectos da estruturação da sociedade brasileira e uma reflexão sobre a importância do tempo para a construção da identidade de um povo. Veremos alguns dos conflitos sociais e políticos que marcaram a histórica brasileira e que foram essenciais para a construção de uma identidade nacional, analisando-a. UM DEBATE CONCEITUAL: RAÇA, COR OU ETNIA? Um passo importante para o melhor entendimento acerca de um determinado conceito é o de evitar que este seja confundido com outro de significado aparentemente similar. Para isso, é necessário rigor em sua definição. No caso que iremos estudar, o conceito de etnia pode ser facilmente interpretado como uma espécie de sinônimo para outros conceitos, em especial, de raça ou cor. Entretanto, existem diferenças substanciais que distinguem esses três conceitos. Documentário: Etnias Sinopse: a produção busca descrever alguns aspectos que compõem a diversidade do mundo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-dcyYh9Bjfo. Saiba mais https://www.youtube.com/watch?v=-dcyYh9Bjfo 4 Para fins práticos, vamos utilizar o exemplo de uma pessoa negra, que se autoidentifica como parda e que possui origem étnica zulu. Nesse caso, seria possível afirmar que essa mesma pessoa se identifica de formas distintas no que se refere a sua raça (negra), cor de pele (parda) e etnia (zulu). Um persa, um judeu e um árabe podem ter aparências físicas muito próximas em relação aos seus tons de pele, mas certamente se definem a partir de linhagens raciais distintas, bem como possuem origens étnicas e culturais completamente diferentes. Elementos culturais Raça Etnia Cor Fonte: Elaborada pela autora (2020). O conceito de etnia está intimamente relacionado ao de cultura e de que forma um determinado povo produz cultura ao longo do tempo. Uma das principais distinções entre o conceito de etnia e raça está centrada na concepção biológica e determinista da raça, em contraponto com o determinismo cultural e histórico da etnia. Se traços físicos e biológicos podem ser utilizados para definir um judeu a partir do critério racial, para uma abordagem dos judeus como uma etnia, um conjunto de outras referências que agregam essa população seriam utilizadas tais, como: língua, religião, práticas culturais, cultura material, rituais, símbolos e costumes próprios. Esses três conceitos possuem origens e trajetórias específicas dentro do mundo acadêmico e social, tendo ganhado contornos particulares no Brasil. O conceito de raça, por exemplo, passou a ser utilizado em larga escala dentro dos centros acadêmicos brasileiros no início da década de 1870, chegando ao país juntamente com as teorias raciais e eugenistas desenvolvidas na Europa, no mesmo século. Despontando de grande popularidade entre as potências do continente, essas teorias estavam inseridas em um contexto de grande desenvolvimento da ciência contemporânea e passaram a utilizar estudos nos campos da biologia, botânica, geografia, antropologia, entre outras áreas, para dar contornos pretensamente científicos para muitos dos ímpetos e práticas imperialistas na África, Ásia e América Latina. 5 MUTAÇÕES HISTÓRICAS De acordo com o sociólogo Antônio Sérgio Alfredo Guimarães, essa geração de biólogos, antropólogos e naturalistas do século XIX fez uso desse conceito para “explicar as diferenças culturais entre os povos e o modo subordinado com que foram incorporados ao sistema mercantil global pela expansão e conquista europeias” (GUIMARÃES, 2011, p. 265). Para tal finalidade, esses intelectuais mobilizaram estudos que buscaram promover explicações científicas para o sucesso e o fracasso de diferentes raças e povos. Tais pesquisas estavam largamente contaminadas por perspectivas racistas e desprezavam fatores explicativos de ordem histórica, social, econômica e cultural para compreender as distintas realidades das nações e raças analisadas, atribuindo a diferença do desenvolvimento destas a características físicas e biológicas. No caso do contexto brasileiro, essas teorias raciais passaram a afirmar, por exemplo, que os indígenas seriam naturalmente mais preguiçosos e incompatíveis com o ritmo de trabalho europeu, o que impediria o desenvolvimento industrial do Brasil. Tais alegações estavam coadunadas com políticas favoráveis ao embranquecimento da população brasileira, pois compreendiam que cabia aos imigrantes brancos o papel exclusivo de desenvolver o país economicamente e até mesmo no aspecto cultural. Documentário: Índios somos nós Sinopse: a produção mostra os jogos olímpicos dos povos indígenas brasileiros. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZecRLbA7H3w. Saiba mais Nesse contexto do final do século XIX e início do século XX, muitos intelectuais passam a investigar as características raciais particulares do povo brasileiro. Como resultado de muitos desses debates, é desenvolvida a tese – popular, até o presente – de que a nação brasileira teria sido formada pelo entrecruzamento de três raças distintas: brancos, negros e indígenas (ou caucasoide, africana e americana). https://www.youtube.com/watch?v=ZecRLbA7H3w 6 Para esses intelectuais, a composição racial brasileira deveria ser alterada, pois isso poderia auxiliar no desenvolvimento da nação. Para tanto, foram fomentadas políticas públicas que trouxeram imigrantes brancos – principalmente italianos e alemães – para o Brasil. Acreditava-se que essa importação humana ajudaria a reverter o quadro da degeneração da sociedade brasileira em virtude da mestiçagem; a ideia era que, com o tempo, ela se tornaria mais branca (OLIVEIRA, 2018, p. 244). No decorrer do século XX, uma nova leitura ganhou terreno no campo intelectual, a qual se convencionou denominar democracia racial. Este termo – cunhado pelo sociólogo Gilberto Freyre em alguns dos seus estudos, a partir da década de 1930 – parte do entendimento de que um grande diferencial na construção da sociedade brasileira foi a miscigenação entre as suas três principais raças, o que teria impedido que o racismo, no Brasil, fosse expressado de forma tão rígida e violenta como nos Estados Unidos, onde, em muitos locais, negros não podiam frequentar os mesmos espaços que brancos, como no transporte público, no trabalho e até mesmo banheiros. Autor: Gilberto Freyre Obra: Ingleses no Brasil Sinopse: o autor analisa a influência da cultura inglesa para a construção de uma identidade brasileira. Saiba mais Entretanto, o conceito de raça acaba caindo cada vez mais em desuso e ganha um contorno negativo, após a Segunda Guerra Mundial, por uma série de razões: 1) as teorias raciais do século XIX serviram de inspiração para as políticas segregacionistas e de extermínio praticadas pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial; 2) o conceito foi usado por políticas segregacionistas que perduraram em países como Estados Unidos e África do Sul no pós-guerra; 3) no caso brasileiro, muitos intelectuais passaram a questionar de forma frontal a concepção de democracia racial de Freyre, acusando-a de construir uma narrativa da história do Brasil em que temas como o racismo, a desigualdade entre as raças e as violências cometidas contra as populações negra e indígena ganhavam importância secundária ou eram deliberadamente omitidas. Nessas concepções, o conceito de raça estaria muito ligado a uma abordagemnão-inclusiva e/ou determinista a partir de critérios exclusivamente biológicos e naturais. 7 A partir do momento em que o conceito de raça enfrentou duras críticas, outro conceito passou a ganhar mais espaço no léxico acadêmico: o de etnia. De forma distinta das teorias raciais do século XIX, o conceito de etnia propõe uma abordagem sociocultural da história dos mais distintos povos, dando destaque para a formação de uma identidade étnica a partir de questões linguísticas, aspectos religiosos, práticas culturais, costumes e cultura material. Assim, podem possuir uma cor de pele semelhante, traços físicos parecidos e serem considerados parte de uma mesma raça por determinados analistas, mas fazem partes de grupos étnicos absolutamente distintos. Os estudos que passaram a incorporar o conceito de etnia também lançaram um olhar mais atento para a pluralidade e a diversidade. Ao definir as sociedades africanas, afrodescendentes e indígenas, fundamentando-se meramente em uma abordagem racial (raça negra, raça indígena etc.), as teorias raciais acabavam suscitando conceitos muito rígidos e pouco precisos sobre a complexidade cultural, social e política desses grupos. Como um exemplo mais preciso, o censo demográfico de 2010 demonstrou que existem 305 etnias indígenas no Brasil, bem como 274 línguas de origem indígena. Uma outra fonte rica para se ter noção da diversidade étnica que compõe diferentes povos é a cultura material produzida por um determinado grupo. Documentos: Iorubá Sinopse: a matéria destaca os elementos dessa cultura Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_lsjQ7CRnoc. Saiba mais Apesar dos benefícios analíticos incontestáveis que o conceito de etnia trouxe para o debate em torno das relações entre os povos e suas culturas, é interessante perceber que, apesar de abandonado no pós-segunda guerra, o conceito de raça retornou ao debate político-acadêmico a partir da década de 1970. De acordo com Guimarães, esse movimento intelectual caminhou de forma concomitante com uma tomada de posição política do movimento negro, que considerou ser apropriado retomar esse termo e dar a ele um novo significado. Nos termos do autor: https://www.youtube.com/watch?v=_lsjQ7CRnoc 8 Para os cientistas sociais, assim como para os ativistas políticos, a noção de raça tem vantagens estratégicas visíveis sobre aquela de etnia: remete imediatamente a uma história de opressão, desumanização e opróbio a que estiveram sujeitos os povos conquistados; ademais, no processo de mestiçagem e hibridismo que sofreram ao longo dos anos, a identidade étnica dos negros (sua origem, seus marcadores culturais etc.) era relativamente fraca ante os marcadores físicos utilizados pelo discurso racial. (GUIMARÃES, 2011, p. 266) Essa nova configuração dada para o conceito de raça parte do entendimento de que ele está embebido de um peso histórico que não deve ser desprezado por aqueles que visam dar valor para a história de opressão e violência que determinados povos sofreram no decorrer da história da humanidade. Ou seja, determinados estudiosos e ativistas políticos consideram que existem benefícios em utilizar o conceito de raça, pois ele permite um duplo movimento: resgatar a história de lutas desses povos e dar um novo significado mais inclusivo para esse conceito que foi criado no século XIX com o objetivo de segregar raças. No caso do movimento negro, é notória a importância que esse grupo político dá ao pertencimento a uma raça negra, a qual é caracterizada por uma história própria e que não deve ser confundida com as de outras raças e povos. Como expresso por Guimarães, o conceito de etnia não foi capaz de criar essa forma de identidade política, sendo mais um conceito analítico. Documentário: O Movimento Negro Sinopse: a obra relata aspectos históricos e contemporâneos do movimento negro. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qZqDK38fFgk. Saiba mais O movimento negro brasileiro define a sua própria origem com o início das lutas de resistência dos negros contra a escravidão, mediante a formação de quilombos, fugas e organização de motins. No final do século XIX e XX, muitos desses grupos passaram a atuar de forma mais organizada, mobilizando formas de assistência social para negros/as, produções culturais e estratégias de luta política. https://www.youtube.com/watch?v=qZqDK38fFgk 9 Filme: Zumbi dos Palmares Sinopse: a Produção narra a articulação e resistência desse movimento social. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=HOsuKoHgNDQ. Saiba mais Assim, é importante ter conhecimento de que o uso de determinado conceito também está relacionado ao debate político. Não obstante, é mais comum perceber o uso do conceito de raça pelo movimento negro, lugar no qual ele encontrou mais adesão e foi capaz de formar uma identidade política. Todavia, grupos indígenas costumam empregar o conceito de etnia, justamente pelo fato da manutenção de certas culturas e práticas ser um aspecto mais central para a sua organização. Ademais, cabe ressaltar que, neste material, optaremos pelo conceito de etnia, por considerar a importância que ele dá para a pluralidade desses povos e pela abrangência que oferece na análise dos fenômenos que serão estudados no decorrer da disciplina. NAÇÕES E ETNIAS Ao estudarmos a história dos grupos étnicos, invariavelmente nos deparamos com projetos de nação e identidades nacionais que atribuem uma importância central para determinadas etnias. É o caso da China, onde os Hans – o grupo étnico mais populoso do mundo, com 1,24 bilhão de pessoas – encontram-se no posto de principal etnia do país, gerando inclusive conflitos com outros povos, como os Uighures. O mesmo pode ser dito da importância dos persas para o Irã, e dos árabes, em geral, para diversos Estados no Oriente Médio e Norte da África. Além disso, como analisamos previamente, no caso brasileiro, temos o mito das três raças fundadoras da nação: brancos, índios e negros. Os discursos de identidade nacional que levam em consideração a questão étnica, usualmente tendem a exaltar certos grupos étnicos como fundadores e/ou representantes de uma nação, ao passo que tornam invisíveis outros, https://www.youtube.com/watch?v=HOsuKoHgNDQ 10 marginalizando-os. No Brasil, o já referido mito das três raças está estruturado em uma narrativa edulcorada da construção da nação brasileira, que teria ocorrido de forma harmoniosa entre esses três grupos, sendo o maior símbolo do processo de miscigenação e sua contribuição para relações não-racistas entre brancos, negros e indígenas. Entretanto, a partir de uma análise da realidade brasileira, é possível verificar que o processo inclusão de alguns grupos sociais ainda não se consolidou. Documentário: A alma brasileira Sinopse: publicitário mais premiado da história da propaganda brasileira, Washington Olivetto analisa a alma do Brasil. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=QXAhm07lDw0. Saiba mais https://www.youtube.com/watch?v=QXAhm07lDw0 11 FECHAMENTO Nesta unidade, foi possível verificar o conceito de etnia a partir de diversos ângulos, viabilizando a compreensão de que a espécie humana é composta de uma diversidade de grupos que possuem características específicas que os distingue entre si. Também foi possível a reflexão de que as diferenças étnicas jamais podem ser elementos para criar uma segregação entre os grupos. Percebemos que uma mesma pessoa pode identificar-se como pertencente a múltiplos grupos, isto porque a autoidentificação pode considerar elementos diversos como raça, cor de pele e etnia, cabendo lembrar que, ao longo da história, os elementos que caracterizam um determinado grupo de pessoas receberam atenção diferente pela sociedade e comunidade científica, não sendo poucos os exemplos de exclusão social baseado em um critério étnico. Por fim, vimos que o Brasil também passou pelo processo de colonização europeia e que a miscigenação foi responsávelpela construção de uma identidade nacional rica em diversidade cultural. Todavia, ao passo que a cultura se tornou rica em elementos, socialmente ocorreu um processo de exclusão social, o que levou à marginalização parcela da sociedade e a graves questões sociais. 12 Referências GUIMARÃES, A. S. A. Raça, cor, cor da pele e etnia. Revista dos alunos de pós- graduação em antropologia social da USP. Cadernos de Campo, São Paulo, n. 20, p. 1- 360, 2011. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/cadernosdecampo/article/ view/36801/39523. Acesso em: 08 out. 2020. OLIVEIRA, Allan de Paula. Antropologia: questões, conceitos e história. Curitiba: Intersaberes, 201 http://www.revistas.usp.br/cadernosdecampo/article/view/36801/39523 http://www.revistas.usp.br/cadernosdecampo/article/view/36801/39523 Organização social indígena no brasil SST Duwe, Ricardo; Silva, Débora Luiza da Organização social indígena no brasil / Ricardo Duwe; Débora Luiza da Silva Ano: 2020 nº de p.: Copyright © 2020. Delinea Tecnologia Educacional. Todos os direitos reservados. 10 3 Organização social indígena no Brasil Apresentação A sociedade indígena é diferente da sociedade do homem branco. Nessa sociedade, todos possuem direitos iguais e são tratados da mesma forma que os demais. Os únicos objetos que podem ser considerados de propriedade de cada um são os machados, arpóes, arcos e flechas, por exemplo. Quanto à formação social, era considerada muito simples, com o exercício das atividades de forma coletiva. As cabanas eram de uso coletivo e todos podiam se utilizar delas. Os lideres importantes eram o pajé, que desempenhava o papel de sacerdote da tribo, e o cacique, o chefe da tribo, que a orientava. Interessante, não? Continue lendo nosso conteúdo. A organização social dos povos indígenas antes da colonização Quando chegaram às terras que hoje conhecemos como o continente sul- americano, os europeus encontraram povos nativos, como os incas, os maias e os indígenas. Ao desembarcar em solo brasileiro, os portugueses se depararam com um território povoado com a estimativa de ter entre um e cinco milhões de habitantes, os quais não possuíam registros do seu passado de forma documental, uma vez que desconheciam a escrita. Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (BRASIL, 2018), durante o Período Colonial, discutia-se muito a origem dos índios. Algumas teorias defendiam que eles eram descendentes de tribos perdidas de Israel, alguns duvidavam inclusive que os índios eram humanos. Ainda de acordo com o que nos informa o Instituto, a história indígena é marcada por uma série de enganos e incompreensões, iniciando pelo vocabulário ocidental construído para denominar esses povos: “a palavra índio deriva do engano de Colombo que julgava ter encontrado as Índias, o ‘outro mundo’, como dizia, em sua viagem no ano de 1492” (BRASIL, 2019). Por isso, a palavra passou a ser usada para designar a população indígena. 4 Os portugueses verificaram que os índios eram organizados em tribos, as quais estabeleciam uma relação de dependência e, principalmente, de respeito à natureza. A organização das tribos indígenas se dava pela fixação dos povos próximos a rios cuja navegação era acessível, bem a solos considerados férteis. Quando os recursos se esgotavam, os povos migravam para outro território com condições sustentáveis. Basicamente todas as atividades exercidas pelos povos indígenas se concentravam em torno da fauna e da flora, pois viviam da agricultura, da caça e da pesca, mas também possuíam sua própria organização política e religiosa. Saiba mais Diferentes de boa parte da população brasileira, os índios variam em suas culturas, suas línguas, nas formas de organização social e política, assim como em suas relações com o meio com o qual interagem. Se esses fatores causam estranhamento até os dias de hoje, como não poderiam causar aos europeus mais de 500 anos atrás? Segundo Marchioro (2018), os índios que povoavam o território brasileiro não poderiam ser considerados tábulas rasas ou folhas em branco, pois eram organizados no âmbito político, social e religioso. Politicamente, os índios tinham como líder administrativo um cacique; já a transmissão cultural e dos costumes era tarefa do pajé, que também era responsável pelos ensinamentos religiosos e medicinais por meio de processos de cura realizados com o uso de plantas e ervas. O casamento dos índios era visto como uma forma de firmar alianças entre as tribos, no entanto a poligamia era um costume disseminado entre os chefes indígenas de algumas etnias. Mais tarde, quando os europeus chegaram ao solo brasileiro, tentaram impor aos indígenas um novo modelo fundamentado nos princípios cristãos vigentes. Mas para os tupis, por exemplo, abandonar a prática de ter várias esposas era abrir mão da diferenciação social oriunda da guerra (MARCHIORO, 2018). Curiosidade 5 No âmbito religioso, eram considerados povos bastante ativos, pois praticavam rituais místicos e sagrados, contemplando atividades como a caça, o plantio e até mesmo a guerra em suas cerimônias. Mas, para os portugueses, os índios eram vistos como indivíduos sem fé, sem rei e sem lei. De fato, não possuíam um rei, mas respeitavam regras e tinham a sua fé. Eles se conectavam à natureza por meio de celebrações que iam de rituais de iniciação a rituais fúnebres, acreditando estarem ligados a espíritos, divindades e subjetividades que habitavam os corpos dos animais e dos vegetais com os quais conviviam. Os ritos de cura vinham da manipulação de ervas e plantas medicinais, que o pajé preparava com o auxílio das índias mais velhas da aldeia. A guerra tera considerada uma instituição inscrita na sociedade indígena. Diferentemente dos conflitos ocidentais, não eram os bens materiais que estavam em questão em suas disputas, mas o status social dos grupos indígenas. Por isso, nesses episódios, cabia ao homem adulto capturar seu inimigo, sacrificá-lo e realizar um ritual canibal (MARCHIORO, 2018). Curiosidade Quanto à estrutura das aldeias indígenas, suas moradias eram as ocas, uma espécie de cabana com paredes feitas de madeira e cipós. O trabalho das tribos que faziam parte dessas aldeias era dividido de acordo com o gênero. Enquanto aos homens cabia realizar atividades cuja força braçal era essencial, tais como a preparação do solo para a prática da agricultura, a construção das suas moradias e a caça dos animais, às mulheres competia gestar novos membros da família, praticar atividades artesanais e plantar e preparar os alimentos. 6 A alimentação dos índios provinha do que plantavam, caçavam e pescavam. Entre seus principais alimentos, estavam a mandioca, os peixes e as carnes. Com a extração de fibras naturais, construíam objetos como cestos, redes, peneiras, entre outros. Com o barro, criavam urnas fúnebres, vasos, potes e utensílios para uso doméstico. Saiba mais As bebidas faziam parte dos rituais indígenas, nos quais a virilidade masculina era demonstrada. Mesmo tendo contato com os animais de caça e de grande porte, os índios também se preocupavam em ter seus animais domésticos, como aves, periquitos, tucanos e araras ou, ainda, filhotes de macacos. A influência dos europeus na cultura indígena é bastante conhecida na contemporaneidade. No entanto, a influência de alguns costumes dos índios também pode ser percebida em nossas vidas. Podemos citar, por exemplo, a frequência com que os brasileiros tomam banho nos dias de hoje. O contato com os rios ocorria desde muito cedo na vida dos índios, por isso se acredita que o hábito diário do banho seja uma herança das etnias indígenas. Muitas foram as mudanças ocorridas no Brasil, desde a chegada dos portugueses por aqui. Dessa forma, veremos a seguir alguns dos principais aspectos em relação à vida dos indígenas. O que mudou com a chegada dos portugueses? A visão dos europeus sobre o que encontraram na costa brasileira, ao desembarcarem,no ano de 1500, foi de grande encantamento com o que aqui enxergaram. Na Carta de Achamento do Brasil, escrita por Pero Vaz de Caminha, foram descritas as praias brasileiras, a riqueza da terra, a exuberância da floresta, assim como a maneira como viviam os índios com sua nudez natural (GOMES, 2012). 7 Características físicas dos índios Fonte: Deduca, 2019. Além dos portugueses, aventuraram-se, por terras brasileiras, navegantes de todo o território europeu, como ingleses, irlandeses e alemães, e não demorou para que eles passassem a controlar os índios e a explorar os recursos naturais que abundavam o nosso território. Por cerca de cinco décadas, os aventureiros europeus exploraram as florestas brasileiras por meio da extração do pau-brasil. Os próprios índios ficaram responsáveis por derrubar, cortar e transportar as árvores até os navios que as conduziriam para a Europa. Os avanços tecnológicos trazidos pelos europeus chamaram a atenção dos índios, de modo que se tornaram seus dependentes, pois também passaram a se interessar pelo contato e convívio com objetos até então desconhecidos, como o ferro, o vidro, as miçangas, os espelhos, entre outros (GOMES, 2012). Contudo, os índios também possuíam suas próprias ferramentas, como bordunas, tacapes, arcos e flechas, que lhes auxiliavam na caça. 8 A questão indígena nasceu com a chegada dos portugueses, mas será objeto de discussão durante toda a existência dos índios, os quais sofrem até os dias de hoje com o tratamento que recebem, pois há muito tempo são considerados estranhos na sua própria terra. Esse pensamento ocasionou um grande número de mortes e, consequentemente, o desaparecimento de sua cultura (GOMES, 2012). Atenção Outro fator característico da influência portuguesa, na cultura indígena, deu-se pela troca de mercadorias entre os que por aqui se aventuravam e os índios brasileiros. Segundo Gomes (2012, p. 55): De um lado, os índios contribuíram com trocas de pau-brasil e de tatajuba (da qual se obtém corante amarelo), algodão e pássaros domesticados, como papagaios e araras. Em troca recebiam machados, facas, tesouras, miçangas, espelhos e pentes. No entanto, a colonização do Brasil causou uma série de episódios violentos, em que a guerra e o extermínio feriram e mataram milhares de índios brasileiros. Para se consolidar como dominadores do território do país, em cada pedaço de terra a ser explorada e colonizada se desencadeavam episódios de batalha entre os os colonizadores e os índios pois a incompatibilidade entre os dois grupos era inevitável (GOMES, 2012). Esses episódios se estenderam durante todo o período em que o Brasil foi considerado uma colônia portuguesa. Em 1558, por exemplo, Mem de Sá arrasou a resistência e rebeldia dos índios tupinambás, matando entre 15 e 30 mil índios na região que hoje é o estado da Bahia. Curiosidade 9 Nos séculos XVI e XVIII, os jesuítas iniciaram um movimento de catequização dos índios. Acredita-se que a experiência vivenciada com a religião católica estaria muito mais centrada na questão social que espiritual. Por meio das experiências sociais organizadas pelos jesuítas para os índios sobreviventes das guerras, das epidemias e do extermínio, foi incorporado o processo de catequização em suas vidas, além de ensinamentos antes não conhecidos com a escrita e a leitura. Também, aprenderam agricultura de sobrevivência, mas a coroa portuguesa não ficou contente com esse processo, expulsando os jesuítas em 1759. Fechamento Nossa Constituição Federal de 1988 estipula importantes alterações nas relações entre a sociedade brasileira e a maneira que o Estado deve cuidar dos povos indígenas. Com isso, os povos indígenas passaram a ter a garantia de respeito quanto à sua forma de vida e à sua forma de se organizar, bem como a garantia de respeito pelos costumes, crenças, tradições e suas línguas. Além disso, de forma novedosa, é a primeira vez em uma Constituição brasileira que se reconhece os direito natos dos indígenas brasileiros, possibilitando, inclusive, a formação de associações que incorporam em suas estruturas novas formas de lidar com o mundo fora da aldeia. 10 Referências BRASIL. Fundação Nacional do Índio - FUNAI. Índios no Brasil: quem são. Brasília. 2019. Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no- brasil/quem- sao. Acesso em: 25 set. 2019. GOMES, M. P. Os índios e o Brasil: passado, presente e futuro. São Paulo: Contexto, 2012. MARACHIORO, M. Questão indígena no Brasil: uma perspectiva histórica. [S. L.]: InterSaberes, 2018. http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/quem-sao http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/quem-sao Etnias indígenas no Brasil SST Duwe, Ricardo; Silva, Débora Luiza da Etnias indígenas no Brasil / Ricardo Duwe; Débora Luiza da Silva Ano: 2020 nº de p.: Copyright © 2020. Delinea Tecnologia Educacional. Todos os direitos reservados. 11 3 Etnias indígenas no Brasil Apresentação Na chegada dos português ao Brasil, em 1500, os dados estimados indicam que eram mais de 1000 povos em uma população próxima dos 4 milhões de pessoas. Nos dias de hoje,passam mais de 256 povos que se expressam em mais de 150 línguas diferentes, o que garante uma grande diversidade das etnias indigenas no Brasil, desconhecida por muitos. Quando nos referimos a “povos indígenas” estamos nos referindo a grupos que estão espalhados pelo mundo em diversos territórios. E é este o tema de nossa unidade. Bons estudos! Política indigenista portuguesa A política indigenista formulada e aplicada pelos portugueses aos índios brasileiros era com base nas experiências vivenciadas na África do Norte e na Ásia, tendo como característica atos agressivos e inclementes (GOMES,2012). Entendemos essas políticas como políticas governamentais com foco no povo indígena. Ainda hoje, considera-se que o quadro político dessa temática seja algo complexo e que precisa evoluir em diversos aspectos. De acordo com Gomes (2012), os índios não acolheram passivamente a brusca invasão dos seus territórios e a perseguição que sofreram. Seus modos de ser seus sistemas políticos não admitiam a obediência cega nem a hierarquização estatutária. As demandas impostas, mesmo em tempos de paz, eram excessivas ao extremo e incompreensíveis para quem sempre vivera em liberdade. Mesmo com a chegada do Rei D. João VI ao Brasil, os povos indígenas sofreram com a usurpação e a escravização. Contudo, segundo historiadores e etno- historiadores, além das guerras, as epidemias também foram responsáveis pela devastação dos povos indígenas do Brasil. Com a chegada dos europeus e, mais tarde, dos africanos, também desembarcaram em terras brasileiras diversas doenças, tais como varíola, sarampo, catapora, pneumonia, gripe, febre amarela, entre outras. Esses episódios levaram aldeias inteiras a sucumbirem e desaparecerem por completo (GOMES, 2012). 4 A América foi o último continente a ser povoado no mundo, estando praticamente isolada dos outros continentes até 1492. Por essa razão, os povos que habitavam o continente americano eram frágeis e sofreram muito com doenças vindas de outras partes do mundo. Curiosidade Por fim, aos índios que sobreviveram às guerras de extermínio e às epidemias, não restando outra alternativa senão serem usados como servos pelos colonizadores, na medida em que “[...] grupos indígenas eram alocados para servir às câmaras municipais e aos oficiais do rei em serviços de construção de estradas, pontes, [...] ou como guerreiros” (GOMES, 2012, p. 61). Etnias antigas Os índios que viviam nessas condições não eram considerados escravos, mas servos dos seus senhores, e precisavam prestar serviços quando solicitados. No entanto, o apoio dos índios foi fundamental para o triunfo da colonização portuguesa. Algumas etnias, inclusive, firmaram alianças com os colonizadores, entreos quais estão (BRASIL, 2019): 1. Guerreiros temiminós: Liderados por Arariboia, aliaram-seaos portugueses para derrotar os franceses na baía de Guanabara, em 1560, recebendo apoio dos Tamoios. 2. Chefe tupiniquim Tibiriçá: Valioso para o avanço português na regiãode São Vicente e no planalto de Piratininga, combatia rivais da própria nação Tupiniquim e dos Tapuias Guaianás, além de escravizar os Carijó para os portugueses. 5 3. Chefe potiguar Zorobabé: Na Paraíba e no Rio Grande do Norte, aliou-se aos franceses, em fins do século XVI, e aos portugueses, tendo sido recrutado para combater os Aymoré na Bahia e para reprimir os nascentes quilombos de escravos africanos; 4.Potiguar Felipe Camarão: Mais notável das lideranças indígenas contra os holandeses no século XVII, combateu os flamengos, os tapuias e os próprios potiguares, que bandearam para o lado holandês, recebendo por isso o título de Cavaleiro da Ordem de Cristo, entre outros benefícios. Outras lideranças pró-lusitanas receberiam, antes e depois dele, privilégios similares, criando-se no Brasil linhagens de chefes indígenas nobilitados pela Coroa por sua lealdade a Portugal. Mais tarde, entre os séculos XVI e XVIII, os padres jesuítas formaram missões, conhecidas como localidades,nas quais os índios passaram a ser catequizados. Com a catequização, os índios passaram a adquirir conhecimentos como a leitura e a escrita, além de não serem mais escravizados. Além de cultivarem o ensinamento da religião, os índios que faziam parte das missões jesuíticas também desenvolveram habilidades agrícolas e viviam do que produziam. No entanto, a coroa portuguesa não se agradou do processo de catequização e da autonomia que os povos indígenas passaram a adquirir nesse período, e, em 1759, os padres jesuítas foram expulsos do território brasileiro. A seguir, vamos conferir características históricas e culturais das principais etnias indígenas do território brasileiro, desde o “descobrimento” do Brasil até os dias atuais. Principais etnias indígenas Desde que os europeus chegaram em terras brasileiras, em 1500, diversas etnias indígenas desapareceram. No entanto, nas últimas décadas do século passado, mais especificamente nos anos de 1990, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) passou a incluir a população indígena no censo demográfico. A partir de então, essa realidade começou a mudar. Para identificar melhor os índios, foram classificados em Tupi (ou Tupinambá) e Tapuia (BRASIL, 2019): 6 Tupis: designava os povos que, pela semelhança de língua e costumes, predominavam no litoral no século XVI. Tapuias: correspondia aos outros grupos, isso é, aos que não falavam a língua que os jesuítas chamaram de língua geral ou língua mais usada na costa do Brasil. Curiosidade Com os dados coletados pelo IBGE, foi possível verificar qual população indígena habita todos os estados brasileiros, inclusive o Distrito Federal. Foi revelado, também, que há 69 referências de índios ainda não contatados, mas hoje o total de índios representa apenas 0,5% da população do Brasil. A população indígena do Brasil Dados demográficos da população indígena no brasil Ano População indígena total/ litoral População indígena total/ interior Total % População total 1500 2.000.000 1.000.000 3.000.000 100,00 1570 200.000 1.000.000 1.200.000 95,00 1650 100.000 600.000 700.000 73,00 1825 60.000 300.000 360.000 9,00 1940 20.000 180.000 200.000 0,40 1950 10.000 140.000 150.000 0,37 1957 5.000 65.000 70.000 0,10 1980 10.000 200.000 210.000 0,19 1995 30.000 300.000 330.000 0,20 2000 60.000 340.000 400.000 0,20 2010 272.654 545.308 817.000 0,26 Fonte: Adaptada de Brasil (2019). 7 O censo de 2010 demonstrou que 817.962 habitantes brasileiros pertencem a povos indígenas, totalizando cerca de 305 etnias diferentes, as quais utilizam 274 línguas para se comunicarem. Atualmente, a região brasileira que apresenta o maior número de habitantes indígenas é o norte do Brasil, em que se concentram 37,4% do total de índios. No estado do Amazonas estão 55%d o total de índios dessa região. Com o censo, ainda, concluímos que os índios habitam tanto a região rural quanto a região urbana do país. Saiba mais Contudo, esses dados revelam parte da história das etnias indígenas do nosso país, visto que, na chegada dos europeus, a diversidade étnica era estimada em cerca de mil povos diferentes, que totalizavam entre dois e quatro milhões de índios. Os povos indígenas desconheciam a leitura e a escrita até a chegada dos europeus no Brasil, por isso, desde então, são batizados por “não índios”, o que causou grande confusão na grafia e no significado das suas etnias. Curiosidade A Fundação Nacional do Índio (Funai) (BRASIL, 2009) revela que, na atualidade, as principais etnias indígenas são constituídas pela seguinte população em números: • Ticuna (35.000). • Guarani (30.000). • Caiagangue ou Caigangue (25.000). • Macuxi (20.000). • Terena (16.000). • Guajajara (14.000). • Xavante (12.000). • Ianomâmi (12.000). • Pataxó (9.700). • Potiguara (7.700). 8 Veja, a seguir, as dez principais etnias indígenas do Brasil, atualmente, em número de pessoas (JOKURA, 2011): 1. Guarani – população: 46.566: Dividem-se em três grupos: caiová, ñandeva e mbya. Embora eles tenham costumes comuns – como viver em grandes grupos familiares (tekoha) liderados política e religiosamente por um dos avós –, cada grupo fala um dialeto particular e tem suas peculiaridades. A poligamia, por exemplo, é proibida entre os caiovás, mas é aceita entre os ñandeva. 2.Ticuna – população: 26.813: Vivem em aldeias ao longo do rio Solimões, situado no estado do Amazonas. São adeptos à caça e à pesca. Os núcleos familiares são agrupados em duas partes: clãs com nomes de aves e clãs com nomes de plantas e animais terrestres. Um índio ticuna sempre se casa com uma representante da parte oposta, e a nova família herda os hábitos do clã do homem. A língua deles é fonal, ou seja, a entonação muda o sentido das palavras. 3. Caingangue – população: 25.755: Nos casamentos, também misturam as duas partes na qual são divididos, como os ticunas. Mas, entre eles, a nova família vai morar junto ao pai da noiva. Na hierarquia das comunidades, a maior autoridade é o cacique, eleito entre os homens maiores de 15 anos. O cacique eleito indica um vice, geralmente pertencente à outra parte, com o intuito de facilitar o planejamento político. 4.Macuxi – população: 23.182: Como vivem em uma região com períodos prolongados de seca e de chuva, alternam entre dois modos de vida bem distintos. Durante a estiagem, formam grandes aglomerações e aproveitam para caçar, pescar, criar gado, cultivar alimentos e coletar madeira e argila– algumas aldeias também garimpam ouro. Na estação chuvosa, espalham-se em pequenos grupos que vivem dos alimentos armazenados durante a seca. 9 5.Terena – população: 19.851: É o povo indígena mais urbanizado. Há terenas trabalhando no comércio de rua em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, e na colheita de canadeaçúcar. 6.Guajajara – população: 19.524: Antigamente, não se fixavam em um mesmo lugar por muito tempo, mas hoje esse costume se perdeu, e as aldeias, além de permanentes, podem ser grandes, com mais de 400 habitantes. A agricultura é a principal atividade econômica, mas o artesanato também é uma fonte de renda importante. 7.Ianomâmi – população: 16.037: A terra indígena ianomâmi, encravada no meio da floresta tropical, é um importante centro de preservação de biodiversidade amazônica, constantemente ameaçado pelos garimpeiros. Os ianomâmis têm o costume de aglomerar seus membros: várias famílias vivem juntas sob o teto de grandes habitações, e geralmente o casamento é feito entre parentes. 8.Xavante – população:12.848: As cerca de 70 aldeias xavantes, no Mato Grosso, seguem a mesma configuração: casas enfileiradas em forma de semicírculo. Numa das pontas da aldeia há uma casa reservada à reclusão de meninos de 10 a 18 anos– eles ficam ali durante cinco anos e,ao final do período, saem prontos para a vida adulta. Uma festa marca essa transição. Os xavantes costumam pintar o corpo de preto e vermelho, além de usar uma espécie de gravata de algodão nas cerimônias. 9.Pataxó – população: 10.664: A atividade principal dos pataxós é o artesanato, com peças que misturam madeira, sementes, penas, barro e cipó. Nas festas, eles costumam dançar o típico auê, servir o mukussuy – peixe assado em folhas de palmeira – e o tradicional kauím – uma espécie de vinho de mandioca. 10 10. Potiguara – população:10.036: São de origem tupi-guarani, mas hoje se comunicam utilizando a língua portuguesa. Eles costumam se referir aos nãoíndios como “particulares” e quase toda aldeia tem uma igreja católica e um santo padroeiro. O nome do povo significa “comedores de camarão”, porque, além de tirarem o sustento de atividades agrícolas, caça, pesca e extrativismo vegetal, são grandes coletores de crustáceos e moluscos. Conclusão Na primeira Constituição Federal do Brasil de 1824, a existencia dos indígenas foi completamente ignorada. Somente a partir da Constituição Federal de 1988 é que houve importantes mudanças na forma de reconhecer os indigenas como sujeitos de direito. Foi a partir de 1988, então, que passaram a ser implementadas políticas para garantir e respeita a sua forma de vida e sua forma de se organizar, bem como a garantia de respeito pelos costumes, crenças, tradiçoes e suas linguas. Hoje, como visto, há muitas etnias indigenas no Brasil, algumas com muitas raizes e costumes de seus antepassados e outras que acabaram se urbanizando. 11 Referências BRASIL. Fundação Nacional do Índio - FUNAI. Índios no Brasil: quem são. Brasília. 2019. Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no- brasil/quem- sao. Acesso em: 25 set. 2019. BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Brasil 500 anos: território brasileiro e povoamento. 2019. Disponível em: https://brasil500anos.ibge.gov. br/ territorio-brasileiro-e-povoamento. Acesso em: 26 set. 2019. GOMES, M. P. Os índios e o Brasil: passado, presente e futuro. São Paulo: Contexto, 2012. JOKURA, T. Quais são os povos indígenas mais numerosos do Brasil? Revista Superinteressante, São Paulo, 2011. Disponível em: https://super.abril.com. br/ mundo-estranho/quais-sao-os-povos-indigenas-mais-numerosos-do-brasil/. Acesso em: 26 set. 2019. http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/quem-sao http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/quem-sao https://brasil500anos.ibge.gov.br/territorio-brasileiro-e-povoamento.html https://brasil500anos.ibge.gov.br/territorio-brasileiro-e-povoamento.html https://super.abril.com.br/mundo-estranho/quais-sao-os-povos-indigenas-mais-numerosos-do-brasil/ https://super.abril.com.br/mundo-estranho/quais-sao-os-povos-indigenas-mais-numerosos-do-brasil/ Identidades nacionais e Etnias SST Duwe, Ricardo; Silva, Débora Luiza da Identidades nacionais e Etnias / Ricardo Duwe; Débora Luiza da Silva Ano: 2020 nº de p.: 11 Copyright © 2020. Delinea Tecnologia Educacional. Todos os direitos reservados. 3 Identidades nacionais e Etnias APRESENTAÇÃO Nesta unidade, faremos uma reflexão sobre as etnias, veremos alguns dos primeiros povos que se organizaram em sociedade e a importância da construção de uma identidade de grupo para a construção étnica. Perceberemos que, apesar do tempo, vários desses elementos étnicos se encontram presentes na sociedade contemporânea; faremos uma análise da correlação entre Estado e identidade étnica e de como esses elementos se influenciam entre si. Apesar das distintas identidades serem fundamentais para o processo de miscigenação dos povos, veremos que nem sempre essas diferenças possuem uma convivência harmônica. Assim, alguns conflitos étnicos que marcaram a história das civilizações também serão visitados. Nações e etnias Ao estudarmos a história dos grupos étnicos, invariavelmente nos deparamos com projetos de nação e identidades nacionais que atribuem uma importância central a determinadas etnias. A China possui o grupo étnico mais populoso do mundo. Os Hans, que possuem quase 1,24 bilhão de pessoas, encontram-se no posto de principal etnia do país, gerando, inclusive, conflitos com outros povos, como os Uighures. Saiba mais Podemos ressaltar a importância dos persas para o Irã e dos árabes, em geral, para diversos estados no Oriente Médio e Norte da África. No Brasil, temos o mito das três raças fundadoras da nação: brancos, índios e negros. Neste tópico, debateremos como essas relações entre etnia e nação podem ser analisadas e melhor compreendidas. 4 Os discursos de identidade nacional, que levam em consideração a questão étnica, tendem a exaltar, usualmente, certos grupos étnicos como fundadores e/ ou representantes de uma nação, ao passo que tornam invisíveis outros, levando a um processo de marginalização. O Estado detém um papel central na formação de quais grupos étnicos serão incluídos e quais serão excluídos da identidade nacional. Devido ao seu fortíssimo poder institucional e, principalmente, por deter o monopólio da violência, o Estado consegue impor não somente discursos, mas também verdadeiras sanções e formas de repressão contra grupos étnicos considerados indesejáveis. Em Estados autoritários, o uso do aparato repressivo pode ser realizado de forma sistematizada e com grande violência, sendo possível chegar a verdadeiros genocídios étnicos – os quais serão abordados com maior ênfase no último tópico desta unidade. A Coreia do Norte é considerada um país de regime autoritário. Conheça um pouco mais sobre essa nação, acessando: https:// www.youtube.com/watch?v=Fwap4lz1ma4. Saiba mais Importante frisar que não somente em governos autoritários tivemos perseguição a determinados grupos étnicos e/ou raciais. No ano de 1907, no Estado de Indiana, nos Estados Unidos, tivemos a aprovação da primeira lei de esterilização, que foi diretamente influenciada pelos princípios da eugenia e visava o “melhoramento da raça” (DIWAN, 2007, p. 47). Dados apontam que mais de 60 mil pessoas foram esterilizadas de forma compulsória por autoridades estadunidenses e, entre elas, grande parte era formada por hispânicos, imigrantes e afrodescendentes, com maior incidência de mulheres. As alegações para o procedimento, no geral, eram doenças mentais e, muitas vezes, era realizado em mulheres que supostamente sofriam de desvios sexuais e/ou epilepsia. Outro fator que merece destaque é que, mesmo após longos anos da abolição da escravidão e durante parte considerável do século XX, inúmeras práticas segregacionistas permaneceram dentro de uma democracia formal. Desde bairros que acabavam sendo divididos por critérios raciais até mesmo banheiros, bebedouros, bares, cabelereiros e meios de transporte público que eram reservados somente para negros, com o objetivo de que não se misturassem com a população branca. 5 Documentário: O Apartheid Sinopse: o enredo relata a segregação racial na África . Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lC49ROKgxeA. Saiba mais Os conflitos étnicos, em nível nacional, podem suscitar intensos conflitos civis, como é o caso de disputas por poder que ocorreram em países africanos, como Nigéria e Ruanda, e que estão diretamente relacionadas a questões étnicas. Conflitos e relações étnico-raciais na história O período de intenso avanço do imperialismo europeu na África, data do século XIX e vai até o início do século XX, com os processos de independência de diversos países que antes estavam submetidos à posição de colônia. É nesse contexto que diversos massacres étnicos ocorrem, como o promovido por alemães na Namíbia (1904-1908), ou o grande regime de terror perpetrado pelo Rei Leopoldo II no Congo. Em 1885, no ano seguinte em que ocorreu a divisão da África, a região do Congo tornou-se propriedade privada do monarca belga Leopoldo II, que governou a região até 1908. Se os poderes de Leopoldoeram limitados em seu país de origem, o qual era organizado em um regime parlamentarista, na região do Congo ele pôde governar com crueldade e tirania. Localizado no centro da África, o Congo era pouco conhecido pelos europeus, em especial o interior do país. Logo, a região foi se desenvolvendo como um centro exportador de látex. 6 Atualmente, o Congo apresenta um dos menores índices de desenvolvimento humano do mundo: 20 % dos congoleses são considerados analfabetos e o índice de mortalidade infantil é de 79 para cada 100 nascimentos. Reflita Entretanto, o grande horror começou quando Leopoldo contratou grupos de mercenários para fiscalizar a extração do látex, impondo metas altas de produtividade para os trabalhadores que, caso não fossem alcançadas, os trabalhadores tinham suas mãos decepadas e tornou-se comum a cena de mercenários carregando bacias com mãos decepadas. Estima-se que algo em torno de 15 milhões de congoneses foram mortos entre 1885 e 1908, não somente devido à repressão, mas também pelas péssimas condições habitacionais e de saúde, proliferação de doenças e com baixos índices nutricionais. Outro massacre étnico de grande proporção ocorreu na Namíbia, entre os anos de 1904 e 1908, sendo considerado um dos primeiros genocídios do século XX. Nesse período, estima-se que aproximadamente 100 mil pessoas das etnias herero e nama foram mortas por tropas alemãs. O conflito ocorreu devido às revoltas, no ano de 1903, em protesto à violência de alemães contra essas populações – manifestada em estupros, assassinatos e expulsões de seus territórios de origem. Em resposta, o imperador Guilherme II enviou 14 mil soldados para a região e promoveu um cruel genocídio étnico, em que uma das punições exemplares consistia em enviar presos para o deserto do Kalahari com poços de água envenenada. Os traumas dos eventos de mais de 100 anos ainda podem ser percebidos na Namíbia. Um dos mais sentidos são os casos de parte da população que enfrenta dificuldades em lidar com a sua parcela de descendência alemã, fruto dos estupros em massa realizados no período. Reflita 7 Ao mencionarmos o termo genocídio étnico, um evento, em especial, costuma vir à memória: o Holocausto e, junto dele, o plano da solução final e os campos de extermínio idealizados pelos nazistas. Estima-se que seis milhões de judeus foram mortos durante a Segunda Guerra Mundial, sendo que, dentre eles, 1,1 milhão de judeus foram assassinados no campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau, além de 140/150 mil poloneses étnicos e 23 mil ciganos. Documentário: Segunda Guerra Mundial Sinopse: o enredo retrata o conflito responsável pela morte de milhares de pessoas no mundo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=f4b9pGC7f08. Saiba mais Os campos de extermínio operados pela Alemanha nazista são um paradigma no que se refere aos estudos sobre os conflitos étnicos, em especial, ao método utilizado. Nunca, na história, houve um extermínio étnico realizado em escala tão abrangente e de forma tão racionalizada, com métodos e objetivos bem delineados. Em suma, esses campos de extermínio produziam morte em escala e métodos industriais. É preciso destacar os riscos do racismo e da xenofobia como instrumentos que tentaram legitimar conflitos e genocídios ao longo da história. Tais reflexões são importantes, pois os eventos narrados apresentam relação direta com as teorias raciais desenvolvidas no século XIX. É inviável refletir a respeito de acontecimentos como o Holocausto sem começar pelo entendimento de que esses crimes contra a humanidade tiveram como base as teorias raciais. Documentário: Auschwitz-Birkenau Sinopse: o enredo retrata como era a vida de judeus em um campo de concentração nazista. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xVRz4cQgktA. Saiba mais 8 Apesar de não ser possível criar uma relação direta e causal dos eventos da Namíbia com o Holocausto, existem questões que podem demonstrar conexões entre eles, em que a mais notória seria o emprego de campos de concentração de trabalho forçado na Namíbia – embora não tenham existido campos de extermínio, tal como preconizados na solução final nazista. Outra informação interessante é a de que Hermann Goering, líder nazista, apenas abaixo de Adolf Hitler, era filho de Heinrich Goering, o primeiro governador alemão na Namíbia. No entanto, é possível perceber como foi que após os horrores do Holocausto pôde haver um crescimento de estudos e movimentos políticos que visavam compreender a diversidade étnico-cultural, bem como garantir os direitos de grupos minoritários. Ocorreu assim, a consolidação dos direitos de grupos étnicos – principalmente dos minoritários – como parte da cartilha internacional dos direitos humanos. Aspectos brasileiros No Brasil, o já referido mito das três raças está estruturado em uma narrativa edulcorada da construção da nação brasileira. Ela teria ocorrido de forma harmoniosa entre esses três grupos, sendo o maior símbolo do processo de miscigenação e sua contribuição para as relações não-racistas entre brancos, negros e indígenas. Entretanto, como podemos analisar no quadro a seguir, existem agudas diferenças sociais, políticas e econômicas entres brancos e negros no Brasil. Relação de raças/etnias de acordo com o IBGE (2016-2017) e TSE (2018) Raça/ Etnia Popula- ção Câmara Deputa- dos Senado Federal Média Salarial em R$ Taxa de desocu- pação Analfa- betismo Brancos/as 44,2% 75% 82,17% 2.814 9,5% 4,2% Negros/as e Pardos/as 54,9% 24,2% 17,28% 1.588 14% 9,9% Fonte: Elaborado pela autora (2019). Como é possível perceber nos dados apresentados anteriormente, apesar de a maioria da população brasileira ser constituída por negros e pardos, esses grupos têm uma grande dificuldade em acessar direitos básicos, como constituir uma representatividade política relevante. No Brasil, enfrentam dificuldades históricas 9 no que se refere ao acesso pleno à educação, trabalho e melhor remuneração – vide dados sobre analfabetismo, desemprego e renda. Ao analisarmos a representatividade política de negros e pardos no Congresso Nacional, também percebemos uma grande desigualdade em relação aos brancos, que constituem ampla maioria no parlamento. Expostas essas questões, torna-se impossível não relacionar tais diferenças com os três séculos de escravidão e, posteriormente, com a abolição que, por sua vez, não foi capaz de oferecer condições materiais para ex- escravos serem incluídos na sociedade brasileira após 1888. No caso brasileiro, o crescimento dos debates em prol da diversidade étnico-racial e da defesa das minorias étnicas cresceu com maior relevância durante o período da redemocratização, nas décadas de 1970 e 1980. As principais referências para esses estudos e grupos políticos são o legado de desigualdade social, política e econômica deixado pelo domínio colonial, pela escravidão e pela carência de políticas públicas. As lutas do período de redemocratização nas décadas de 1970 e 1980 construíram a força política que permitiu a inserção de importantes direitos na Constituição de 1988, como o art. 5º, que tipifica o racismo como crime inafiançável e imprescritível, bem como o capítulo dedicado aos direitos indígenas. Reflita É interessante perceber como os discursos de identidade nacional podem ser enganosos e utilizar o poder estatal para constituir uma narrativa que não considera o histórico de violências e exclusão social contra a população negra. E esse é um ponto fundamental que deve ser levado em consideração ao realizar essa análise: o discurso da democracia racial no Brasil visa retirar a necessidade do Estado brasileiro de reconhecer a sua responsabilidade pelas violências cometidas de forma direta e indireta contra a sua população negra e indígena. 10 Fechamento Nesta unidade, você pôde resgatar alguns pontos fundamentais para desenvolver um debate sobre os conceitos de raça e etnia. Ao contextualizarmosa origem desses conceitos, inserindo-os como parte de um importante momento do século XIX, foi possível termos um entendimento mais amplo acerca dos termos e implicações presentes nessas discussões iniciadas com as teorias raciais, mas que ganharam novas configurações, especialmente após a Segunda Guerra Mundial. Como previamente destacado, temas como a diversidade étnica e a integração da defesa das minorias étnicas como parte dos direitos humanos, são conquistas que ocorreram somente após grandes tragédias humanitárias, como o Holocausto e outros genocídios étnicos pelo mundo. Por fim, ainda verificamos algumas das peculiares que formaram a identidade nacional brasileira. 11 Referências DIWAN, P. Raça pura: uma história da eugenia no Brasil e no mundo. São Paulo: Contexto, 2007. MULTICULTURALISMO E POLÍTICAS DE AFIRMAÇÃO SST RASCKE, Karla Leandro Multiculturalismo e políticas de afirmação / Karla Leandro Rascke Ano: 2020 nº de p. 10 Copyright © 2020. Delinea Tecnologia Educacional. Todos os direitos reservados. 3 MULTICULTURALISMO E POLÍTICAS DE AFIRMAÇÃO Apresentação Neste momento, trataremos de um assunto relacionado ao multiculturalismo e políticas de afirmação. Você irá estudar sobre o que é o conceito de multiculturalismo, e sua relevância para vivermos em sociedade de forma a respeitar todos os grupos societários independente de suas raças/etnias, manifestação religiosa, culturas, hábitos, valores entre outros aspectos. Também irá estudar brevemente o contexto histórico a partir da Constituição Federal de 1988 que foi o grande marco no reconhecimento do multiculturalismo no Brasil e aprenderá sobre qual o cenário atual do debate das ações afirmativas no Estado brasileiro. E, por fim, você irá conhecer algumas das principais legislações sociais brasileiras que balizam os direitos sociais asseguram o desenvolvimento de políticas públicas de afirmação para grupos que socialmente foram discriminados na sociedade. Fique atento a todas as informações presentes aqui, e vamos juntos ao processo de conhecimento e aprendizagem a respeito da relevância desses assuntos. Bons estudos. Multiculturalismo: cultura, território e movimento O multiculturalismo é o “jogo das diferenças”, contendo regras criadas e moldadas por lutas e embates sociais em sociedades articuladas contra o racismo, a xenofobia, o machismo, a homofobia e tantos outros debates de cunho social e democrático. A partir de experiências e vivências dos grupos culturais em sociedade, regras são estabelecidas e constituem políticas de convivência. Fruto de embates, o multiculturalismo nasce no interior de sociedades marcadas por processos históricos de confronto entre povos culturalmente diferentes. Como alternativa à criação de Estados Nacionais ou sociedades modernas, os povos organizaram meios de unirem-se em torno desse ideal, articulando estratégias e proposições comuns para viver em sociedade. 4 Multiculturalismo surge das diferenças culturais Fonte: Plataforma Deduca (2020). No caso de países colonizados, em especial naqueles com ideia de raça como fundamento para leis segregacionistas, e no Brasil, em que raça opera na consolidação das desigualdades desde a concepção de um ser, o eurocentrismo imperou, procurando inculcar um único tipo de cultura como ideal, correto e adequado. No entanto, diante das inúmeras diferenças entre os povos desses países - como Estados Unidos, África do Sul, Brasil, Índia e tantos outros -, é necessário construir políticas públicas de Estado capazes de atender aos distintos grupos sociais, permitindo a todos o acesso a seus direitos constitucionais. O reconhecimento da diferença e o direito a ela fazem parte das sociedades multiculturais. A coexistência de várias culturas no mesmo espaço, território ou país muitas vezes é vista como um problema para a unidade nacional. Acontece que preservar as características culturais dos povos se trata de um direito; mesmo que o Estado seja formado por vários povos, é seu dever atender a todos de acordo com os direitos garantidos constitucionalmente. Você sabia que, no Canadá, há muitas políticas de Estado atentas ao multiculturalismo existente na sociedade? Leia o artigo “Multiculturalismo e educação: do protesto de rua a propostas e políticas”, disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ ep/v29n1/a09v29n1.pdf >. Acesso em: 10 de out. de 2020. Curiosidade 5 Note que o multiculturalismo não significa descuido com a igualdade de direito e as necessidades compensatórias. Pelo contrário, ele contribui na compreensão das pluralidades sociais e na necessidade de políticas públicas atentas a esses fatores. No caso do Brasil, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, na conjuntura da consolidação democrática, inúmeras são as críticas ao modo como o Estado e suas instâncias lidam com a multiplicidade de povos e culturas no país. Em sociedades marcadas pelos impactos do colonialismo e do neoliberalismo, como os países da América, é necessário pensar em políticas multiculturais, refletindo as diversas lutas de grupos sociais ditos “minoritários” em busca de reconhecer suas diferenças e lutar por direito a tê-las e mantê-las, alcançando igualdade de oportunidade, mesmo se tratando de povos e culturas diferentes. O que podemos entender é que as transformações cotidianas, como a globalização, os multiculturalismos e a socialização dos conhecimentos advindos da internet proporcionam mudanças na sociedade e isso faz com que as relações sociais e raciais mudem também. Porém, a pergunta é: as pessoas estão prontas para tantas mudanças e informações? Efetivamente, não existe alguém pronto, pois todos somos construtos sociais e necessitamos lidar com sociedades em mudança, dinâmicas próprias dos sistemas sociais. Políticas públicas de reparação: ações afirmativas em debate Para o movimento da Constituinte que culminou na promulgação da nova Constituição Federal no ano de 1988, o Movimento Negro levou as suas pautas, havendo avanços importantes como o reconhecimento do racismo como crime inafiançável e imprescritível, da igualdade de todos, independentemente de sexo, raça, cor, religião e algumas questões específicas da população inseridas especialmente na parte que trata da cultura e no reconhecimento das comunidades remanescentes de quilombos. Há de se observar que a Constituição Federal de 1988 e buscou garantir os direitos culturais de maneira ampla, todavia, desejou assegurar as manifestações culturais populares, especialmente as dos povos indígenas e afro-brasileiros como as práticas religiosas, danças, músicas, formas de organização e produções artísticas. A ênfase nas manifestações culturais desses dois grupos deu-se por toda a carga de preconceito, por conta do etnocentrismo sofrido durante toda a história de nosso país. 6 No artigo 216, a Constituição Federal fez questão de frisar e reconhecer como patrimônio cultural todo o referencial de formação da sociedade brasileira, na qual se inclui o patrimônio cultural dos povos vindos da África e suas interações com as demais culturas formadoras da identidade brasileira. A partir disso, os governos brasileiros passam a fazer parte de várias conferências e convenções dedicadas ao combate à discriminação. Dessa maneira, o Estado brasileiro assinou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), tornada legislação em 2004, que estabelece um padrão de relacionamento entre Estado e grupos étnicos, garantindo a autonomia destes. Na década de 1990, houve significativas mudanças acerca das questões raciais no Brasil. Podemos mencionar dois grandes momentos desse processo. Primeiro, o ano de 1995, quando se comemorou o tricentenário da morte de Zumbi dos Palmares, muitos grupos promoveram forte mobilização social que garantiu a inserção das questões raciais na pauta da agenda nacional. No dia 20 de novembro foi criado o Grupo de Trabalho Interministerial para aValorização da População Negra, que aproximou o movimento negro do Estado. Com a criação e implantação do Programa Nacional de Desenvolvimento das Populações Tradicionais, o Brasil reconheceu a existência de 13 grupos diferenciados (caiçaras, faxinalenses, povos ciganos, quebradeiras de coco babaçu, pantaneiros, geraizeiros, entre outros), além dos quilombolas e indígenas, com modos de vida e culturas específicas. Contrariando os esforços pela homogeneização, esses grupos continuam identificando-se e mantendo sua forma de viver, dando uma clara demonstração de resistência frente à realidade que os cerca. A união é o caminho para superação das desigualdades. Fonte: Plataforma Deduca (2020). 7 Em 2001, o Brasil participou da III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, realizada na África do Sul. Um dos efeitos dessa participação foi a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, que visa a articular as diferentes políticas ministeriais em torno da promoção da igualdade racial, bem como da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, criada em julho de 2004, com o objetivo de reduzir as desigualdades educacionais e ampliar o acesso à educação. Um dos desdobramentos mais importantes da institucionalização do tema da diversidade no âmbito educacional foi a criação de uma legislação específica, obrigando as escolas, públicas ou privadas, a incluírem em seus currículos a História da África e dos descendentes de africanos no Brasil (Lei nº 10.639/2003), agora ampliada para contemplar também a introdução da História indígena (Lei nº 11.465/2008). Assista ao filme “Quanto vale ou é por quilo?”, que joga com as temporalidades. A trama faz uma analogia entre o comércio de escravos, no passado, e a exploração da miséria, no presente, como um meio de promoção pessoal, de marketing. O filme tem direção de Sérgio Bianchi. Curiosidade Ações afirmativas no cenário atual brasileiro Atualmente, há diversas iniciativas que prezam pela visibilidade e empoderamento de diferentes grupos étnico-raciais nos mais variados campos, como educação, saúde e trabalho. Toda essa movimentação social é o pano de fundo perfeito para o processo de implantação de políticas e ações afirmativas que vem ocorrendo no Brasil, como, por exemplo, o sistema de cotas e o Estatuto de Igualdade Racial. No Brasil, as cotas raciais, como um modelo de ação afirmativa, ganharam visibilidade nos anos 2000. Algumas universidades, estaduais e federais, adotaram o sistema de cotas para amenizar as desigualdades educacionais, sociais e econômicas. Doze anos depois dessas iniciativas, foi sancionada a Lei nº 12.711/2012, garantindo que metade das matrículas por curso, nas universidades e institutos federais, sejam destinadas a alunos que tiveram seu ensino em escolas públicas. Também será levado em consideração o percentual de negros e indígenas nessa sistemática. 8 A implantação do sistema de cotas será progressiva, acontecendo de maneira gradual, ou seja, a cada ano o percentual deverá aumentar. O critério de raça será por meio da autodeclaração. As ações afirmativas são medidas e programas criados com o propósito de minimizar desigualdades sociais, raciais e de gênero vivenciadas pelos grupos historicamente marginalizados. Visam a possibilitar oportunidades e equidade no usufruto dos direitos humanos, garantidos constitucionalmente. Políticas Públicas são políticas criadas a partir de demandas sociais, de movimentos ativistas e diferentes organizações da sociedade civil, sendo desenvolvidas pelo Estado visando a assegurar direitos presentes em nossa constituição, de acordo com a noção de dignidade da pessoa humana. Ações afirmativas são maneiras de combater o racismo Fonte: Plataforma Deduca (2020). Algumas políticas de ações afirmativas discutidas e aprovadas em forma de lei no Brasil nos últimos 15 anos foram: inclusão nos currículos escolares de história e cultura afro-brasileira e africana no Brasil (Lei nº 10.639/2003), ampliada para contemplar também a introdução da história indígena (Lei 11.465/2008); a Lei nº 12.711/2012, conhecida como Lei de Cotas, que garante metade das matrículas por curso, nas universidades e institutos federais, para alunos que tiveram seu ensino em escolas públicas. O critério raça também é garantido por essa Lei; e o Estatuto da Igualdade Racial, instituído pela Lei 12.888/2010, que garante à população negra a igualdade de oportunidades, defesa dos direitos e o combate à discriminação e demais formas de intolerância étnica. 9 Fechamento Aprendemos sobre o conceito de multiculturalismo, e sua relevância para vivermos em sociedade de forma a respeitar todos os grupos societários Também estudamos brevemente como se deu historicamente o debate a respeito das ações afirmativas a partir da Constituição Federal de 1988 e aprendemos a respeito de como está o cenário atual do debate a respeito das ações afirmativas no Estado brasileiro. E, por fim, podemos ter acesso e informação a respeito de algumas das principais legislações sociais brasileiras que balizam os direitos sociais assegurando o desenvolvimento de políticas públicas de afirmação para grupos que socialmente foram discriminados na sociedade tanto em relação ao processo de educação como outros direitos. 10 Referências BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 out. 2020. BRASIL. Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm>. Acesso em: 10 out. 2020. BRASIL. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/ l10.639.htm>. Acesso em: 10 out. 2020. BRASIL. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm>. Acesso em: 10 out. 2020. BRASIL. Institui o Estatuto da Igualdade Racial; altera as Leis nos 7.716, de 5 de janeiro de 1989, 9.029, de 13 de abril de 1995, 7.347, de 24 de julho de 1985, e 10.778, de 24 de novembro de 2003. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12288.htm>. Acesso em: 10 out. 2020.