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ACESSE AQUI ESTE MATERIAL DIGITAL! CARMEM MARQUES RODRIGUES HISTÓRIA DO BRASIL COLONIAL Coordenador(a) de Conteúdo Kátia Spinelli Projeto Gráfico e Capa Arthur Cantareli Silva Editoração Alexandre Donzelli Laura Janke Lilian Andreia Hasse Design Educacional Lucio Carlos Ferrarese Curadoria Cléber Rafael Lopes Lisboa Revisão Textual Cindy Mayumi Okamoto Luca Érica Fernanda Ortega Ilustração André Luis Azevedo da Silva Eduardo Aparecido Alves Welington Vainer Oliveira Fotos Shutterstock e Envato Impresso por: Bibliotecária: Leila Regina do Nascimento - CRB- 9/1722. Ficha catalográfica elaborada de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a). Núcleo de Educação a Distância. RODRIGUES, Carmem Marques. História do Brasil Colonial / Carmem Marques Rodrigues. - Florianópolis, SC: Arqué, 2023. 204 p. ISBN papel 978-65-6083-107-0 ISBN digital 978-65-6083-108-7 “Graduação - EaD”. 1. História 2. Brasil 3. Colonial 4. EaD. I. Título. CDD - 981 EXPEDIENTE Centro Universitário Leonardo da Vinci.C397 FICHA CATALOGRÁFICA HIS29 RECURSOS DE IMERSÃO Utilizado para temas, assuntos ou conceitos avançados, levando ao aprofundamento do que está sendo trabalhado naquele momento do texto. APROFUNDANDO Uma dose extra de conhecimento é sempre bem-vinda. Aqui você terá indicações de filmes que se conectam com o tema do conteúdo. INDICAÇÃO DE FILME Uma dose extra de conhecimento é sempre bem-vinda. Aqui você terá indicações de livros que agregarão muito na sua vida profissional. INDICAÇÃO DE LIVRO Utilizado para desmistificar pontos que possam gerar confusão sobre o tema. Após o texto trazer a explicação, essa interlocução pode trazer pontos adicionais que contribuam para que o estudante não fique com dúvidas sobre o tema. ZOOM NO CONHECIMENTO Este item corresponde a uma proposta de reflexão que pode ser apresentada por meio de uma frase, um trecho breve ou uma pergunta. PENSANDO JUNTOS Utilizado para aprofundar o conhecimento em conteúdos relevantes utilizando uma linguagem audiovisual. EM FOCO Utilizado para agregar um conteúdo externo. EU INDICO Professores especialistas e convidados, ampliando as discussões sobre os temas por meio de fantásticos podcasts. PLAY NO CONHECIMENTO PRODUTOS AUDIOVISUAIS Os elementos abaixo possuem recursos audiovisuais. Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem. 4 139 7 73 5 SUMÁRIO 139 U N I D A D E 3 SOCIEDADE COLONIAL TARDIA E AS CONTRADIÇÕES DAS IDEIAS DE AUTONOMIA POLÍTICA 140 DA PERIFERIA PARA O CENTRO: O BRASIL COMO SEDE DO IMPÉRIO ULTRAMARINO PORTUGUÊS 164 UM PROJETO DE INDEPENDÊNCIA CONSERVADOR 186 7U N I D A D E 1 O BRASIL NO QUADRO DO IMPÉRIO ULTRAMARINO PORTUGUÊS 8 O BRASIL-COLÔNIA NO ATLÂNTICO SUL 30 OS POVOS ORIGINÁRIOS 52 73 U N I D A D E 2 MONTAGEM DA ECONOMIA TRANSATLÂNTICA NO BRASIL COLONIAL 74 A DIÁSPORA AFRICANA NO BRASIL 96 FORMAÇÃO DA SOCIEDADE COLONIAL 118 UNIDADE 1 MINHAS METAS O BRASIL NO QUADRO DO IMPÉRIO ULTRAMARINO PORTUGUÊS Compreender os mecanismos que fundamentaram a relação do Brasil com o Império Português. Refletir sobre as bases históricas da formação do Brasil dentro do contexto do Império Ultramarino. Entender as principais características da relação centro versus periferia. Conhecer as dinâmicas interpretativas sobre o Brasil Colonial em sua relação com o Império Português. Identificar as características das correntes historiográficas que discutem a relação do Brasil com o Império Português. Relacionar os fundamentos históricos do Império Global Português e o Brasil Colonial. Diferenciar as características dos conceitos dicotômicos em relação aos conceitos dialógicos. T E M A D E A P R E N D I Z A G E M 1 8 INICIE SUA JORNADA Como o Brasil entrou na rota para o Oriente e se transformou em um dos pila- res do Império Português? Qual história vem em sua mente quando eu digo as palavras “Império Ultramarino” e “Brasil”? No contexto da construção do Império Ultramarino Português, ao longo dos séculos XVI e XVII, o Brasil tinha um status de colônia periférica. A imensa frota comandada por Pedro Álvares Cabral (1467-1520), que saiu de Portugal em 1500 e aportou na América do Sul, mais especificamente nas terras que se transformaram no Brasil, poucos meses depois, tinha, como destino e objetivo principal, as Índias. Após atravessar a Linha do Equador, a frota utilizou “a técnica do ‘volta mar’, manobra conhecida pelos portugueses que consistia em descrever um largo arco para evitar a zona central de calmaria” (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 28). O foco no Oriente se fundamentava no valor lucrativo dos itens comercializados em várias cidades da costa do subcontinente indiano, o que inclui as especiarias, os metais e as pedras preciosas. Por isso, a atuação da Coroa Portuguesa no Brasil se concentrou basicamente na defesa do território contra invasões estrangeiras e na concessão da exploração da terra a particulares de forma extrativista, como a exploração do Pau-Brasil, ou pela agricultura exportadora. Entretanto, esse papel secundário não representava um descaso. Pelo contrário, os reis de Portugal estabeleceram penas severas para aqueles que contrabandeavam informações sigilosas sobre o Brasil, em especial, informações náuticas e geográficas. UNIASSELVI 9 TEMA DE APRENDIZAGEM 1 O cenário mudou a partir de 1690, com as primeiras descobertas consistentes de locais no interior do Brasil com ouro de aluvião. A rápida difusão da notícia de- sencadeou uma corrida pelo ouro. Poucos anos depois, em 1720, a descoberta de diamantes transformou o Brasil no centro econômico do Império. As riquezas da exploração de metais e pedras preciosas foram a base de sustentação do opulento rei- nado de D. João V (1706-1750), que, além de se espelhar no receituário absolutista, fez questão de demonstrar publicamente as próprias riqueza e ilustração, patrocinando construções magníficas, como o Convento de Mafra e o Aqueduto das Águas Livres, além da constituição da Biblioteca Joanina na Universidade de Coimbra. A centralidade cada vez mais evidente do Brasil foi politicamente confirmada com a chegada da família real ao Rio de Janeiro em 1808. Naquele momento, oficialmente, a capital do Império Ultramarino Português se deslocou para a capital da América portuguesa. A posição do Brasil dentro do Império Ultramarino Português mudou de forma consistente ao longo dos séculos, de acordo com determinadas circunstâncias polí- ticas, econômicas e sociais. A princípio, os grandes paradigmas político e econômico desse período – a era moderna – eram o Absolutismo e o Mercantilismo, que apare- cem mesclados na atuação do Estado. O rei, como uma figura política forte e central, usa o poder estatal, tanto por meio da força quanto por meio das leis, para propor- cionar o desenvolvimento econômico. Nesse sentido, as colônias, enquanto entidades inferiores ao reino, são submetidas a um sistema despótico de exploração. Todavia, esses paradigmas vêm sendo problematizados desde a década de 1980. Assim, novos conceitos e formas de entender a relação entre Metrópole e Colônia, Centro e Periferia, Brasil e o Império Ultramarino surgiram entre os historiadores. Vamos entender esse movimento? VAMOS RECORDAR? Aprenda mais sobre o processo e os mecanismos que estavam relacionados com a expansão ultramarina portuguesa, o movimento histórico fundamental para a constituição do Brasil e do ImpérioUltramarino Português. Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem. 1 1 DESENVOLVA SEU POTENCIAL O BRASIL NO QUADRO DO IMPÉRIO GLOBAL PORTUGUÊS Uma verdadeira Babel: é assim que João Fragoso e Maria de Fátima Gouvêa (2009) sintetizam o Brasil Colonial. Isso, visto que, além da diversidade natural que existia entre os povos originários, a colônia recebeu uma gama vasta de afri- canos de diferentes etnias e europeus de distintos reinos. No entanto, isso não foi um empecilho para a constituição de uma sociedade organizada. A pluralidade e a diversidade eram reflexos das conexões globais do Império Português. Foram essas características únicas que levaram o historiador Nuno Montei- ro a formular o conceito de monarquia pluricontinental, sustentada em três particularidades do modo de governar português. UNIDADE AUTOGOVERNO A monarquia portuguesa tinha como base a ideia de unidade do reino. As outras unidades que faziam parte do reino não gozavam de autonomia, estando subme- tidas a um único rei. RENDAS ULTRAMARINAS Os recursos oriundos das conquistas ultramarinas eram a renda fundamental do reino. Todos os gastos da monarquia dependiam dos recursos coloniais. Nesse sentido, o Império sustentava a monarquia. AUTOGOVERNO A efetivação do poder real central dependia do funcionamento de um sistema de autogoverno das comunidades políticas adjacentes. Destaca-se, aqui, a impor- tância das câmaras municipais. UNIASSELVI 1 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 1 De acordo com Monteiro (2010, p. 290), “a monarquia portu- guesa tinha uma dimensão imperial única no contexto da Eu- ropa dos séculos XVII e XVIII. Não apenas pela dependência financeira das receitas provenientes do Império atlântico”, mas pela experiência única de circulação que a própria elite aris- tocrática possuía. Afinal, o rei recorria à nobreza para ocupar os postos-chave espalhados por todo o Império. Nesses locais distantes do centro, foi necessário desenvolver uma capacida- de de atuação autônoma. Todas essas características “conferiam uma feição deci- didamente pluricontinetal” (MONTEIRO, 2010, p. 290) à monarquia portuguesa. A América Lusa se transformou em uma sociedade espelhada nas normas do Antigo Regime e sustentada por uma economia de base escravista que alcançou um relativo sucesso. “ Em outras palavras, a dita torre de Babel não foi engolida pela flo- resta tropical nem virou comida de onças pintadas, de jiboias e nem dizimada por epidemias (FRAGOSO; GOUVÊA, 2009, p. 39). A colonização, que começou tímida, ameaçada por invasões de outras nações europeias, obteve, a partir de 1530, um crescimento exponencial até se trans- formar em um verdadeiro pote de ouro do Império. Todavia, a lógica que guiava a relação entre Brasil e Portugal não se baseava exclusivamente na relação mercantil entre Colônia e Metrópole. A razão da monarquia pluricontinental de Antigo Regime estava assentada em alguns valores, como a defesa e a expansão do cristianismo, a manutenção do ethos aristocrático e a honradez do serviço ao príncipe. Nesse sentido, a fidalguia exerceu um papel fundamental, pois a América Portuguesa foi o seu destino principal. Os fidalgos de nobreza menor encontraram, na colônia, um espaço para crescerem na hierarquia nobiliárquica, já que os postos no Oriente eram reservados para a primeira nobreza. “ Ou seja: não uma situação colonial única, regida por um único pacto, mas uma pluralidade imensa de pactos, entre uma pluralidade imensa de instâncias, desembocando numa variabilidade imensa dos deveres e dos direitos, mutuamente invocáveis (HESPANHA, 2009, p. 50-51). 1 1 VOCÊ SABE RESPONDER? A partir do que você aprendeu até agora, quais características do Brasil Colonial vem a sua mente? O Mapa-Múndi, ou planisfério, de autoria do cartógrafo Antonio Sanches, foi fi- nalizado em 1623. É considerado um dos mais coloridos produtos da cartogra- fia portuguesa. Foi feito para exibição, e não para uso prático, com o objetivo de propagandear a extensão e a riqueza do Império Ultramarino Ibérico (União Ibérica, 1580-1640) e, em especial, o poderio de seu patrono. Tratava-se de Domingo Martins d’Orta, de quem pouco se sabe, somente que pertenceu a uma família rica e fortemente envolvida no comércio com a Améri- ca espanhola e as Filipinas. O mapa apresenta o mundo recheado por representações do imaginário por- tuguês e cristão, como imagens de santos e de Cristo, além da presença das bandeiras e das armas nacionais de Portugal e Espanha, as quais são espalha- das por todos os continentes e oceanos, sugerindo a suserania deles sobre a Ásia, a África e a América do Sul. Figura 1 - Planisfério de Antonio Sanches, 1623 Descrição da Imagem: a figura exibe a representação, em um pergaminho com tinta colorida, do mundo conhecido até o ano de 1623. O mapa apresenta os quatro continentes conhecidos (América, África, Europa e Ásia), menos a Oceania e os três grandes oceanos: Atlântico, Índico e Pacífico. Há várias referências pictóricas de embarcações da época, rosas dos ventos, animais aquáticos imaginários, figuras religiosas e cenas da natureza de cada continente que também carregam os brasões de Portugal e Espanha. UNIASSELVI 1 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 1 METRÓPOLE VERSUS COLÔNIA O paradigma mercantilista No contexto da transição do feudalismo para o capitalismo, a expansão marí- tima esteve atrelada ao mercantilismo. Esse conjunto de práticas econômicas que vigorou na Europa entre os séculos XVI a XVIII utilizava diversas medidas de intervenção estatal, com o objetivo de fortalecer as economias dos estados nacionais que emergiam naquele momento. O comércio era uma pedra funda- mental desse processo. Elas eram fundamentais para a sobrevivência dos estados na concorrência co- mercial internacional. Ter colônias significava deter áreas reservadas de comércio que poderiam fornecer itens primários para exportação, matérias-primas para manufaturas, além de metais e pedras preciosas. A constituição do sistema co- lonial representava a execução das normas, que eram guiadas por concepções mercantilistas, que asseguravam a exclusividade metropolitana. VOCÊ SABE RESPONDER? A partir do que você estudou até aqui, qual seria a importância das colônias, se- gundo o paradigma mercantilista? Qual seria a importância das colônias dentro da lógica mercantilista? 1 4 O historiador Fernando Novais (1989) aprofundou a ideia exposta com o con- ceito de pacto colonial. As relações assimétricas de poder que se estabeleceram entre a colônia e a metrópole eram condicionadas pelo exclusivismo metropo- litano, ou seja, um monopólio comercial que garantia à Portugal a condição de adquirir produtos coloniais por baixo valor e revendê-los com preços mais vantajosos, além de abastecer a colônia com manufaturados, garantindo o lucro e a acumulação primitiva de capital. O monopólio era o mecanismo por excelência do Antigo Sis- tema Colonial. Era por meio dele que se operavam os mecanismos de transferência de riquezas, que buscavam maximizar os ganhos metropolitanos. Esse movimento foi essencial para a solidificação das bases do capitalismo. Nesse sentido, Caio Prado Júnior (1981) sustenta que a colonização do Brasil tinha um caráter de exploração. O que guiava os portugueses era a apropriação de recursos dentro da lógica comercial mercantil. Por isso, Portugal optou pela constituição de um sistema exploratório baseado na plantation. Plantation é o nome dado ao sistema de produção agrícola baseado no latifún- dio, na monocultura, na exportação e no trabalho escravo. APROFUNDANDO Antigo Sistema Colonial Quadro 1 – Estado Absolutista e Mercantilismo / Fonte: adaptado de Oliveira e Merlo (2015). ESTADO ABSOLUTISTA Mercantilismo Meios • Barreiras alfandegárias • Estímulo à expansão marítima e comercial • Crescimento populacional • Incentivo às manufaturas nacionais Objetivos • Reforço do poder do Estado nacional • Metalismo:acumulação de metais preciosos • Busca de balança comercial favorável (exportações > importações) UNIASSELVI 1 5 TEMA DE APRENDIZAGEM 1 A história do Brasil Colonial era vista de uma perspectiva dicotômica: senhores versus escravos, colônia versus metrópole, com um forte conteúdo econômico. Por isso, essa corrente interpretativa ficou conhecida como Antigo Sistema Colonial. Uma análise centrada em documentos oficiais tende a corroborar a ideia apresen- tada. É por isso que Russel-Wood (1998, on-line) explica que, “à primeira vista, a administração do Império português aparenta ser altamente centralizada e hegemônica”. Todavia, essa visão rígida está sendo redefinida pela historiografia dos últimos 20 anos. VOCÊ SABE RESPONDER? Diante daquilo que você estudou até o momento, quais outras relações consi- deradas dicotômicas veem a sua mente quando você pensa no Brasil Colonial? Você sabia que a criação do Distrito Diamantino, em 1734, que, atualmente, cor- responde ao município de Diamantina, em Minas Gerais, foi considerado, por Fer- nando Novais (1989) e Raymundo Faoro (2021), como a expressão máxima do pacto colonial? Para controlar a extração de diamantes, a Coroa delimitou uma área de movimentação restrita dentro da Capitania de Minas Gerais, que respon- deria diretamente a Lisboa. Entretanto, alguns estudos, tais como o de Júnia Furtado, redefiniram esse paradigma, ao mostrarem o funcionamento dos meca- nismos de contrabando e mercado interno que existiam dentro da demarcação. PENSANDO JUNTOS Conheça este jogo para que você possa interagir e memorizar os conceitos. A perseguição do labirinto sobre conceitos do Brasil e do Antigo Sistema Colonial. Corra para a área de resposta correta, evitando os inimigos. Recur- sos de mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem. EU INDICO 1 1 CENTRO VERSUS PERIFERIA Novas tendências historiográficas: movimento interno Duas novas tendências historiográficas sobre o Brasil Colonial surgem na década de 1990. O primeiro movimento, orientado pelos estudos de João Fragoso (1998) e Manolo Florentino (1997), concentra-se na análise das estruturas internas da colônia. As conclusões podem ser divididas em três aspectos. BURGUESIA COLONIAL Existia uma acumulação interna de capital promovida pelos comerciantes brasileiros. TRAFICANTES NEGREIROS Em determinado momento do século XVIII, o controle do tráfico de escravos passou para as mãos dos comerciantes do Rio de Janeiro, o que não apenas con- feriu poder político a esse grupo, mas também poder econômico. MERCADO INTERNO Havia um rico mercado interno, de grandes dimensões, que conectava comer- ciantes do litoral e do interior. A expansão colonial gerou uma rede de comércio interna que ia desde o rio da Prata até os sertões de Minas Gerais e do Nordeste. UNIASSELVI 1 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 1 “ Mais especificamente, seus autores discutem e analisam o “Brasil-Co- lônia” enquanto parte constitutiva do império ultramarino português. Propõem-se, ainda, a compreender a sociedade colonial e escravista na América enquanto uma sociedade marcada por regras econômi- cas, políticas e simbólicas de Antigo Regime (FRAGOSO; BICALHO; GOUVÊA, 2001, p. 21). Novas tendências historiográficas: movimento global Nesse mesmo período, a historiografia da história das ideias políticas passou por uma importante renovação de paradigmas, principalmente em relação aos Esta- dos modernos e os respectivos impérios ultramarinos. A noção de absolutismo como sinônimo de poder absoluto dos reis começou a desmoronar com as novas interpretações capitaneadas por Quentin Skinner, John Elliot e António Manuel Hespanha. As monarquias começaram a ser interpretadas como sistemas políti- cos negociados, pactuados, compósitos ou corporativistas. Cada qual relacionado a determinadas condições políticas e sociais. Nesse momento, o conceito de Império Português foi incorporado aos estu- dos do Brasil Colonial como um de seus mecanismos explicativos fundamentais. O objetivo era ir além das discussões econômicas, como eram as centradas no pacto colonial, e relacionar os diversos aspectos políticos, sociais e culturais daquele momento específico da história do Brasil. Vejamos algumas dessas interpretações. Segundo Maria de Fátima Gouvêa (2001), a relação entre Brasil e Império Português era guiada por uma economia política do privilégio. A expansão ultramarina promoveu a agregação de novos territórios e a criação do Império. Logo, para gerir essas áreas, a monarquia precisou distribuir cargos e ofícios, além de conceder privilégios comerciais a grupos e indivíduos. Essas concessões criaram uma rede de hierarquia que tinha o objetivo de assegurar os interesses metropolitanos e criar vínculos estratégicos com os vassalos no ultramar. As afirmações expostas jogaram por terra a argumentação que fundamentava a ideia de que o pacto colonial era a única relação possível entre colônia e metrópole. 1 8 Já para o historiador João Fragoso (2001), era a economia do bem comum que pautava essas relações. O sistema de distribuição de mercês, arraigado na sociedade lusa, foi transplantado para o Império. Essa prática, isto é, de distribui- ção de títulos e privilégios àqueles que prestavam serviços à Coroa, alimentava o sistema de vassalagem e o controle do território do ultramar. Nesse mesmo caminho, Maria Fernanda Bicalho (2003) identifica a formação de uma economia moral do dom. A distribuição de títulos e privilégios era fundamental para a construção de uma rede de poder ultramarino. Esse foi o modo de governar desenvolvido pelo Império português diante do principal desafio: controlar vastas áreas dispersas e distantes pelo planeta. O Antigo Regime Nos Trópicos: A Dinâmica Imperial Portuguesa (Séculos XVI-XVII) O livro traz uma coletânea de artigos de historiadores brasilei- ros e portugueses sobre o sistema de colonização portuguesa. O império português aparece aqui como uma rede de relações econômicas, políticas, jurídicas e sociais capaz de articular so- ciedades diversas e abrigar poderes autônomos e interesses comerciais conflitantes. Para além do domínio metropolitano, do pacto colonial e da escravidão, outros temas, antes negli- genciados pelos estudiosos, ganham relevância. Abrem-se novas possibilidades e alternativas para a pesquisa. Antigos balizamentos cronológicos e recortes espaciais são questiona- dos. Outros passam a ser inquiridos e discutidos. INDICAÇÃO DE LIVRO Dessa forma, o rei não poderia ser aquela figura despótica e tirânica. Simbolica- mente, o monarca era visto como a cabeça do corpo político, logo, não poderia existir sozinho. Desse modo, era estabelecida uma relação de mão dupla: ao rei, era delegado, pelo corpo político, a capacidade de decidir. Em troca, deveria zelar pelos interesses e pela proteção de seus súditos. Foi assim que António Manuel Hespanha caracterizou a monarquia portuguesa: como uma sociedade corpo- rativa e polissinodal. UNIASSELVI 1 9 TEMA DE APRENDIZAGEM 1 O rei, como figura capaz de distribuir mercês, estabeleceu uma economia do dom, ou seja, a distribuição de riquezas materiais e simbólicas construía, no con- junto da sociedade, o sentimento de pertencimento. A partir dessas interpretações, o Brasil Colonial começou a ser visto como uma comunidade política com capacidades próprias, o que construiu uma rela- ção dialógica com o Império. As Vésperas do Leviathan: Instituições e Poder Político - Portugal - Séc. XVII Este livro foi resultado da tese de doutorado do historiador português António Manuel Hespanha (1945-2019). Começou a ser mais citado e conhecido no Brasil em finais da década de 1990, ao ser incorporado à bibliografia de alguns progra- mas de pós-graduação em História. Tornou-se um marco importante na história político-administrativa e do direito de Portugal do Antigo Regime, quando supera os marcos críti- cos, categóricos, temáticos e de abordagem recorrentes deuma ainda presente abordagem positivista-oitocentista e liberal da história do direito e do poder político e instituições portuguesas anteriores ao século XIX. INDICAÇÃO DE LIVRO VOCÊ SABE RESPONDER? Tendo em vista a historiografia que apresentei, quais relações dialógicas veem até a sua mente? 1 1 Foi por isso que, para garantir a soberania nos territórios ultramarinos, Portugal transferiu vários mecanismos administrativos e jurídicos para as próprias colô- nias. O sistema de capitanias hereditárias, do padroado, as câmaras, o sistema de ouvidores. Todos esses elementos eram instrumentos político-sociais na mão do rei, que os usava no jogo de distribuição de mercês. Certamente, assim como afirma Russel-Wood (1998, on-line), “a Coroa ne- gou-se a criar uma estrutura administrativa para o Brasil que refletisse prio- ridades ou interesses coloniais”. Todavia, isso não impediu que os brasileiros usassem a estrutura vigente em seu favor. É vasta a documentação no Conselho Ultramarino, por exemplo, de cartas advindas das diversas regiões do Brasil com variados pedidos de mercês. Os colonos, como parte integrante da estrutura imperial, tentavam utilizar esses recursos em seu favor. Evidentemente, nem todos os movimentos eram pacíficos. O período do Brasil Colonial é recheado por insurreições e revoltas que usaram a violência e foram reprimidas com igual crueldade. VOCÊ SABE RESPONDER? A partir da discussão feita até aqui, você seria capaz de pensar em revoltas do período colonial que poderiam ser relacionadas à distribuição de mercês? Em 2021, o grupo de pesquisa Antigo Regime nos Trópicos, ligado ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pro- moveu o seminário on-line: “Antigo Regime nos Trópicos - 20 anos”. Os debates promovidos pelo seminário estão disponíveis no canal do grupo de pesquisa no YouTube e fornecem interessantes perspectivas sobre as novas tendências historiográficas promovidas pelos pesquisadores do grupo e convidados. Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem. EU INDICO UNIASSELVI 1 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 1 De fato, a natureza pluricontinental do Império Português foi um dos fatores que enfraqueceu o estabelecimento de uma política mercantilista completa. O estabelecimento de um comércio interno – dentro do Brasil – e externo – entre as colônias portuguesas – é uma prova do limitado alcance do mercantilismo. Caminhos da colonização Após o primeiro desembarque português no Brasil, em 1500, a Coroa enviou, durante as três décadas seguintes, várias expedições encarregadas de reconhe- cer o litoral. Essas viagens tinham múltiplos objetivos: de reconhecimento, de exploração e, ainda, como expedições guarda-costas. Com elas, os portugueses promoveram o reconhecimento da geografia para fins cartográficos e de navega- ção, a exploração de pau-brasil com o auxílio dos índios, a fundação de feitorias e defesa da costa contra a crescente presença dos franceses, rivais no comércio do pau-brasil. VOCÊ SABE RESPONDER? Considerando as especiarias e o respectivo comércio, você sabe o motivo pelo qual elas eram tão desejadas no mercado europeu? O site Impressões Rebeldes, coordenado pelo professor Luciano Figueiredo, da Universidade Federal Fluminense, é uma plataforma colaborativa que reúne di- versos conteúdos sobre a história das revoltas do Brasil entre os anos de 1500 e 1825. Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem. EU INDICO 1 1 O primeiro movimento consis- tente foi feito com a instituição do sistema de capitanias hereditárias. Essa forma de administração foi replicada nos domínios atlânti- cos portugueses, tais como nas ilhas próximas à costa africana, no Brasil e em Angola. O modelo era o antigo sistema de senhorio português, desenvolvido ainda na Idade Média, e consistia na concessão de terras a particulares, juntamente com os direitos, proventos e privilégios de soberania como a capacidade de nomear funcionários, cobrar impostos, administrar a justiça e fundar povoações. A consolidação do território da América Portuguesa levaria três séculos para se concretizar. A União Ibérica, que unificou as duas Coroas de Portugal e Es- panha e seus territórios coloniais entre 1580 e 1640, foi, por exemplo, decisiva para a movimentação dos paulistas pelo interior do continente, os exploradores responsáveis pelo encontro dos metais e pedras preciosas. Assim como afirmam os historiadores tributários da ideia de Antigo Regime nos Trópicos, o Brasil Colonial não pode ser resumido às questões econômicas relacionadas ao mercantilismo. Evidentemente, a economia e as respectivas ideias têm importância, mas as relações políticas, religiosas, sociais e administrativas se movimentavam por outros meios. Assim como o Brasil recebeu escravos da Guiné e de Benguela, também apor- taram por aqui ex-militares da Índia ou negociantes de Angola. Essas relações em- basaram o estabelecimento de um rico comércio entre as colônias. O fato marcante era que o pano de fundo dessa movimentação eram as regras do Antigo Regime. “ Em suma, o Império não era tão-somente uma colcha de retalhos comerciais; ele dava vida, em graus distintos, às diversas sociedades que o constituíam (FRAGOSO; BICALHO; GOUVÊA, 2001, p. 22). UNIASSELVI 1 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 1 NOVOS DESAFIOS Diante das discussões que apresentei aqui, você entrou em contato com os princi- pais conceitos utilizados para interpretar o Brasil Colonial no quadro do Império Ultramarino Português. Você também conheceu as principais diferenças e apro- ximações entre essas correntes interpretativas. Além disso, tomou conhecimento dos bases históricas que fundamentam os conceitos dialógicos utilizados pela historiografia contemporânea. Você deve ser capaz de compreender que a relação dicotômica Metrópole versus Colônia foi superada por uma visão dialógica. O rígido mecanismo eco- nômico do pacto colonial, fundamentado no mercantilismo e no exclusivismo metropolitano, deixou de ser o paradigma interpretativo do Brasil Colonial. Você também deve reconhecer o papel da problematização dos paradigmas. A abertura a novas chaves interpretativas e a utilização de diferentes fontes his- tóricas abriram espaço para a visão do Brasil Colonial do ponto de vista global, ou seja, integrado ao Império Ultramarino Português. As características únicas da monarquia pluricontinental portuguesa aju- daram a moldar o sistema colonial no Brasil. Entretanto, as idiossincrasias da América lusa proporcionaram o surgimento de mecanismos dialéticos que pro- gressivamente fundamentaram a constituição de um Brasil independente. Para a sua atuação como professor(a), você deve assimilar a relação dialética centro versus periferia como substituta da visão dicotômica entre metrópole versus colônia. Isso permite uma abertura de temas para a exploração em sala de aula e instiga os alunos a verem os personagens históricos como sujeitos na história, abrindo o leque de práticas de ensino e propostas pedagógicas. 1 4 VAMOS PRATICAR 1. O chamado achamento do Brasil não provocou nem de longe o entusiasmo desper- tado pela chegada de Vasco da Gama à Índia. O Brasil aparece como uma terra cujas possibilidades de exploração e contornos geográficos eram desconhecidos. Por vários anos pensou-se que era uma grande ilha. FAUSTO, B. História do Brasil. São Paulo: EdUSP, 2008. p. 22. Considerando a constituição do Império Ultramarino Português, assinale a alternativa correta: a) O Brasil prontamente despertou o interesse português por suas riquezas minerais. b) Nos dois primeiros séculos de colonização o Brasil possuía um status de colônia periférica. c) Logo nos primeiros anos os portugueses promoveram a exploração agrícola da colônia. d) As invasões de outros povos europeus à costa do Brasil não preocupava a Coroa portuguesa. e) A extração do Pau-Brasil foi promovida commão de obra escrava. 2. A forma pela qual, ao longo de alguns séculos, a Coroa portuguesa tratou de assegurar os maiores ganhos do empreendimento colonial relaciona-se com as concepções de política econômica vigentes na época, abrangidas pela expressão “mercantilismo”. FAUSTO, B. História do Brasil. São Paulo: EdUSP, 2008. p. 31. Considerando a relação entre mercantilismo e expansão marítima portuguesa, analise as afirmativas a seguir: I - A expansão marítima tinha como objetivo a busca por novos locais e rotas comerciais. II - O pacto colonial era rígido e firmemente fiscalizado pela Coroa Portuguesa como a única relação possível entre metrópole e colônia. III - O metalismo era um dos fundamentos do mercantilismo. Como os portugueses não encontraram riquezas minerais nas primeiras explorações da costa brasileira, eles tiveram que recorrer a outros mecanismos de exploração, como o monopólio da ex- ploração do Pau-Brasil. É correto o que se afirma em: a) I, apenas. b) III, apenas. c) I e III, apenas. d) II e III, apenas. e) I, II e III. 1 5 TEMA DE APRENDIZAGEM 1 3. A concepção definidora da colonização pela grande empresa monocultura escravista, adaptada aos interesses da Metrópole, é um modelo cujo valor consiste em dar as linhas básicas de entendimento de um sistema que caracterizou o Brasil na Colônia e deixou suas marcas após a Independência. FAUSTO, B. História do Brasil. São Paulo: EdUSP, 2008. p. 34. O modelo de colonização baseado na exportação de itens primários obteve grande sucesso e, de fato, nunca foi completamente abandonado. Considerando o enunciado e os seus conhecimentos sobre o Brasil Colonial, assinale a alternativa correta: a) A escravidão foi a forma de trabalho por excelência dos latifundios exportadores. Para isso, recorreu-se somente à mão-de-obra escrava africana. b) De acordo com o exclusivismo metropolitano, os produtos de exportação brasileiros poderiam ser comercializados em toda a Europa. c) O Brasil foi um dos países que menos recebeu escravizados africanos entre os séculos XVI a XIX. d) A primeira experiência agroexportadora colonial de sucesso foi feita com a cana- de-açúcar. e) Os interesses dos colonos e da metrópole eram sempre os mesmos. Por isso, o pacto colonial foi aplicado com sucesso no Brasil. 1 1 REFERÊNCIAS BICALHO, M. F. A cidade e o império: o Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Civili- zação Brasileira, 2003. FAORO, R. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Cia das Letras, 2021. FLORENTINO, M. Em costas negras. Uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). São Paulo: Cia das Letras, 1997. FRAGOSO, J. 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A alternativa D está incorreta, porque, apesar de seu status periférico, a Coroa Portuguesa fez várias incursões para expulsar invasores europeus dos territórios da costa brasileira. Um dos casos mais emblemáticos foi a luta para expulsar os franceses da região do Rio de Janeiro, onde haviam estabe- lecido uma colônia, a França Antártica (1555-1560). A alternativa E está incorreta, dado que, nos primeiros anos da colonização, a exploração do Pau-Brasil era feita com apoio indígena a partir do escambo. Os grupos que estabeleceram relações amistosas com os portugueses eram “pagos” com objetos europeus variados pelo trabalho de derrubar as toras do Pau-Brasil. 2. Opção C. A afirmativa I está correta, pois a expansão comercial era a base da política mer- cantilista. A afirmativa II está incorreta, pois o pacto colonial foi implementado com falhas e incongruências. No plano ideal, deveria ser a única relação possível entre metrópole e colônia, porém, na prática, outras relações comerciais se estabelecer- am, como o surgimento de um mercado interno no Brasil e de um comércio entre as colônias portuguesas ultramarinas. O metalismo, ou seja, o acúmulo de metais preciosos, era fundamental na lógica mercantilista. A riqueza de um reino era me- dida pela riqueza em metais, pois todas as transações comerciais eram lastreadas em moedas de ouro ou prata. Como o Brasil, aparentemente, não se mostrou atra- tivo nesse sentido, a Coroa buscou por outras alternativas, como a instituição do monopólio da exploração do Pau-Brasil, primeiramente concedido em 1501 à Fernão de Loronha. GABARITO 1 8 3. Opção D. A alternativa A está incorreta, pois uma das primeiras tentativas de escravização sis- temática dos indígenas brasileiros aconteceu durante a implementação dos primei- ros engenhos de açúcar na colônia. Todavia, o fracasso da escravização indígena promoveu a busca pelos escravos de origem africana. A alternativa B está incorre- ta, já que, de acordo com o exclusivismo metropolitano, somente Portugal poderia comercializar produtos oriundos do Brasil. A alternativa C está incorreta, porque o Brasil foi um dos países que mais recebeu escravizados de origem africana entre os séculos XVI a XIX. A alternativa D está correta, tendo em vista que a plantação em larga escala da cana-de-açúcar, de origem asiática, no Brasil, teve grande sucesso, promovendoa difusão de vários engenhos-de-açúcar pela colônia, principalmente no Nordeste. Nem sempre os interesses dos colonos eram os mesmos interesses da metrópole, por isso, o pacto colonial não era aplicado de forma rígida, surgindo espaço para outras formas de comércio. GABARITO 1 9 MINHAS METAS O BRASIL-COLÔNIA NO ATLÂNTICO SUL Compreender o conceito de Matriz Espacial Colonial. Refletir sobre as bases históricas da formação do Brasil Colonial inserido no espaço do Atlântico Sul. Entender as principais características do escravismo dentro do espaço Atlântico Sul. Conhecer as dinâmicas interpretativas do sistema colonial geohistórico. Identificar as características das correntes historiográficas da “História do Atlântico Sul” e da “Atlantic History”. Relacionar os fundamentos históricos da colonização brasileira e africana do ponto de vista global. Diferenciar as características dos conceitos de ciclos econômicos e de economia mundo. T E M A D E A P R E N D I Z A G E M 2 1 1 INICIE SUA JORNADA Ainda no século XVII, o Padre Antônio Vieira (1608-1697), um dos mais influen- tes intelectuais jesuítas que viveu na América Lusa, dizia que o Brasil parecia ter o corpo na América, mas a alma na África. O que ele queria dizer com isso? Segundo o historiador Luís Felipe Alencastro (2020), o Padre Vieira já tinha percebido que a estrutura colonial portuguesa na América não se restringia ao espaço geográfico brasileiro. De fato, ia além, ao integrar, também, a costa ociden- tal da África, de onde vinham os escravos, a grande força cultural e econômica que moldou o Brasil de 1530, quando o primeiro navio com escravos chegou a Salvador, até 1860, quando o último navio negreiro aportou no país. “É no espaço mais amplo do Atlântico Sul que a história da América portuguesa e a gênese do Império do Brasil tomam toda a sua dimensão” (ALENCASTRO, 2020, p. 28). Portanto, a construção dos mecanismos de exploração do Brasil durante o período colonial está diretamente relacionada com a existência de um espaço de colonização luso-africana, ou seja, o Atlântico Sul. Essa abordagem proporciona uma visão geohistórica sobre a colonização. Assim como afirma Braudel, os homens são capazes de enquadrar a realidade, formando espaços a partir das próprias ações no tempo. Logo, criam outra geografia, que se relaciona com a realidade física, mas não se limita a ela. “Estabelecer os fatos históricos no espaço é a melhor forma de compreendê-los e de situar os verdadeiros problemas com maior precisão” (RIBEIRO, 2015, p. 619). No caso da geohistória, você seria capaz de pensar em outras possibilidades para aplicação? As particularidades do sistema geográfico do Atlântico Sul foram fundamen- tais para a formação do espaço colonial luso-africano. O sistema de correntes marítimas e os fluxos de ventos no Oceano Atlântico, abaixo da linha do Equador, funcionam como um anticiclone, centrado na ilha de Santa Helena. Desse modo, os navios que partem da Europa, costeando o Norte da África, ao cruzarem o Equador, são empurrados pelos ventos e correntes em direção à costa do Brasil. De forma parecida, os navios da costa leste do Brasil são levados pelos ventos e pelas correntes em direção à costa ocidental africana. O fluxo contrário funciona na direção África-Brasil. UNIASSELVI 1 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 2 Esse sistema foi rapidamente descoberto pelos marinheiros portugueses. Dessa maneira, a navegação entre Brasil e África era fácil e rápida. Por isso, Alberto da Costa e Silva (2022) fala de “um rio chamado Atlântico”. Contudo, essa ligação apenas acontecia entre a costa leste brasileira e a costa ocidental da África. O litoral norte do Brasil estava sob outro regime de ventos e correntes, o que o tornava muito Descrição da Imagem: a figura é composta pela representação dos continentes da América, da Antártica, da África, da Europa e da Groenlândia. No centro da imagem, estão o Oceano Atlântico e a representação, com setas, dos fluxos das cor- rentes marítimas. No Atlântico Norte, a direção das correntes é no sentido horário, com uma seta negra surgindo da costa norte da África e indo para Cuba. Também há uma seta vermelha de Cuba passando pela costa americana até o meio do Oceano Atlântico Norte. Há uma seta negra que retorna para a costa da Espanha e vai para o norte e para o sul, e uma seta azul que passa pela costa norte da África; enquanto, no Atlântico Sul, o fluxo é anti-horário, com uma seta negra começando na costa sul da Argentina e indo para o leste até o Oceano Atlântico Sul próximo à costa sul da Áfri- ca. Há uma seta azul subindo a costa Africana, terminando na costa central da África, uma seta negra indo para Oeste até a Costa Nordeste do Brasil, bifurcando-se para o Norte e para o Sul, e uma seta vermelha descendo a costa brasileira, retornando para a primeira seta negra do Sul. Exis- tem, também, outras setas auxiliares: no Sul, uma seta negra reta e horizontal que corta os oceanos, entre os continentes americanos e africanos e a Antártica. No Equador, uma seta unilateral ver- melha surge do Norte da costa brasileira para o interior das ilhas caribenhas, e uma seta unilateral negra vai das ilhas caribenhas para a costa central da África. No Norte, duas setas azuis descem do Polo Norte pelas costas da Groenlândia em dire- ção à costa americana, e uma seta vermelha sur- ge do ciclo em sentido horário do Atlântico Norte, iniciando nas ilhas britânicas e subindo a costa Norte da Europa até o Polo Norte. Figura 1 – Correntes marítimas do Oceano Atlântico Fonte: https://bit.ly/3On5HWP. Acesso em: 24 jul. 2023. 1 1 mais próximo do Caribe e da Europa e distante do restante do Brasil e da África. Por exemplo, era muito fácil a navegação partindo do Rio de Janeiro até São Luís, no Maranhão. Todavia, fazer o caminho contrário era praticamente impossível. A perspectiva historiográfica defendida por Alencastro está diretamente relacio- nada com a Escola dos Annales, principalmente com o conceito geohistórico de Fernand Braudel. Entretanto, essa não foi a única corrente que colocou o Atlântico como personagem principal: uma visão mais abrangente foi desen- volvida por historiadores estadunidenses, conhecida como “Atlantic History” (História do Atlântico). Essas novas interpretações foram fundamentais para abrir um novo leque de dimensões sobre a história colonial do Brasil. Vamos entender esse movimento? VAMOS RECORDAR? Aprenda mais sobre o processo que constituiu o espaço Atlântico-Sul Colonial com essa animação que mostra a cir- culação de navios negreiros entre os anos de 1545 a 1860. DESENVOLVA SEU POTENCIAL MECANISMOS DO SISTEMA COLONIAL DO ATLÂNTICO-SUL Quando uma nova área era conquistada por uma potência colonial, como Por- tugal, Espanha ou Holanda, surgia um desafio: como explorar e se apropriar do excedente econômico da região apossada? A lógica do mercantilismo era transferir os excedentes de produção, ou seja, os lucros econômicos, diretamente para a me- trópole. No entanto, estabelecer o exclusivismo metropolitano não era uma tarefa simples, especialmente se a nova região não possuía riquezas de fácil extração. UNIASSELVI 1 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 2 Ao longo da história, duas estratégias podem ser identificadas como as principais utilizadas pelas metrópoles para concretizar o pacto colonial: o desvio de rotas comerciais e a criação de fluxos comerciais. No primeiro caso, a metrópole focava os esforços em promover o desvio das rotas comerciais já existentes, com o objetivo de captar para si aqueles lucros. Um grande exemplo foi a colonização portuguesa na África e na Ásia, especialmente nas Índias. Ali, o objetivo da Coroa era redirecionar os lucros do comércio de mercadorias entre Índia, China e Japão para Portugal. Por isso, utilizou, como estratégia de colonização, o estabelecimento de feitorias. VOCÊ SABE RESPONDER? Tendo em vista o conceito de Mercantilismo,quais foram as formas de aplica- ção dele no Brasil Colonial? No segundo modelo, o trabalho da metrópole era mais complexo, pois exigia a cria- ção de novos fluxos e rotas comerciais. Nesse caso, as commodities eram o sistema mais lucrativo. O maior exemplo foi o sistema açucareiro implantado no Brasil que se conectou com os objetivos lusos na África a partir do tráfico de escravos. Portanto, a formação do Brasil até 1700, antes da descoberta do ouro, foi resultado da estrutura mercantilista estabelecida pela Coroa Portuguesa com o objetivo de capitalizar as riquezas de suas colônias no Atlântico Sul. O sistema açucareiro, baseado na mão de obra escrava africana, transformou-se na solução ideal para o projeto mercantilista luso. VOCÊ SABE RESPONDER? Você sabe o que são feitorias? A partir do que você viu até aqui, quais seriam as características e os objetivos delas? 1 4 Os mercadores lusos já tinham estabelecido as próprias feitorias na África, principalmente em Angola e no Golfo da Guiné, onde controlavam o tráfico ne- greiro. O desenvolvimento do mercado brasileiro, com a demanda dos engenhos de açúcar, deu grande força à Coroa sobre todo o sistema, afinal, a expansão e a lu- cratividade do açúcar dependiam da importação de “peças” da África, que estavam nas mãos dos comerciantes portugueses. A metrópole ganhava duplamente. Além dos altos lucros do comércio do açúcar no mercado europeu, a Coroa também ganhava com os impostos que incidiam no comércio negreiro, tanto na África como no Brasil. Ao mesmo tempo, o sistema limitava a autonomia dos colonos ao criar laços de dependência. “ Portugal garantia as duas pontas do mercado: o provimento de mão de obra e o monopólio da cana. Mas quase nada permanecia no Novo Mundo: nem a cana, nem o lucro por ela produzido (STAR- LING; SCHWARCZ, 2015, p. 65). O sistema de feitorias africano No momento em que os primeiros exploradores europeus chegaram ao con- tinente africano, já havia diversas rotas de comércio estabelecidas. É bastante provável que isso se devesse à localização geográfica da África, que se encontra entre o Oriente e o Mediterrâneo, bem como ao avanço do Islã. Especialmente nas regiões Norte e Subsaariana, o continente africano era conhecido como uma área de passagem e interação entre pessoas e mercadorias. UNIASSELVI 1 5 TEMA DE APRENDIZAGEM 2 Figura 2 – Leste da África com Prestes João no trono Fonte: https://bit.ly/3OkttDa. Acesso em: 24 jul. 2023. Descrição da Imagem: a figura traz a representação, em pergaminho com tinta colorida, do Leste da África, do Oriente Médio e de parte da península indiana. Contém várias referências pictóricas de embar- cações da época no Oceano Índico, rosas dos ventos e animais aquáticos imaginários. Cada continente carrega os brasões de Portugal. A cor predominante no mapa é um branco envelhecido de um pergaminho. Destaca-se a representação de Preste João sentado no trono à esquerda e um pouco acima do centro, no continente africano. Ele está com vestimentas de rei nas cores azul e vermelho e tem cabelo e barba longas e grisalhas. O trono em que está sentado tem aspecto de madeira e é toda trabalhada. Ele usa uma coroa dourada com alguns pontos coloridos. Além disso, segura um cetro na cor dourada em forma de cruz na mão esquerda. Ele está sentado com o rosto e o corpo voltados para o Oceano Índico e a mão direita aponta para o mesmo sentido. Outra figura de destaque é um elefante na cor marrom acima à direita. Ele está cercado por árvores de diferentes tipos e tamanhos. 1 1 Destaca-se, no mapa, a figura de Prestes João. A lenda em torno desse person- agem povoou o imaginário de boa parte da Europa, mas, em Portugal, ganhou um contorno diferente, como uma meta para os navegantes que começaram a desbravar o Atlântico a partir do século XV. O surgimento do mito remonta a 1165, quando circulou pela Europa uma suposta carta de um grande rei do Oriente chamado Preste (ou presbítero) João. Era um rei cristão que governava um império vasto e perfeito, cuja missão era derrotar os muçulmanos e oferecer ajuda aos cruzados. Os reis portugueses encararam a tarefa de encontrar o reino de Prestes João como um dos objetivos da expansão marítima, pois o reino dele não tinha somente riquezas materiais, mas principalmente imateriais, como a glória do cristianismo. Não é surpreendente, portanto, que os portugueses tenham se deparado com várias comunidades comer- ciantes e rotas de comércio já estabelecidas no conti- nente africano. Por essa razão, assim como argumenta Alencastro (2020), a África do século XVI se asseme- lhava muito mais à Ásia do que à América. Para a Co- roa, a África se mostrava como uma oportunidade de desviar fluxos preexistentes. Desde o início, o comércio de escravos africanos se mostrou como uma opor- tunidade de fácil exploração para os mercadores lusitanos. Os portugueses pas- saram a enxergar o continente como um vasto depósito de mercadorias vivas, prontas para serem capturadas ou compradas e revendidas no mercado global. Gradualmente, eles começaram a suplantar os genoveses no tráfico de escra- vos para o mercado hispano-americano no final do século XVI, tornando-se os principais fornecedores de “peças” no Atlântico Sul. Com a conquista dos portos africanos na África Central e o estabelecimento de uma rede de feitorias, o co- mércio de escravos deixou de ser apenas uma das várias atividades ultramarinas e se tornou o principal sustentáculo econômico do Império Português. a África se mostrava como uma oportunidade de desviar fluxos preexistentes UNIASSELVI 1 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 2 De acordo com estimativas de Alencastro (2020), ao longo de três séculos, foram realizadas cerca de 12 mil viagens entre os portos africanos e o Brasil, transpor- tando aproximadamente 4 milhões de pessoas negras vivas. O Brasil recebeu, até o século XIX, cerca de 43% do total de escravizados africanos. Após a restauração da monarquia portuguesa em 1640, o tráfico de escravos para as colônias hispânicas foi proibido, resultando em uma grande ociosidade para o sistema escravista português. No entanto, essa falta de demanda foi prontamente resolvida quando o mercado açucareiro brasileiro se conectou à rede de tráfico de escravos. A prosperidade da indústria açucareira exigia um fluxo maior de escravos, o que beneficiava os traficantes portugueses. Dessa forma, foi estabelecido o alicerce do sistema de exploração sul-atlântico. Esse é o espaço que constituiu a matriz espacial colonial, segundo Alencastro (2020). Assim, o fluxo de comércio era essencialmente bipolar, entre Brasil e África, e não triangular, como comumente aparecem nos livros didáticos. Essa era uma característica do comércio no Atlântico Norte. Na parte Sul, os navios carregados Você sabia que a América Espanhola teve um papel fundamental na consoli- dação do comércio negreiro por Portugal? O reino espanhol não desenvolveu uma logística especializada no comércio de escravos, porque recorreu à mão de obra indígena e se concentrou no transporte de metais, especialmente a prata. Entretanto, a força nativa não era suficiente para sustentar os trabalhos, por isso, a Espanha recorria aos comerciantes lusitanos para o fornecimento de “mercadoria viva”. PENSANDO JUNTOS matriz espacial colonial O site SlaveVoyages é uma iniciativa colaborativa que compila e torna acessí- veis ao público registros sobre o tráfico de escravos. No site, você pode pesqui- sar esses registros por local ou data e, assim, aprender as origens da realocação forçada de mais de 12 milhões de africanos. Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem. EU INDICO 1 8 de açúcar rumavam prioritariamente para Lisboa, enquanto os navios negreiros faziam a rota Brasil-África e África-Brasil, transportando não só escravos, como também produtos brasileiros e africanos. O senso comum cristalizou a ideia de que os povos originários eraminaptos para o trabalho, muitas vezes, preguiçosos e fugidios. Todavia, essa visão sim- plista oculta várias relações sociais e econômicas históricas que os nativos ti- nham antes da chegada dos portugueses e criaram após o início da colonização. Certamente, o principal fator que dificultou a escravização indígena no Brasil foi a fragilidade imunológica. Os povos originários eram extrema- mente suscetíveis às doenças comuns entre os europeus e os africanos. Isso desencadeou um impacto avassalador entre essas populações. Além disso, os portugueses rapidamente perceberam que poderiam usar os nativos como uma força aliada contra as invasões estrangeiras e mesmo para coibir revoltas escravas. Por isso, a Coroa estabeleceu uma prática de boa vizinhança com uma série de nações que auxiliaram as forças lusitanas, por exemplo, na ex- pulsão dos holandeses no Nordeste, na reconquista de Angola e na destruição do Quilombo de Palmares. Um Rio Chamado Atlântico O livro reúne textos de Alberto da Costa e Silva, um dos maiores africanólogos em língua portuguesa. Os escritos versam sobre as relações históricas entre o Brasil e a África e sobre a África que moldou o Brasil e o Brasil que ficou na África. A obra é uma referência no que diz respeito ao tráfico de escravos no Atlântico. INDICAÇÃO DE LIVRO VOCÊ SABE RESPONDER? Você sabe o motivo pelo qual se optou pela importação de mão de obra escra- vizada do continente africano, se, no Brasil, os indígenas poderiam ser utiliza- dos como mão de obra escrava? UNIASSELVI 1 9 TEMA DE APRENDIZAGEM 2 Três outros fatores de natureza econômica contribuíram decisivamente para a inviabilidade da implementação de um amplo sistema de tráfico de indígenas na América Portuguesa. O primeiro fator está relacionado à grande dificuldade da navegação ao longo da costa norte-sul do Brasil. A direção dos ventos e das correntes transformava a tarefa de transportar indígenas pela navegação de cabo- tagem em um feito praticamente impossível. Além disso, a falta de rotas terrestres agravava ainda mais esse obstáculo. Acrescente-se a isso a política da Coroa, que, intencionalmente, incentivava o isolamento entre as ocupações coloniais, proi- bindo as rotas comerciais entre eles, com o objetivo de aumentar a dependência do comércio externo, especialmente o realizado com a metrópole. De fato, o tráfico indígena estava na direção contrária do sistema colonial do Atlântico Sul. Ele não estava inserido no circuito comercial fechado entre Brasil e África. Por isso, somente os paulistas conseguiram estabelecer fluxos comerciais com a exploração indígena, porque, como estavam voltados para o continente, não faziam parte do fluxo atlântico. Somente com a descoberta do ouro e dos diamantes que os paulistas se inserem na matriz espacial colonial e, consequentemente, abandonam o apresamento de indígenas. “ Mesmo não sendo impossível, a acumulação proporcionada pelo trato de escravos índios se mostrava incompatível com o sistema colonial (ALENCASTRO, 2020, p. 118). No entanto, não se pode negar que o sistema que melhor trabalhou com a ex- ploração da mão de obra nativa foi o implantado pelos jesuítas. As missões jesuítas se espalharam por todo o Brasil Colonial, especialmente no Sul do Brasil, na região do Rio de Janeiro, e no Norte, ao longo do rio Amazonas. Apa- rentemente, o objetivo era proporcionar a salvação às “almas perdidas” dos nati- vos. Contudo, as missões se mostraram verdadeiras obras de controle das po- pulações originais. 4 1 Além disso, os jesuítas rapidamente começaram a usar a mão de obra dos indí- genas aldeados em atividades econômicas. Ao Sul, cultivavam o mate e o gado e, ao Norte, exploravam as drogas do sertão. Na realidade, as organizações da Igreja Católica no Brasil foram fundamentais para o controle das populações indígenas e para a apropriação cultural das populações escravas. Afinal, todos eram obrigados ao batismo. “ [...] as almas dos negros que poderiam ser remidos pela escravi- dão na América se perderiam no paganismo dos sertões africanos (ALENCASTRO, 2020, p. 165). SISTEMA DE FEITORIAS Com o objetivo de desviar os fluxos de comércio preexistentes, a monarquia lusa im- plantou um sistema de feitorias na África que se especializou no trato de viventes. ROTAS DE COMÉRCIO O sistema do Atlântico Sul uniu as diversas rotas comerciais dominadas pelos por- tugueses. Na África, o Império Português se aproveitou do fluxo de viventes cati- vos preexistentes e o redirecionou para as Américas Espanhola e Portuguesa. No Brasil, foi além, ao criar o fluxo comercial do açúcar. MÃO DE OBRA INDÍGENA A exploração da mão de obra indígena não se mostrou interessante. Os nativos tinham baixa resistência às doenças europeias e africanas. Eram mais úteis como aliados na guerra contra os invasores estrangeiros e as insurgências internas. CUMPLICIDADE DA IGREJA Com a justificativa de espalhar a fé cristã e salvar as “almas perdidas”, as institu- ições católicas no Brasil, especialmente os jesuítas, tiveram um papel fundamen- tal na consolidação da matriz espacial colonial. UNIASSELVI 4 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 2 O Atlântico Luso-Afro-Brasileiro A partir da segunda metade do século XVI, o Atlântico Sul se transformou no cen- tro gravitacional do sistema colonial português. O foco econômico gradativamente mudou do Oriente para o Ocidente, pois as possessões ultramarinas atlânticas começaram a despontar como a principal fonte de lucro do sistema colonial. O desfazimento da União Ibérica em 1640 não garantiu a plena autonomia diante das pressões econômicas e comerciais advindas da Inglaterra e de outros países europeus, que ameaçavam as atividades comerciais portuguesas no Atlân- tico. Por isso, para os historiadores da “Atlantic History”, a análise dessa história precisa ser considerada dentro do contexto internacional, com as interações entre os estados europeus e não europeus, para além do Cabo da Boa Esperança e do Estreito de Magalhães. Durante esse período, a esfera de influência portuguesa no Atlântico se es- tendia do Sul do Marrocos até Benguela, na África, e desde o Rio Amazonas até o Rio da Prata, na América do Sul. As possessões portuguesas abrangiam uma ampla diversidade geográfica e biológica, com características físicas e climáticas distintas. Cada região era única em sua própria natureza. A característica dominante era, sem dúvida, o oceano. O Atlântico desem- penhava um papel fundamental, ao estabelecer os ritmos do Império Português, influenciando a governança, as comunicações, o comércio, a migração e os in- tercâmbios culturais. Rotas conectavam todos os pontos no Atlântico Português e facilitavam o intercâmbio entre as regiões da África e da América Portuguesa. Os arquipélagos portugueses serviam como pontos de articulação entre o Norte e o Sul, e entre o Leste e o Oeste, desempenhando um papel crucial nesse vasto espaço atlântico. VOCÊ SABE RESPONDER? A partir do que você aprendeu até agora, quais são as características do Brasil Colonial no Atlântico Sul? o Atlântico desempenhava um papel fundamental, ao estabelecer os ritmos 4 1 Nenhuma rota no Atlântico demandava mais do que três meses para ser percorrida de um porto a outro. Essa curta duração das viagens era um incentivo para os indiví- duos, consórcios de comer- ciantes e empreendedores coloniais. Essa era a real geografia colonial: Luanda estava mais próxima do Rio de Janeiro do que São Luís de Santos. Da mesma forma que as ferrovias foram corredores de conexão entre na- ções e regiões no século XIX, e os automóveis e as rotas aéreas desempenham esse papel atualmente, no contexto colonial, os ventos, as correntes e os rios delimitavam os territórios. No caso do Sul do Atlântico, havia a presença de um anticiclone que desempenhava um papel fundamental em toda a formação colonial, atuando como uma verdadeira estrada colonial que guiava as rotas e as interações entre as diversas regiões. Esseesquema viveu o próprio momento áureo a partir do século XVIII, com a descoberta do ouro e dos diamantes em Minas Gerais. Os vários “brasis” que, antes, estavam direcionados para fluxos comerciais distintos, conectaram-se. O fluxo de riquezas advindos do Brasil era tanto que, já na década de 1730, o rei Dom João V era constantemente alertado por seus altos funcionários “de que a sobrevivência de Portugal dependia das riquezas brasileiras” (RUSSELL-WOOD, 1998, p. 45). A transferência da capital do estado do Brasil de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1763, foi o re- conhecimento da importância do comércio Atlântico. Marquês de Pombal, na época, o principal mi- nistro do rei Dom José I, também estabeleceu uma série de medidas, a fim de monitorar a qualidade das exportações, em especial, de açúcar e tabaco, e supervisionar as ques- tões marítimas e os depósitos reais. UNIASSELVI 4 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 2 Com o objetivo de estimular as exportações agrícolas brasileiras e garantir um fornecimento re- gular de mão de obra africana, Pombal criou duas companhias comerciais monopolistas sedia- das em Lisboa: a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão e a Companhia Ge- ral de Comércio de Pernambuco e Paraíba. A meta dessas com- panhias era integrar o Norte do Brasil ao comércio Atlântico, ou seja, ao tráfico de escravos. Nesse sentido, a Companhia de Jesus e as missões baseadas no trabalho indígena eram um entrave. Foi nesse contexto que Pombal expulsou os jesuítas do Brasil e estabeleceu o Diretório dos Índios, com o objetivo de integrá-los ao mercado de trabalho. Singularidades do Brasil Alencastro (2020) chama a atenção para os perigos de se pensar a história colonial do Brasil como uma linearidade, um processo de continuidade entre a América Portuguesa e o Brasil Nação, caracterizada por ciclos econômicos. Na realidade, administrativamente, o território da América Portuguesa era dividido entre os Estados do Brasil e do Grão-Pará e Maranhão, totalmente independentes e dire- tamente subordinados à Lisboa. A meta dessas companhias era integrar o Norte do Brasil ao comércio Atlântico 4 4 O Trato dos Viventes Em O Trato dos Viventes, o historiador Luiz Felipe de Alen- castro mostra que a colonização portuguesa, baseada no es- cravismo, deu lugar a um espaço econômico e social bipolar, englobando uma zona de produção escravista situada no lito- ral da América do Sul e uma zona de reprodução de escravos centrada em Angola. Surge, então, um espaço aterritorial, um arquipélago lusófono composto pelos enclaves da América Portuguesa e pelas feitorias de Angola. O autor mostra como essas duas partes unidas pelo oceano se completam em um só sistema de exploração colonial, cuja singularidade ainda marca profundamente o Brasil contemporâneo. INDICAÇÃO DE LIVRO Além disso, Alencastro (2020) identifica que os grupos socioeconômicos domi- nantes até o século XVII poderiam ser subdivididos em três, cada qual voltado para uma zona geohistórica específica. Os paulistas foram o grupo dominante do interior. Eles eram espacialmente muito distantes dos outros centros econô- micos, por isso, estavam voltados às atividades relacionadas com a exploração do continente, dentre elas, o aprisionamento de índios. Já o grupo açucareiro, ou seja, composto pelos senhores de engenho e por to- das as demais atividades relacionadas, estava próximo das cidades portuárias do Rio de Janeiro, Salvador e Recife e, assim, diretamente conectado com o espaço atlântico africano, onde, além de retirar a sua força de trabalho, os escravizados, também comercializava produtos, como cachaça e farinha de mandioca. O terceiro era o grupo amazônico, centralizado em São Luís, que explora- va as chamadas “drogas do sertão”, comercializadas diretamente com a Europa. Recorrendo à mão de obra indígena, esse grupo negociava os produtos extraídos da floresta. Os jesuítas foram uma das forças sociais que melhor se ramificaram pela região do Grão-Pará e Maranhão. UNIASSELVI 4 5 TEMA DE APRENDIZAGEM 2 A integração entre esses grupos apenas começou no século XVIII, com a desco- berta do ouro. A economia mineradora criou uma dinâmica que proporcionou a conexão entre os diferentes “brasis”. Ao mesmo tempo, confirmou a relação vital que a economia da América Portuguesa tinha com o escravismo. Nesse sentido, a escravidão foi o ponto fundamental da história do Brasil Colonial, que impactou todos os demais aspectos da colonização. Por isso, Alen- castro (2020) critica a ideia de ciclos econômicos e prefere a noção, devedora de Braudel, de centro da economia mundo. De acordo com Braudel (1998, p. 12), o que caracteriza uma economia mun- do é capacidade de uma determinada área do planeta se tornar economicamente autônoma, ou seja, “bastar a si próprio e ao qual suas ligações e trocas internas conferem certa unidade orgânica”. A visão tradicional de que o Brasil vivenciou um ciclo do açúcar, depois, um ciclo do ouro e, depois, um ciclo do café, cria uma falsa noção de ruptura. Houve uma única e longa forma econômica que perdurou: o escravismo. NOVOS DESAFIOS Diante das discussões que apresentei até aqui, você entrou em contato com os principais conceitos utilizados para interpretar o Brasil Colonial dentro do sis- tema Atlântico Sul. Você também conheceu as principais diferenças e aproxima- ções entre as correntes da “História do Atlântico Sul” e a “Atlantic History”. Além disso, tomou conhecimento das bases históricas que fundamentam os conceitos utilizados pela historiografia contemporânea. A abertura a novas chaves inter- GRUPOS SÓCIO-ECONÔMICOS Paulistas Ligados ao interior do continente Senhores de Engenho Conectados ao Atlântico sul Mercadores do Norte Direcionados para a Europa Quadro 1 – Grupos socioeconômicos do Brasil colonial até o século XVII / Fonte: a autora. 4 1 pretativas e a utilização de diferentes fontes históricas abriu espaço para a visão do Brasil colonial do ponto de vista global, ou seja, integrado ao espaço atlântico. Você deve ser capaz de compreender que as características geográficas únicas do Atlântico Sul foram fundamentais para o desenvolvimento do sistema colonial português. A preexistência de fluxos comerciais, de um lado, e a necessidade de criação de rotas comerciais, do outro lado, permitiram a união das atividades desenvolvidas pelas colônias portuguesas na África e no Brasil, o que gerou a matriz espacial colonial. Você também deve reconhecer o papel fundamental do escravismo. O co- mércio de mercadorias vivas, ou seja, das pessoas escravizadas, foi o motor da lucratividade da máquina colonial do Império Português. Foi essa característica que assegurou ao Brasil o seu papel na economia mundo. Para a sua atuação como professor(a), você deve assimilar o papel indis- pensável do escravismo dentro da matriz espacial colonial. Isso permite uma abertura de temas para exploração em sala de aula, instiga os alunos a verem os personagens históricos como sujeitos na história, abrindo o leque de práticas de ensino e propostas pedagógicas. UNIASSELVI 4 1 VAMOS PRATICAR 1. Nada de semelhante sucedeu neste lado do mar, onde as etnias americanas não ope- raram tal forma de mudança social. ALENCASTRO, L.F. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlân- tico Sul. São Paulo: Cia das Letras, 2020. p. 109. De acordo com o que você estudou neste tema de aprendizagem, de qual mudança social Alencastro está falando? Assinale a alternativa correta: a) Trabalho livre dos índios. b) Trabalho assalariado dos nativos. c) Escravismo indígena. d) Os povos originários foram totalmente respeitados pelos portugueses. e) Os jesuítas apenas protegeram os nativos, sem interferir em sua cultura. 2. É no espaço mais amplo do Atlântico Sul que a história da América portuguesa e a gênese do Império do Brasil tomam toda a sua dimensão. A continuidade da história colonial não se confunde com a continuidade do território da Colônia.ALENCASTRO, L.F. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlân- tico Sul. São Paulo: Cia das Letras, 2020. p. 18. No fragmento exposto, Alencastro demonstra a própria tese: para compreender a ver- dadeira dimensão da formação do Brasil, é preciso analisar a história no contexto do Atlântico Sul. Tendo em vista o que você aprendeu neste tema de aprendizagem analise as afirmativas a seguir: I - As características geográficas únicas do Atlântico Sul foram essenciais para a forma- ção do sistema colonial português na América e na África. II - O escravismo foi o sistema de trabalho por excelência do Atlântico Sul Colonial. III - O sistema de produção do açúcar implantado no Brasil dependia diretamente do fornecimento de escravos advindos da África, diretamente das feitorias portuguesas. Esse era o ciclo de dependência colonial desenvolvido pelo Império português no Atlântico Sul. 4 8 VAMOS PRATICAR É correto o que se afirma em: a) I, apenas. b) III, apenas. c) I e II, apenas. d) II e III, apenas. e) I, II e III. 3. O Brasil vive e se sustenta de Angola, podendo-se com muita razão dizer que o Brasil tem o corpo na América e a alma na África. ALENCASTRO, L.F. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlân- tico Sul. São Paulo: Cia das Letras, 2020. p. 218. O aparente paradoxo da afirmação do Padre Antônio Vieira, na verdade, refletia uma rea- lidade latente no Brasil Colonial. Diante disso, analise as afirmativas a seguir: I - A principal força de trabalho do Brasil Colonial era composta por homens e mulheres naturais de outro continente. II - A reprodução do sistema açucareiro dependia da importação de peças da África. III - O controle sobre o tráfico negreiro dava à Coroa grande força sobre o sistema açu- careiro. IV - Nas distâncias coloniais, Angola está muito mais próxima do Rio de Janeiro do que do Maranhão e até do próprio Ceará. É correto o que se afirma em: a) I, apenas. b) II e IV, apenas. c) III e IV, apenas. d) I, II e III, apenas. e) I, II, III e IV. 4 9 REFERÊNCIAS ALENCASTRO, L. F. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Cia das Letras, 2020. BRAUDEL, F. Civilização material, economia e capitalismo: o tempo do mundo. São Pau- lo: Martins Fontes, 1998. v. 3. RIBEIRO, G. A arte de conjugar tempo e espaço: Fernand Braudel, a geo-história e a longa duração. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 605-639, abr.-jun. 2015. RUSSELL-WOOD, A. J. R. Sulcando os mares: um historiador do império português enfrenta a “Atlantic History”. História, São Paulo, v. 28, n. 1, p. 17-70, 1998. SCHWARCZ, L. M.; STARLING, H. M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Cia das Letras, 2015. SILVA, A. da C. e. Um rio chamado Atlântico: a África no Brasil e o Brasil na África. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2022. 5 1 1. Opção C. A alternativa A está incorreta, porque, com os povos considerados amistosos, os portugueses estabeleceram relações cordiais de trabalho, porém não é sobre essa mudança que Alencastro está falando. A alternativa B está incorreta, já que o tra- balho assalariado dos povos nativos apenas ganha relevo na segunda metade do século XVIII, após a instituição do Diretório dos Indígenas, mesmo assim de forma tímida. A alternativa C está correta, dado que a mudança social de que Alencastro fala é do escravismo indígena que teve grande importância na América Espanhola, mas foi aplicado em menor proporção na América portuguesa. A alternativa D está incorreta, porque os jesuítas desempenharam um papel fundamental no trato com os indígenas, porém nem sempre essa relação era de proteção. Na maioria das vez- es, os jesuítas impunham o cristianismo e o trabalho forçado aos povos originários. 2. Opção E. O sistema de ventos e correntes marinhas do Atlântico Sul criou um ambiente per- feito para o estabelecimento de uma rota direta entre as colônias portuguesas na América e na África. Em cada continente, o Império português desenvolveu siste- mas de exploração mercantil que se completavam, criando laços de dependência, impedindo a autonomia das colônias e aumentando os lucros da metrópole. Esse foi o sistema escravista que dominou o Atlântico Sul Colonial, as grandes fazendas do Brasil e, posteriormente, os trabalhos de mineração, que dependiam do forneci- mento de mão de obra escrava oriunda da África, que era embarcada para o Brasil nos portos dominados pelos portugueses. Por isso, a alternativa E está correta, pois todas as afirmativas confirmam essa relação. 3. Opção E. Todas as afirmativas estão corretas. O controle sobre o tráfico negreiro dava à Coroa grande força sobre o sistema açucareiro da colônia brasileira, porque a reprodução deste passava a depender da importação de peças da África. Tal fato limitava a au- tonomia dos colonos, principalmente no quesito suprimento de mão de obra, que constituía o pilar do negócio açucareiro.da metrópole, por isso, o pacto colonial não era aplicado de forma rígida, surgindo espaço para outras formas de comércio. GABARITO 5 1 MINHAS METAS OS POVOS ORIGINÁRIOS Compreender como aconteceu o processo histórico de povoamento das Américas. Refletir sobre as bases históricas das relações estabelecidas entre os povos originários e os invasores europeus. Entender as principais características dos povos originários do território brasileiro. Conhecer as dinâmicas interpretativas que monopolizaram os debates antropológicos e arqueológicos sobre os povos nativos. Identificar as características das diferentes interpretações sobre a história dos povos originários. Relacionar os fundamentos históricos do escravismo indígena com a história do Brasil Colonial. Diferenciar as causas da substituição da mão de obra escrava indígena pela africana. T E M A D E A P R E N D I Z A G E M 3 5 1 INICIE SUA JORNADA Os povos originários do território correspondente ao Brasil eram essencialmente caçadores-coletores, com relações políticas e sociais primitivas, incapazes de se adaptarem às mudanças promovidas pela colonização. Certamente, essas afirmações não são estranhas, pelo contrário, foram ampla- mente difundidas por muitos anos entre a historiografia. Todavia, nos últimos 30 anos, uma completa revisão desses pressupostos está em curso, tanto na história, como na antropologia e na arqueologia. Inclusive, um olhar atento às descrições feitas pelos cronistas do Brasil colonial oferece uma visão diversificada sobre os povos originários. De que forma as descrições registradas pelos cronistas durante o período do Brasil colonial ajudam a ampliar nossa compreensão sobre a diversidade dos povos originários? Gabriel Soares de Sousa, por exemplo, em seu Tratado descritivo do Brasil em 1587 (2000) aponta que, enquanto alguns povos viviam nas matas do interior sem um assentamento fixo, a maioria dos povos possuía aldeias e extensas áreas de cultivo. As populações que habitavam a faixa litorânea detinham conheci- mentos em agricultura e eram habilidosos na arte da navegação e da pesca. Isso se aplicava aos tupinambás, tupiniquins, tamoios, potiguaras e carijós (guaranis). Em sentido contrário, os aimorés, goitacazes e tapuias, que vinham do sertão, possuíam tradições e costumes completamente diferentes e ainda desconhecidos. A ideia de que os indígenas eram incapazes para o trabalho é um estereótipo que contradiz os próprios registros coloniais do século XVI. Stuart Schwartz (1995), por exemplo, constatou que na última década do século XVI, na Bahia, cerca de três quartos da mão de obra escrava ainda era composta por indígenas. Portanto, as populações nativas desempenharam um papel fundamental como força de trabalho na extração do pau-brasil e no estabelecimento dos engenhos, incorporando novas ferramentas e adotando processos de trabalho. O ponto central é que, após o século XVII, o trabalho indígena deixou de ser direcionado para a produção econômica e passou a ser utilizado em atividades com- plementares, comoobras públicas, lavouras secundárias, criação de gado, expedi- ções militares e exploratórias. Ou seja, de fato não houve uma substituição da mão de obra indígena pela africana, mas sim uma realocação do escravismo indígena. UNIASSELVI 5 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 3 DESENVOLVA SEU POTENCIAL OS POVOS ORIGINÁRIOS A história pré-cabralina dos povos que habitavam as terras do que hoje corres- ponde ao Estado do Brasil ainda é objeto de discussão e de novas descobertas. Há um relativo consenso sobre a origem asiática das populações da América, porém quão antiga é essa ocupação e de que forma esses homens chegaram por aqui, ainda é motivo de debate. A teoria tradicional e amplamente aceita defende que o último período glacial criou uma ligação terrestre entre a Ásia e a América no estreito de Bering. Dali essa nova população foi aos poucos ocupando as Américas no sentido norte-sul, o que teria acontecido nos últimos 12 mil anos. Todavia, o encontro de vestígios mais antigos do que os datados no com- plexo arqueológico de Clóvis, no Novo México/EUA, colocou em dúvida a explicação tradicional. O famoso crânio de Luzia, por exemplo, en- contrado por Peter Lund em Lagoa Santa, Minas Gerais, foi datado de 11 mil e 500 anos. Já os revolucio- nários trabalhos de Niéde Guidon no sítio da Pedra Furada no Piauí, indicam uma ocupação de cerca de 60 mil anos. VAMOS RECORDAR? Assista o vídeo para conhecer com mais detalhes como foi feito o processo de reedição e restauração do Mapa Etno-histórico do Brasil e Regiões Adjacentes de Curt Nimuendajú. Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do am- biente virtual de aprendizagem. 5 4 De fato, essas teorias convivem e devem ser analisadas criticamente. Cada uma delas contribuiu com uma chave de entendimento sobre a história da presença humana nas Américas. “ Depois de pelo menos 13 mil anos de progressos isolados, as so- ciedades americanas e eurasianas adiantadas encontraram-se final- mente nos últimos mil anos (DIAMOND, 2017, p. 370). Na década de 1940, o antropólogo estadunidense Julian Steward desenvolveu uma teoria sobre a evolução cultural das populações originárias americanas. Sua catego- rização, baseada em quatro tipos, foi amplamente aceita e divulgada, tendo enorme influência nos estudos antropológicos e arqueológicos nas décadas seguintes. TERRAS ALTAS Nas terras altas da América, ao longo da Cordilheira dos Andes, floresceram socie- dades centralizadas e complexas, que dominavam extensas áreas, como eram os Incas e os Astecas. CACICADOS Sociedades organizadas em agrupamentos tribais em que o Cacique ou Xamã era a figura política central. Essa era a característica principal dos povos das ilhas e do litoral do Caribe. Eram estruturas semiestatais que conseguiam estabelecer relações de poder para além da sua aldeia. FLORESTA TROPICAL Caracterizada por tribos seminômades que dominavam o ambiente da floresta tropical, ou seja, a Amazônia. Eram praticantes da agricultura de coivara e tinham na pesca sua principal fonte de proteína. MARGINAIS Eram as tribos nômades e simples que se estendiam pelas planícies da América do Sul e pelo litoral, eram essencialmente caçadores e coletores. UNIASSELVI 5 5 TEMA DE APRENDIZAGEM 3 Ao adotarem uma hierarquização com fundamento na reduzida complexidade social e, consequentemente, na crescente dissociação em relação ao contexto andino, Steward e todos os pesquisadores influenciados por sua categorização apenas reinterpretaram, utilizando sua própria terminologia, as descrições car- regadas de ideologia feitas por cronistas e viajantes dos séculos XVI e XVII. As lentes com as quais esses homens enxergavam as estruturas nativas ainda eram essencialmente eurocêntricas. Varnhagen, por exemplo, ao escrever a sua história do Brasil no século XIX, demonstrava grande interesse pelas culturas andinas, ao mesmo tempo em que criticava, pejorativamente, o primitivismo dos indígenas que habitavam o ter- ritório brasileiro. Por isso, considerava sua contribuição para a construção da nação como insignificante. Para estes últimos, ele argumentava que não havia história, apenas etnografia. A divisão dos povos originais do Brasil como povos indígenas da floresta tropical ou como tribos marginais reflete, de certa forma, a divisão entre os grupos tupis e tapuias, que permeou grande parte da produção historiográfica até o início do século XX. Ao enquadrar as diferenças culturais em termos de estágios evolu- tivos, o discurso científico corroborou categorias que foram fundamentais para as políticas coloniais no Brasil, pois o evolucionismo cultural do século XX se assemelhava ao evolucionismo vitoriano, alinhando-se com a ideologia colonial. VOCÊ SABE RESPONDER? E você? Quais características dos povos originários do Brasil estão introjetadas em sua mente? A partir de agora, você consegue analisá-las de forma crítica? 5 1 Figura 1 - Terra Brasilis / Fonte: https://bit.ly/3KsqB66. Acesso em: 12 jun. 2023. Descrição da Imagem: a figura traz a representação em pergaminho antigo com tinta colorida das novas terras conquistadas por Portugal, já chamada de Brasil. O mapa contém uma representação do Brasil con- tinental, predominantemente na cor verde, desde a foz do rio Amazonas até a foz do rio da Prata. O litoral foi pontilhado com cento e quarenta e seis topônimos com o objetivo de mostrar que os portugueses se faziam presentes e donos daquelas terras. O interior do Brasil foi ricamente ornado com representações de árvores de diferentes tamanhos, com grandes copas verdes e algumas delas com suas copas cortadas e suas toras no chão. Na copa das árvores e no chão ao lado delas, também foram desenhados pássaros que se parecem com papagaios, nas cores azul, vermelho e marrom. Também foram representados dois animais que se assemelham a macacos e um único animal místico, parecendo um dragão, foi desenhado no interior, na região centro-oeste. Oito figuras indígenas foram desenhadas no mapa. Três delas, que estão na região norte, parecem representar caciques, pois estão ricamente ornados com cocares e saias de penas de papagaios. Logo abaixo, na região central do mapa, estão quatro figuras de índios nus em posição de trabalho de extração de madeira. Na região sul, logo abaixo da foz do rio da Prata, aparece um único índio com cocar de penas em posição de adoração. Acima da foz do rio da Prata está a inscrição em uma faixa vermelha “terra brasilis”. No oceano Atlântico, o cartógrafo desenhou sete embarcações por- tuguesas de diferentes tamanhos, quatro rosas dos ventos e dez brasões de Portugal. No canto superior esquerdo, há uma caixa de texto que traz uma breve descrição das terras do Brasil e de seus habitantes. UNIASSELVI 5 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 3 A AMAZÔNIA ANTES DOS EUROPEUS Até a década de 1980, a região amazônica era vista pelos ar- queólogos como uma área pobre, ou seja, seus recursos es- cassos estavam diretamente relacionados com as limitações das populações nativas amazônicas. Por isso, a Amazônia não poderia ter sido o palco para o desenvolvimento de civiliza- ções avançadas e complexas. Nas últimas décadas, novas abordagens teóricas e prá- ticas, com grande auxílio de novas tecnologias para as escavações, como o ma- peamento digital, mudaram o cenário sobre a história dos povos amazônicos. Os trabalhos da arqueóloga estadunidense Anna Roosevelt, por exemplo, foram pioneiros nesse sentido. As escavações comandadas por Roosevelt, que ficou co- nhecida como a “arqueóloga da floresta”, comprovaram a antiguidade da ocupação humana no baixo amazonas por populações nômades, mas também sedentárias que desenvolveram suas próprias tecnologias para trabalhar a terra, para usar as pedras como artefatos e para criar elaboradas cerâmicas. O município de Monte Alegre, no noroeste do Pará, abriga um dos sítios arqueológicos mais antigos da Amazônia, a Serra da Lua. As datações de car- bono feitas em alguns vestígios encontradosali marcam mais de 12 mil anos de história. Pesquisadores do Museu Emílio Goeldi e da Universidade Federal do Oeste do Pará descobriram vestígios e artefatos arqueológicos que remontam a uma ocupação longínqua e constante da área. A Terra Brasilis, de autoria de Lopo Homem, foi feita em 1519 para compor o Atlas Miller. Sua beleza e importância histórica estão não somente na representação geográfica, mas também nas representações iconográficas que, de fato, se trans- formaram em uma síntese da relação que os portugueses estabeleceram com os povos nativos no primeiro século da colonização. Enquanto o Oceano Atlântico é recheado de caravelas, rosas dos ventos e brasões da família real Avis, a terra do Brasil aparece deslumbrante e dinâmica, os indígenas parecem dispostos ao trabalho de exploração do pau-brasil. Todavia, a legenda no canto superior esquerdo do mapa chama a atenção que aquela gente era: “selvagem e crudelíssima, alimenta-se de carne humana”. a região amazônica era vista pelos arqueólogos como uma área pobre 5 8 Aparentemente, as populações antigas não viviam apenas como caçadores-co- letores, houve um processo de sedentarização, datado de cerca de 4 mil anos, em que essas populações começaram a desenvolver técnicas de agricultura e domes- ticação de animais. A variedade de vestígios cerâmicos, que muitas vezes corres- pondem com traços característicos de povoações do Amapá e de Marajó, são uma comprovação da circulação que existia entre essas sociedades. Um dos fatores que contribuiu decisivamente para o florescimento das popu- lações amazônicas foi a domesticação da mandioca. E a manipulação da terra para o plantio deixou marcas, que são chamadas pelos arqueólogos de “terra preta indígena”. Nos arredores da cidade de Santarém, no Pará, localiza-se a área mais vasta e conhecida da terra preta indígena. Não por acaso, a região foi dominada pelos Tuxauas que conquistaram todo o rio Tapajós e a Ilha de Marajó até o fim do século XVII. História da Amazônia: do período pré-colombiano aos desafios do século XXI A história da região amazônica ainda é cercada por enigmas, mitos e desconhecimentos. Combinando suas habilidades como sociólogo, historiador e crítico literário, Márcio Souza elaborou uma história completa da Amazônia, desde a chega- da de Colombo até os desafios enfrentados no século XXI. Seu panorama, baseado nas últimas pesquisas históricas, arque- ológicas e sociológicas, é uma ótima ferramenta para quem quer começar a entender melhor sobre a história da Amazônia. INDICAÇÃO DE LIVRO A Terra Preta Indígena (TPI) tem de duas a três vezes mais nutrientes do que o solo circundante, de baixa qualidade. É caracterizada pelo grande acúmulo de matéria orgânica e apresentam nutrientes como cálcio, magnésio, zinco, man- ganês, fósforo e carbono, além de restos de cerâmica, artefatos líticos, carapa- ças de tartarugas e ossos. APROFUNDANDO UNIASSELVI 5 9 TEMA DE APRENDIZAGEM 3 Quando os primeiros europeus chegaram na Amazônia, no século XVI, encon- traram uma floresta densamente povoada, habitada por sociedades complexas, urbanas e estratificadas. Tanto que os relatos são unânimes em destacar como as margens do rio Amazonas eram densamente povoadas. Além disso, essa diversi- dade era latente na diversificação linguística, mais uma prova da complexidade daquele ambiente. Uma característica interessante era que, normalmente, o indivíduo de uma determinada população conhecia o idioma de todas as outras tribos com as quais se relacionava. Ou seja, o multilinguismo era a norma e foi muito utilizado pelos europeus no processo de ocupação da Amazônia. “ [...] três dos grandes troncos linguísticos da América do Sul estão representados lado a lado nesse complexo do Alto Xingu. Temos gente que fala aruak, como os Yawalapiti e os Waurá; grupos do tronco linguístico carib, como os Kalapalo e os Kuikuro (...); e duas etnias tupi, os Kamayurá e os Aweti. Isso sem falar nos Trumai, grupo de língua dita isolada [...] (LOPES, 2017, p. 145). O que Márcio Souza (2019) aponta em História da Amazônia é que o atual estágio das populações indígenas brasileiras não pode ser utilizado como um retrato do que essas populações foram no passado. Nos últimos 523 anos, essas populações foram seriamente afetadas pelo encontro com os europeus, e isso deve ser levado em consideração quando analisamos hoje o seu estilo de vida. 1 1 VOCÊ SABE RESPONDER? A partir do que você viu até aqui, quão antiga seria a ocupação da América do Sul? Como as novas descobertas arqueológicas impactaram as teorias sobre as populações nativas do Brasil? Você sabia que a cerâmica marajoara é extremamente sofisticada, delicada, re- sistente? Estima-se que tenha sido produzida pelos povos que habitavam a Ilha do Marajó entre os anos de 400 a 1400. Alguns vestígios desse tipo de cerâmica foram encontrados em sítios arqueológicos distantes como no Amapá e ao lon- go do curso do Amazonas, o que pode sugerir um comércio entre as populações nativas. Esse tipo de cerâmica também utilizava cores que os indígenas extraí- am da natureza como urucum, jenipapo e carvão. PENSANDO JUNTOS Como interpretar o passado por meio dos vestígios arqueológicos? Você sabe como é feita uma escavação arqueológica? E você já pensou como a história é essencial para o trabalho arqueológico? A essência enigmática dos artefatos arqueológicos costuma ter o poder de abrir a imaginação! Principalmente porque as peças não narram suas próprias histórias. As informações sobre o passado não estão meramente gravadas nesses materi- ais, sua compreensão requer um empenho que engloba a utilização de variadas abordagens e saberes. Além disso, o estado de conservação desses objetos de- pende das condições ambientais às quais foram expostos ao longo de décadas ou até mesmo milênios. UNIASSELVI 1 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 3 O impacto da colonização O historiador John Hemming (2007), em um trabalho que analisou fontes coloniais e modelagem de fertilidade, che- gou à estimativa de que em 1500 existiam 3,2 milhões de pessoas no território que se transformou no Brasil. O terri- tório colonial não era despovoado e seus moradores esta- beleceram vínculos únicos com o processo de colonização. Na expedição de reconhecimento às novas terras encontradas por Cabral, liderada por Gonçalo Coelho em 1501, a primeira riqueza identificada foi o pau-brasil: uma árvore cuja pigmentação poderia ser utilizada como tinta na indústria têxtil e era abundante ao longo de toda a costa, porém, ao invés de transportá-la em seu estado natural, os portugueses perceberam que era mais vantajoso preparar a madeira antes de embarcá-la. O despertar de tudo: uma nova história da humanidade O livro apresenta uma abordagem inovadora sobre a história da humanidade. Baseado em pesquisas conduzidas por mais de dez anos pelo antropólogo David Graeber e o arqueólogo David Wengrow, a obra se propõe a oferecer uma nova pers- pectiva de entendimento sobre as populações humanas anti- gas, para isso faz duras críticas às teorias filosóficas do século XVIII, que consolidaram uma visão idílica e teleológica sobre a evolução das sociedades humanas. INDICAÇÃO DE LIVRO em 1500 existiam 3,2 milhões de pessoas no território 1 1 A produção dependia de uma relação amigável com os indígenas, principalmente para garantir a derrubada das árvores em grande escala e sua preparação, o que exigia que os nativos adotassem ferramentas de metal e novas técnicas de trabalho. No entanto, os portugueses logo enfrentaram concorrência. Em 1504, a ex- pedição de Binot Paulmier de Gonneville chegou ao Brasil enquanto se dirigia ao Oriente, e permaneceu por vários meses na costa do atual estado de Santa Catarina. Retornaram ao porto de Honfleur, na Normandia, em maio de 1505, a bordo estava Essomeric, filho do cacique carijó Arosca. Os relatos dos tripulantes sobre as pessoas e produtos da nova terra despertaram o interesse de comercian-tes da Normandia e da Bretanha que começaram a enviar seus próprios navios para obter pau-brasil diretamente na Terra de Santa Cruz, e não mais em Lisboa. Em 1530, a frota liderada por Martim Afonso de Souza chegou com o obje- tivo de capturar as naus francesas encontradas na Costa do Pau-Brasil (entre a Paraíba e o Rio de Janeiro) e efetivar a colonização. A presença francesa era tanta que logo nos primeiros meses os navios de Martim Afonso enfrentaram três embarcações francesas na costa de Pernambuco, todas armadas com canhões e carregadas com pau-brasil. VOCÊ SABE RESPONDER? Qual foi a principal mão de obra que os portugueses utilizaram para a extração do Pau-Brasil? Você sabia que o estabelecimento da vila de São Vicente em 1532 não foi um empreendimento oficial? Foram os degredados lusos João Ramalho e Antonio Rodrigues que deram forma ao assentamento por meio da união estabelecida com caciques tupiniquins, de quem se tornaram genros. PENSANDO JUNTOS UNIASSELVI 1 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 3 Em termos de colonização, a expedição de Martim Afon- so de Sousa foi bastante tímida. No entanto, houve um grave conflito inicial com os nativos, resultado de uma expedição que se aventurou pelo interior. Toda a expe- dição, composta por 400 escravos indígenas e 80 soldados, foi aniquilada pelos carijós no rio Iguape. Nos anos seguintes, uma guerra punitiva foi travada contra os índios agressores. Ao longo da segunda metade do século XVI, as avaliações sobre os indígenas tornaram-se extremamente negativas. As narrativas enfatizavam a primitivida- de, a rebeldia e o caráter traiçoeiro dos nativos. Nesses relatos, a tolerância era completamente ausente. Cabe destacar que os relatos dos missionários, mesmo apresentando uma perspectiva diferente, não estavam concentrados em criticar ou reformular as avaliações negativas sobre os indígenas. As crônicas dos religiosos enfatizavam principalmente os costumes que diferenciavam drasticamente portugueses e nativos, reforçando a necessidade de conversão e tutela dos povos originários, valorizando assim o próprio empreendimento religioso. De fato, tanto os jesuítas quanto os colonos estavam envolvidos por uma mesma questão: a disputa pelo controle do trabalho indígena. A convergência desses interesses resultou em uma aparente uniformidade nas fontes históricas que caracterizam os indígenas como naturalmente resistentes ao trabalho, po- tencialmente perigosos e, portanto, necessitados da tutela europeia. Isso ajuda a explicar a tendência nas pesquisas históricas de considerar o papel dos indígenas na formação nacional como secundário ou inexistente. a tolerância era completamente ausente A heresia dos índios: catolicismo e rebeldia no Brasil colonial Neste livro, o historiador Ronaldo Vainfas explora um intri- gante fenômeno de sincretismo religioso desenvolvido pelos tupis, conhecido como “santidade”. Utilizando a documenta- ção inquisitorial, Vainfas reconstrói os mecanismos que for- mavam esse culto indígena e como os religiosos portugueses tentaram proibi-lo. INDICAÇÃO DE LIVRO 1 4 Sem a participação e sem o trabalho dessas comunidades, o esforço de imple- mentação da infraestrutura colonial teria sido em vão. Na construção da relação com os nativos, os principais mediadores foram os missionários, que em um primeiro momento tentaram viver em harmonia com os costumes dos indígenas, inclusive se transformaram em grandes conhecedores de seus costumes e de suas línguas. Mas em um segundo momento, não hesitaram em impor os valores e instituições portuguesas, estabelecendo povoações especificamente para o tra- balho de civilização e conversão religiosa. Você sabe o que foi a “língua geral”? Os jesuítas como grandes intelectuais e os principais missionários responsáveis pelo trato com os índios, logo absorveram um vasto conhecimento sobre o tupi, o idioma dos Tupinambás. A partir dele, criaram uma gramática própria que ficou conhecida como “língua-geral” ou “lín- gua brasílica”. Rapidamente, o novo idioma passou a ser largamente usado em quase todo o território colonial brasileiro, ultrapassando inclusive o português! Em 1727, a Coroa portuguesa proibiu o uso da “língua-geral”, que foi gradativa- mente sendo esquecida. PENSANDO JUNTOS Apesar do considerável declínio populacional sofrido, os nativos da região cos- teira não foram totalmente exterminados já no século XVI. Pesquisas realizadas por antropólogos na última década revelaram a existência de mais de 30 co- munidades, somente na costa do Nordeste, que ainda hoje se identificam como indígenas das tribos potiguaras, tupinambás e tupiniquins, que foram os grupos que mais sofreram com a colonização. “ Talvez seja interessante tentar compreender os povos indígenas no contexto das mudanças sofridas no entendimento das sociedades humanas a propósito do diferente [...] (SOUZA, 2019, p. 65–66). UNIASSELVI 1 5 TEMA DE APRENDIZAGEM 3 NOVOS DESAFIOS Com as discussões que apresentei até aqui, você entrou em contato com as prin- cipais teorias utilizadas para interpretar a formação e o desenvolvimento dos povos originários. Você também viu as principais diferenças e aproximações entre essas correntes interpretativas. Além disso, você tomou conhecimento das bases históricas que fundamentam os conceitos utilizados pela historiografia. Você deve ser capaz de compreender que as populações nativas que habita- vam o território que se transformou no Brasil não eram simplistas, diminutas ou primitivas. Suas idiossincrasias devem ser compreendidas para se evitar falsas comparações com outros povos. Você também deve reconhecer o papel dos povos originários como agentes da história do Brasil e não meros espectadores com importância secundária. Essas populações desempenharam um papel ativo ao longo da história, tive- ram a sua mão de obra explorada, so- freram com a imposição de uma nova cultura, suas terras tradicionais foram usurpadas, suas línguas esquecidas. Ao mesmo tempo buscaram oferecer várias formas de resistência ao invasor através da fuga, da luta ou da mistura. Para sua atuação como professor, você deve compreender o papel dos povos originários, com toda a sua mul- tiplicidade, como agentes no encontro colonial. Isso permite uma abertura de temas para exploração em sala de aula, instiga os alunos a verem os per- sonagens históricos como sujeitos na história, abrindo o leque de práticas de ensino e propostas pedagógicas. 1 1 VAMOS PRATICAR 1. “ [...] Eles não lavram nem criam. Nem há aqui boi ou vaca, cabra, ovelha ou galinha, ou qualquer outro animal que esteja acostumado ao viver do homem. E não comem senão deste inhame, de que aqui há muito, e dessas sementes e frutos que a terra e as árvores de si deitam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos”. “A cultura da floresta tropical é um sistema social baseado na agricultura intensiva de tubérculos [...]. Portanto, levando em consideração as afinidades entre os diversos povos, a cultura da floresta tropical é, pode-se dizer, a cultura da mandioca” (SOUZA, 2019, p. 49). Fonte: Trecho da Carta Pero Vaz de Caminha. SOUZA, M. História da Amazônia: do período pré-colombiano aos desafios do século XXI. São Paulo: Record, 2019. Com base na comparação dos trechos fornecidos, avalie as afirmativas a seguir: I - Os índios alimentavam-se principalmente de inhames e dos frutos da terra. II - A cultura da floresta tropical é caracterizada pela agricultura intensiva de tubérculos, com destaque para a mandioca. III - A cultura da floresta tropical engloba a criação de animais silvestres de grande porte. É correto o que se afirma em: a) I, apenas. b) III, apenas. c) I e II, apenas. d) II e III, apenas. e) I, II e III. 1 1 VAMOS PRATICAR 2. “Os índios brasileiros não deixaram monumentos porque seus únicos materiais de construção eram a madeira, o cipó e o capim, que são encontrados em grande abun-dância, mas se deterioram com muita rapidez devido ao clima tropical e ao ataque de cupins e de uma miríade de outros insetos que infestam o Brasil” (BETHEL, 1999, p. 104). Fonte: BETHEL, L. (org.) História da América Latina. São Paulo: EDUSP/Fundação Alexandre de Gusmão, Crítica, 1999. Quais são as dificuldades de reconstrução da história indígena mencionadas no trecho? Selecione a alternativa correta que descreve corretamente essas as dificuldades: a) A falta de interesse dos indígenas em deixar monumentos dificulta a reconstrução de sua história. b) A ausência de materiais duráveis para a construção de monumentos torna difícil a preservação da história indígena. c) A escassez de materiais de construção impede que sejam erguidos monumentos indígenas no Brasil. d) O clima tropical e a presença de insetos no Brasil contribuem para a rápida deterio- ração dos monumentos indígenas. e) Os indígenas preferiam registrar sua história por meio de tradições orais, o que dificulta sua reconstrução. 1 8 VAMOS PRATICAR 3. Fonte: CALIXTO, B. Anchieta e Nóbrega na cabana de Pindobuçu, 1927. Acervo da Fundação Reginaldo e Beth Bertholino, São Paulo. Os missionários desempenharam um importante papel no empreendimento colonial. A partir dessa afirmação, analise as assertivas a seguir tendo em vista o quadro de Benedito Calixto: I - Os nativos aceitaram de bom grado a intervenção religiosa dos missionários. II - Os jesuítas foram os principais responsáveis pelo processo de cristianização das po- pulações originárias. III - Os missionários viam os índios como almas perdidas que precisavam da salvação em Cristo para se redimir. IV - Os indígenas não aceitaram de forma alguma a proposta civilizacional trazida pelos missionários. É correto o que se afirma em: a) I e IV, apenas. b) II e III, apenas. c) III e IV, apenas. d) I, II e III, apenas. e) II, III e IV, apenas. 1 9 REFERÊNCIAS DIAMOND, J. Armas, germes e aço. Rio de Janeiro: Record, 2017. HEMMING, J. Ouro vermelho. A conquista dos índios brasileiros. São Paulo: Edusp, 2007. LOPES, R. 1499: o Brasil antes de Cabral. Rio de Janeiro: Harper Collins, 2017. SCHWARTZ, S. B. Segredos internos. Engenhos e escravos na sociedade colonial 1550- 1835. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. SOUZA, G. S. de. Tratado descritivo do Brasil em 1587. Recife: Fundação Joaquim Nabu- co/Massangana, 2000. SOUZA, M. História da Amazônia. Do período pré-colombiano aos desafios do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2019. STEWARD, J. H. “The native population of South America”. In: STEWARD, J. H. (ed.). Han- dbook of South American Indians. Washington: Bureau of American Ethnology & Smith- sonian Institution, 1949. p. 655–668. VARNHAGEN, F. A. de. História geral do Brasil antes de sua separação e independência de Portugal. São Paulo: Melhoramentos, 1978 [1854]. 3 vs. 1 1 1. Opção C. I - Correta. Os índios em questão não praticam atividades de lavra ou criação de animais. Eles se alimentam principalmente de inhame, no caso a mandioca, e dos frutos que a terra e as árvores produzem. II - Correta. A cultura da floresta tropical é baseada na agricultura intensiva de tubérculos, destacando especialmente a mandioca. III - Incorreta. Apesar de indícios indicarem que os índios poderiam ter domesticado alguns ani- mais, eles eram de pequeno porte. Nesse sentido, os povos originais não mantinham rebanhos. 2. Opção D. A - Incorreta, pois é falsa a afirmação de que os índios não tinham interesse em construir monumentos. Os sambaquis, por exemplo, são construções indígenas milenares. B - Incorreta, pois a história indígena pode ser resgatada por outras fontes, como as imateriais. Além disso, os índios não deixavam de construir algo por conta da durabilidade dos materiais. C - Incorreta, os arqueólogos já encontraram inúmeros vestígios de construções dos mais variados tipos e tamanhos espalhados por todo o território nacional. D - Correta, pois o clima tropical com grande umidade e muitos insetos, como cupins, é um agente deteriorante dos monumentos históricos, principalmente daqueles construídos com materiais orgânicos, como a madeira. E - Incorreta. Os povos originários possuem nas tradições orais uma grande fonte de conhe- cimento histórico, mas essa não é a única fonte. A terra preta indígena, por exemplo, é um importante material histórico. 3. Opção B. I - Incorreta. Houve muita resistência nativa frente às violências impetradas em nome da fé. II - Correta. O empreendimento colonial não foi somente econômico ou político, também foi religioso, de expansão da fé cristã. III - Correta. O principal objetivo dos jesuítas era promover o cristianismo e oferecer a salvação para os índios, que eram considerados seres de alma pura e inocente, por isso poderiam ser salvos. IV - Incorreta. Certamente houve resistência das populações nativas ao projeto missionário dos jesuítas, mas muitas populações acabaram aceitando a proteção que as Missões ofereci- am frente a violência dos colonizadores. GABARITO 1 1 UNIDADE 2 MINHAS METAS MONTAGEM DA ECONOMIA TRANSATLÂNTICA NO BRASIL COLONIAL Compreender o processo de montagem da economia transatlântica no Brasil colonial. Refletir sobre as bases históricas da formação da economia transatlântica do Brasil colonial. Entender as principais características do desenvolvimento econômico da América portuguesa. Conhecer as dinâmicas interpretativas sobre a economia colonial. Identificar as características das dinâmicas econômicas do Brasil no período colonial. Relacionar a montagem da economia colonial na América portuguesa com as dinâmicas inter e intracoloniais. Diferenciar as características entre os conceitos de ciclos econômicos e economia de Antigo Regime. T E M A D E A P R E N D I Z A G E M 4 1 4 INICIE SUA JORNADA Açúcar do sânscrito çarkara ou sukkar para os Árabes, saccharum em latim, zucchero em italiano, seker para os turcos, zucker para os alemães, sugar em inglês e sucre em francês. Extraído da cana-de-açúcar, o açúcar em grãos se transformou em um produto global e o Brasil foi peça central dessa operação. Qual é a importância do estudo da economia para compreender o processo de desenvolvimento da América portuguesa durante o período colonial? Para compreender o processo de desenvolvimento da América portuguesa durante o período colonial, é essencial o estudo das suas estruturas econômicas. A economia é a produção que sustenta as sociedades humanas, logo desempenha uma influência fundamental em todos os aspectos da sociedade. Foi com isso em mente que Stuart Schwartz (1988) escolheu uma passagem de O Capital, de Karl Marx, para ser a epígrafe de seu livro Segredos Internos, dedicado à análise socioeconômica do Brasil colonial. Na passagem, o filósofo alemão defende que o “segredo profundo, a base oculta de todo o arcabouço social” (MARX, 2017, p. 852) está na relação entre os detentores dos meios de produção e os produtores diretos, ou seja, a chave de entendimento sobre a eco- nomia está na relação entre os donos dos meios de produção e os trabalhadores. Pensando especificamente no Brasil, de 1500 até 1888 o seu processo eco- nômico teve como base a escravidão. Dessa forma, a construção e o desenvol- vimento da economia colonial foram intensamente perpassados de escravidão, tanto a escravidão negra africana como a dos povos originários. Logo, não po- demos estudar a economia colonial sem levar isso em consideração. Tradicionalmente, os estudos sobre a economia colonial são divididos em ciclos: ciclo do pau-brasil, ciclo do açúcar, ciclo do ouro, ciclo do café. Apesar de esta ser uma perspectiva muito didática, seus pressupostos são simplistas, pois ignoram outras atividades econômicas e passam a falsa impressão de que um ciclo supera o outro. A economia é a produção que sustenta as sociedades humanas UNIASSELVI 1 5 TEMA DE APRENDIZAGEM 4 A economia do Antigo Regime tinhasuas especificidades e complexidades. Assim como hoje sabemos que a economia está entrelaçada com a política, a sociedade e a cultura, no passado não era diferente. A montagem das estruturas econômicas de exploração do pau-brasil, do açúcar e do ouro, por exemplo, eram complexas e existiram mutuamente por muitos séculos. Se inicialmente elas fo- ram montadas com o intuito de maximizar os lucros da Coroa portuguesa, elas também acabaram gestando interesses internos e intracoloniais. DESENVOLVA SEU POTENCIAL A CONSTRUÇÃO DA ECONOMIA LUSO-BRASILEIRA A expansão geográfica promovida por espanhóis e por- tugueses transformou os padrões do comércio europeu. A abertura de rotas marítimas de longa distância teve um efeito enorme e certamente representou um ponto de virada do desenvolvimento econômico, abrindo as portas para a industrialização. Esse novo fato promoveu uma mudança “no foco do pensamento econô- mico” (BACKHOUSE, 2007, p. 86). Os novos problemas suscitados pela co- lonização portuguesa na América, a expansão do comércio e das atividades financeiras, levaram a um distanciamento da tradição econômica medieval, centrada no discurso moral, e abriram as portas para um novo pensamento econômico moderno e liberal. VAMOS RECORDAR? Aprenda mais sobre a estrutura e os processos envolvidos na produção do açú- car conhecendo as antigas fazendas de engenho que ainda estão preservadas. Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem. representou um ponto de virada do desenvolvimento econômico 1 1 ECONOMIA DO PAU-BRASIL A extração do pau-brasil foi a primeira atividade econômica desenvolvida pelos portugueses na nova colônia. A exploração da madeira dependia da colaboração indígena e despertou o interesse de nações rivais. Foi uma atividade de longa du- ração, existindo ao longo de todo o período colonial. ECONOMIA DO AÇÚCAR A introdução do plantio de cana-de-açúcar e o estabelecimento dos engenhos cria- ram uma economia exportadora de enorme sucesso. O Brasil rapidamente se trans- formou no maior produtor de açúcar do mundo e a demanda por trabalhadores nos engenhos deu início ao tráfico de escravos africanos para a América portuguesa. ECONOMIA DO OURO E DIAMANTES A descoberta de ouro e diamantes nos sertões da colônia, no atual estado de Minas Gerais, desencadeou a primeira corrida da era moderna pelo ouro. A lucratividade da mineração sustentou o luxuoso reinado de D. João V e promoveu a integração do mercado interno na colônia. O Pau-Brasil Ao chegar ao Brasil em 1549, Tomé de Souza deparou-se com uma si- tuação precária. De um lado a real ameaça dos franceses, seus barcos eram presença constante na costa da América do Sul, pois cada vez mais se aventuravam no comércio do pau-brasil. Por outro lado, os por- tugueses enfrentavam a resistência nativa, resultado da sua generaliza- da escravização. UNIASSELVI 1 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 4 Do ponto de vista da Coroa portuguesa, a situação en- contrada era complexa de solucionar: para impulsionar o desenvolvimento da costa, era imprescindível utilizar a mão de obra indígena. No entanto, para garantir a posse dos territórios americanos contra as pretensões dos franceses e apaziguar os ataques de grupos nativos, era essencial consolidar a aliança com os indígenas “amigos”. Inicialmente, a colonização foi transferida para a iniciativa privada. Em 1502, D. Manuel I (1469–1521) concedeu o arrendamento da Terra de Santa Cruz a uma associação de mercadores liderada por Fernão de Loronha. Com o aumento do interesse francês e buscando expandir as iniciativas comer- ciais na colônia, Portugal autorizou o livre acesso dos mercadores à nova colônia, mediante o pagamento do quinto. No entanto, a política portuguesa para o Brasil não se limitava a um único mo- delo, variando de acordo com as circunstâncias e, principalmente, com as ame- aças representadas, principalmente, pelos franceses e espanhóis à supremacia portuguesa na região. APROFUNDANDO A fragilidade da presença portuguesa no Brasil era evidente, sendo fortemente limitada pelos conflitos com os indígenas e a concorrência comercial dos france- ses. Diante disso, foi estabelecida uma estrutura governamental mais centralizada Você sabe o que era o quinto? O quinto era uma instituição tributária antiga que tem suas origens no direito feudal ibérico. Sua incidência era sobre itens diversos, não somente sobre metais. De fato, o quinto era um direito real, logo sua cobrança recaía sobre tudo que era considerado propriedade do monarca. PENSANDO JUNTOS era imprescindível utilizar a mão de obra indígena 1 8 Desmundo Ano: 2003 Sinopse: baseado no livro homônimo de Ana Miranda, o filme Desmundo (2003) narra a história de órfãs portuguesas que, em 1570, foram enviadas ao Brasil para se casarem com os colonizadores. Na trama, dirigida por Alain Fresnot, as órfãs enfrentam várias dificuldades de adaptação ao Novo Mundo. Comentário: o filme é uma tentativa de retratar como era a co- lônia portuguesa na América no século XVI. As dificuldades de adaptação ao clima e às línguas do Novo Mundo, a subjugação da mulher, a escravização dos indígenas, a instalação dos pri- meiros engenhos de açúcar. O filme é uma excelente forma de visualizar como foi aquele período. INDICAÇÃO DE FILME De fato, a exploração do pau-brasil foi um negócio lucrativo ao longo de todo o pe- ríodo colonial. A madeira transformou-se em um artigo muito valioso no comércio internacional, pois tinha mercado garantido nas manufaturas pré-industriais do norte europeu. Em 1762, por exemplo, o or- çamento da Coroa portuguesa apontava que 4% das rendas reais vinham do monopólio de exploração do pau-brasil. a exploração do pau-brasil foi um negócio lucrativo para a colônia, com capacidade de intervir nos conflitos locais e diretamente subordinada à Coroa. Com o objetivo de tentar controlar a exploração indiscriminada do pau-bra- sil, a Coroa portuguesa adotou medidas mais sistemáticas e centralizadoras. O regimento entregue ao governador-geral Tomé de Souza, por exemplo, reafirma- va a propriedade e o monopólio real sobre a madeira, e estabelecia a competência governamental para garantir a efetivação das concessões concedidas para esse fim. Nesse sentido, cabia ao governador subordinar todos os agentes coloniais in- teressados no negócio, transformando-os em representantes do soberano. Dessa forma, procurava-se estabelecer uma suposta ordem para evitar a manipulação dos preços na comercialização do pau-brasil. UNIASSELVI 1 9 TEMA DE APRENDIZAGEM 4 A empresa açucareira Os portugueses já conheciam o sistema de produção e beneficiamento da ca- na-de-açúcar desde o século XV, quando a planta foi introduzida nas ilhas da Madeira, Açores, Canárias, Cabo Verde e São Tomé. O transporte dessa cultura para o Brasil foi uma alternativa para implantar uma atividade econômica na nova colônia que, além de render lucros, garantisse o domínio daquelas terras. E o que era uma aposta transformou-se em um grande sucesso. “Entre 1550 e 1670, o Brasil tornou-se o principal produtor de açúcar do mundo atlântico” (SCHWARTZ, 2017, p. 301). As terras da América portu- guesa, especialmente o litoral, apresentavam condições ideais para a produção canaviei- ra. O Recôncavo Baiano e as terras alagáveis de Pernambuco, por exemplo, possuem so- los férteis, recortados por grandes rios, que eram essenciais para o fornecimento de água e de força motriz para os engenhos. Além disso, os rios também eram utilizados como estradas até os portos marítimos. Portanto, de 1530 até 1550, a Coroa portuguesa incenti- vou direta e indiretamente a constituição dos engenhos de açúcar. Vale destacar que esse incentivo não era con- centrado somente para os senhores de engenho, mas também para os pequenos lavradores de cana. Em mui- tos engenhos, os senhores estabeleceram um sistema de Você sabia que as terras da América portuguesa eram ideais para acana-de-açúcar? O Brasil oferecia uma combinação única de localização, clima, solos, água e florestas para obtenção de lenha e outros suprimentos. PENSANDO JUNTOS incentivou direta e indiretamente a constituição dos engenhos de açúcar 8 1 parceria com pequenos lavradores, inclusive alguns desses produtores menores conseguiram aumentar suas terras chegando ao status de senhores de engenhos, porém tal caminho podia demorar de duas a três gerações para se concretizar. De 1570 a 1630, o Brasil viveu a “era de ouro” dos engenhos de açúcar. Os custos relativamente baixos impulsionaram a expansão das plantações. Segundo Stuart Schwartz, em 1570 havia 70 engenhos distribuídos entre as capitanias da Bahia e Pernambuco, poucos anos depois, em 1585, esse número já era de 120 engenhos. O crescimento continuou nos anos seguintes, em 1612 eram 195 e em 1629 eram surpreendentes 346 engenhos em toda a colônia. A era de ouro dos engenhos de açúcar se baseou na crescente demanda eu- ropeia, na baixa concorrência e nas cotações favoráveis. Algumas inovações tecnológicas também ajudaram na expansão e no aumento da lucratividade. Uma delas foi o engenho de três paus, que tornava mais eficiente a tritu- ração da cana. Outra iniciativa foi o gradativo aumento do uso da mão de obra escrava de origem africana. O professor Tiago Krause, por exemplo, aponta que foi o exce- dente gerado pela lucratividade do açúcar que estimulou os senhores de engenho a adquirirem a mão de obra escrava vinda da África. VOCÊ SABE RESPONDER? A partir do que você viu até agora, você sabe qual foi a importância dos enge- nhos de açúcar na consolidação da colonização portuguesa no Brasil? A Universidade de São Paulo (USP), por meio da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária, realizou um trabalho de revitalização e pesquisa do sítio arqueológico Engenho São Jorge dos Erasmos em Santos/SP.Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem. EU INDICO UNIASSELVI 8 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 4 Todavia, a economia açucareira era vulnerável ao cenário político europeu. O início da Guerra dos Trintas Anos em 1618 e as crescentes hostilidades dos holandeses com a Espanha e Portugal (que na época estavam unidos di- nasticamente na União Ibérica), afetaram seriamente a lucratividade da produção açucareira no Brasil. A depressão econômica provocada pela guerra aumentou os estoques de açúcar no velho continente, fazendo o preço do açúcar cair. Enquanto isso, os holandeses acirraram a pirataria contra os navios mercantes lusos, abarrotados de açúcar, capturando dezenas deles. E foram mais longe, aventurando-se em uma conquista das terras coloniais lusas produtoras de açúcar, a primeira tenta- tiva de conquista aconteceu em 1624, com a dominação da cidade de Salvador, que durou apenas um ano. Uma nova tentativa foi feita em 1630 e dessa vez conquistou grandes áreas da capitania de Pernambuco, no que ficou conhecido como Brasil Holandês. O Brasil como ator em uma disputa global Por 25 anos (1630–1655), os holandeses ocuparam extensas áreas do nordeste da América portuguesa. Os seus domínios compreendiam partes das capitanias de Sergipe, Pernambuco, Itamaracá, Paraíba, Rio Grande, Ceará e Maranhão. Entretanto, a conquista teve um custo alto, pois foi uma prática comum a des- truição de engenhos e plantação de cana para prejudicar os holandeses ou os luso-brasileiros. Casa Grande & Senzala Casa Grande & Senzala de Gilberto Freyre transformou-se em um grande clássico da historiografia brasileira sobre a socio- economia do açúcar e o papel do escravo africano. No livro, Freyre defende a tese de que o sucesso da colonização por- tuguesa na América do Sul se baseou na miscigenação, no latifúndio e na escravidão. INDICAÇÃO DE LIVRO a economia açucareira era vulnerável ao cenário político europeu 8 1 Por trás da invasão holandesa, estavam os interesses comerciais e políticos da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais (Westindische Compagnie, sigla WIC). Criada em 1621, seu objetivo era expandir a presença comercial dos Países Baixos no comércio colonial no Ocidente, especialmente nos pontos mais lucrativos: a produção de açúcar e o comércio de escravos. Por isso, o embate entre os portugueses e os holandeses se transformou em uma disputa global, pois a Companhia organizou invasões em áreas coloniais na América e na África. Os enfrentamentos também aconteceram em algumas colônias lusas no Oriente, como nas Ilhas Molucas, sob organização da Compa- nhia Holandesa das Índias Orientais. Além disso, politicamente, o propósito também era atingir as áreas frágeis do domínio Habsburgo, pois as Províncias Unidas dos Países Baixos estavam em guerra com essa dinastia. Foi nesse cenário que o Brasil e especialmente as capitanias da região nordeste entraram na mira da WIC. Os navios neerlandeses eram os principais transportadores do açúcar brasileiro para os mercados euro- peus, e foram especialmente prejudicados por sua exclusão desse comércio pelos Habsburgos a partir de 1605. Após assumir o controle de Pernambuco e outras capitanias, a WIC buscou revi- talizar e promover a economia açucareira. Essa iniciativa teve um sucesso parcial, especialmente durante o mandato (1637–1644) do governador Johan Maurits van Nassau-Siegen ou Maurício de Nassau (1604–1679). Ele adotou medidas como a ga- rantia da tolerância religiosa e a aproximação com os luso-brasileiros locais, a fim de mantê-los envolvidos na indústria açucareira. Além disso, a WIC oferecia créditos aos plantadores, sejam eles portugueses que permaneceram na região ou holandeses que adquiriram engenhos, como forma de estimular a indústria açucareira. Pesquisadores brasileiros e espanhóis se uniram na construção do site BRASI- LHIS DATABASE, um enorme repositório de informações documentais e imagé- ticas do período da União Ibérica (1580–1640). Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem. EU INDICO UNIASSELVI 8 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 4 No entanto, a saída de Nassau em 1644 agravou as tensões políticas. A pressão da WIC pelo aumento dos impostos e a cobrança das dívidas dos senhores de engenho acirrou o sentimento de revolta entre os luso-brasileiros. A WIC não foi tão bem-sucedida como a Companhia das Índias Orientais e acabou entrando em falência. Ao mesmo tempo, Portugal tinha reconquistado sua independência em 1640, e começou a auxiliar a resistência à invasão holandesa. Em 1645, os neerlandeses perderam o controle de grande parte de suas posses no Nordeste, ficando concentrados em Pernambuco. Figura 1 - Os holandeses capturam Olinda, 1630 / Fonte: https://bit.ly/3DSzSjO. Acesso em: 20 jul. 2023. Descrição da Imagem: o mapa retrata a batalha naval de fevereiro de 1630, ilustrando o ataque holandês à cidade de Olinda, controlada pelos portugueses. À esquerda, os navios holandeses enfrentam as fortificações portuguesas na foz do rio, enquanto à direita de Olinda, uma grande força de desembarque de soldados de infan- taria desembarca e segue em direção à cidade mal protegida de Olinda. No centro do mapa, na parte inferior, o cartógrafo desenhou um nativo segurando um escudo com a vinheta da Companhia das Índias Ocidentais, abaixo uma caixa de texto que traz uma dedicatória ao almirante Hendrick Corneliszoon Lonck, e ao comandante oficial nas incursões bem-sucedidas da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais na costa do Brasil controlada pelos portugueses. No canto superior direito, há um detalhe ilustrativo sobre o funcionamento do engenho de açúcar. A imagem é composta por negros exercendo diversas atividades do engenho como a separação da cana, a moagem, a fervura e a separação do açúcar. No canto superior esquerdo, há um mapa do litoral do Nordeste, das capitanias de Pernambuco e da Paraíba, desenhado em uma moldura que parece um pergaminho antigo desenrolado. 8 4 As batalhas de Guararapes, travadas em1648 e 1649, foram decisivas no en- fraquecimento das forças holandesas em Pernambuco. A conjuntura europeia também auxiliou as forças luso-brasileiras, pois a eclosão de uma guerra entre os Países Baixos e a Inglaterra enfraqueceu ainda mais os suprimentos para as forças holandesas no Brasil. A invasão teve fim em 1654, quando as forças luso-brasi- leiras cercaram o Recife e expulsaram definitivamente os holandeses. Todavia, a partir de 1640 surgiram outras economias açucareiras que co- meçaram a concorrer diretamente com o açúcar brasileiro. A colônia inglesa de Barbados e posteriormente as regiões caribenhas sob controle holandês e francês experimentaram um incremento da produção açucareira. A título de exemplo, em 1630 o açúcar brasileiro supria cerca de 80% da demanda em Londres, essa quantidade diminuiu pela metade em 1670. Cabe ressaltar que a produção de açúcar no Brasil nunca foi abandonada, porém, a partir de 1680, deixou de ser a principal atividade econômica da colônia. Você sabia que os luso-brasileiros desempenharam um papel decisivo na re- conquista da colônia de Angola? Em 1641, a Companhia das Índias Ocidentais também investiu na conquista de Luanda, um dos principais portos escravistas do Império português. Logo, os comerciantes brasileiros direta e indiretamente envolvidos no comércio de escravos africanos foram seriamente afetados pela invasão. Com o objetivo de reconquistar a importante praça de Luanda, Sal- vador Correira de Sá e Benevides, governador da capitania do Rio de Janeiro, organizou uma expedição de reconquista que expulsou os holandeses em 1648. PENSANDO JUNTOS A Diversidade da Periferia Ao mesmo tempo em que a economia açucareira se desenvolvia, principalmente no litoral do Nordeste e no Rio de Janeiro, uma outra economia se propagava no inte- rior da colônia. A atividade motora dessa expansão foi a pecuária e a agricultura. UNIASSELVI 8 5 TEMA DE APRENDIZAGEM 4 É importante destacar como o desenvolvimento da pecuária e da agricultura estavam diretamente relacionados com a formação de um mercado interno na colônia. Por volta de 1700, o padre jesuíta Jacobo Cocleo fez um grande mapa do Brasil e nele anotou as fazendas, engenhos, vilas e arraiais conhecidos. É impressionante a quantidade de fazen- das espalhadas pelo interior, todas, obviamente, instaladas próximas de grandes cursos d’água, pois era por eles que a produção era escoada. Figura 2 - Detalhe do Mapa do Padre Cocleo / Fonte: adaptada de Moraes (2007). Descrição da Imagem: a imagem é um recorte do Mapa da maior parte da costa e sertão do Brasil extraído do original do Pe. Cocleo, com datação aproximada de 1699–1702. O original está bastante gasto com muitas marcas do tempo e escurecido em um tom marrom avermelhado. O detalhe apresenta um recorte de parte do Brasil, do litoral de Salvador, na Bahia, até Guarapari, no Espírito Santo, e do interior da Bahia, Minas Gerais e Espírito Santo. Os pontos destacados foram digitalmente inseridos no mapa. Os traços amarelos representam os caminhos e os pontos brancos, as fazendas. São inúmeras fazendas localizadas ao longo do curso do rio São Francisco, do rio das Velhas, do rio Verde, próximas às vilas do litoral e dos rios nas proximidades de Salvador. 8 1 Até o século XVII, as fazendas abasteciam as demandas dos poucos aglomera- dos urbanos e dos engenhos. Além disso, também auxiliaram na constituição dos caminhos terrestres pelo interior, pois se transformaram em pousos para os viajantes. Antonio Sampaio (2017) também encontrou exemplos de agricultores de frutas e verduras nas proximidades da cidade do Rio de Janeiro, que tinham como principais consumidores os navios que atracavam no porto. A partir do século XVIII, com a corrida do ouro e o consequente desenvolvimento urbano, o mercado interno se fortaleceu. Na capitania de São Paulo, o sistema agrícola assumiu características peculiares. Inicialmente, as principais roças eram de mandioca e milho, mas a partir de 1620, o cultivo do trigo começou a se destacar. A mão de obra fundamental era o nativo escravizado. O mercado principal era a cidade do Rio de Janeiro, mas os paulistas também estabeleceram contatos comerciais com mercadores na Bahia, em Pernam- buco e até na Angola. Portanto, a produção de alimentos no período colonial não foi apenas um complemento da produção açucareira, mas possuía uma considerável autonomia em relação a ela. Isso significa que o setor alimentício não dependia exclusiva- mente do setor açucareiro para se desenvolver. Pelo contrário, era a capacidade dos setores não relacionados ao açúcar de fornecer alimentos para os engenhos e trabalhadores da cana-de-açúcar que permitia sua especialização. Além disso, o setor alimentício atendia a toda a sociedade colonial, não se limitando apenas aos engenhos. Populações urbanas, tripulações de navios, a própria população rural, escravos recentemente trazidos e até mesmo populações de outros conti- nentes (como no caso da exportação de farinha de mandioca para Angola) eram abastecidos por essa produção. A mão de obra fundamental era o nativo escravizado VAMOS RECORDAR? Você sabe qual foi a característica marcante do desenvolvimento do mercado interno no Brasil colonial? UNIASSELVI 8 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 4 Outra produção importante foi o tabaco. Seu consumo rapidamente se disse- minou, transformando-o em um produto global. Além disso, também era larga- mente utilizado como moeda de troca, tornando-se uma mercadoria-chave no comércio global do Império português. Era utilizado nas trocas comerciais na Ásia e especialmente na África e o seu cultivo artesanal, seu crescimento rápido e o fácil trato da lavoura disseminaram as plantações por toda a colônia. Mineração, Diversificação e Integração A descoberta dos primeiros veios consistentes de ouro no sertão da América por- tuguesa desencadeou a primeira corrida do ouro do mundo moderno (WILC- KEN, 2004). As notícias correram de forma rápida e, tanto dentro do Brasil como em Portugal, jovens, adultos, velhos e famílias largaram tudo para se aventurar na busca pelo ouro. Por isso os primeiros anos da mineração foram caóticos, de desordem e carestia. Com a consolidação do sistema administrativo régio nas Minas do Ouro, a situação se estabilizou e uma vasta rede urbana começou a se desenvolver nos arredores das minas de ouro e diamantes, um processo chamado por Maria Odila Dias de “interiorização da metrópole” (2005, p. 31). A produção de ouro também teve um forte impacto na demanda por escra- vos. De acordo com Antonil (2022), no final da primeira década do século XVIII, a população local nas Minas Gerais já chegava a cerca de 30 mil habitantes. Além de se transformar em um importante mercado consumidor de bens em geral, os mineiros aqueceram a demanda por mão de obra escrava africana. Consequen- 8 8 temente, o número de escravos desembarcados aumentou de cerca de 11.890 por ano, no final do século XVII para 20.220 na primeira metade do século XVIII, um aumento de 70%. Por isso, o porto do Rio de Janeiro foi paulatinamente se transformando no principal porto negreiro do Brasil. VOCÊ SABE RESPONDER? Você sabe qual foi o impacto da mineração do ouro e dos diamantes no tráfico de escravos africanos para o Brasil? O ouro também floresceu nos circuitos de contrabando dentro do Império por- tuguês. Nesse sentido, a Colônia do Sacramento, localizada no extremo sul, na foz do rio da Prata, era um dos principais pontos de apoio para o contrabando do ouro brasileiro pela prata espanhola. A dinâmica dos navios que faziam a Carreira da Índia também foi afetada pela mineração. Desde a segunda metade do século XVII, os portos de Salvador e do Rio de Janeiro eram importantes pontos de apoio para os mercadores que seguiam para o Oriente. A riqueza do ouro passou a atrair ainda mais esses na- vios, especialmente para o porto do Rio de Janeiro, pois um verdadeiro comércio de luxo se desenvolveunas vilas e arraiais mais ricos das Minas Gerais. No entanto, é incontestável que o destino principal do ouro era Portugal. Ou, de forma mais abrangente, a Europa como um todo. O porto de Lisboa de- sempenhava, principalmente, o papel de um entreposto comercial, conectando mercadorias provenientes de diferentes partes do Velho Continente, por um lado, e o ouro e outras mercadorias coloniais destinadas a atender à demanda do continente europeu, por outro. “ Do ponto de vista da economia europeia em seu conjunto, o ouro do Brasil teve efeito tanto mais positivo quanto o estímulo por ele criado se concentrou no país mais bem aparelhado para dele tirar o máximo proveito (FURTADO, 2007, p. 129). UNIASSELVI 8 9 TEMA DE APRENDIZAGEM 4 NOVOS DESAFIOS Com as discussões que apresentei até aqui, você entrou em contato com os prin- cipais conceitos utilizados para interpretar o desenvolvimento da economia tran- satlântica no Brasil colonial. Além disso, você tomou conhecimento das bases históricas que fundamentam o processo histórico de formação da economia colonial do Brasil no período colonial. Você deve ser capaz de compreender que a visão tradicional dos ciclos eco- nômicos não é capaz de expressar toda a complexidade da economia colonial. Como um império de dimensões globais, Portugal buscou desenvolver em sua colônia na América do Sul uma economia que atendesse seus interesses. Entre- tanto, a dinâmica econômica é complexa e autônoma, ou seja, a economia do Brasil colonial se desenvolveu no sentido de sanar os interesses portugueses, mas também gestou seus próprios caminhos. Você também deve ser capaz de reconhecer o papel da problematização dos paradigmas. A abertura a novas chaves interpretativas e a utilização de diferen- tes fontes históricas abriu espaço para a visão da economia no Brasil colonial do ponto de vista global, ou seja, integrado ao Império Ultramarino Português, especialmente ao espaço Atlântico. Para sua atuação como professor, você deve compreender a complexidade da dinâmica econômica para além das relações metropolitanas, levando também em consideração a mecânica interna e intracolonial. Isso permite uma abertura de temas para exploração em sala de aula, instiga os alunos a verem os persona- gens históricos como sujeitos na história, abrindo o leque de práticas de ensino e propostas pedagógicas. 9 1 VAMOS PRATICAR 1. “Brasil [...] é mais rico e dá mais rendimento para a fazenda de Sua Majestade de que são todas essas Índias Orientais” (BRANDÃO, 1618, p. 159). Fonte: BRANDÃO, A. F. Diálogo das Grandezas do Brasil. [S. l.: s. n.], 1618, p. 159. Com base no que você aprendeu nesta unidade e na afirmação de Ambrósio, disserte sobre a formação da economia do Brasil colonial e sua relação com Portugal. Justifique como os lucros da economia colonial foram importantes para o Império português. 2. A concepção definidora da colonização pela grande empresa monocultura escravista, adaptada aos interesses da Metrópole, é um modelo cujo valor consiste em dar as linhas básicas de entendimento de um sistema que caracterizou o Brasil na Colônia e deixou suas marcas após a Independência (FAUSTO, 1996). Fonte: FAUSTO, B. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1996, p. 34. De acordo com Boris Fausto, a monocultura escravista exportadora desempenhou um impacto definitivo na história do Brasil. A partir do trecho do historiador e com o que você aprendeu nesta unidade, analise as afirmativas a seguir: I - A visão de Boris Fausto está ultrapassada, pois a monocultura não foi tão importante na economia colonial. II - A Coroa portuguesa só se interessou verdadeiramente pelo Brasil com a descoberta das minas. III - O Brasil foi pioneiro na implantação, dentro do sistema colonial, da monocultura escravista. Esse modelo foi posteriormente replicado, principalmente no Caribe. IV - Apesar de a economia colonial ter sido diversificada e complexa, é inegável o pa- pel fundamental da monocultura escravista como o modelo principal de atividade agropecuária. É correto o que se afirma em: a) I, apenas. b) II e IV, apenas. c) III e IV, apenas. d) I, II e III, apenas. e) I, II, III e IV. 9 1 VAMOS PRATICAR 3. Não é exato falar de um ciclo histórico da produção açucareira, como foi tradicional entre os historiadores. “Ciclo” dá ideia de surgimento, ascensão e fim de uma atividade econômica, o que certamente não foi o caso do açúcar ou de outros produtos, como o café (FAUSTO, 1996). Fonte: FAUSTO, B. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1996, p. 49. Com base nas informações apresentadas, avalie as asserções a seguir e a relação pro- posta entre elas: I. O conceito de ciclos econômicos está ultrapassado. PORQUE II. A economia colonial era bastante diversificada e complexa, com atividades que per- duraram por séculos. A respeito dessas asserções, assinale a opção correta: a) As asserções I e II são verdadeiras, e a II é uma justificativa correta da I. b) As asserções I e II são verdadeiras, mas a II não é uma justificativa correta da I. c) A asserção I é uma proposição verdadeira e a II é uma proposição falsa. d) A asserção I é uma proposição falsa e a II é uma proposição verdadeira. e) As asserções I e II são falsas. 9 1 REFERÊNCIAS ANTONIL, A. J. Pelas minas do ouro: trechos selecionados de Cultura e Opulência do Brasil. Rio de Janeiro: Pop Stories, 2022. BACKHOUSE, R. E. História da economia mundial. São Paulo: Estação Liberdade, 2007. DIAS, M. O. L. S. A interiorização da metrópole e outros estudos. São Paulo: Alameda, 2005. FURTADO, C. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 2007. MARX, K. O capital: crítica da economia política. Livro III – O processo global da produção capitalista. São Paulo: Boitempo, 2017. MORAES, F. B. De arraiais, vilas e caminhos: a rede urbana das Minas coloniais. In: RESENDE, M. E. L.; VILLALTA, L. C. História de Minas Gerais. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. v. 1, p. 67. SAMPAIO, A. C. J. Fluxos e refluxos mercantis: centro, periferias e diversidade regional. In: FRAGOSO, J.; GOUVEA, M. F. (orgs.) O Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017. v. 2, p. 271-300. SCHWARTZ, S. Segredos internos. São Paulo: Cia das Letras, 1988. SCHWARTZ, S. O Nordeste açucareiro no Brasil colônia. In: FRAGOSO, J.; GOUVEA, M. F.(orgs.).O Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017. v. 2, p. 300-337. WILCKEN, P. Império à deriva. A corte portuguesa no Rio de Janeiro, 1808-1821. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004. 9 1 1. Nesta questão o aluno deve ser capaz de formular um pequeno texto que conte sobre os momentos chaves do desenvolvimento da economia colonial. Deve ter a capacidade de explicar as primeiras medidas econômicas tomadas por Portugal relacionadas ao pau-brasil e as plantações de cana-de-açúcar. Posteriormente, deve falar sobre os interesses que essas atividades despertaram em outras nações europeias como na França e Holanda. Também deve dissertar sobre o momento mais lucrativo para a Coroa portuguesa, a descoberta do ouro. 2. Opção C. Apenas as afirmativas III e IV estão corretas. Como afirma o professor Thiago Krause, a Améri- ca portuguesa foi pioneira na implantação do sistema de plantation escravista, o que serviu de modelo para o desenvolvimento das fazendas de cana-de-açúcar nas ilhas do Caribe ao longo do século XVIII. Além disso, a monocultura escravista não foi apenas o modelo para a produção de açúcar, também serviu para outras plantações voltadas para a exportação, como foi o café ao longo do século XIX. As alternativas I e II estão incorretas porque a afirmação de Boris Fausto está incorreta ou ultrapassada. A historiografia atual considera que não houve apenas a monocultura escravis- ta, a economia era diversificada, mas não nega sua existência. E o Brasil sempre se mostrou importante para Portugal, principalmente por seu potencial econômico, mesmo antes da de- scoberta das minas. 3. Opção A. O conceitode ciclo econômico, apesar de muito difundido nos livros didáticos, não abarca toda a complexidade e as permanências que caracterizam a economia colonial. Por isso, é considerado hoje pelos historiadores como uma visão ultrapassada. GABARITO 9 4 MINHAS ANOTAÇÕES 9 5 MINHAS METAS A DIÁSPORA AFRICANA NO BRASIL Compreender a importância da escravidão negra africana para a formação do Brasil. Refletir sobre as bases históricas do tráfico de africanos escravizados. Entender as principais características da dinâmica do tráfico de escravos no Atlântico. Conhecer as dinâmicas interpretativas da historiografia atual sobre a diáspora africana para o Brasil. Identificar as características das correntes historiográficas tradicionalista e contemporânea. Relacionar os fundamentos históricos do desenvolvimento econômico do Brasil Colonial e do tráfico de escravizados. Diferenciar as características de diáspora e de escravo. T E M A D E A P R E N D I Z A G E M 5 9 1 INICIE SUA JORNADA Escravo: aquele que se vive privado de liberdade, em absoluta sujeição a um senhor ao qual pertence como propriedade. Assim o Dicionário Michaelis da Língua Portuguesa define a palavra “escravo”. Infelizmente, a prática da escravidão foi amplamente difundida entre a maioria dos povos do mundo, sendo uma prática não apenas cultural, mas legalmente regulamenta- da. Ainda hoje, apesar da completa proibição, é comum encontrarmos notícias nos jornais sobre o resgate de tra- balhadores mantidos em condições análogas à escravidão. A escravidão, principalmente a de origem africana, foi fundamental para a formação do Brasil como colônia e como nação independente. Essa constatação é reiteradamente afirmada pelos cronistas da época colonial, como Antonil, que dizia que os escravizados eram as mãos e os pés dos senhores, porque, sem eles, não era possível fazer, conservar ou aumentar nenhum tipo de trabalho (SCH- WARCZ; STARLING, 2015). Você sabe por que os escravizados africanos foram fundamentais na constituição do Brasil? Os portugueses já conheciam e utilizavam o comércio africano de escravos desde o século XV, tanto que, “em meados do XVI, Lisboa (ao lado de Sevilha) era a cidade europeia que mais possuía escravos negros” (SCHWARCZ; STAR- LING, 2015, p. 80). Inicialmente, o trabalho escravo era direcionado para tarefas especializadas ou domésticas, mas a exploração das ilhas do Atlântico, próximas à costa africana, instigou os lusos a usarem os escravizados na agricultura. A primeira experiência colonial com os escravizados aconteceu nas ilhas atlânticas de Cabo Verde, São Tomé e Madeira. Estima-se que cerca de 87% da população desses locais era de escravos. O cenário mudou radicalmente a partir de 1550. A colonização espanhola nas Américas, o crescimento das plantações de cana-de-açúcar no Brasil e as feitorias portuguesas na África subsaariana foram fundamentais para o estabe- lecimento de uma nova forma de servidão forçada: a mercantilização do tráfico de africanos negros escravizados. a prática da escravidão foi amplamente difundida entre a maioria UNIASSELVI 9 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 5 Estima-se que cerca de 12,5 milhões de pessoas foram forçadamente retiradas da África e levadas para o novo mundo. Só o Brasil recebeu cerca de 4,5 milhões de escra- vos. Os cálculos são feitos a partir de projeções baseadas em cerca de 35 mil viagens de navios negreiros. Essas in- formações foram resgatadas em arquivos da América, da Europa e da África e estão disponíveis no site colaborativo Slave Voyages, Trans-Atlantic Slave Trade Database. Atualmente, ele é o melhor e maior banco de dados sobre o tráfico, pois reúne informações sobre todo o tráfico de escravizados no mundo Atlântico. Claro, ainda é um trabalho em andamento e muito estudo ainda precisa ser feito. Nos últimos 20 anos, especialmente, no Brasil, com a Lei nº 10.639, de 2003, que obrigou o ensino de história e cultura afro-brasileira no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, as pesquisas sobre a África e a escravidão se diversificaram. Além de problematizar uma série de preconceitos e fundamentos eurocêntricos sobre a questão, a historiografia atual está contribuindo para que o brasileiro possa entender melhor a própria relação histórica com a África e o papel dos escravizados na formação nacional. Só o Brasil recebeu cerca de 4,5 milhões de escravos VAMOS RECORDAR? Aprenda mais sobre a diáspora africana no Brasil por meio do documentário Escravidão no Brasil. Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem. 9 8 DESENVOLVA SEU POTENCIAL O BRASIL E O TRÁFICO TRANSATLÂNTICO DE AFRICANOS ESCRAVIZADOS A formação de uma sociedade baseada na escravidão desempenhou um papel fundamental na constituição do Brasil Colonial. Foi a empresa colonial expor- tadora que impulsionou a mercantilização do tráfico de viventes. “ Os fazendeiros do Novo Mundo conseguiram o que queriam, e os negros foram roubados na África, como disse o historiador antilha- no Eric Williams, para trabalhar nas terras roubadas dos índios na América (MELTZER, 2004, p. 271). A compreensão do sistema escravista moderno requer uma análise da inter- ligação entre o estabelecimento de colônias ultramarinas e o funcionamento delas como grandes unidades de produção voltadas para o mercado interna- cional. A agricultura em larga escala, baseada em um único tipo de cultura, demandava uma quantidade significativa de trabalhadores, que deveriam se submeter a uma rotina árdua, desprovida de lucro ou motivação pessoal. Dessa forma, a escravidão foi recriada em novos moldes, utilizando uma mão de obra compulsória que, pelo menos, na teoria, era desprovida de origem, liber- dade e capacidade autônoma. VOCÊ SABE RESPONDER? Você sabe por que o comércio de escravizados africanos é, hoje, entendido como uma diáspora? UNIASSELVI 9 9 TEMA DE APRENDIZAGEM 5 A escravidão é um tema histórico amplamente estudado. Entretanto, foi abordado de maneira distinta pela historiografia ao longo do tempo. Nos últimos 40 anos, por exemplo, os historiadores especializados vêm questionando a visão prevalecente nas décadas de 1960 e 1970, que interpretava a escravidão como um instrumento da acumulação capitalista e da dominação das elites coloniais. Essa perspectiva atribuía o fim da escravidão às contradições internas do sistema capitalista, que necessitava de mão de obra livre e assalariada. Contudo, a compreensão mais com- pleta desse fenômeno requer uma análise que considere tanto os aspectos globais quanto as nuances locais e as especificidades históricas ao longo do tempo. A partir da década de 1980, o debate sobre a escravidão se deslocou para abordar as dinâmicas culturais, sociais e políticas desse fenômeno. Nesse contexto, novas considerações ganham espaço, incluindo a mobilidade socioe- conômica dos ex-escravos. A obra Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista, de João José Reis e Eduardo Silva, é um marco importante nessa renovação historiográfica. Os autores revelaram como os escravizados buscaram melhorar as próprias condições diárias, mesmo que minimamente, enquanto os proprietários visavam evitar revoltas e aumentar a produtivi- dade, por exemplo. A atual perspectiva revela o período escravista como um processo em constante evolução, com possibilidades e descontinui- dades, distanciando-se das inter- pretações estruturais e estáticas das abordagens anteriores. Você sabe o que é diáspora? Por que utilizamos a expressão “diáspora africa- na”? O conceito de diáspora está relacionado à dispersão e se refere ao deslo- camento de um povo pelo mundo, seja por vontade própria, seja por imposição. A diáspora africana é o termo usado para descrever um fenômeno da migração forçada de africanos durante o tráfico transatlântico de escravizados. PENSANDO JUNTOS 1 1 1 Nesse sentido, cabe ressaltar que a escravidão era uma prática comum na África.As negociações em torno da troca ou da compra de escravos, por exem- plo, passavam, na maioria das vezes, por chefes de Estado ou reis, que exigiam o pagamento de tributos e a troca de escravizados por produtos manufaturados, armas de fogo, ouro e tecidos finos. Por isso, os produtos brasileiros, como tabaco, melaço, cachaça e ouro, rapida- mente despertaram o interesse dos agentes africanos. Assim, houve o casamento entre a demanda do Brasil por escravizados e a demanda africana por produtos e ouro, o que se traduziu no estabelecimento da rota Atlântica Brasil-África. “ O fato de as embarcações utilizadas para o tráfico serem geralmen- te menores e desenhadas para abrigar a “carga humana” em seus porões põe abaixo outra versão corrente, a de que os europeus trian- gulavam seu comércio (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 83). Não havia, nesse sistema, uma rota triangular, assim como era comum nas co- lônias britânicas. A rota do comércio era bilateral, com navios que saíam dos portos do Rio de Janeiro e Salvador diretamente para os portos de Luanda e do Golfo de Benim. As fases do tráfico de escravizados africanos Em relação ao Brasil no período colonial, o desenvolvimento do tráfico de escra- vos pode ser dividido em quatro fases. Analisaremos cada uma delas. O site Slave Voyages é um banco de dados sobre o tráfico de escravos transa- tlântico. Trata-se de um trabalho de várias décadas de pesquisas independen- tes e colaborativas, com base em dados encontrados em bibliotecas e arquivos de todo o mundo atlântico. Navegue pelo site para ver mapas, informações es- tatísticas e sugestões de planos de aula. Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem. EU INDICO UNIASSELVI 1 1 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 5 O início do tráfico: entre 1550 e 1610, aconteceu a primeira fase do tráfico de africanos escravizados, caracteri- zada pelo predomínio dos comercian- tes portugueses. Disputas comerciais: entre 1610 e 1690, desenvolveu-se a segunda fase do tráfico de africanos escravizados, com destaque para o crescimento dos engenhos de açúcar no Brasil. Boom do tráfico: entre 1690 e 1790, sobreveio a terceira fase do tráfico de africanos escravizados, com o predo- mínio da demanda da mineração em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. Agonia final: entre 1790 e 1850, ocor- reu a quarta e última fase do tráfico de africanos escravizados, fundamenta- da na monocultura exportadora. 1 1 1 O início do tráfico de viventes moderno: a primeira fase A partir da década de 1530, a Coroa Portuguesa incentivou a criação de unida- des de produção de açúcar no Brasil. Todavia, até os anos de 1570, os colonos enfrentaram grandes dificuldades para estabelecer uma rede sólida de engenhos. Os problemas eram os mais diversos, como o recrutamento de mão de obra e a falta de capital para financiar a montagem dos engenhos. Para superar esses problemas, a mão de obra escrava foi fundamental. Inicialmente, a mão de obra utilizada na construção dos engenhos de açúcar era principalmente composta por indígenas. Os primeiros africanos escraviza- dos começaram a ser importados no Brasil a partir de 1550, porém eram em- pregados, principalmente em atividades especializadas nos engenhos. Por esse motivo, os africanos eram consideravelmente mais caros do que os indígenas: um escravo africano custava cerca de três vezes mais do que um escravo indígena na segunda metade do século XVI. A partir de 1560, diversas epidemias, como o sarampo e a varíola, assolaram o litoral brasileiro, resultando em um número alarmante de mortes entre os es- cravos indígenas. Isso exigiu uma reposição constante da força de trabalho nos engenhos. Ao mesmo tempo, os portugueses aperfeiçoaram o funcionamento do tráfico transatlântico de escravos africanos, especialmente após a conquista definitiva de Angola no final do século XVI. O navio negreiro Marcus Rediker é um dos maiores especialistas em tráfico tran- satlântico da atualidade. Usando uma vasta documentação, re- colhida em arquivos espalhados pelos Estados Unidos e Euro- pa, Rediker detalha como eram os navios negreiros, quem eram os tripulantes, como os escravos eram tratados ao longo das viagens, além de outras informações sobre o funcionamento, o gerenciamento e a construção dos navios. Trata-se de um ex- celente livro sobre a história social do tráfico de escravos. INDICAÇÃO DE LIVRO UNIASSELVI 1 1 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 5 Os números do tráfico demonstram isso. Entre 1576 e 1600, aproximadamente 40 mil africanos escravizados desembarcaram nos portos brasileiros. Já entre 1601 e 1625, esse número mais do que triplicou, chegando a cerca de 150 mil africanos que foram trazidos como escravos para a América Portuguesa, sendo a maioria deles destinada ao trabalho nas plantações de cana-de-açúcar e nos engenhos. A disputa comercial pelo domínio do tráfico de escravizados: a segunda fase O século XVII assistiu à entrada de novos atores no comércio de escravos do Atlântico. Em especial ingleses e holandeses que tinham se especializado na arte da pirataria no século anterior se aventuraram em voos maiores, conquistando as próprias feitorias na África e as próprias colônias nas Américas e no Caribe. O êxito da indústria açucareira escravista na América Portuguesa rapida- mente despertou o interesse de outras potências coloniais europeias. As invasões holandesas na Bahia (1624) e em Pernambuco (1630) foram, em grande parte, motivadas pela próspera economia açucareira dessas regiões. Os invasores logo perceberam a estreita interligação geoeconômica entre a África e as plantações exportadoras na América. As possessões brasileiras se- riam inúteis se não conquistassem os locais que forneciam escravos do outro lado do Atlântico. Desse modo, sob o comando de Maurício de Nassau, a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais (WIC) promoveu a con- quista do entreposto português de São Jorge da Mina em 1638 e invadiu a Angola em 1641. Em 1645, iniciou-se a revolta dos colonos luso-brasileiros, resultando na expulsão definitiva dos holande- ses da América Portuguesa em 1654. Antes disso, em 1648, os colonos do Rio de Janeiro foram diretamente responsáveis por expulsar os holan- deses de Angola. 1 1 4 O boom do tráfico de escravos: a terceira fase O século XVIII marcou o auge do comércio de escravos pelo Atlântico. Nas terras do Sul das treze colônias, na América do Norte, o boom da produção de algodão, que abastecia a emergente Revolução Industrial no continente euro- peu, fez explodir a demanda por escravos. Enquanto isso, no Brasil, a demanda por escravizados aumentou devido à extração de ouro em Minas Gerais. Nas ilhas do Caribe, a indústria açucareira alcançou um alto nível de desenvolvi- mento e produção nesse mesmo período, que também demandava um grande número de escravos. Fluxo e refluxo A obra do etnólogo francês Pierre Verger é considerada um clássico da historiografia sobre o tráfico de escravos. Assim como o próprio Verger relata no prefácio, foi por acaso que ele encontrou 112 cartas pertencentes ao comerciante de es- cravos José Francisco dos Santos, também conhecido como Alfaiate, uma profissão que ele exercera na Bahia antes de se estabelecer na costa africana. O enredo do livro se estrutura a partir dessa documentação, que embasa a reconstrução mi- nuciosa da rota de compra e venda de escravos entre a Bahia e o Golfo do Benim durante o período da colonização portu- guesa, resgatando, assim, os desdobramentos culturais pro- venientes dessa intensa relação comercial. INDICAÇÃO DE LIVRO Você sabia que os holandeses foram os principais responsáveis pela transmis- são das técnicas utilizadas nos engenhos brasileiros aos colonos ingleses em Barbados e aos franceses em Martinica e em Guadalupe? A partir da década de 1660, a produção de açúcar com o uso de escravos nas ilhas inglesas e france- sas cresceu significativamente e os comerciantes desses dois países seenvol- veram diretamente no tráfico de escravos transatlântico. PENSANDO JUNTOS UNIASSELVI 1 1 5 TEMA DE APRENDIZAGEM 5 Todos esses movimentos funcionavam como uma engrenagem que consumia incessantemente a mão de obra africana. Estima-se que cinco milhões e seiscen- tos mil africanos foram desembarcados nas Américas ao longo do século XVIII, em comparação com cerca de um milhão e meio no século anterior. De fato, devido às condições específicas da atividade de mineração, os escravos tiveram maiores oportunidades de exercer a própria autonomia e resistir ao con- trole dos senhores. A dispersão geográfica das minas de ouro e a possibilidade de os trabalhadores se apropriarem de parte dos resultados da extração (os negros de ganho) ampliaram consideravelmente a autonomia dos escravos. Por essas razões, os senhores frequentemente recorriam a métodos não coercitivos para garantir a regularidade da extração, o que, por sua vez, facilitava a acumulação de dinheiro e a compra da liberdade pelos escravos. Nesse sentido, Minas Gerais registrou a existência de numerosos quilombos, que, frequentemente, mantinham intensas trocas econômicas com a sociedade ao redor. Existiram, pelo menos, dois quilombos de grande magnitude, com po- pulações na casa dos milhares: o Quilombo do Ambrósio, destruído em 1746, e o Quilombo Grande, que foi vencido em 1759. A Diáspora Mina Nesta obra, diversos pesquisadores abordam, a partir de distin- tas perspectivas, o conceito dos negros “mina”. De modo ge- ral, esse termo englobava um grupo de africanos escravizados provenientes da Costa do Benim. No entanto, o livro se dedica a responder o motivo pelo qual esses indivíduos foram especi- ficamente designados como “mina” e quais eram as caracterís- ticas distintivas deles. Mediante um diálogo com a historiografia contemporânea e uma abordagem diaspórica, a obra busca oferecer uma visão plural sobre o tráfico de escravos nessa re- gião e a conexão dele com o Brasil. Dessa forma, são exploradas diversas questões relacionadas a essa história, proporcionando uma compreensão mais abrangente sobre a experiência dos africanos escravizados envolvidos nesse comércio transatlânti- co e as interações com a sociedade brasileira da época. INDICAÇÃO DE LIVRO 1 1 1 A agonia final: a quarta fase No final do século XVIII e início do século XIX, a América Portuguesa apresenta- va uma configuração demográfica singular dentro do contexto das sociedades coloniais do Novo Mundo. VOCÊ SABE RESPONDER? Você sabe por que os escravos africanos foram fundamentais na constituição do Brasil? O que a tornava distinta era a significativa presença de uma população ne- gra livre ou de ascendência mestiça africana que convivia com um número substancial de brancos. Todavia, a maioria da população era de escravizados, composta principalmente por africanos e, em menor número, por crioulos e pardos nascidos na América. Embora houvesse variações de acordo com cada capitania e incertezas nos dados demográficos disponíveis, de acordo com Rafael Marquese (2006), a po- pulação colonial brasileira no início do século XIX apresentava as seguintes pro- porções: 28% de brancos, 27,8% de negros e mulatos livres, 38,5% de negros e mulatos escravizados e 5,7% de indígenas. UNIASSELVI 1 1 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 5 A formação dessa extensa população livre de negros e mulatos foi essencialmente um resultado da interação entre o tráfico transa- tlântico de escravos e o processo de alforria. A escravização dos africanos, o transporte deles para o Brasil, as diferentes ativi- dades que desempenharam como escravos, a reconstrução dos laços familiares e culturais, a procriação e a perspectiva de liberdade em uma ou mais gerações são fatores que faziam parte de um processo institucional em larga escala de transformação de status. Os grupos provenientes da Costa da Mina, com diferentes identidades étnicas e religiosas (Nagô, Hauçá, Jeje, Tapa, Malê – originado do termo “imale”, que signifi- ca “muçulmano” no idioma iorubá), desencadearam o maior ciclo de revoltas de escravizados africanos registrado na história do Brasil. Entre 1807 e 1835, a Bahia passou por um período de rebeliões constantes por parte dos escravos africanos, culminando na Revolta dos Malês, que foi o levante mais sério de escravos ur- banos ocorrido nas Américas. Para garantir a perpetuação da sociedade escravista brasileira ao longo do tempo, baseada na constante chegada de estrangeiros, era crucial estabelecer mecanis- mos de segurança que evitassem uma situação social tensa como a encontrada nas colônias caribenhas britânicas e francesas. A libertação gradual dos descen- dentes dos africanos escravizados, que já não eram mais estrangeiros, mas sim brasileiros, foi o principal desses mecanismos. A prova definitiva da eficácia dessa estratégia é a associação dos negros e mulatos libertos e livres com o sistema escravista: esses grupos almejavam, tanto economicamente quanto socialmente, tornar-se senhores de escravos, ou seja, adquirir escravos para si. 1 1 8 VISÕES SOBRE A ÁFRICA É importante notar que a escravidão também existia no continente africano, coe- xistindo com sistemas de linhagem e parentesco. Desde o século VII, caravanas percorriam longas rotas pelo interior do Deserto do Saara, onde os mercadores islâmicos desempenhavam o papel de traficantes de pessoas. A rota principal do comércio de escravos era a partir do Norte da África, seguida pelo comércio ao longo do Mar Vermelho. A chegada dos portugueses à costa atlântica da África Subsaariana no século XV teve um impacto profundo nas formas do comércio de pessoas na região, tanto em termos de escala quanto em relação ao aumento do uso da violência. A nova conquista também modificou as dinâmicas internas de guerra e as redes de relacionamento dentro dos estados africanos. Xica da Silva Ano: 1976 Sinopse: na segunda metade do século XVIII, a escrava negra Xica da Silva (Zezé Motta) se torna o centro das atenções no Distrito Diamantino, onde estão as minas mais ricas da colô- nia. O contratador dos diamantes João Fernandes de Olivei- ra (Walmor Chagas) se apaixona por Xica e a transforma na rainha dos diamantes, satisfazendo todos os desejos dela. O romance proibido desperta a ira dos representantes da Coroa Portuguesa, que fazem de tudo para impedir a união. Comentário: um clássico do cinema brasileiro, Xica da Silva, lançado em 1976, é uma comédia satírica sobre os preconcei- tos e os costumes do período colonial. O filme retrata como os negros escravos eram vistos pela sociedade e, ao mesmo tempo, como, assim que alcançavam a liberdade e certo sta- tus, procuravam imitar o comportamento preconceituoso e opressivo dos portugueses. INDICAÇÃO DE FILME UNIASSELVI 1 1 9 TEMA DE APRENDIZAGEM 5 “ A África conheceu impérios e superestados; vários existiam quan- do os navios do príncipe Henrique, o Navegador, atingiram pela primeira vez a costa ocidental da África no século XV. Bem antes da chegada dos europeus, os Estados africanos haviam atingido grandes proporções em termos de tamanho, população e poder (MELTZER, 2004, p. 229). O tráfico de escravos era, em parte, impulsionado pelas guerras travadas entre os impérios africanos. Os mais poderosos exigiam tributos na forma de escravos dos mais fracos. Os africanos, assim como outros povos ao redor do mundo, praticavam a escravidão desde os tempos pré-históricos. Eles capturavam pri- sioneiros de guerra e os obrigavam a trabalhar para eles, assim como faziam com seus criminosos. Todavia, nas sociedades africanas, a escravidão não implicava a anulação dos direitos humanos ou a negação da personalidade humana. Os escravizados, na região subsaariana, eram reintegrados à sociedade que os recebiam. Assim como assevera Hebe Mattos (2001), o domínio português e, poste- riormente, luso-brasileiro sobre o sistema escravista no Atlântico tinha, como alicerce, a presença prévia da escravidão e do comércio no África.Esse fato foi rapidamente incorporado ao sistema de antigo regime português, que dialogava com os “antigos regimes” dos estados africanos. Foi o sucesso do sistema de plan- tation no Brasil, o qual, depois, foi expandido para outras colônias na América, que levou a uma verdadeira revolução no sistema escravista, transformando-o em um mercado vultoso, eficiente e desastroso para as populações afetadas. NOVOS DESAFIOS Diante das discussões que apresentei até aqui, você entrou em contato com os principais conceitos utilizados para interpretar a diáspora africana no Brasil Colonial. Você também viu os conceitos e as ideias que são considerados ultra- passados e as novas chaves interpretativas utilizadas nos estudos atuais. Além disso, tomou conhecimento das bases históricas que fundamentam os conceitos dialógicos utilizados pela historiografia contemporânea. 1 1 1 Você deve ser capaz de compreender que a interpretação do escravismo afri- cano foi superada por uma visão decolonial. A visão eurocêntrica sobre a África, que não enxergava a diversidade da história da região, inclusive, em sua relação com a escravidão, deixou de ser o paradigma interpretativo sobre a diáspora africana no Brasil Colonial. Você também deve reconhecer o papel da problematização dos paradigmas. A abertura a novas chaves interpretativas e a utilização de diferentes fontes his- tóricas abriram espaço para a visão decolonial da escravidão, além de integrá-la como parte essencial do Império Atlântico Português. As características únicas da escravidão no Brasil Colonial estão ligadas ao desenvolvimento das estruturas econômica e social. Entretanto, as idiossincrasias da América Lusa proporcionaram o surgimento de mecanismos dialéticos que progressivamente fundamentaram a constituição de um Brasil independente. Para a sua atuação como professor(a), você deve ser capaz de compreender o conceito de diáspora e a relação fundamental da escravidão no desenvolvimento do Brasil Colonial. Isso possibilita uma abertura de temas para exploração em sala de aula e instiga os alunos a verem os personagens históricos como sujeitos na história, abrindo o leque de práticas de ensino e propostas pedagógicas. UNIASSELVI 1 1 1 VAMOS PRATICAR 1. Os fazendeiros do Novo Mundo conseguiram o que queriam, e os negros foram rou- bados na África, como disse o historiador antilhano Eric Williams, para trabalhar nas terras roubadas dos índios na América. MELTZER, M. História ilustrada da escravidão. Rio de Janeiro: Edi- ouro, 2004. p. 271. Com base no enunciado fornecido, discorra sobre a relação entre a exploração dos negros africanos e o processo de apropriação de terras dos povos indígenas na América, eviden- ciando as motivações e as consequências desse processo histórico. Para tanto, desenvol- va um texto argumentativo usando exemplos e fundamentos históricos, destacando as motivações por trás desse fenômeno e as consequências resultantes dessa conjuntura. 2. O fato de as embarcações utilizadas para o tráfico serem geralmente menores e dese- nhadas para abrigar a ‘carga humana’ em seus porões põe abaixo outra versão corrente, a de que os europeus triangulavam seu comércio. SCHWARCZ, L. M.; STARLING, H. M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Cia das Letras, 2015. p. 83. Considerando o fluxo do tráfico de escravos no Atlântico Sul, assinale a alternativa correta: a) As embarcações precisavam passar primeiro em Portugal, para, depois, seguirem para o Brasil com os escravos b) Os navios eram especialmente projetados para fazer o comércio triangular. c) Os porões eram extremamente reduzidos para economizar na construção das embarcações. d) As embarcações tinham que ser enormes para comportar muitos escravos e mercadorias. e) Os comerciantes luso-brasileiros desenvolveram embarcações específicas para o transporte de humanos. 1 1 1 VAMOS PRATICAR 3. As razões da opção pelo escravo africano foram muitas. É melhor não falar em causas, mas em um conjunto de fatores. FAUSTO, B. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1996. p. 28. Considerando a escolha pelo escravo africano no contexto da escravidão no Brasil Colo- nial, analise as afirmativas a seguir: I - A opção pelo escravo africano foi motivada exclusivamente por questões econômicas. II - A escolha do escravo africano foi um resultado de um conjunto de fatores socioeconômicos. III - As causas da opção pelo escravo africano são múltiplas. É correto o que se afirma em: a) I, apenas. b) III, apenas. c) I e II, apenas. d) II e III, apenas. e) I, II e III. 4. O historiador americano Stuart Schwartz calcula que, durante a primeira metade do século XVII, nos anos de apogeu da economia do açúcar, o custo de aquisição de um escravo negro era amortizado entre treze e dezesseis meses de trabalho e, mesmo depois de uma forte alta nos preços de compra de cativos após 1700, um escravo se pagava em trinta meses. FAUSTO, B. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1996. p. 29. Considerando a economia do açúcar e a escravidão, assinale a alternativa correta: a) O custo de aquisição de um escravo negro era amortizado entre treze e dezesseis meses de trabalho durante o apogeu da economia do açúcar. b) Após 1700, os preços de compra de cativos sofreram uma forte queda. c) Um escravo se pagava em trinta meses durante a primeira metade do século XVII. d) O custo de aquisição de um escravo negro era amortizado em trinta meses até 1700. e) Os escravos não tinham valor econômico para os proprietários de plantações de açúcar. 1 1 1 VAMOS PRATICAR 5. Autor do memorial que convenceu Filipe II a inaugurar os Asientos, o sertanista portu- guês Duarte Lopes concebia a África Central como uma imensa reserva de escravos, e via no tráfico negreiro o instrumento da conquista portuguesa de Angola. ALENCASTRO, L. F. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Cia das Letras, 2020. p. 72. Considerando o sertanista português Duarte Lopes e o tráfico negreiro, assinale a alter- nativa correta: a) Duarte Lopes foi o responsável pela abolição do tráfico negreiro em Angola. b) O memorial de Duarte Lopes dissuadiu Filipe II a inaugurar os Asientos. c) Duarte Lopes concebia a África Central como uma reserva de escravos e defendia a conquista portuguesa de Angola. d) O tráfico negreiro foi abolido durante o período de atuação de Duarte Lopes. e) Duarte Lopes era um líder africano que lutou contra a escravidão no Brasil. 1 1 4 REFERÊNCIAS MARQUESE, R. de B. A dinâmica da escravidão no Brasil: resistência, tráfico negreiro e alfor- rias, séculos XVII a XIX. Novos Estudos, v. 74, p. 107-123, 2006. MATTOS, H. M. A escravidão moderna nos quadros do Império Português: o Antigo Regi- me em perspectiva atlântica. In: FRAGOSO, J. L.; BICALHO, M. F.; GOUVÊA, M. de F. (org.). O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 141-162. MELTZER, M. História ilustrada da escravidão. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. SCHWARCZ, L. M.; STARLING, H. M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Cia das Letras, 2015. 1 1 5 1. A exploração dos negros africanos e a apropriação das terras dos nativos na América foram elementos interligados no contexto da colonização do Novo Mundo. As motivações por trás dessa relação estão fundamentadas tanto na busca por riqueza quanto no controle e na dominação dos territórios recém-descobertos. Os colonizadores europeus, ao se depararem com vastas extensões de terras nas Américas, necessitavam de uma força de trabalho para explorar esses recursos. A opção pela escravidão africana foi um resultado de diversos fatores, como a disponibilidade de mão de obra no continente africano e a experiência prévia dos europeus no tráfico de escravos africanos. Ao mesmo tempo, a apropriação das terras dos povos indígenas era fundamental para a efetiva colonização das Américas. Os colonizadores expulsaram, subjugaram e até mesmo exterminaram as populações indígenas,usurpando os territórios para estabelecer grandes propriedades agrícolas, os latifúndios. Essas terras férteis foram exploradas com a utilização da mão de obra escrava africana, que garantia o suprimento necessário para a produção de culturas comerciais, como açúcar, tabaco e algodão. As consequências desse processo histórico foram devastadoras tanto para os povos africanos quanto para os indígenas. Os africanos foram arrancados das próprias terras, separados das famílias e transportados em condições desumanas para as Américas, onde enfrentaram uma vida de trabalho forçado, violência e opressão. A cultura e os laços sociais dos africanos foram severa- mente afetados, resultando em um legado de desigualdade e discriminação que ainda persiste na atualidade. 2. Opção E. A alternativa A está incorreta, porque a rota do tráfico de escravos era bilateral entre Brasil e África. A alternativa B está incorreta, já que o comércio do tráfico de escravos para o Brasil era bilateral. A alternativa C está incorreta, dado que os porões eram desenhados com certo espaço para acomodar os escravos. O intuito era diminuir a mortalidade do trajeto. A alterna- tiva D está incorreta, porque as embarcações eram pequenas para serem ágeis no trajeto. A alternativa E está correta, uma vez que, como o comércio era bilateral entre Brasil e África, os comerciantes luso-brasileiros desenvolveram embarcações específicas para essa rota, que otimizassem o espaço para as mercadorias viventes. GABARITO 1 1 1 3. Opção D. A afirmativa I está incorreta, porque a opção pela escravidão negra não foi somente econômica, afinal, os escravos africanos eram muito mais caros que os escravos indígenas. As afirmativas II e III estão corretas, visto que vários fatores influenciaram a opção pela escravidão africana, den- tre elas, o desenvolvimento econômico do Brasil e as relações sociais preexistentes na África. 4. Opção A. A alternativa A está correta, pois, assim como afirma Schwartz, o custo de aquisição de um escravo negro era amortizado entre treze e dezesseis meses de trabalho, durante o auge da produção de açúcar. A alternativa B está incorreta, porque, após 1700, com a descoberta das minas de ouro e dos diamantes, os preços dos cativos disparam. A alternativa C está incorreta, já que, segundo Schwartz, esse era o prazo de amortização no século seguinte. A alternativa D está incorreta, porque, segundo Schwartz, esse era o prazo de amortização no século XVIII. A alternativa E está incorreta, pois os escravos africanos eram uma mão de obra muito valorizada pelos senhores de engenho. 5. Opção C. A alternativa A está incorreta, dado que o português era um árduo defensor da escravidão. A alternativa B está incorreta, já que foi com o memorial de Duarte Lopes que Felipe II tomou a decisão sobre os Asientos. A alternativa C está correta, uma vez que o sertanista via a África como um grande depósito de mão de obra escrava. Por isso, Portugal precisava ter conquis- tas naquele continente. A alternativa D está incorreta, visto que o tráfico de escravos no Brasil só foi abolido em 1850. A alternativa E está incorreta, já que Duarte Lopes era português. GABARITO 1 1 1 MINHAS METAS FORMAÇÃO DA SOCIEDADE COLONIAL Compreender o papel de determinados grupos sociais na formação da sociedade. Refletir sobre as bases históricas que moldaram a sociedade colonial brasileira. Entender as principais características das interpretações históricas sobre a sociedade colonial. Conhecer as dinâmicas interpretativas dos historiadores clássicos. Identificar as características das correntes historiográficas contemporâneas. Relacionar os fundamentos históricos da escravidão à constituição da sociedade colonial. Diferenciar os conceitos de miscigenação étnica e cultural. T E M A D E A P R E N D I Z A G E M 6 1 1 8 INICIE SUA JORNADA A sociedade colonial, de forma geral, era constituída por uma diminuta elite branca, em sua maioria, composta por portugueses ou descendentes, que ocupavam os principais postos administrativos, econômicos e políticos. Outra pequena parcela era de homens e mulheres livres ou libertos (ex-escravizados que foram alforriados). A maioria da população era composta por escravizados, tanto negros africanos e os respectivos decendentes quanto povos indígenas e os respectivos sucessores. Portanto, os escravizados formavam um contingente numericamente significativo, constituindo a maioria da população. Todavia, enfrentaram condições de mobilidade social diferentes em cada região do Brasil Colonial. Nas áreas predominantemente agrárias, como no Nordeste, as possibilidades de conquistar a liberdade eram reduzidas. Em contraste, em Minas Gerais, por exemplo, ocorreu um aumento no número de alforrias, coartações (a compra da liberdade em parcelas) e uma intensa miscigenação. Parte dessa nova camada de negros e mulatos libertos encontrou espaço entre as elites, identificando-se e mesclando-se com elas. Contudo, outra parcela, não menos relevante, juntou-se à população livre e pobre, que vivia à margem do sistema em uma situação que a historiadora Laura de Mello e Souza (2004) chamou de desclassificação social. Nessa perspectiva, a sociedade colonial apresentou uma diversidade e uma miscigenação muito maiores do que as sociedades escravistas das regiões lito- râneas do Brasil, do Caribe e do Sul dos Estados Unidos. Nessas áreas, a ampla adoção das plantações agrícolas acentuou a divisão entre o mundo dos livres, do- minado pelos brancos, e o dos escravos, composto majoritariamente por negros. Nesse sentido, analisaremos algumas interpretações tradicionais e con- temporâneas acerca da miscigenação e o papel dela na formação da sociedade colonial. Vejamos! VAMOS RECORDAR? Os hábitos e os costumes familiares no Brasil Colonial eram muito diferentes daqueles que temos hoje? Assista ao vídeo sobre o Museu da Família Colonial para descobrir! Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do am- biente virtual de aprendizagem UNIASSELVI 1 1 9 TEMA DE APRENDIZAGEM 6 DESENVOLVA SEU POTENCIAL FORMAÇÃO DA SOCIEDADE COLONIAL Como se formou a sociedade brasileira? Certamente, a constituição da so- ciedade brasileira surgiu do extraordinário encontro de povos promovido pela colonização, efetuada pelos portugueses. Todavia, essa não foi uma convergên- cia totalmente amistosa. Em sua maioria, as populações que se encontraram no Brasil viveram intensos conflitos, os quais eram marcados pela violência e pela tragédia. As agressões sofridas pelos povos originários e escravos africanos retra- tadas em pinturas, ilustrações, documentos e crônicas da época são um exemplo. Por outro lado, a colonização colocou em contato culturas radicalmente dis- tintas, oriundas de continentes diferentes. Dessa mistura, surgiram valores, códigos de comporta- mento e sistemas de crenças típicos: uma mescla especificamente brasileira, originada da misci- genação étnica. Desde os primeiros passos da historiografia nacional, a problemática acerca da mescla cultural ganhou destaque. Ironicamente, foi um alemão, Karl von Martius, o primeiro pensador que elencou a questão relativa à mistura de povos como a fundadora da sociedade brasileira. mescla especificamente brasileira, originada da miscigenação étnica 1 1 1 O livro de Martius, intitulado Como se deve escrever a história do Brasil, publi- cado em 1845, propunha que a chave para se compreender a história brasileira residia no estudo do cruzamento das três raças formadoras da sociedade nacio- nal: a branca, a indígena e a negra. Criado em 1838, uma das primeiras ações do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) foi promover um concurso de dissertações sobre como deveria ser escrita a História do Brasil. O intuito era incentivar a produção histórica sobre as identidades cultural, social e política do Brasil. APROFUNDANDO Figura 1 – Uma mameluca e uma cafuza da província de São Paulo,1823 / Fonte: https://bit.ly/45LlHt8. Acesso em: 24 jul. 2023. Descrição da Imagem: a figura apresenta duas mulheres mes- tiças. À esquerda, há uma mu- lher mameluca, fruto da mistura entre europeus e indígenas. Ela possui os cabelos lisos e presos em um coque com uma tiara. Aparenta ter bócio, uma doença comum na época, porque o pes- coço forma uma bola avantajada e grande. Usa um terço como co- lar, um vestido longo que cobre os braços até o cotovelo e as pernas até os tornozelos, com os pés descalços. Ela segura, na mão esquerda, um chumaço de algodão que está fiando e enro- lando no carretel, segurado pela mão direita. À direita, está uma mulher cafusa, oriunda da rela- ção entre negros e indígenas. Possui cabelos grandes e cres- pos, fuma um longo cachimbo e as roupas são simples: uma blusa que cobre parcialmente o busto e os braços até o cotovelo e uma saia que cobre as pernas até a canela. Também está com os pés descalços. UNIASSELVI 1 1 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 6 Entretanto, como um naturalista ilustrado, o raciocínio de Martius seguia uma lógica científica. Em outras palavras, Martius pensava o hibridismo racial do mesmo modo como pensava o cruzamento de plantas ou animais, em que as características evolutivas, de melhor adaptação ao meio, sobrepunham-se. Por isso, acabou priorizando a contribuição portuguesa, o povo tido como “mais evoluído”, em detrimento dos afrodescendentes e dos povos originários. Apesar disso, a proposta de Martius era inovadora. Talvez, por isso, perma- neceu silenciada no restante do século XIX. Apenas seria retomada no século XX, com o nascimento da República Brasileira e o ressurgimento da necessidade de se pensar sobre a história da sociedade nacional. Interpretações clássicas sobre a sociedade brasileira O primeiro grande historiador do Brasil republicano foi Capistrano de Abreu. A obra do estudioso intitulada Capítulos de história colonial e publicada em 1907 inovou em diversos aspectos a interpretação da história colonial do Brasil. Primeiramente, foi a responsável por incluir os povos originários como os pri- meiros habitantes da América do Sul, tratando da história desses povos antes da chegada dos portugueses. Além disso, tratou da diversidade territorial da Amé- rica Portuguesa e da disputa que Portugal travou com outras nações europeias para consolidar a própria presença nas terras brasileiras. Com Capistrano de Abreu, ocorreu o deslocamento do objeto de investigação da história do Brasil e da colonização portuguesa, incluindo as instituições e as motivações para a colônia, caracterizando a sociedade colonial com todos os desequilíbrios e contrastes. No entanto, Capistrano de Abreu, como um homem do próprio tempo, via a mestiçagem como um perigo para as civilizações. A mescla entre portugueses, índios e africanos era entendida como um fenômeno que atrapalhou o desen- volvimento do Brasil. Essa visão depreciativa sobre a miscigenação mudaria ra- dicalmente a partir da década de 1930, com as obras de três grandes pensadores sociais brasileiros. 1 1 1 Karl Friedrich Phillipp von Martius (1794-1868): foi um eminente médico, botânico, antropólogo e um dos mais destacados pesquisadores alemães a se dedicar ao estudo do Brasil, com especial ênfase para a fauna e a flora. João Capistrano Honório de Abreu (1853-1927): foi um dos primeiros grandes estudiosos da história do Brasil. Também desenvolveu trabalhos relevan- tes nas áreas da etnografia e da linguística. A obra do estudioso é notável por uma minuciosa inves- tigação das fontes e uma abordagem crítica dos eventos históricos. Gilberto de Mello Freyre (1900-1987): foi um re- nomado escritor que se dedicou à ensaística para interpretar o Brasil sob diversas perspectivas, in- cluindo a sociologia, a antropologia e a história. É amplamente reconhecido como um dos mais im- portantes sociólogos brasileiros do século XX. A obra de Freyre teve um impacto significativo no estudo e na compreensão da sociedade brasileira. UNIASSELVI 1 1 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 6 O livro Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, publicado em 1933, produ- ziu uma verdadeira inflexão no modo de tratar a miscigenação. Freyre inovou ao adotar o conceito de cultura oriundo dos estudos em antropologia cultura- lista com Franz Boas, nos Estados Unidos. Com isso, foi além da miscigenação de um ponto de vista sexual e incluiu a mescla cultural como uma marca da sociedade brasileira. Por outro lado, a ideia de Freyre de que não havia preconceito racial entre os portugueses e que eles, pela miscibilidade, mobilidade e adaptabilidade, eram colonizadores excelentes, foi duramente criticada pela historiografia a partir dos anos de 1980. Uma falsa ideia de democracia racial se desenvolveu com a obra de Freyre, o que esconde os preconceitos e as violências sociais originados no período colonial e que perduram até hoje. Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982): foi um dos principais intelectuais brasileiros do século XX, com vasta produção acadêmica e literária. Atuou como professor universitário em diversas universi- dades no Brasil, nos Estados Unidos, na Itália e na América do Sul. Caio da Silva Prado Júnior (1907-1990): foi um dos grandes intelectuais marxistas do Brasil, sendo o responsável pela criação da tradição historiográfi- ca nesse campo. Foi militante do Partido Comunis- ta Brasileiro e, por isso, sofreu com a perseguição política, especialmente durante a Ditadura Militar. 1 1 4 De fato, Freyre foi o primeiro a explorar de forma consistente a fusão dos po- vos e das culturas portuguesa, indígena e africana na formação do Brasil. O historiador Sérgio Buarque de Holanda foi mais contido na análise sobre a miscige- nação. A grande obra de Holanda é Raízes do Brasil, publicado em 1936. Raízes do Brasil No livro, Sérgio Buarque de Holanda explora as características da colonização portuguesa, comparando-a com outras formas de colonização, criando, assim, tipos de ideias para explicar es- sas diferenças. A obra é um clássico e de leitura obrigatória para se entender a história da formação da sociedade brasileira. INDICAÇÃO DE LIVRO primeiro a explorar de forma consistente a fusão dos povos e das culturas Assim como Freyre, Holanda descreveu os portugueses como um povo aberto à mistura e tolerante etnicamente. Por isso, a miscigenação não era vista como um problema. Afinal, a colonização foi encabeçada essencialmente por homens, logo, o relacionamento com índias e negras foi fundamental para a formação da população. Dessa mistura, surgiu o homem cordial, o tipo social desenvolvido por Holanda para explicar as características típicas da sociedade brasileira. O último grande intérprete do Brasil desse período foi Caio Prado Jr. Em Formação do Brasil contemporâneo, publicado em 1942, o pesquisador mar- xista fez uma denúncia expondo as mazelas da escravidão, sobretudo, o aspecto exploratório e o racismo que existiam na sociedade colonial. Em 1987, foi criada a Fundação Gilberto Freyre, em Recife, Pernambuco. O intuito é preservar e disponibilizar o vasto acervo pessoal e intelectual do escritor, além de incentivar estudos e pesquisas relacionados às temáticas freirianas. As atividades da Fundação estão disponíveis para consulta no site https://fgf.org.br/. Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem. EU INDICO UNIASSELVI 1 1 5 TEMA DE APRENDIZAGEM 6 Por outro lado, a visão de Caio Prado Jr., que era extremamente focada nos aspec- tos econômicos, leu a contribuição dos afrodescendentes e dos povos originários apenas do ponto de vista do trabalho. DIVERSIDADE SOCIAL Os homens de grosso trato e a arraia-miúda Os intérpretes do Brasil das décadas de 1930 e 1940 ajudaram a consolidar o con- senso econômico sobre o período colonial, concentrado no latifúndio escravista orientado para a exportação, liderado por uma aristocracia de fazendeirosque determinava de várias formas a vida social. Na década de 1990, o historiador João Fragoso (1992) começou a publicar uma série de trabalhos que contestavam a visão tradicional. Para Fragoso, visuali- zar a sociedade apenas pela ótica dos fazendeiros constitui um erro (FRAGOSO; FLORENTINO, 1993). O professor Fernando Novais, da Universidade de São Paulo (USP), é conside- rado um dos discípulos de Caio Prado Jr. Nesta aula, ministrada no Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), o professor Novais discute os principais aspectos do pensamento de Caio Prado Jr. Re- cursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem. EU INDICO 1 1 1 Fragoso sustenta que os antigos pesquisadores da economia colonial se equi- vocaram em duas dimensões. Em primeiro lugar, ao se fixarem na perspectiva da economia baseada em grandes propriedades e na monocultura, acabaram ampliando em demasia a ênfase na orientação exportadora e negligenciaram a magnitude e a relevância da economia doméstica. Essa abordagem os levou a destacar os proprietários de terra como a elite econômica e social dominante na colônia. O que Fragoso aponta é que, em regiões, como a capitania do Rio de Janei- ro, os chamados homens de grosso trato envolvidos nos comércios externo e interno eram o grupo mais dinâmico e socialmente poderoso. Por outro lado, para esses homens, investir em terras e escravos representava um ativo de segu- rança, ao mesmo tempo em que lhes fornecia status e vantagens típicas de uma sociedade de Antigo Regime. Entretanto, a colônia não era composta apenas por senhores de terras, comer- ciantes, religiosos, escravos ou índios. Existiam, também, e em grande número, a chamada arraia-miúda, a população que não era proprietária. Segundo Iraci del Nero Costa, no final do século XVIII, na capitania de São Paulo, cerca de 3/4 das casas não possuíam escravos. Por outro lado, um censo feito em 1774 no arraial do Tejuco apontou que 48% das casas eram chefiadas por mulheres africanas libertas e a parte delas possuía pelo menos um escravo (FURTADO, 2001). Esses dados apontam que não era imprescindível que todos fossem detentores de escravos para que a escravidão se configurasse como a principal modalidade de trabalho na sociedade. O fato de um considerável contingente de brasileiros, incluindo camponeses e ex-escravos, poderem adquirir cativos, comprova a disseminação da escravidão na colônia e a ampla influência dela na vida sociocultural dos habitantes. VOCÊ SABE RESPONDER? Qual era a principal característica da sociedade colonial? UNIASSELVI 1 1 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 6 Figura 2 – Lavadeiras do Rio de Janeiro, 1835 Fonte: https://bdlb.bn.gov.br/acervo/handle/20.500.12156.3/19988. Acesso em: 25 jul. 2023. Descrição da Imagem: trata-se de uma gravura a qual retrata um conjunto de sete mulheres negras. Uma delas está carregando um filho nas costas. Outra mulher de pele clara está em volta de um pequeno córrego lavando roupas. Todas estão fazendo ações relacionadas ao trabalho de limpeza das roupas. À esquerda, encontra-se uma mulher negra sentada com roupas maltrapilhas ao lado de um cesto fechado de roupas. Ela aparenta estar conversando com as outras pessoas. Ao lado dela, em primeiro plano, encontra-se uma mulher negra fumando um cachimbo e segurando um cesto de roupas na cabeça. Ela usa um vestido longo com uma fita na cintura, um lenço no ombro direito, um colar e brincos. Atrás dela, há outra negra que usa blusa de manga comprida e calça. Ela segura um cajado na mão esquerda e também leva um cesto de roupa na cabeça. Ao lado delas, sentada em uma pedra, está uma mulher de pele clara usando um vestido longo e um véu que cobre a cabeça. Ela esquenta água em uma panela de cobre em um fogareiro ao lado do riacho. Ao lado dela, está uma mulher negra que leva um filho amarrado em panos nas costas, enquanto lava um pano. Em pé, no centro da imagem, está uma negra. Ela usa apenas caças. Está com o busto descoberto, usa um colar e segura um barril em cima de uma pedra. Ao lado dela, está outra negra que usa somente saia. Ela está com a parte de cima do corpo descoberta, usa um colar e bate roupas com a ajuda de um pau. Ao lado dela, está a última mulher da cena. Ela usa somente saia com a parte de cima do corpo descoberta e está apoiada sobre a roupa que lava em uma pedra ao lado do riacho. 1 1 8 O feminino no Brasil Colonial A partir da década de 1980, parte da historiografia brasileira, sob a influência dos historiadores fran- ceses da escola dos Annales, passou a examinar as estruturas mentais, a cultura popular e a esfera doméstica do passado colonial. Seguindo esse ca- minho, a historiadora Mary del Priore inovou ao estudar o feminino no Brasil Colonial. A obra de Del Priore Ao sul do corpo: con- dição feminina, maternidade e mentalidades no Brasil colônia analisa os corpos femininos no Brasil Colonial como campos de confron- to, tendo em vista que eles se chocavam com a ideologia oficial, as ações populares e os projetos do Estado. Nesse cenário, o pano de fundo principal era o papel que se esperava das mulheres: serem boas esposas e mães, com numerosa prole. Ao se aprofundar na documentação religiosa, inquisitorial e médica, Del Priori encontrou uma ideologia que retratava a mulher como a “santa mãe”. Logo, não havia espaço para o florescimento da sexualidade ou da autonomia feminina. As mulheres que contestavam esse caminho eram taxadas de pecadoras e, inques- tionavelmente, eram associadas a doenças de todo tipo. VOCÊ SABE RESPONDER? Qual era o papel reservado às mulheres na sociedade colonial? Todavia, várias mulheres excepcionais conseguiram se destacar na esfera social durante o período colonial. O historiador Luiz Mott explora uma dessas mulheres em Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil. UNIASSELVI 1 1 9 TEMA DE APRENDIZAGEM 6 No livro, Luiz Mott narra a vida de uma notável jovem africana que foi trazida ao Brasil como escrava no início do século XVIII. Ela enfrentou inúmeras adver- sidades, incluindo o abuso por parte do próprio senhor e a exploração forçada na prostituição. No entanto, por uma inspiração divina, ela conseguiu modificar completamente a própria vida, transformando-se em uma beata e mística. Apesar de enfrentar perseguições e punições das autoridades eclesiásticas, a figura de Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz foi amplamente reverenciada pela população do Rio de Janeiro no século XVIII. Além de fundar uma casa de re- colhimento para mulheres, ela também escreveu um tratado teológico intitulado Sagrada Teologia do Amor Divino das Almas Peregrinas. Entretanto, foi presa pela inquisição e enviada para Lisboa, onde morreu em 1771. O interessante é que Luiz Mott usa a história de vida de Rosa Egipcíaca como um meio para discutir a sociedade e as estruturas mentais coloniais, dialogando com o sistema escravista e multirracial do Brasil. A África na formação da sociedade brasileira A iniciativa governamental que incentivou o ensino sobre a História da África e da Cultura Afrobrasileira nas escolas promoveu uma revalorização dos estudos sobre a escravidão e da formação da cultura brasileira. A partir dos anos 2000, a historiografia brasileira tem destacado a problemá- tica dos hibridismos culturais, o que aprofundou o conceito de miscigenação, ao introduzir as noções de intermediários culturais e o fenômeno de mesti- çagem cultural. Esses conceitos proporcionaram avanços na análise étnica dos encontros e conflitos típicos da colonização brasileira, revelando as recriações culturais e sociais da diáspora. Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil o livro narra a história de Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz desde a chegada dela no Brasil, como escrava, ainda criança, até o processo de iluminação espiritual, quando a figura dela passa a ser cultuada principalmente no Rio de Janeiro. INDICAÇÃO DE LIVRO 1 1 1 Nessesentido, Charles Boxer (1981), por exemplo, apontou a existência de um conceito de raça entre os portugueses. Fortemente ligado à ideia de genealogia e ascendência familiar, esse conceito foi consagrado nos estatutos ibéricos como a limpeza de sangue. Originalmente, era destinado para eliminar ou limitar a participação dos judeus na sociedade, assim como de outras raças consideradas impuras (mouriscos e ciganos, por exemplo). Depois, nas colônias, estendeu-se aos negros e aos nativos. A revalorização da questão racial na história da colonização portuguesa do Brasil proporciona uma oportunidade para discutir aspectos de extrema importância e relacionados à estratificação social e às respectivas representações nos primeiros séculos da história do país. No Brasil Colonial, os indivíduos eram classificados com base na própria ascendên- cia: mamelucos, pardos, mulatos, crioulos (negros escravizados nascidos na colônia), boçais (africanos escravizados recém-chega- dos), mouriscos, cristãos novos, dentre outros. A ancestralidade sanguínea, mais do que a cor da pele, desempenhava um papel crucial na vida cotidiana da colônia. Essas classificações e diferenciações étnicas tiveram um impacto profundo na estrutura social e nas interações cotidianas do Brasil Colonial. O sociólogo Jessé de Souza é um grande estudioso da formação da sociedade brasileira. Um dos temas de estudo de Souza é a herança da escravidão, prin- cipalmente da escravização dos negros de origem africana. Nesse curto vídeo, você poderá conhecer a análise que Jessé de Souza realiza sobre as mazelas geradas pela escravidão que ainda permanecem vivas na sociedade brasileira. Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem. EU INDICO UNIASSELVI 1 1 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 6 NOVOS DESAFIOS Com as discussões que apresentei até aqui, você entrou em contato com os prin- cipais conceitos usados para interpretar a formação da sociedade colonial. Você também estudou as principais diferenças e aproximações entre as correntes inter- pretativas. Além disso, tomou conhecimento das bases históricas que fundamen- tam os conceitos dialógicos utilizados pela historiografia contemporânea. Você deve ser capaz de compreender que a sociedade colonial era diversi- ficada e composta por diferentes camadas sociais com origens e características específicas. Entretanto, como uma sociedade do Antigo Regime, havia um mo- delo estratificado e rígido de organização e controle social. Você também precisa reconhecer o papel da problematização da miscigenação. A abertura a novas chaves interpretativas e a utilização de diferentes fontes históricas abriu espaço para a visão da formação da sociedade colonial sob novas óticas, o que inclui a história das mulheres, das pessoas comuns, dos comerciantes e dos escravos. As características únicas da sociedade colonial foram formadas a partir da miscigenação étnica e cultural. Entretanto, o hibridismo que nasceu dessa mistu- ra nem sempre foi visto como positivo. Por muito tempo, houve um deliberado processo de branqueamento da sociedade e da história do Brasil. Para a sua atuação como professor(a), você deve ser capaz de assimilar a complexidade e a diversidade da sociedade colonial, fruto da mis- cigenação única. Isso permite uma abertura de temas para exploração em sala de aula e instiga os alunos a verem os personagens históricos como sujeitos na história, abrindo o leque de práticas de ensino e propostas pedagógicas. 1 1 1 VAMOS PRATICAR 1. Tradicionalmente, sobretudo por influência dos estudos de Gilberto Freyre, quando falávamos em família na Colônia logo vinha à mente o modelo patriarcal: o de uma família extensiva, constituída por parentes de sangue e afins, agregados e protegi- dos, sob a chefia indiscutível de uma figura masculina. A família patriarcal teve grande importância, marcando inclusive, como logo veremos, as relações entre sociedade e Estado. Mas ela foi característica da classe dominante, mais exatamente da classe dominante do Nordeste. Entre a gente de condição social inferior, a família extensiva não existiu, e as mulheres tenderam a ter maior independência, quando não tinham marido ou companheiro. Em Ouro Preto de 1804, por exemplo, considerando-se 203 unidades domésticas, apenas 93 eram encabeçadas por homens. FAUSTO, B. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1996. p. 43. A partir do que você estudou neste tema de aprendizagem e do texto de Boris Fausto, elabore um pequeno texto respondendo à seguinte questão: quais eram as principais características da sociedade colonial brasileira? Justifique a sua resposta. 2. Mas Estado e sociedade não são dois mundos estranhos. Pelo contrário, há um duplo movimento do Estado em direção à sociedade e desta em direção ao Estado. Esse movimento se caracteriza pela indefinição dos espaços público e privado. FAUSTO, B. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1996. p. 45. Uma das características da sociedade colonial era a mescla entre as esferas públicas e privadas. Considerando o conteúdo estudado, assinale a alternativa correta: a) De fato, havia uma separação rígida entre os espaços público e privado. b) Não existia uma interação entre Estado e sociedade colonial. c) Havia uma definição clara dos limites do Estado e da sociedade. d) Havia um movimento de mão dupla, uma relação dialética entre Estado e sociedade. e) Havia uma ausência completa de relações. 1 1 1 VAMOS PRATICAR 3. Se os séculos XVI e XVII foram marcados pela gestação e consolidação de uma elite senho- rial baseada na ocupação dos cargos da república e na participação nas principais ativida- des econômicas, o século XVIII verá o surgimento de uma nova elite colonial: a mercantil. SAMPAIO, A. C. J. A curva do tempo: as transformações na economia e na sociedade do estado do Brasil no século XVIII. In: FRAGOSO, J.; GOUVEIA, M. F. (org.). O Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017. v. 3. p. 290. Considerando a formação da elite colonial no Brasil durante o século XVIII, analise as afirmativas a seguir: I - O século XVIII foi marcado pela gestação e consolidação de uma elite senhorial ba- seada na participação dos comércios interno e externo. II - Durante os séculos XVI e XVII, a elite colonial se formou, ocupando, sobretudo, cargos políticos e exercendo atividades agroexportadoras, enquanto o século XVIII observou o surgimento de uma elite mercantil. III - A elite mercantil, que surgiu no século XVIII, baseava-se exclusivamente na ocupação dos cargos da república para consolidar o próprio poder. É correto o que se afirma em: a) I, apenas. b) III, apenas. c) I e II, apenas. d) II e III, apenas. e) I, II e III. 1 1 4 REFERÊNCIAS BOXER, C. O Império Colonial Português (1515-1825). Lisboa: Edições 70, 1981. FRAGOSO, J. L. R. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na Praça Mercantil do Rio de Janeiro, 1790-1830. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1992. FRAGOSO, J. L. R.; FLORENTINO, M. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantil no Rio de Janeiro, c. 1790-1840. Rio de Janeiro: Diadorim, 1993. FURTADO, J. F. Família e relações de gênero no Tejuco: o caso de Chica da Silva. Varia His- toria, Belo Horizonte, n. 24, p. 33-74, 2001. SOUZA, L. de M. e. Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII. São Paulo: Graal, 2004. 1 1 5 1. A sociedade colonial era bastante diversificada e complexa, porém algumas características podem ser destacadas pelo(a) aluno(a) na resposta. Ele(a) deve ser capaz de identificar que a exploração econômica baseada no trabalho escravo desempenhou um importante papel na formação da sociedade. Nesse aspecto, o(a) aluno(a) pode destacar o papel dos escra- vos africanos e indígenas. Também pode frisar que aquela era uma sociedade de Antigo Regime, portanto, era bastante estratificada, ou seja, havia uma estrutura social rígida. Vale ressaltar que a mobilidadeexistia, apesar de não ser a norma do sistema. Finalmente, é possível ressaltar os papéis da miscigenação, do sincretismo e do hibridismo cultural. 2. Opção D. Esta interpenetração se dá, por exemplo, pelo apadrinhamento dos amigos do rei, fruto da herança do Estado patrimonial português. Assim, tomando, por base, a solidariedade familiar das classes dominantes, elas buscam abrir caminho na máquina estatal ou receber graças dos governantes em prol dos seus. Resulta disso um governo que é exercido não de acordo com os padrões de impessoalidade e respeito à lei, mas segundo critérios de lealdade. As outras alternativas estão incorretas, pois afirmam que Estado e sociedade não mantinham relações ou que elas não existiam, o que é inverossímil. 3. Opção C. As afirmativas I e II estão corretas, pois dissertam sobre a formação de uma elite comercial no Brasil baseada nos comércios interno e externo. A afirmativa III está incorreta, pois confere poder exclusivamente à ocupação de cargos, excluindo o papel do comércio interno no enriquecimento da elite colonial. GABARITO 1 1 1 MINHAS ANOTAÇÕES 1 1 1 UNIDADE 3 MINHAS METAS SOCIEDADE COLONIAL TARDIA E AS CONTRADIÇÕES DAS IDEIAS DE AUTONOMIA POLÍTICA Compreender o contexto histórico do século XVIII e as transformações sociopolíticas e econômicas do Império Português. Refletir sobre as bases históricas das medidas de modernização e reestruturação dos sistemas colo- nial e imperial promovidas pelo Marquês de Pombal. Entender as principais características das políticas de reforma implementadas no Brasil Colonial. Conhecer as dinâmicas interpretativas que envolvem os processos de conscientização e mobilização de grupos sociais coloniais. Identificar as características das correntes historiográficas que analisam as transformações coloniais. Relacionar os fundamentos históricos dos movimentos insurgentes com as mudanças socioeco- nômicas e culturais da época. Diferenciar os conceitos de autonomia política, nacionalismo e consciência nacional. T E M A D E A P R E N D I Z A G E M 6 1 4 1 INICIE SUA JORNADA A história do Brasil Colonial é marcada por uma série de transformações so- ciais, econômicas e políticas que moldaram o desenvolvimento do país ao longo dos séculos. Desde as reformas implementadas no século XVIII até os movimentos de resistência que eclodiram no final desse período, o Brasil foi palco de uma interação complexa entre as demandas da metrópole, as aspirações das elites locais e as lutas das classes populares. Tiradentes é, hoje, considerado um herói nacional e a Inconfidência Mineira se tornou sinônimo de republicanismo e independência. Contudo, você sabe qual foi o verdadeiro papel de Tiradentes na organização do movimento? Ouça o pod- cast e acompanhe como a trama da Inconfidência Mineira aconteceu e o motivo pelo qual Tiradentes acabou sendo o mártir do movimento. Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem PLAY NO CONHECIMENTO As tentativas de modernização da estrutura do Im- pério Português promovidas na segunda metade do século XVIII trouxeram desafios e oportunidades para o Brasil Colonial. Nesse cenário, o protago- nismo de Marquês de Pombal, com políticas re- formistas, tornou-se evidente. As ações de Pombal objetivavam fortalecer a relação metrópole-colônia e reorganizar a estrutura econômica, promovendo a exploração dos recursos brasileiros e o estímulo à produção agrícola e manufatureira. A ascensão ao trono de D. José I e o governo de Pombal foram fundamentais para essas transformações. As riquezas minerais do Brasil desempenharam um papel crucial na geopolítica internacional, principalmente na relação entre Ingla- terra e Portugal. As medidas econômicas pombalinas, tais como as companhias monopolistas de comércio, buscavam reverter o declínio econômico e consolidar os interesses mercantis portugueses, equilibrando a relação comercial anglolusitana. Entretanto, essas mudanças também geraram tensões particulares. A socie- dade colonial começou a perceber a própria identidade distinta, surgindo gra- Entretanto, essas mudanças também geraram tensões particulares UNIASSELVI 1 4 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 6 dualmente a consciência de ser brasileiro. A Conjuração Mineira (1789) e a Conjuração dos Alfaiates (1798) representaram manifestações dessa busca pela autonomia e envolveram diferentes grupos sociais, tais como a elite, os militares e os negros libertos. Esses movimentos refletiam insatisfações com a opressão colonial, além de se relacionarem com acontecimentos externos, como a Revo- lução Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789-1799). Esses episódios de resistência e reivindicação de direitos apontam para a com- plexidade do período colonial brasileiro, dado que as transformações econômicas e políticas, muitas vezes, entraram em conflito com as aspirações das diferentes cama- das da sociedade. O Brasil Colonial testemunhou a interseção de interesses locais e globais, culminando em movimentos de contestação que contribuíram para a for- mação da identidade nacional e o início de um novo capítulo na história brasileira. VAMOS RECORDAR? Acompanhe o podcast Mitos Nacionais: da chegada de Cabral ao Brasil Con- temporâneo para entender melhor o processo de transformação dos mitos nacionais, principalmente dos personagens ligados ao período colonial. Re- cursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem DESENVOLVA SEU POTENCIAL UM PANORAMA DAS RELAÇÕES ENTRE BRASIL E PORTUGAL (1750 A 1808) No século XVIII, as nações ibéricas, em detrimento da pequena estatura geopo- lítica, enfrentaram um desafio premente: modernizar-se para garantir influência em um mundo cada vez mais competitivo. Tanto a Espanha quanto Portugal per- ceberam a necessidade de aprimorar a eficiência governamental e consolidar os 1 4 1 impérios para alcançar essa meta. Foi nesse contexto que a ascensão de D. José I (1714-1777) ao trono, em 1750, trouxe consigo um personagem crucial: Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal (1699-1782). As políticas dele desempenharam um papel decisivo ao longo do reinado, promovendo mudanças significativas no relacionamento entre Metrópole e Colônia. Ainda no governo de D. João V (1689-1750), Pombal serviu como ministro plenipotenciá- rio de Portugal na Inglaterra. Nesse contexto, Pombal apro- veitou para estudar de maneira aprofundada as razões que sus- tentavam a superioridade naval e comercial britânica. Foi nesse momento que Pombal come- çou a perceber o papel crucial desempenhado pelo Brasil. Uma das observações mais impactantes de Pombal foi a de que a maior parte do capital gerado pelas minas de ouro do Brasil estava sendo direcio- nada para a Inglaterra, o que a proporcionava os meios para desenvolver a poderosa marinha e as indústrias dela. A análise de Pombal revelou uma verdade: a prosperidade de Portugal estava diretamente ligada às flutuações da economia colonial. O ouro, o fumo e o açúcar brasileiros constituíam a base do complexo sistema comercial do Atlântico Sul. O açúcar e o fumo eram elementos lucrativos, sendo reexportados para a Espanha, enquanto o ouro desempenhava um papel crucial no equilíbrio do comércio e no financiamento de importações essenciais. Começou a perceber o papel crucial desempenhado pelo Brasil UNIASSELVI 1 4 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 6 Nesse cenário, o Tratado de Methuen, estabelecido em 1703, era demasiadamente vantajoso para a Inglaterra. Com o passar do tempo, esse acordo começou a favorecer desproporcionalmente a Inglaterra. Além disso, a entrada maciça de ouro e diamantes brasileiros exacerbou ainda mais o desequilíbrio do comércio entre os dois países. Você sabe o que foi o Tratado de Methuen? Também conhecido como Tratado de Panos e Vinhos, o tratado regulamentou as relações comerciais entre Por- tugal e Inglaterra, permitindo o comércio de panos ingleses em Portugale de vinhos portugueses na Inglaterra. Esse acordo foi parte das negociações que levaram Portugal à Grande Aliança na Guerra de Sucessão Espanhola. O nome advém de John Methuen, o negociador inglês do tratado. PENSANDO JUNTOS Novas prioridades do reinado de D. José I O reinado de D. José I trouxe consigo uma série de transformações que mol- daram as prioridades do governo português em relação às próprias colônias, especialmente o Brasil. Uma das primeiras medidas da nova administração foi a reestruturação dos métodos de fiscalização da produção aurífera no Brasil. A coroa acolheu a proposta, originada em 1734 pelas câmaras municipais de Minas Gerais, que estabelecia uma contribuição mínima de 100 arrobas de ouro por ano. Esse recolhimento seria assegurado pelas próprias câmaras municipais, responsáveis pelo lançamento de um tributo local per capita chamado derrama, a fim de cobrir eventuais déficits. Para concretizar essa reforma, foram estabelecidas as Casas de Fundi- ção, que passaram a recolher o ouro. O decreto real que introduziu esse novo sistema foi precedido por medidas vigorosas de controle do contrabando, ao mesmo tempo em que incentivava a colaboração das autoridades locais. Em 1752, as Casas de Fundição já estavam em pleno funcionamento e, ao longo da década seguinte, essa reforma na coleta do quinto rendeu à Fazenda uma média anual de 104 arrobas de ouro. 1 4 4 Paralelamente, o governo passou a focar na proteção do comércio e dos pro- dutores dos principais itens de exportação brasileiros: o fumo e o açúcar. Essa abordagem visava não apenas garantir o fluxo desses produtos, mas também fortalecer a economia colonial como um todo. Neste vídeo, Paulo Rezzutti faz um apanhado sobre as histórias do fumo e do café e a relação desses itens com a história do Brasil. Recursos de mídia dis- poníveis no conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem EU INDICO UNIASSELVI 1 4 5 TEMA DE APRENDIZAGEM 6 Os produtos essenciais para o sistema comercial luso-brasileiro (açúcar, fumo e ouro) foram protegidos por regulamentações legais e os interesses já estabelecidos foram defendidos. Além disso, casas de inspeção foram criadas para controlar os preços dos produtos fundamentais na colônia. O novo papel dos povos indígenas e o conflito com os jesuítas A administração pombalina foi a responsável pelo estabelecimento de um conceito fundamental para o futuro do território da América Portuguesa: a segurança da co- lônia deveria ser assegurada por meio da libertação e da europeização dos indígenas. Todavia, a assimilação e a europeização pacífica dos índios, especialmente a dos missioneiros, aqueles mantidos nas missões jesuíticas, mostraram-se uma empreitada desafiadora. VOCÊ SABE RESPONDER? Por que a assimilação dos povos indígenas era fundamental para a manutenção das fronteiras do Brasil Colonial? O conflito com os jesuítas era quase inevitável, dado o esforço do governo em povoar e explorar o vasto território do Brasil utilizando os povos indígenas como agentes colonizadores. A posição estratégica das missões jesuítas nos rios Ama- zonas, Uruguai e Paraguai, pontos cruciais do sistema imperial, colocava-os em rota de colisão com as prioridades imperiais do momento. Uma das medidas mais controversas da administração de Pombal foi a expulsão dos jesuítas de Portugal e dos respectivos domínios em 1759, acompanhada pelo confisco de bens. Essa ação se alinhava com o esforço de centralizar a adminis- tração portuguesa e evitar que ordens religiosas atuassem de forma autônoma, com objetivos divergentes da Coroa. 1 4 1 Para Pombal, a prosperidade na Amazônia, por exemplo, exigia a privação dos jesuítas do controle absoluto sobre a mão de obra indígena. Para atingir isso, uma estratégia era a criação de uma companhia monopolista que fornecesse mão de obra africana, reduzindo a dependência da escravidão indígena e diminuindo a influência jesuíta. O Diretório dos Índios, implementado a partir de 1757, transformou os aldeamentos indígenas em vilas administradas por agentes públicos, e não mais por religiosos. Essa medida emancipou os índios aldeados, equiparando-os aos outros habitantes do Brasil. A política buscava integrar os indígenas à sociedade colonial, incentivando a mestiçagem e a adoção de padrões de trabalho europeus. Por outro lado, proibia o uso das línguas nativas deles. Um interessante resumo sobre o Diretório dos Índios pode ser visto no site Memória da Administração Pública Brasileira, do Arquivo Nacional. Além do re- sumo, você pode consultar documentos históricos diretamente ligados a esse período. Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem EU INDICO As medidas de Pombal contra as ordens religiosas faziam parte de uma estratégia de subordinação da Igreja ao Estado português, sem provocar conflitos diretos com o Papa. A Igreja, por sua vez, aceitou a expulsão dos jesuítas e, em 1773, o Papa Clemente XIV extinguiu a Companhia de Jesus. As companhias monopolistas de comércio A criação da Companhia do Comércio do Grão-Pará e Maranhão, em 7 de junho de 1755, introduziu o monopólio de navegação e do tráfico de escraviza- dos. Essa medida não apenas atendia às necessidades estratégicas delineadas por Pombal, mas também lançava as bases para uma transformação mais profunda no papel dos indígenas e das relações comerciais entre a colônia e a metrópole. UNIASSELVI 1 4 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 6 A introdução da companhia monopolista provocou reações intensas por parte dos negociantes ingleses em Lisboa, que viam sua influência e vantagens amea- çadas por essa nova configuração comercial. Nessa mesma direção, Pombal criou a Companhia de Comércio de Per- nambuco e Paraíba, que tinha como objetivo impulsionar o progresso dos en- genhos de açúcar. Essa medida visava não apenas estimular o desenvolvimento econômico local, mas também fortalecer a posição do comércio interno. Você pode consultar diretamente o documento de instituição da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, pertencente ao acervo da Biblio- teca Nacional do Brasil. Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem EU INDICO COMPANHIAS MONOPOLISTAS São empresas detentoras do privilégio exclusivo de determinadas atividades comerciais, mercadorias ou produtos de determinada região. GRÃO-PARÁ E MARANHÃO A Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão foi criada em 1755 com o monopólio do comércio de escravizados e do transporte marítimo de produtos. PERNAMBUCO E PARAÍBA A Companhia de Comércio de Pernambuco e Paraíba, entre 1759 e 1780, deteve o monopólio das operações comerciais transatlânticas entre a capitania de Per- nambuco e as áreas circunvizinhas. 1 4 8 A participação dos membros da plutocracia colonial nos órgãos administrativos, fiscais e nas companhias de comércio foi um traço característico das reformas promovidas por Pombal no Brasil. Essa inclusão visava trazer a elite comercial para mais perto do poder e envolvê-la diretamente na implementação das polí- ticas governamentais, fortalecendo, assim, a relação entre o Estado e os setores econômicos mais influentes. Cenário internacional O programa econômico implementado por Pombal, apesar das intenções ambiciosas, encontrou dificuldades significativas devido a uma série de fa- tores internos e externos. A crise do açúcar e a subsequente queda na produção de ouro a partir de 1760 foram os principais catalisadores da depressão econômica do Brasil. O im- pacto dessas crises foi agravado pelas despesas extraordinárias da Metrópole, ne- cessárias para reconstruir Lisboa após o devastador terremoto de 1755 e sustentar conflitos armados contra a Espanha pela posse da vasta região que se estendia do Sul de São Paulo até o Rio da Prata. UNIASSELVI 1 4 9 TEMA DE APRENDIZAGEM 6 Figura 1 – Retrato do Marquês de Pombal e a cidade de Lisboa Fonte: http://acervo.museudelisboa.pt/multimediaNET/EGEAC/2019/09/web/114082.jpg.Acesso em: 26 set. 2023. Descrição da Imagem: trata-se de um óleo sobre tela que apresenta Marquês de Pombal em primeiro plano. Pombal é um senhor na faixa dos sessenta anos com rosto fino e esguio. Ele tem a pele muito branca e está sentado em uma poltrona com trajes típicos dos nobres do século XVIII. Além disso, tem cabelos grandes, enro- lados e brancos. Veste uma blusa branca por baixo de um casaco cinza, calças até os joelhos, meiões brancos e sapatos sociais pretos com detalhes brilhantes. No peito carrega a Ordem de Cristo na cor vermelha. Na sala em que Pombal está, encontram-se vários planos, desenhos, estudos e plantas de edifícios reconstruídos por causa do Terremoto de Lisboa e novos projetos, como o Real Colégio dos Nobres. Ao lado esquerdo de Pombal, no fundo da sala, está uma maquete da estátua equestre de Dom José I. A sala se abre para um grão vão, que mostra o rio Tejo, cheio de pequenas e grandes embarcações, com pessoas embarcando e desembarcando dos navios. Também há um retrato do fluxo naval do rio. No lado direito da cena de fundo, está a Torre de Belém, que protege a foz do rio Tejo, e o Mosteiro dos Jerônimos. As ações das potências europeias em diferentes partes do mundo impactaram diretamente as Américas, sublinhando a importância de uma diplomacia habi- lidosa e de uma posição forte para proteger os interesses coloniais. Em última análise, o cenário internacional exerceu uma influência significativa sobre as políticas e as circunstâncias nas Américas Portuguesas durante esse período. 1 5 1 As tensões do sistema colonial O declínio abrupto na produção mineral teve implicações profundas e desesta- bilizadoras para o sistema colonial. Por outro lado, esse cenário econômico abriu um terreno fértil para o desenvolvimento industrial. O impacto foi sentido na balança comercial com os ingleses, resultando em um comércio mais equilibrado entre as duas nações. Além disso, a crescente reexpor- tação de algodão reconfigurou os termos do intercâmbio comercial com outros países europeus, notadamente, a França. Esse momento proporcionou o florescimento de uma elite mercantil e indus- trial que não ficou contida na metrópole. A Companhia do Grão-Pará e Mara- nhão, por exemplo, mantinha uma fábrica de tecidos no Pará, exemplificando a expansão dos empreendimentos industriais na colônia. Na capitania de Minas Gerais, o governador Antônio de Noronha, em carta para o Conselho Ultramarino, em 1775, apontou o notável cres- cimento de muitos estabeleci- mentos fabris. Esse fato, dizia o governador, poderia até amea- çar o pacto colonial, afinal, as manufaturas promoviam a independência dos habitantes em relação aos produtos euro- peus (MAXWELL, 2005). Reformas e tensões na era pós-pombalina Entre 1777 e 1808, a Coroa Portuguesa persistiu em suas tentativas de pro- mover reformas, buscando se adaptar às novas circunstâncias e preservar o sistema colonial mercantilista. O reinado de Dona Maria I (1734-1816) e do Príncipe Regente Dom João (1767-1826) contrastou com o período anterior, pois se beneficiou de UNIASSELVI 1 5 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 6 um contexto propício à revitalização das atividades agrícolas na Colônia. A produção de açúcar, valorizada e ampliada devido à insurgência de escravos na ilha caribenha de São Domingos, ganhou destaque nesse período. Além disso, o cultivo do algodão floresceu, impulsionado pela companhia de comércio pom- balina, e houve a quebra da produção das trezes colônias, por conta da guerra de independência dos Estados Unidos. D. MARIA I Sinopse: o livro é uma biografia da rainha D. Maria I, que ficou conhecida como “a louca”. A historiadora Mary del Priori faz um interessante resgate da vida da monarca, desde a infância até a morte dela, que aconteceu no Brasil em 1816. Tentando desconstruir mitos em torno da figura da monarca, o livro traz uma leitura histórica profunda e humana de Dona Maria. INDICAÇÃO DE LIVRO Enquanto isso, na década de 1780, as tensões internas dentro do sistema colonial começaram a aumentar, gerando divergências crescentes. A política colonial, cada vez mais rígida e caracterizada por um neomercantilismo, entrou em conflito com o crescente entusiasmo dos brasileiros pelo exemplo vitorioso da revolução colonial norte-americana. Essa conjuntura reduziu consideravelmente as possi- bilidades de evitar uma crise nas relações entre a metrópole e a colônia. As décadas que antecederam o século XIX foram marcadas por um jogo complexo de interesses e conflitos, à medida que o sistema colonial enfrentava desafios internos e externos. As aspirações dos brasileiros por maior autonomia e uma política colonial mais flexível se chocaram com a postura rígida e neomer- cantilista da Coroa Portuguesa, delineando um período crucial que pavimentou o caminho para os eventos transformadores que estavam por vir. 1 5 1 UM BRASIL INDEPENDENTE? Contradições das ideias de autonomia política Os eventos relacionados às várias conspirações do século XVIII, como a Inconfidência Mineira (1788-89) e a Baiana (1798), sugerem uma sequência de conscientização e radicalismo crescente, os quais são refletidos nas propos- tas e nos discursos dos protagonistas, além da ampliação dos grupos sociais envolvidos (FURTADO, 2006). De fato, a interação e a circulação de ideias entre esses eventos foram bastante limitadas, assim como a mobilidade dos indivíduos envolvidos e a diversidade de agentes participantes. As diferenças entre mineiros e baianos, por exemplo, são mais acentuadas do que as semelhanças. Enquanto a maioria dos mineiros defendia positivamente as instituições do Antigo Regime português, desde que moderados os excessos do absolutismo, os baianos pareciam se inspirar nas transformações recentes que estavam ocorrendo na França. Cabe lembrar que, no século XVIII, a dinâmica entre elite e povo não se desenvol- via da mesma maneira como nas democracias modernas. Na realidade do Antigo Regime do século XVIII, o povo era um conjunto relativamente heterogêneo e in- definido, em que ricos e pobres, por vezes, uniam-se contra o Estado e a nobreza, especialmente em relação aos excessivos impostos. Nesses casos, era comum que os pobres buscassem a liderança e a proteção simbólica dos ricos. A formação da consciência nacional brasileira foi um processo complexo, influen- ciado por fatores sociais, políticos e culturais diversos, e não pode ser reduzida a uma única causa ou evento. O surgimento gradual dessa consciência reflete a complexida- de das relações coloniais e a evolução das percepções identitárias ao longo do tempo. Os colonos começam a tomar consciência das oposições de interesse, a assimilar ideias revolucionárias que conduzem a atitudes não só de inovação, mas até aber- tamente de contestação (NOVAIS, 1986). UNIASSELVI 1 5 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 6 INCONFIDÊNCIA MINEIRA A Inconfidência Mineira foi diretamente influenciada pelas características da sociedade regional e pelos agravamentos dos respectivos problemas nos últimos vinte anos do século XVIII. “ [...] por todo o século XVIII, as Minas se viram às voltas com levantes e sedições e sua formação social densa mantinha os governantes e os pode- rosos em constante sobressalto. Com o avançar do século, a insatisfação se enraizou no cotidiano, manifestando-se na proliferação dos quilom- bos e nas andanças desordenadas de desocupados (SOUZA, 1989, p. 35). Nesse período, a sociedade de Minas Gerais havia entrado em um período de declínio, marcado pela contínua queda na produção de ouro e pelas medidas implementadas pela Coroa Portuguesa para assegurar a arrecadação do quinto. Ao examinarmos mais detalhadamente a história pessoal dos inconfidentes, per- cebemos que eles tinham razões particulares para o descontentamento. A maioria dos inconfidentes fazia parte da elite colonial, composta por mi- neradores, fazendeiros, padres envolvidos em negócios, funcionários, advogados respeitados e atéum alto oficial militar, o comandante dos Dragões, Francisco de Paula Freire de Andrade. Todos esses indivíduos possuíam ligações com as autori- dades coloniais na capitania e, em alguns casos, ocupavam cargos na magistratura. José Joaquim da Silva Xavier, conhecido como Tiradentes, era, em parte, uma exceção. Ele teve uma vida marcada por desvantagens, perdendo propriedades devido a dívidas e falhando em suas tentativas comerciais. Em 1775, ele entrou na carreira militar no posto inicial de alferes e, nas horas vagas, praticava a profissão de dentista, o que lhe rendeu o apelido de “Tiradentes”. Em 1788, uma conspiração começou a tomar forma, impulsionada pela ex- pectativa do lançamento da derrama: um imposto a ser pago por cada habitante da capitania para completar a arrecadação do quinto. No entanto, esse plano não chegou a ser colocado em prática. Em março de 1789, o governador Visconde de Barbacena suspendeu a derrama, enquanto Silvério dos Reis denunciava os conspiradores. Silvério, que também devia à Coroa, decidiu trair os próprios colegas para escapar dos próprios problemas. 1 5 4 A partir desse ponto, a Coroa iniciou uma encenação para demonstrar a auto- ridade e desencorajar as futuras rebeliões. Uma carta de clemência da rainha D. Maria I transformou todas as penas em banimento, exceto para Tiradentes. Em 21 de abril de 1792, Tiradentes foi enforcado, seguindo um ritual típico das exe- cuções do Antigo Regime. O corpo de Tiradentes foi retalhado e a cabeça dele foi exposta na praça principal de Vila Rica. Conjuração dos Alfaiates ou Inconfidência Baiana A Conjuração dos Alfaiates foi um movimento de resistência organizado na Bahia, em 1798, protagonizado por indivíduos das classes sociais marcadas pela cor e pela condição social, como mulatos e negros livres ou libertos. A maioria deles estava envolvida em profissões urbanas, como artesãos e soldados, sendo destacados vários alfaiates, que deram nome à conspiração. Mesmo entre os brancos envolvidos, a ori- gem popular predominava, com exceção notável do médico Cipriano Barata. VOCÊ SABE RESPONDER? Você sabe quais eram as motivações dos inconfidentes mineiros? Por que eles estavam descontentes com as medidas das autoridades reais? Ser Republicano no Brasil. Sinopse: a historiadora Heloísa Starling faz um incrível apanhado da tradição republicana na história do Brasil Colonial. Com uma densa obra de história intelectual, Starling resgata inúmeras re- voltas que dialogam com os conceitos republicanos, dentre elas, a Conjuração Baiana, que ela chama de República Bahiense. INDICAÇÃO DE LIVRO UNIASSELVI 1 5 5 TEMA DE APRENDIZAGEM 6 O contexto da conspiração está ligado ao cenário geral de rebeliões que surgiram no final do século XVIII, relacionando-se também com as difíceis condições de vida da população em Salvador. A escassez de alimentos e os altos preços geraram diversos motins na cidade entre 1797 e 1798. Os conspiradores almejavam a proclamação de uma República, o fim da es- cravidão, o livre comércio, o aumento dos salários dos militares e a punição de padres contrários à liberdade. Embora o movimento não tenha sido concretizado, além de alguns panfletos lançados e várias articulações, o governo iniciou prisões e obtenção de delações. Quatro dos líderes foram enforcados e esquartejados, enquanto os outros receberam penas de prisão ou banimento. A severidade das punições foi desproporcional à gravidade das ações e às chances de sucesso dos conspiradores. Essa dureza pode ser explicada pela ori- gem social dos acusados e por diversas circunstâncias, incluindo o temor de rebeliões de negros e mulatos. A insurreição de escravizados na ilha de São Do- mingos, colônia francesa nas Antilhas, iniciada em 1791 (que só terminaria em 1801, com a criação do Estado independente do Haiti), estava em pleno curso. Além disso, a Bahia enfrentava crescentes motins de negros, uma situação alarmante tanto para a Coroa quanto para a elite colonial, considerando que a população de cor (negros e mulatos) correspondia à maioria da população da capitania. A Conjuração dos Alfaiates representou um episódio significativo de resistência popular e um reflexo das tensões sociais e políticas da época. Assista ao vídeo preparado para você saber mais sobre a sociedade colonial tardia e as contradições das ideias de autonomia política. Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem EM FOCO 1 5 1 NOVOS DESAFIOS Com as discussões que apresentei até aqui, você entrou em contato com os princi- pais conceitos utilizados para interpretar a sociedade colonial tardia e as contra- dições das ideias de autonomia política. Além disso, você tomou conhecimento das bases históricas que fundamentam os conceitos de reformas pombalinas, insurgências, como a Inconfidência Mineira e a Conjuração dos Alfaiates, e as di- nâmicas de transformação econômica e social que permearam o cenário colonial. Você deve ser capaz de compreender que as mudanças políticas e econômicas do século XVIII, impulsionadas por figuras, como Marquês de Pombal, provoca- ram tensões e questionamentos sobre a relação entre as colônias e a metrópole. Essas tensões se refletiram nas insurgências e nos movimentos que buscavam maior autonomia política e econômica. Você também deve reconhecer o papel da problematização das bases do sistema colonial, em que os anseios de liberdade, igualdade e autonomia con- trastavam com a manutenção de estruturas sociais e econômicas desiguais e opressivas. As características das diferentes revoltas, como a Inconfidência Mineira e a Conjuração dos Alfaiates, refletem a diversidade de contextos e interesses presentes na sociedade colonial. Entretanto, as idiossincrasias da América Lusa proporcionaram o sur- gimento de mecanismos dialéticos que progressivamente fundamentaram a constituição de um Brasil independente. A luta por autonomia política e a contestação das práticas coloniais plantaram sementes que floresceriam no processo de independência do Brasil. Para a sua atuação como professor(a), você deve explorar esses temas em sala de aula, fomentando o debate e a reflexão crítica dos estudantes. Isso permite uma abertura de temas para a exploração em sala de aula e instiga os alunos a verem os personagens históricos como sujeitos na história, abrindo o leque de práticas de ensino e propostas pedagógicas. Ao abordar as nuances e as contradições do período colonial, você estará capacitado(a) a despertar o interesse dos alunos pelo estudo da história e a incentivá-los a refletir sobre as transformações que moldaram o Brasil e a respectiva identidade como nação. UNIASSELVI 1 5 1 VAMOS PRATICAR 1. No Brasil, a consolidação do domínio português nas fronteiras do Norte e do Sul pas- sava, segundo Pombal, pela integração dos índios à civilização portuguesa. Se não se contasse com uma população nascida no Brasil identificada com os objetivos lusos, seria inviável assegurar o controle de vastas regiões semi despovoadas. FAUSTO, B. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1996. p. 69. Tendo, como base, o enunciado e o que você aprendeu, qual foi a medida que regulamen- tou a introdução dos povos originários como membros efetivos do Império português? Assinale a alternativa correta: a) A expulsão dos Jesuítas em 1759. b) O apresamento de índios. c) O estímulo às missões. d) O Diretório dos Índios de 1757. e) A Guerra Justa contra os indígenas. 2. Nas três últimas décadas do século XVIII, um punhado de colonos, especialmente em Minas e na Bahia, fixou o uso desse termo em definitivo e tratou de alterar a natureza e o papel das revoltas que protagonizou. Esses colonos transformaram a ambição pela autonomia e o desejo de autogoverno em um novo tipo de rebelião, ao qual deram o nome de Conjuração: forma específica de conspiração política em que os participantes estão dispostos a contestar o poder do rei e a autoridade da Coroa. SCHWARCZ,L. M.; STARLING, H. M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Cia das Letras, 2015. Considerando a modernização e os movimentos de resistência no Brasil Colonial, analise as afirmativas a seguir: I - As políticas reformistas de Pombal visavam consolidar o domínio absoluto da Coroa Portuguesa sobre as colônias, restringindo qualquer forma de autonomia local. II - A Conjuração dos Alfaiates na Bahia, em 1798, envolveu principalmente a elite co- lonial, que buscava o estabelecimento de uma monarquia absolutista independente de Portugal. III - Os movimentos de resistência no Brasil Colonial, como a Conjuração Mineira, foram influenciados pelas transformações políticas externas, como a Revolução Americana, que inspirou a busca por autonomia e identidade própria. 1 5 8 VAMOS PRATICAR É correto o que se afirma em: a) I, apenas. b) III, apenas. c) I e II, apenas. d) II e III, apenas. e) I, II e III. 3. O novo reinado e a proeminência do futuro Marquês de Pombal tinham-se revelado um cauteloso e constante desafio à influência e ao domínio ingleses, visando estabe- lecer um relacionamento mais equilibrado entre os dois aliados. Carvalho e Melo, com diversas técnicas, tentou corrigir a posição semicolonial em que Portugal se situara em relação à Inglaterra. MAXWELL, K. A devassa da devassa. A Inconfidência Mineira: Brasil e Portugal 1750- 1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. p. 45. Qual foi o principal objetivo das políticas reformistas de Marquês de Pombal no Brasil Colonial durante o século XVIII? Assinale a alternativa correta: a) Promover a independência das colônias americanas. b) Expandir o território colonial a partir de conquistas militares. c) Fortalecer os laços culturais entre Portugal e as respectivas colônias. d) Reorganizar a estrutura econômica e fortalecer a exploração dos recursos brasileiros. e) Estabelecer um sistema de governo democrático nas colônias. 1 5 9 REFERÊNCIAS FURTADO, J. P. Das múltiplas utilidades das revoltas: movimentos sediciosos do último quar- tel do século XVIII e sua apropriação no processo de construção da nação. In: MALERBA, J. (org.). A independência brasileira: novas dimensões. Rio de Janeiro: FGV, 2006. p. 99-121. MAXWELL, K. A devassa da devassa. A Inconfidência Mineira: Brasil e Portugal 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. NOVAIS, F. A. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). São Paulo: Hucitec, 1986. SOUZA, L. de M. e. Ricos, os pobres e a revolta nas minas do séc. XVIII (1707-1789). Análise & Conjuntura, Belo Horizonte, v. 4, 1989. 1 1 1 1. D . Em 1757, entrou em vigor o Diretório dos Índios, que continha a legislação elaborada pela Coroa Portuguesa para integrar os indígenas na sociedade colonial, diminuir o poder je- suíta e estimular o aumento populacional. As demais alternativas estão incorretas, pois apresentam movimentos agressivos em relação aos povos originários, como a Guerra Justa e o apresamento. As missões eram aldeamentos chefiados pelos jesuítas que foram abolidas durante o reinado de D. José I, que também expulsou essa ordem religiosa de todos os domínios de Portugal, em 1759. Nesse ponto, a questão indígena era apenas uma das outras questões que envolviam o trabalho dos jesuítas no Império. 2. B . A afirmativa I está incorreta, pois as políticas reformistas de Pombal buscavam reorganizar a economia e fortalecer a exploração dos recursos brasileiros, mas não necessariamente consolidar o domínio absoluto da Coroa. A afirmativa II está incorreta, pois a Conjuração dos Alfaiates envolveu principalmente grupos sociais, como mulatos, negros livres ou libertos e alguns escravos, e não apenas a elite colonial. A afirmativa III está correta, pois os movimentos de resistência foram influenciados por transformações políticas externas, como a Revolução Americana, que inspirou a busca por autonomia e identidade própria. 3. D . A alternativa D é a correta, pois descreve corretamente o objetivo das reformas de Marquês de Pombal, que visavam reorganizar a economia colonial e fortalecer a exploração dos recursos brasileiros para beneficiar a metrópole. De forma alguma o governo de Pombal tentou promover um governo democrático ou incentivar a independência das colônias, assim como afirmam as alternativas A e E. Certamente, o objetivo das reformas do go- verno de Pombal era fortalecer os laços coloniais, mas não com objetivos culturais, assim como afirma a alternativa C. GABARITO 1 1 1 MINHAS ANOTAÇÕES 1 1 1 MINHAS ANOTAÇÕES 1 1 1 MINHAS METAS DA PERIFERIA PARA O CENTRO: O BRASIL COMO SEDE DO IMPÉRIO ULTRAMARINO PORTUGUÊS Compreender a mudança da Corte Portuguesa para o Brasil. Refletir sobre a transferência da Corte, incluindo as Guerras Napoleônicas e a fragilidade do Império português. Entender as transformações surgidas a partir da família real, incluindo as mudanças políti- cas e econômicas. Conhecer as dinâmicas interpretativas desse momento, os diferentes pontos de vista e a análise dessa fase por diferentes historiadores. Identificar as características das correntes historiográficas sobre a transferência da Corte, destacando o papel da Grã-Bretanha, as mudanças econômicas e os impactos socioculturais. Relacionar os fundamentos históricos da transferência da Corte com os contextos internacionais. Definir o papel da influência britânica no Brasil e entender como isso moldou a relação entre os dois impérios. T E M A D E A P R E N D I Z A G E M 8 1 1 4 INICIE SUA JORNADA No tumultuado cenário do início do século XIX, uma decisão de proporções monumentais mudaria, de forma decisiva, as relações entre Brasil e Portugal. O motor dessa virada histórica foi a ambição territorial de Napoleão , que almejava redesenhar o mapa europeu sob os desígnios franceses. Diante do desastre da batalha de Trafalgar (1805), em que os britânicos conseguiram repelir a marinha francesa, destruindo-a, Napoleão optou por continuar a guerra contra a Inglaterra pela via comercial. Em 1806, decretou o bloqueio continental ao comércio inglês e Portugal se viu encurralado entre a pressão francesa e a aliança política e comercial com os britânicos . O dilema de Portugal desencadeou uma série de tratados, alianças e peque- nos conflitos, frutos da tentativa portuguesa de manter o status de país neutro. Internamente, ministros e conselheiros reais debatiam o apoio à França ou à In- glaterra. Em agosto de 1807, Napoleão enviou um ultimato ao príncipe regente D. João, exigindo a adesão ao bloqueio, a declaração de guerra contra os ingleses e o confisco dos bens e a prisão dos britânicos em solo lusitano. O não cumprimento resultaria na invasão francesa e na queda da dinastia de Bragança. Diante do dilema existencial, D. João recorreu ao próprio Conselho de Estado, em que as facções opostas se enfrentaram. O “partido francês”, liderado por Antônio de Araújo e Azevedo, o Conde da Barca, apoiava uma aliança com Napoleão, aos moldes do que a Espanha de Carlos IV tinha feito. O lado “inglês”, liderado por D. Rodrigo de Sousa Coutinho, o Conde de Linhares, defendia a guerra de resistência e a mudança da corte para o Brasil. Você sabe o que foi a Convenção Secreta assinada em 1807 entre Portugal e In- glaterra? Esse foi o documento que concretizou a transferência da família real para o Brasil. Ouça o podcast para descobrir o contexto e os principais pontos dessa convenção que mudou radicalmente a posição do Brasil na geopolítica mundi- al. Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem. PLAY NO CONHECIMENTO UNIASSELVI 1 1 5 TEMA DE APRENDIZAGEM 8 Com a invasão francesa iminente, a transferência da família real se cristalizou como a única opção. Na madrugada de 29 de novembro de 1807, a corte partiu para o Brasil, poucas horas antes de as tropas francesas, lideradas pelo general Junot, alcançarem Lis- boa. O evento dramático, no entanto, carregava uma complexidade maior. A transferên- ciada corte era fruto de uma intrincada história de interesses e conexões transatlânticas . A chegada da corte à cidade do Rio de Janeiro foi um evento histórico sem precedentes. Pela primeira vez, o centro do poder monárquico foi transferido para a colônia . Isso trouxe profundas implicações para a política e a estrutura do Império Luso-Brasileiro. A inversão brasileira é vista como um divisor de águas político e institucional fundamental para entender a busca pela autonomia e independência do Brasil. “Com efeito, a vinda da Corte provocou a subversão dos papéis. A Terra de Santa Cruz transmutou-se de colônia em metrópole, fenômeno histórico que Sílvio Romero denominou inversão brasileira” (GUIMARÃES, 2011, p. 129, grifo nosso). O Rio de Janeiro emergiu como um novo epicentro de poder. Essa mudança levanta uma questão crucial: até que ponto essa nova estrutura representou uma ruptura com o passado colonial? A nova autoridade central instaurada no Rio de Janeiro permitiu o desenvolvimento da autonomia dos domínios coloniais, estabelecendo um novo paradigma político, jurídico e institucional. A partida da Corte Portuguesa para o Brasil não apenas marcou um ponto de virada na relação entre a metrópole e a colônia, mas também inaugurou uma nova fase de redefinição de poder e autonomia . Esse evento complexo continua a ecoar nas narrativas históricas, iluminando as nuances do processo de construção da nação brasileira e do relacionamento dela com a geopolítica global. Inaugurou uma nova fase de redefinição de poder e autonomia O centro do poder monárquico foi transferido para a colônia VAMOS RECORDAR? Para aprofundar a sua compreensão sobre os papéis de Portugal e de D. João VI no intricado jogo geopolítico que levou à transferência da Corte para o Brasil, assista à conferência do professor José Jobson de Andrade Arruda, intitulada Sob a tutela inglesa. https://youtu.be/hquutX6LbVM 1 1 1 A DELICADA POSIÇÃO DE PORTUGAL NO TEATRO EUROPEU O ano de 1806 marcou o acirramento da luta de Napoleão contra a Inglaterra com a assinatura do Decreto de Berlim, que impunha um bloqueio às ilhas britânicas, incluindo qualquer contato, comercial, ou não. Essa decisão desenca- deou uma luta pelo controle dos últimos portos neutros e das frotas ancoradas. O Decreto de Berlim, promulgado por Napoleão Bonaparte em 21 de novembro de 1806, introduziu a política conhecida como Bloqueio Continental durante o reinado. Essa diretriz tinha como principal objetivo proibir a entrada de navios provenientes da Grã-Bretanha e da Irlanda nos portos das nações sob o domí- nio do Primeiro Império Francês (1804-1814). Dessa forma, Napoleão almejava en- fraquecer a economia britânica e isolar a própria influência, consolidando o poder da França na Europa continental. APROFUNDANDO Os países que ainda mantinham um status de neutralidade eram Portugal, Suécia e Dinamarca. Dos três, os mais importantes eram Portugal e Dinamarca. Por isso, em 1807, os ingleses fizeram um ataque preventivo ao porto de Copenhague, destruindo a infraestrutura e capturando a frota dele (ARRUDA, 2022). Com o conflito entre as grandes potências em efervescência, os olhos do mundo se voltaram para Lisboa, um porto estratégico no Atlântico que se mostrava crucial para a navegação mercante britânica. VOCÊ SABE RESPONDER? Você sabe o motivo pelo qual o porto de Lisboa era estratégico para o comércio marítimo inglês? UNIASSELVI 1 1 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 8 Portugal se viu em uma posição delicada. Os portos marítimos eram estrategi- camente situados para o comércio atlântico e desempenhavam um papel vital para os britânicos como ponto de acesso à Europa, além de serem um ponto-chave do Império portu- guês , um centro de compensação para o comércio brasileiro, do qual a Grã-Bretanha se beneficiava grandemente. Por outro lado, a posição geográfica privilegiada de Lisboa a tornava vul- nerável. Para Napoleão, Portugal era uma incômoda brecha em seu Sistema Continental e sua frota era cobiçada pelo imperador, que precisava reconstruir a marinha francesa. Estrategicamente situados para o comércio atlântico Segundo o historiador José Jobson A. Arruda (2022, p. 21), “o Sistema Continental era um conjunto mais amplo de medidas de caráter político-institucional imposto aos países subjugados por Napoleão como parte de sua estratégia de dominar o mercado europeu. Essencialmente, essa estratégia envolveu o fechamento total das rotas de acesso das mercadorias britânicas ao continente, o que incluiu o blo- queio dos portos suecos, dinamarqueses e portugueses”. APROFUNDANDO Enquanto isso, rumores circulavam sobre atividades incomuns nas docas do cais de Belém. De fato, ações estavam sendo realizadas em sigilo. Reparos na frota portuguesa foram acelerados, e autoridades de alto escalão supervisionavam pessoalmente os trabalhos. Grandes engradados de mercadorias eram carregados nos navios de carreira. Por fim, a decisão foi tomada: não apenas a família real, mas também a Corte, o governo e a elite portuguesa partiriam para o Rio de Janeiro . Os britânicos, há tempos, vinham sugerindo essa alternativa, oferecendo escolta na travessia do Atlântico em troca do status de parceiro comercial preferencial do Brasil. 1 1 8 Carlota Joaquina Princesa do Brazil Sinopse: o filme é uma comédia que aborda, de forma satíri- ca, a vida da princesa Carlota Joaquina (Marieta Severo), es- posa do príncipe regente de Portugal D. João (Marco Nanini). A princesa se sentiu tremendamente contrariada quando a Corte Portuguesa veio para o Brasil, tendo uma grande sensação de alívio quando foi embora. Comentário: apesar de reforçar os estereótipos sobre os per- sonagens históricos e o processo de transferência da Corte, o filme é um retrato da mitologia que se formou sobre esse mo- mento da história brasileira. INDICAÇÃO DE FILME Para D. João, a fuga representava uma oportunidade para recomeçar, apagando as adversidades europeias. D. João era o segundo filho da rainha D. Maria I e enfrentou uma tarefa espinhosa ao assumir a regência oficialmente em 1799. D. João não tinha sido preparado para ser rei, mas a morte precoce do irmão, D. José, e a demência da mãe, acabaram colocando-o no centro do poder. Todavia, D. João resistiu a enganos diplomáticos e incertezas, liderando Portugal por um período complexo, sobrevivendo, enquanto outros monarcas eram derrubados. Em retrospecto, a transferência estratégica da corte para o Brasil não apenas revelou as nuances das relações internacionais da época, mas também marcou o início de um capítulo crucial nas histórias de Brasil e Portugal. Não apenas aba- lou o equilíbrio de poder, mas também plantou sementes de uma mudança que ecoaria nos anos seguintes. Além disso, a transferência revelou as complexidades das alianças internacionais e das lutas pelo controle das rotas comerciais. UNIASSELVI 1 1 9 TEMA DE APRENDIZAGEM 8 A CHEGADA HISTÓRICA A Família Real no Brasil Em 22 de janeiro de 1808, a família real pisou em solo brasileiro pela primeira vez, na cidade de Salvador. Esse foi um acontecimento singular na história do colonialismo europeu. Até então, nenhum monarca no poder havia atravessado o oceano para chegar às Américas , muito menos para estabelecer uma Corte ali. Após as cerimônias de boas-vindas, D. João, seu filho, Pedro, e sua mãe, a rainha Maria I, desembarcaram para uma semana de descanso no palácio do governador. No entanto, D. João se deparou com um problema: o porto de Sal- vador estava lotado de navios aguardando a partida, carregados de mercadorias destinadas à Europa. Os armazéns abarrotados de produtos agrícolas começavam a apodrecer, e o comércio estava paralisado desde a tomada de Lisboa pelas tropas de Junot (WILCKEN, 2005). De fato, a solução já havia sido estipulada em um acordo secreto com a Grã-Bre- tanha: a abertura dos portos do Brasil à navegação de todas as nações amigas. Foi isso o que D. João fez logoem 28 de janeiro de 1808. Planos para o Brasil Porojetos para o Muno Sinopse: a obra do professor José Jobson A. Arruda mergulha em um período decisivo para as histórias de Brasil e Portugal. Ao desvendar os meandros da Convenção Secreta, o histori- ador esclarece o papel do Brasil no novo projeto imperialista inglês. INDICAÇÃO DE LIVRO A abertura aos países “amigos” essencialmente beneficiava a Grã-Bretanha, a única potência marítima que não estava aliada a Napoleão. Por outro lado, eliminou um ônus econômico colonial. Contudo, essa notícia não agradou a todos: o decreto enfrentou a resistência dos agentes da frota mercante luso-brasileira, que viram os próprios privilégios em cheque. 1 1 1 Após um mês de descanso em Salva- dor, a família real ainda estava longe de entender a extensão da empreitada que haviam iniciado. Transportar milhares de pessoas, toneladas de documentos e o Tesouro Real pelo oceano Atlântico foi uma tarefa épica diante do cenário tur- bulento da época. As guerras revolucio- nárias e a expansão de Napoleão haviam sacudido a ordem europeia, e as cortes enfrentavam desafios extremos para so- breviver à agitação global. A chegada da família real marcaria o início de uma nova fase nas histórias de Brasil e Portugal. A terra prometida ou a solução estratégica Há tempos, os conselheiros reais da corte de Lisboa enxergavam o Brasil como a terra prometida, uma utopia de que eles próprios poderiam um dia habitar. Inicialmente embasada em um viés religioso e milenarista, essa ideia logo se transformou em uma análise pragmática da relação entre Portugal e as respec- tivas colônias. ■ Essa mudança representou uma solução para o dilema intrínseco a um Império em declínio: Portugal era o ponto fraco desse império e a con- dição dele de Estado frágil e constantemente ameaçado pelos rivais eu- ropeus colocava em risco toda a rede global de colônias que o sustentava. ■ “Ir para o Brasil e aí estabelecer um grandioso império não foi uma ideia nova. Aliás, o translado da família real para cá era uma possibilidade acalentada havia tempos, sempre ventilada nos momentos em que a rea- leza se sentia ameaçada em sua soberania” (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 156). UNIASSELVI 1 1 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 8 Figuras importantes de Portugal, como o padre Antônio Vieira e os diplomatas D. Luís da Cunha e D. Rodrigo de Sousa Coutinho, foram defensores da reorde- nação do Império Luso, defendendo o Brasil como centro por sua importância estratégica e econômica . A instabilidade política provocada pela expansão territorial do Império Fran- cês, sob o comando de Napoleão, deixou Portugal vulnerável. Foi nesse contexto que a ideia de transferir a corte para o Brasil, com o Rio de Janeiro emergindo como o destino mais provável, ganhou força. Por outro lado, essa opção não era uma válvula de escape exclusiva dos inte- resses portugueses. Também estava alinhada aos interesses britânicos, que viam, na quebra do exclusivismo metropolitano, uma oportunidade única de conquis- tar o mercado brasileiro. A vinda da família real para o Brasil em 1808 ocorreu por conta da delicada posição de Portugal na conjuntura política e militar na Europa. Por muito tempo, a trans- ferência da Corte foi retratada em livros, filmes e minisséries de forma caricata, como uma fuga feita às pressas enquanto as tropas de Napoleão invadiam Lisboa. Entretanto, trabalhos de historiadores, como José Jobson Arruda, Rafael Cariello e Thales Z. Pereira, buscam compreender esse momento à luz do jogo geopolíti- co, mostrando como essa travessia, na verdade, fez parte de um plano elaborado entre Inglaterra e Portugal, que tinha como objetivo garantir a sobrevivência do Império Português. PENSANDO JUNTOS Chegada triunfal no Rio de Janeiro Em 1808, a cidade do Rio de Janeiro já contava com cerca de 60 mil habitantes, uma população considerável para os padrões da época (WILCKEN, 2005). Em- bora o porto fosse movimentado e viesse a se tornar uma importante porta inter- nacional após as Guerras Napoleônicas, a cidade permanecia isolada por terra. A chegada repentina de milhares de portugueses representou um aumento substancial na população do Rio de Janeiro e teve um impacto imediato nos habitantes da cidade. Algumas medidas drásticas foram necessárias para acomo- dar os recém-chegados. Antes mesmo da chegada da frota, o vice-rei do Brasil, 1 1 1 D. Marcos de Noronha e Brito, o Conde Arcos, invocou uma lei que autorizava a Coroa a confiscar casas particulares. Assim, funcionários governamentais percor- riam a cidade, selecionando as casas mais adequadas para os padrões da Corte. As primeiras semanas foram marcadas por um senso iminente de urgência, com os membros da corte empenhados em reestabelecer a normalidade gover- namental . Apenas três dias após desembarcar no Rio de Janeiro, D. João tomou a iniciativa de nomear um novo Ministério: Rodrigo de Sousa Coutinho foi es- colhido para liderar o novo governo. A Corte no Exílio Sinopse: o grande destaque do livro do historiador Jurandir Malerba é a abordagem sobre as mudanças vividas pela elite colonial, tanto nas práticas sociais quanto políticas, provocadas pela transferência da corte. Essas modificações teriam reflexo direto no processo de independência do Brasil. INDICAÇÃO DE LIVRO O volume de trabalho era imenso, afinal, incontáveis caixotes repletos de arqui- vos, documentos estatais, correspondências ministeriais e livros, que haviam viajado na frota, precisavam ser organizados em suas devidas posições. Era urgente o movimento de solidificação da estrutura institucional. “ De um modo geral, o conjunto dos instrumentos legais emitidos ainda em 1808 demonstra que se delineava um amplo programa de organização e estruturação política, econômica e institucional que iria atingir todas as áreas do governo (MARTINS, 2017, p. 613). D. João também instaurou um sistema de concessão de honrarias que deu origem à nobreza brasileira. Fazendeiros, proprietários de escravos e prósperos comer- ciantes foram agraciados com os títulos de marquês, conde, barão e cavaleiro, fortalecendo ainda mais a popularidade do príncipe regente. UNIASSELVI 1 1 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 8 EU INDICO O processo de representação imagética da realeza possui uma importância simbólica vital para as monarquias. Foi por isso que D. João VI trouxe para o Brasil a missão artística francesa. No artigo A representação da realeza no Brasil: uma análise dos retratos de D. João VI e D. Pedro I, de Jean-Baptiste Debret, Eliane Dias analisa alguns retratos, com o intuito de demonstrar as características simbólicas das representações dos monarcas e seus descendentes. https://www.scielo.br/j/anaismp/a/DWMYBjVng46nfMpzjf7P3nB/ A instauração de uma nobreza brasileira por meio das concessões de títulos não apenas reforçou a influência de D. João, mas também criou uma elite que estava alinhada com os interesses da Coroa . Os títulos aristocráticos serviam como um reconhecimento público daqueles que haviam contribuído para o bem-estar do reino e da metrópole, estabelecendo uma ligação mais profunda entre a elite colonial, que, agora, fazia parte do poder central. Outra questão fundamental era a readequação do Rio de Janeiro ao status de sede imperial. Essa tarefa ficou a cargo do brasileiro Paulo Fernandes Viana. Enquanto o Rio de Janeiro passava por uma transformação significativa, as fundações da governança também estavam sendo reestabelecidas. Sob a liderança de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, o novo governo trabalhava para restaurar a estabilidade e a funcionalidade . A mudança não foi apenas simbólica, um esforço real estava sendo feito para criar uma estrutura institucional que pudesse atender às necessidades da Corte e da população em geral. 1 1 4 O plano comercial britânico Enquanto isso, a Grã-Bretanha estava determinada a estabelecer um comércio estratégico com o Brasil , visando transformá-lo em um centro para os produtosbritânicos, destinados a toda a América do Sul. A intenção era induzir os co- merciantes britânicos a fazerem do Brasil um ponto central para os próprios negócios na região. Foi por isso que o Lorde Strangford, Percy Clinton Sydney Smythe, seguiu para o Rio de Janeiro, poucos meses depois da partida da família real. O objetivo de Lorde Strangford, como diplomata britânico, era a promoção de um tratado comercial, de acordo com o projeto elaborado pelo próprio George Canning, ministro das relações exteriores, em Londres. O tratado buscava transferir para o Brasil os privilégios comerciais que a Grã-Bretanha havia desfrutado em Portugal. A abertura dos portos foi o primeiro passo. Rapidamente, os portos brasi- leiros, especialmente o cais do Rio de Janeiro, ficaram abarrotados de produtos britânicos. Inúmeros comerciantes britânicos se estabeleceram no Brasil. Os britâ- nicos não apenas dominaram a alfândega, regulando o comércio, mas também se tornaram os principais credores do tráfico de escravos . VOCÊ SABE RESPONDER? Por que os britânicos desejavam dominar o mercado brasileiro? Após várias reuniões, Strangford conseguiu convencer D. João a aceitar os ter- mos propostos por Canning. O tratado comercial assinado em 1810 reforçou a influência britânica e decretou a morte do exclusivismo metropolitano. Os comerciantes britânicos receberam o direito de ter os próprios representantes judiciais e os navios de guerra britânicos teriam acesso ilimitado às águas bra- sileiras. Eles teriam liberdade de culto e poderiam negociar e ter propriedades sem restrições. Além disso, os níveis tarifários estipulados para os comerciantes britânicos eram ligeiramente mais baixos do que os concedidos aos próprios portugueses e brasileiros. UNIASSELVI 1 1 5 TEMA DE APRENDIZAGEM 8 A proibição britânica sobre a importação de escravos para as colônias criou um dilema complexo. O Brasil dependia fortemente do tráfico de escravos. Embora a Grã-Bretanha estivesse pressionando pela proibição completa desse comércio, D. João foi hábil em se esquivar desse problema ao prometer que retomaria a questão no devido tempo. Enquanto isso, os comerciantes britânicos sediados no Brasil lucravam com o comércio de escravos. Uma Corte brasileira Enquanto D. João reconstruía a Corte no Rio de Janeiro, as tropas luso-britânicas conseguiram expulsar os soldados franceses e espanhóis de Portugal. O confronto perdurou por quase quatro anos, terminando com a expulsão definitiva dos fran- ceses em 1811, após a batalha do Buçaco, liderada pelo general inglês Wellesley, o Duque de Wellington. No entanto, o impacto da guerra foi profundo. A economia foi abalada, a agri- cultura e a indústria estavam em ruínas. O reino português estava à deriva. Por séculos, o sustentáculo da economia portuguesa foi o exclusivismo colonial, mas, quando o príncipe D. João chegou ao Brasil, em 1808, e abriu os portos ao comércio internacional, esse ciclo encontrou seu fim. Um dilema surgiu para a monarquia portuguesa: era hora de voltar para a Europa? Após o fim da guerra e a derrota definitiva de Napoleão em 1815, as potên- cias europeias, como Áustria, Prússia, Rússia e Grã-Bretanha, organizaram um encontro internacional em Viena, conhecido como o Congresso de Viena, onde os representantes das nações se reuniriam para reorganizar o mapa geográfico e político da Europa pós-guerra. A convite das potências vitoriosas, França, Suécia, Portugal e Espanha também participaram. Portugal, por sua vez, encontrava-se em uma situação problemática, sendo um reino sem rei. As vicissitudes das invasões, a transferência da Corte para o Brasil e as mudanças geopolíticas após a derrota de Napoleão haviam deixado o país em uma encruzilhada. 1 1 1 EU INDICO Este documentário da TV Brasil aborda a trajetória de D. João VI com destaque para as ações que tomou para transformar o Rio de Janeiro na capital do Império português. https://www.youtube.com/watch?v=BHK9oMJ6tUo&ab_channel=TVBrasil Foi nesse contexto que o embaixador britânico Lord Strangford levou uma carta ao príncipe regente expressando o desejo inglês de organizar a volta da família real a Portugal (WILCKEN, 2005). Todavia, D. João optou por permanecer no Brasil. Assim, para solucionar os problemas políticos, inclusive, sobre o papel do Brasil no novo arranjo do Império português, foi proclamado, em 1815, o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve, com capital no Rio de Janeiro. Assista ao vídeo preparado para você saber mais: Da periferia para o centro: o Brasil como sede do Império Ultramarino Português. EM FOCO UNIASSELVI 1 1 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 8 NOVOS DESAFIOS Diante das discussões que apresentei até aqui, você entrou em contato com um período histórico crucial: a transferência da Corte Real Portuguesa para o Brasil no início do século XIX. Ao explorar os eventos e as complexas relações dessa época, você também conheceu as principais diferenças e aproximações entre as diferentes leituras feitas sobre esse período de transformações. Além disso, você tomou conhecimento das bases históricas que fundamen- tam essa fase, incluindo as Guerras Napoleônicas, as dinâmicas geopolíticas entre Portugal e a Grã-Bretanha, e as mudanças sociais e econômicas que ocorreram no Brasil. Você deve ser capaz de compreender que a transferência da corte real para o Brasil não foi apenas um evento isolado, mas um marco que influenciou pro- fundamente a história do país e as respectivas relações internacionais. A chega- da da família real teve implicações políticas, sociais e econômicas duradouras, moldando o Brasil de formas que ainda podem ser percebidas nos dias de hoje. Você também deve reconhecer o papel desempenhado pela Grã-Bretanha nesse contexto, desde a abertura dos portos até a influência na política e na econo- mia brasileiras. O tratado comercial e as relações entre as duas nações deixaram um legado importante no desenvolvimento do Brasil como nação independente. As características únicas desse período, tais como a transformação da cida- de do Rio de Janeiro para receber a corte, as mudanças na dinâmica social e a influência britânica, oferecem oportunidades fascinantes que podem ser explo- radas em sala de aula. Como professor(a), você deve aproveitar esses elementos para enriquecer as suas práticas de ensino , incentivando os alunos a verem os personagens históricos como sujeitos ativos na história, e não apenas figuras distantes. Isso permite uma abertura de temas para exploração em sala de aula, instiga os alunos a compreenderem os contextos e as motivações por trás dos eventos históricos e abre um leque de práticas de ensino e propostas pedagógicas que tornam o aprendizado da história mais envolvente e significativo. 1 1 8 1. A instalação da corte portuguesa no Brasil em 1808 provocou uma singular e profunda alteração na estrutura administrativa luso-brasileira, particularmente a partir da montagem de um vasto instrumental instrumental político-institucional que se criava com o objetivo de adaptar os domínios coloniais à nova conjuntura, mesmo considerando-se que se tratava de um processo já em curso desde o desenvolvimento da política pombalina, uma vez que a cidade do Rio de Janeiro era já a capital dos domínios portugueses na América, abrigando, desde 1763, a sede do governo e residência oficial dos vice-reis do Brasil. MARTINS, M. F. V. Conduzindo a barca do estado em mares revoltos: 1808 e a transmi- gração da Família Real Portuguesa. In: FRAGOSO, J.; GOUVÊA, M. de F. S. (org.). O Brasil colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017. p. 612. A instalação da corte portuguesa no Brasil em 1808 teve um impacto significativo na estrutura administrativa luso-brasileira. Isso resultou na montagem de um amplo instrumental políti- co-institucional, que buscou adaptar os domínios coloniais à nova conjuntura. Esse processo já vinha se desenvolvendo desde a política pombalina, considerando-se que a cidade doRio de Janeiro já era a capital dos domínios portugueses na América, abrigando a sede do governo e a residência oficial dos vice-reis do Brasil desde 1763. Considerando a temática apresentada, assinale a alternativa correta: a) A transferência da corte para o Brasil em 1808 resultou em uma mudança significativa na estrutura administrativa, mas não teve impacto nas instituições políticas já existentes. b) A instalação da corte no Rio de Janeiro impulsionou a adaptação das estruturas adminis- trativas e políticas dos domínios coloniais às necessidades da nova conjuntura. c) A política pombalina teve como objetivo principal a transferência da sede do governo de Portugal para o Brasil, visando fortalecer o poder colonial na América. d) A cidade do Rio de Janeiro já era a capital dos domínios portugueses na América desde o início do século XIX, o que facilitou a transição da corte para essa cidade. e) A instalação da corte no Brasil em 1808 teve um impacto limitado nas estruturas políticas e administrativas, uma vez que o governo colonial já estava bem estabelecido. AUTOATIVIDADE 1 1 9 2. Entre 25 e 27 de novembro de 1807, cerca de 10 a 15 mil pessoas embarcaram em navios portugueses rumo ao Brasil, sob a proteção da frota inglesa. Todo um aparelho burocrá- tico vinha para a Colônia: ministros, conselheiros, juízes da Corte Suprema, funcionários do Tesouro, patentes do exército e da marinha, membros do alto clero. Seguiam também o tesouro real, os arquivos do governo, uma máquina impressora e várias bibliotecas que seriam a base da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. FAUSTO, B. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1996. p. 75. Em meio aos acontecimentos históricos que marcaram a transferência da corte portuguesa para o Brasil, destaca-se o período entre 25 e 27 de novembro de 1807, quando milhares de pessoas embarcaram em navios portugueses sob a proteção da frota inglesa. Além disso, um significativo grupo de autoridades e elementos burocráticos também se deslocou para a Colônia. Considerando o contexto apresentado, analise as afirmativas a seguir: I - A transferência da corte para o Brasil em 1807 envolveu um grande número de pessoas, incluindo autoridades governamentais, militares e eclesiásticas. II - O período de embarque rumo ao Brasil contou com a proteção da frota inglesa, demons- trando a relação de colaboração entre Portugal e a Inglaterra nesse contexto. III - Além das pessoas, importantes elementos culturais e intelectuais foram transferidos para o Brasil, contribuindo para a formação da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. É correto o que se afirma em: a) I, apenas. b) III, apenas. c) I e II, apenas. d) II e III, apenas. e) I, II e III. 3. Logo ao chegar, durante sua breve estada na Bahia, Dom João decretou a abertura dos portos do Brasil às nações amigas (28 de janeiro de 1808). Mesmo sabendo-se que naque- le momento a expressão "nações amigas" era equivalente à Inglaterra, o ato punha fim a trezentos anos de sistema colonial. FAUSTO, B. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1996. p. 76. AUTOATIVIDADE 1 8 1 A chegada de Dom João ao Brasil e a respectiva estada na Bahia resultaram em uma decisão de significativa importância para a estrutura colonial. O decreto de abertura dos portos do Brasil às "nações amigas" por D. João, em 28 de janeiro de 1808, teve um impacto relevante na medida em que: a) Estabeleceu uma aliança comercial com diversas nações europeias, promovendo uma economia diversificada no Brasil Colonial. b) Consolidou a independência do Brasil em relação a Portugal, permitindo a livre circulação de bens e pessoas entre as nações. c) Marcou o início de uma política de protecionismo econômico, visando à valorização dos produtos manufaturados produzidos no Brasil. d) Encerrou o monopólio comercial metropolitano, permitindo a entrada de produtos es- trangeiros no Brasil e alterando a dinâmica econômica da colônia. e) Estimulou a exploração de matérias-primas estratégicas para a indústria europeia, le- vando ao crescimento da exploração mineral no Brasil colonial. AUTOATIVIDADE 1 8 1 REFERÊNCIAS ARRUDA, J. J. de A. Planos para o Brasil projetos para o mundo. O novo imperialismo britânico e o processo de independência (1800-1831). São Paulo: Alameda, 2022. GUIMARÃES, L. M. P. A casa de Bragança nos seus domínios americanos: abordagens historio- gráficas. In: BESSONE, T. et al. (org.). D. João VI e o oitocentismo. Rio de Janeiro: Faperj, 2011. p. 127-140. MARTINS, M. F. V. Conduzindo a barca do estado em mares revoltos: 1808 e a transmigração da Família Real Portuguesa. In: FRAGOSO, J.; GOUVÊA, M. de F. S. (org.). O Brasil colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017. v. 3. p. 604-641. SCHWARCZ, L. M.; STARLING, H. M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Cia das Letras, 2015. WILCKEN, P. O Império à deriva: a Família Real Portuguesa no Rio de Janeiro, 1808-1821. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005. 1 8 1 1. B. A alternativa B é a correta. A instalação na corte no Rio de Janeiro provocou uma readequação da estrutura político, social e administrativa da colônia. A alternativa A está incorreta, pois houve mudanças significativas na estrutura política, como o próprio decreto que instituiu o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve. A alternativa C está incorreta, pois essa possibilida- de chegou a ser ventilada por Pombal, mas não foi levada adiante. As reformas pombalinas se concentraram nas estruturas pré-existentes em Portugal e no Brasil. A alternativa D está incorreta, dado que a cidade do Rio de Janeiro era a capital do Estado do Brasil. A alternativa E está incorreta, visto que o impacto foi extenso e em todas as esferas. 2. E. Todas as três afirmativas estão corretas, pois destacam a quantidade de pessoas, de todas as esferas que formavam a Corte Portuguesa, que embarcaram para o Brasil. Além do mais, demarcam a importância da escolta feita pelos ingleses e do transporte de bens materiais que compunham o acervo real. 3. D. A alternativa A está incorreta, porque a abertura dos portos foi feita somente às nações amigas, no caso somente a Inglaterra. A alternativa B está incorreta, visto que a abertura dos portos foi feita somente às nações amigas, no caso, a Inglaterra, e não para todas as nações sem distinção. A alternativa C está incorreta, pois, de fato, a abertura dos portos promoveu uma inundação de produtos estrangeiros, no caso, ingleses, nos portos brasileiros. Isso prejudi- cava a já deficiente indústria nacional. A alternativa D está correta, uma vez que a abertura dos portos decretou o fim do exclusivismo comercial metropolitano. A alternativa E está incorreta, pois, no momento inicial, a abertura dos portos não teve reflexos no comércio e nas indústrias internas brasileiras. Esses pontos se iriam se desenvolver, consistentemente, no Brasil independente. GABARITO 1 8 1 MINHAS ANOTAÇÕES 1 8 4 MINHAS ANOTAÇÕES 1 8 5 MINHAS METAS UM PROJETO DE INDEPENDÊNCIA CONSERVADOR Compreender o contexto histórico do Brasil no início do século XIX. Refletir sobre as bases históricas que movimentaram as insatisfações sociais e políticas no Brasil e em Portugal. Entender as principais características dos grupos envolvidos com a Independência do Brasil. Conhecer as dinâmicas interpretativas sobre a Independência do Brasil. Identificar as características dos partidos português, brasileiro, democrata e liberal. Relacionar os fundamentos históricos com as consequências políticas, sociais e culturais do processo de independência do Brasil. Diferenciar as características dos conceitos de autonomia e subordinação. T E M A D E A P R E N D I Z A G E M 9 1 8 1 INICIE SUA JORNADA No amplo mosaico da história, alguns momentos são decisivos, definindo trajetó- rias de nações inteiras. Entre eles, o processo de Independência do Brasil emerge como um capítulo marcante, permeado por complexas tramas políticas, sociais, econômicas e simbólicas. A presençada família real portuguesa no Brasil, em fuga das invasões napo- leônicas, alterou as dinâmicas de funcionamento do Império Português. Nesse sentido, houve um reordenamento de forças que se traduziu no surgimento de facções políticas distintas. Conhecendo as características desses grupos, desde o partido português, que buscava a subordinação à metrópole, até o partido brasileiro, que almejava autonomia, podemos desvendar as tensões que impulsionaram as discussões em torno da independência. Ao mesmo tempo, não podemos deixar de refletir sobre as influências que atravessavam o Oceano Atlântico. Movimentos globais, como a Revolução Francesa e a Independência dos Estados Unidos, ecoavam em terras brasi- leiras, acendendo as ideias e inspirando a busca por liberdade. Ao identificarmos as características das correntes historiográficas, percebemos como o olhar sobre a independência se multifacetou ao longo do tempo. A cons- trução de narrativas sobre a Independência está diretamente ligada à construção da mitologia de uma nação. No ano de 2022, celebramos o bicentenário da Inde- pendência do Brasil, uma ocasião crucial que nos convida a reavaliar os inúmeros aspectos históricos relacionados a esse marco significativo. A abertura a novas chaves interpretativas e o uso de diferentes fontes históri- cas nos permitem enxergar o Brasil Colonial em uma rede global. As particulari- dades da América lusa e suas idiossincrasias se cruzam com as marés dos eventos mundiais e, dessa dialética, emergem as sementes de um Brasil independente. A história nos instiga a questionar, a explorar e a desvendar os véus que en- cobrem o passado. Ao compartilharmos esse conhecimento, abrimos portas para que as gerações futuras compreendam que a Independência do Brasil não foi um ato isolado, mas uma orquestração de elementos, um movimento complexo que nos conduziu ao país que somos hoje. UNIASSELVI 1 8 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 9 VAMOS RECORDAR? Vamos relembrar alguns aspectos marcantes do processo de Independência do Brasil a partir desta entrevista feita com a historiadora Heloisa Starling e a antropóloga Lilia Schwarcz. A NOVA CAPITAL DO IMPÉRIO: RIO DE JANEIRO Desde a chegada da família real à nova capital do Império, o Rio de Janeiro presen- ciou uma transformação espetacular. O aumento da população trouxe consigo uma miscelânea de raças, cores e tradições. As ruas, agora, eram palco de uma vibrante mistura de africanos, escravizados e pessoas de variados costumes e origens. Nesse cenário, os africanos, os afrobrasileiros e os escravizados desempenhavam um papel de destaque. As atividades desempenhadas por eles eram notavelmente di- versas, abrangendo desde barbeiros até elegantes carregadores de liteiras. Os chamados “negros de ganho”, por exemplo, eram uma categoria significativa. Esses trabalhadores, geralmente, escravizados, eram alugados por curtos períodos e ofereciam uma gama de serviços, como venda de produtos alimentícios, marcenaria e transporte de carga. A regulação dessas atividades era supervisionada pelo Senado da Câmara, evidenciando o papel crucial desse grupo na economia e na vida cotidiana. A magnitude do enraizamento dessa mão de obra era impressionante. Na década de 1820, a corte abrigava cerca de 38 mil escravos em um contexto em que a população total era de aproximadamente 90 mil habitantes (SCHWARCZ; STARLING, 2015). Esses números destacam como os escravizados desempenha- vam um papel fundamental na sociedade da época. O site Impressões Rebeldes, coordenado pelo professor Luciano Figueiredo, da O projeto Brasiliana Iconográfica é uma excelente fonte para explorar a iconografia do Brasil Colonial. O site reúne diversas fontes iconográficas, como desenhos, aquarelas, pinturas, gravuras e impressos. Há uma seção especial sobre os “negros de ganho”. Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem. EU INDICO 1 8 8 A entrada contínua de cativos africanos trouxe consigo uma crescente influência africana na paisagem urbana. A área próxima ao Paço, por exemplo, abrigava o Cais do Valongo, o principal porto negreiro do Brasil. Toda a região adjacente era conhecida como Pequena África. Em 2011, durante uma reforma na zona portuária do Rio de Janeiro, os vestígios arqueológicos do Cais do Valongo foram descobertos. Em 2017, o Sítio Arque- ológico do Cais do Valongo recebeu o título de Patrimônio Cultural da Huma- nidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) por seu valor como testemunha material do tráfico de escra- vos para o Brasil. Pesquisadores estimam que, entre 1775 e 1830, cerca de 500 mil a 900 mil africanos escravizados entraram no Brasil pelo Cais do Valongo (HONORATO, 2008). APROFUNDANDO UNIASSELVI 1 8 9 TEMA DE APRENDIZAGEM 9 Curiosamente, a chegada da família real e a abertura dos portos, em vez de di- minuírem o tráfico de escravos, o impulsionaram a níveis ainda mais elevados. A quantidade expressiva de africanos se tornou uma preocupação para as eli- tes e a Coroa passou a incentivar políticas em prol do povoamento branco, dando incentivos para o estabelecimento de famílias açorianas no Brasil, por exemplo. Esse paradoxo ressalta a complexidade das interações entre os diferentes grupos sociais naquela época. Em síntese, o Rio de Janeiro, como a nova capital do Império, testemunhou uma fascinante transformação social, na qual a diversidade, a influência africana e as complexas dinâmicas entre as diferentes classes moldaram a identidade e a configuração da cidade. O REINO UNIDO E O NOVO REI Em 16 de dezembro de 1815, D. João tomou a decisão de elevar o Brasil à condi- ção de Reino Unido junto a Portugal e Algarves, conferindo à colônia a posição de sede do Império Português. Essa medida carregava nuances políticas, econômicas e diplomáticas funda- mentais. Ela facilitava o comércio, atendia às demandas britânicas e, de forma simultânea, buscava prevenir os tumultos revolucionários que haviam afetado as colônias inglesas na América e as colônias vizinhas da Espanha. Em resumo, a intenção era evitar o movimento de independência e o conse- quente surgimento de repúblicas, assim como o caos associado à fragmentação. A situação se mostrava instável e repleta de incertezas, o que dava a D. João inúmeros motivos para hesitar em deixar o Brasil e voltar para Portugal. A deci- são de elevar o Brasil a reino não apenas buscava manter a integridade territorial, mas também representava uma resposta coerente a uma série de dilemas. Por um lado, era claro que alguma forma de autonomia era necessária, dado que todas as transações comerciais, agora, eram centradas na colônia. Por outro lado, a medida de D. João foi recebida com cautela pelas potências aliadas, que instavam o príncipe a regressar a Portugal, uma vez que a paz geral havia sido alcançada. 1 9 1 Pouco menos de três meses após a elevação do Brasil a Reino Unido, em 20 de março de 1816, faleceu D. Maria I, que, há tempos, estava enfrentando problemas mentais avançados. De acordo com a tradição do Antigo Regime, foram prestadas as honras devidas à posição dela. Um ano inteiro de luto foi declarado em todo o país, enquanto as expectativas se voltavam para a aclamação do novo rei. A REVOLUÇÃO PERNAMBUCANA O ano de 1817 testemunhou o estopim de um amplo movimento em Pernam- buco que rapidamente se tornaria um obstáculo significativo para os interesses políticos de D. João VI. O estabelecimento da estrutura estatal imperial no Brasil resultou em custos subs- tanciais para os colonos. Consequentemente, os impostos aumentaram, ampliando as disparidades regionais. A sensação predominante nas regiões distantes da corte era a de que o domínio simplesmente havia sido transferido de Lisboa para o Rio de Janeiro. Naquele momento, a capitania de Pernambuco enfrentava desafios conside- ráveis que combinavam dois fatores prejudiciais: a queda contínua nos preços doaçúcar e do algodão junto ao constante aumento nos preços dos escravos. A outra Independência: Pernambuco, 1817- 1824 Autor: Evaldo Cabral de Mello Comentário: a grande contribuição de Evaldo Cabral de Mello, especialista na história de Pernambuco colonial, é oferecer um ponto de vista diferente sobre o processo de independência do Brasil, centrado em Pernambuco. INDICAÇÃO DE LIVRO UNIASSELVI 1 9 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 9 O desenrolar do movimento e a repressão As conjunturas econômica e climática aceleraram o curso do movimento. Uma recessão generalizada, causada pelas flutuações nos preços dos produtos expor- tados, gerou um descontentamento coletivo. Além disso, uma intensa seca assolou o Nordeste, prejudi- cando ainda mais a já insuficiente produção agrícola. O povo culpava a corte e os seus impostos pela crise. Essa insatisfação culminou na insurreição, unindo uma variedade de grupos sociais. Em 6 de março de 1817, os revolucionários tomaram Recife e estabeleceram um governo provisório que proclamou a República, a igualdade de direitos e a tolerância religiosa. No entanto, a reação do governo foi rápida, bloqueando a capital rebelde e os portos vizinhos. Reforços do Rio de Janeiro chegaram com uma grande força terrestre, minando a coesão dos revoltosos e provocando di- visões internas insustentáveis. Em 19 de maio, as tropas lusas desembarcaram em Recife, encontrando a ci- dade abandonada e sem liderança. A coroa exibiu seu poder com demonstrações públicas e simbólicas de força. A repressão foi brutal, com execuções exemplares em Recife, Salvador e na Paraíba. Por outro lado, a vitória do governo foi marcada por celebrações solenes, visando estabelecer harmonia entre o futuro rei e os res- pectivos súditos. Os decretos de 6 de fevereiro de 1818, por exemplo, encerraram as investigações sobre os rebeldes pernambucanos, buscando restaurar a ordem e reafirmar a magnanimidade do soberano. O reino em festa A derrota dos revoltosos em Pernambuco serviu como um marco para a realeza, que, então, desengavetou projetos, como a aclamação de D. João e o casamento de D. Pedro e D. Leopoldina. O Ato de Aclamação de D. João VI no Brasil apresentou diversos elementos simbólicos e cerimoniais. Esse evento marcou a primeira celebração desse tipo no Novo Mundo, com o Largo do Paço sendo cuidadosamente preparado para sua realização, incluindo luminárias, celebrações gastronômicas, fogos de artifí- cio, retratos reais e emblemas representativos das regiões da América e da Ásia. O povo culpava a corte e os seus impostos pela crise 1 9 1 Antes da aclamação, a arquiduquesa Carolina Josefa Leopoldina, filha do Imperador da Áustria, Francisco, chegou ao Brasil. Leopoldina era reconhecida por sua educação, inteligência, adaptabilidade e diligência. Ela iniciou o estudo da língua portuguesa e se familiarizou com a história, a geografia e a economia do novo reino após a confirmação do contrato nupcial. Esse evento teve implicações significativas para a monarquia brasileira e refletiu a busca por uma integração bem-sucedida da futura princesa no contexto político e cultural do Brasil. Figura 1 – O Bailado Histórico Fonte: https://bitlybr.com/YfJWf. Acesso em: 3 out. 2023. Descrição da Imagem: a figura traz a representação alegórica do rei do Brasil e de Portugal, D. João VI, e da união de seu filho D. Pedro (futuro Pedro I, imperador do Brasil) e da arquiduquesa Maria Leopoldina, da Áustria. A figura de D. João VI ocupa o centro da imagem, em vestes reais e com a coroa na cabeça, usando o cetro real apoiado sobre a esfera armilar. O rei é sustentado por personificações das três partes do seu Império, Portugal (um guerreiro em armadura de ferro), Brasil (um guerreiro indígena) e Algarves (um guerreiro em trajes mouros). Abaixo desse grupo e em ambos os lados do altar, estão as figuras míticas ajoelhadas de Himeneu e Amor, carre- gando os retratos dos noivos, o príncipe e a arquiduquesa, e as iniciais entrelaçadas do casal real. Abaixo disso, à direita, está Netuno, carregando seu tridente e a bandeira do Império unido, que cavalga sobre as águas com a carruagem puxada por dois cavalos e o Cupido. À esquerda, está a concha de Vênus, puxada por dois cisnes guiados pelo Cupido. Dentro da concha, estão as três graças que sustentam os escudos das duas nações unidas pelo casamento. Ao fundo da imagem, do lado esquerdo, está Zeus, sentado sobre uma águia, apontando para D. João VI. Do lado direito, está Atena, que surge entre as nuvens, sentada ao lado de um pavão. Ao fundo de D. João estão, em fileira, à esquerda e à direita do rei, encontram-se os outros deuses mitológicos da Antiguidade Clássica. Por entre as nuvens, que compõem toda a imagem, ainda aparecem pequenos cupidos segurando guirlandas e um anjo tocando a harpa. Todos olham para a cena central. UNIASSELVI 1 9 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 9 Originalmente, a obra foi composta como o pano de boca (tela pintada que se- parava o palco da plateia nos teatros) para encenação do drama O Himeneu, no Teatro Real São João, na cerimônia em homenagem à aclamação do rei. Pintado por Jean-Baptiste Debret, intitulado Cenário para o Bailado Histórico, a obra re- trata D. João VI, no centro da tela, rodeado por inúmeras alegorias mitológicas, enquanto era escoltado por soldados envoltos na fumaça das nuvens. Toda a cena acontece sobre o mar, como se D. João VI estivesse “nascendo” das águas, conferindo ao rei uma atmosfera divina. Independência à vista O ano de 1820 marcou um período de transformações políticas significativas no Brasil, delineando o caminho rumo à independência. A eclosão da Revolução Liberal do Porto , em Portugal, colocou em xeque a permanência da família real no Brasil. Resultado da crise que atingiu o Estado Português, os revoltosos atribuíram a situação precária das finanças e do comércio lusitano à crescente autonomia do Brasil. Por isso, defendiam a construção de uma constituição para o Império e a volta imediata do rei para Portugal. VOCÊ SABE RESPONDER? Você sabe qual foi a principal repercussão da Revolução Liberal do Porto para o Brasil? Os eventos se desenrolaram rapidamente, e, em fevereiro de 1821, D. João foi obrigado a jurar que respeitaria a Constituição. Pouco tempo depois, o governo de Lisboa não apenas determinou o retorno do rei a Portugal, com o prínci- pe assumindo o Governo Provisório do Brasil, como também estabeleceu as instruções para a eleição dos deputados brasileiros que representariam o Brasil nas Cortes, organizadas para elaborar a Constituição. Em 26 de abril de 1821, a família real, com exceção de D. Pedro, começou a jornada de volta a Portugal. 1 9 4 Entre setembro e outubro de 1821, uma série de medidas ainda mais decisivas traçou os reais intentos das Cortes. A transferência das principais repartições instaladas no Brasil para Lisboa foi deliberada e novos contingentes de tropas foram enviados ao Rio de Janeiro. Em 29 de setembro, um decreto exigiu o re- torno do príncipe regente, um ato que provocou uma reação imediata no Brasil. Adeus, Senhor Portugal: crise do absolutismo e a independência do Brasil Comentário: o grande destaque do livro é a abordagem de longa duração sobre o processo de Independência do Brasil, abarcando de 1808, com a chegada da família real, a 1831, com a abdicação de D. Pedro I. Nesse cenário, o papel da crise fiscal foi fundamental. INDICAÇÃO DE LIVRO Naquele momento, facções políticas diferentes disputavam os rumos que o Brasil deveria seguir. O partido português , composto principalmente por militares de alta patente, burocratas e comerciantes, apoiava o retorno à antiga estrutura colonial e a subordinação do Brasil à metrópole. Em oposição, o partido brasi- leiro, formado por grandes proprietários rurais, financistas, militares, burocratas e juristas, opunha-se a essa perspectiva. Além desses grupos, havia, também, os democratas, que buscavam governos provinciais independentes,e os liberais, que se inspiraram nos movimentos revolucionários europeus. UNIASSELVI 1 9 5 TEMA DE APRENDIZAGEM 9 PARTIDO PORTUGUÊS Defensor da relação com o rei e a colonização, era favorável à recolonização do Brasil, já que, no geral, beneficiava-se da condição de colônia do país. PARTIDO BRASILEIRO O principal nome foi José Bonifácio de Andrada e Silva. Contava com o apoio da imprensa, da maçonaria e da maioria dos grandes proprietários de terras, princi- palmente do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. DEMOCRATAS Advogavam pela convocação de uma assembleia constituinte no Brasil composta por representantes de todas as províncias. Esse modelo garantiria a igualdade de representação e a expressão da vontade da maioria da sociedade. LIBERAIS Formavam uma corrente política que defendia posições liberais, como as pratica- das pelos Estados Unidos. Eram contra a participação dos ingleses na economia e defendiam a independência. O grito do Ipiranga Em 9 de janeiro de 1822, D. Pedro recebeu, no Paço, um requerimento conten- do mais de 8 mil assinaturas, clamando para que ele não abandonasse o país. A resposta dele foi: "como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto; diga ao povo que fico". Ainda que não haja confirmação definitiva de que ele tenha proferido essas palavras exatas, o gesto foi eloquente e ficou marcado na história do Brasil como “O dia do Fico”. Enquanto isso, as cortes portuguesas foram informadas, por ofício datado de 16 de fevereiro, de que D. Pedro decidira permanecer no Brasil . Ele deixou claro que o Brasil desejava ser tratado como irmão, não como filho. 1 9 1 Em 28 de agosto, chegaram ao Rio de Janeiro notícias desfavoráveis de Lis- boa. As cortes portuguesas ordenaram o retorno imediato de D. Pedro, o fim de medidas que eles consideravam como benefícios para o Brasil e acusaram os ministros do regente de traição. O sequestro da independência: uma história da construção do mito de Sete de Setembro Comentário: o grito de independência de D. Pedro, às margens do rio Ipiranga, em sete de setembro de 1822, transformou-se no mito da fundação do Brasil como nação. Recorrendo à análise da cultura visual criada em torno desse momento, o livro faz uma verdadeira desconstrução da mitologia nacional. INDICAÇÃO DE LIVRO NOVOS DESAFIOS Com as discussões que apresentei até aqui, você entrou em contato com um momento crucial da História do Brasil, marcado por complexas transformações políticas, sociais e culturais. Você também viu as principais diferenças e apro- ximações entre os diversos grupos envolvidos nas tensões políticas do período, como o partido português e o partido brasileiro, e o modo como essas divergên- cias contribuíram para o desencadeamento de eventos significativos. Além disso, você tomou conhecimento das bases históricas que fundamen- tam a busca por autonomia do Brasil em relação a Portugal. A influência de mo- vimentos externos, como a Revolução Francesa e a Independência dos Estados Unidos, desempenhou um papel crucial na formação das ideias e aspirações dos brasileiros. Você deve ser capaz de compreender que o processo de independência do Brasil não foi uma jornada linear, mas um processo multifacetado, influenciado por fatores políticos, econômicos e culturais. A proclamação da independência por D. Pedro não foi um ato isolado, mas o resultado de um cenário complexo e em constante evolução. UNIASSELVI 1 9 1 TEMA DE APRENDIZAGEM 9 Você também deve reconhecer o papel de figuras-chave, como D. Pedro e José Bonifácio, na condução dos acontecimentos. As ações, motivações e influências desses atores foram determinantes para os rumos que o Brasil tomou naquela época de mudanças. A abertura a novas chaves interpretativas e a utilização de diferentes fontes históricas abriram espaço para a visão do Brasil Colonial do ponto de vista glo- bal, integrado ao Império Ultramarino Português. As características únicas da América Lusa, no entanto, propiciaram o surgimento de mecanismos dialéticos que gradualmente fundamentaram a construção de um Brasil independente. Para a sua atuação, você deve explorar esses conhecimentos de maneira di- nâmica e envolvente em sala de aula. Isso permitirá que os seus alunos vejam os personagens históricos como sujeitos ativos na história, capazes de moldar e influenciar os acontecimentos. Essa abordagem amplia o leque de práticas de ensino e propostas pedagógicas, abrindo espaço para debates, análises críticas e um entendimento mais profundo das complexidades desse período fundamental na construção da nação brasileira. 1 9 8 VAMOS PRATICAR 1. Por volta de 1817, quem dissesse que, dentro de cinco anos, o Brasil se tornaria inde- pendente, estaria fazendo uma previsão muito duvidosa. A Revolução Pernambucana, confinada ao Nordeste, fora derrotada. Por sua vez, a Coroa tomava medidas no sentido de integrar Portugal e Brasil como partes de um mesmo reino. A guerra terminara na Europa, em 1814, com a derrota de Napoleão. As razões da permanência da Corte no Brasil, aparentemente, já não existiam. Dom João decidiu, entretanto, permanecer na Colônia e, em dezembro de 1815, elevou o Brasil à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves. Meses depois, após a morte da rainha, seria sagrado rei de Portugal, do Brasil e Algarves, com o título de Dom João VI. FAUSTO, B. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1996. Considerando o contexto histórico prévio à Independência do Brasil, analise as afirmativas a seguir: I - A Revolução Pernambucana de 1817 teve um impacto significativo em todo o território brasileiro, unindo diferentes regiões em prol da independência. II - As medidas tomadas pela Coroa no sentido de integrar Portugal e Brasil como partes de um mesmo reino indicavam uma tendência à submissão do Brasil em relação à metrópole. III - A permanência de Dom João VI no Brasil após o término das razões que o levaram a se refugiar no país foi motivada pela intenção dele de lutar pela sobrevivência da monarquia portuguesa. É correto o que se afirma em: a) I, apenas. b) III, apenas. c) I e II, apenas. d) II e III, apenas. e) I, II e III. 1 9 9 VAMOS PRATICAR 2. Com motivos de sobra, montou-se, então, a insurreição, unindo setores dispersos: comerciantes, grandes proprietários, membros do clero, militares, juízes, artesãos e uma camada de homens livres que lhes conferiu um perfil mais radical e popular. Basta dizer que os revolucionários tomaram Recife em 6 de março de 1817 e implantaram um governo provisório baseado na lei orgânica que proclamou a República, estabelecendo a igualdade de direitos e a tolerância religiosa, sem tocar no espinhoso problema da escravidão. SCHWARCZ, L. M.; STARLING, H. M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Cia das Letras, 2015. A Revolução Pernambucana, ocorrida em 1817, foi um dos eventos que antecederam a Independência do Brasil e teve um impacto significativo no processo. Qual foi o papel da Revolução Pernambucana no contexto da independência do Brasil? Assinale a alternativa correta: a) A Revolução Pernambucana teve um papel secundário e pouco relevante no processo de independência, não influenciando significativamente os eventos subsequentes. b) A Revolução Pernambucana foi um movimento crucial, pois proclamou a República e estabeleceu a igualdade de direitos e a tolerância religiosa, tornando-se um marco dos movimentos sociais pré-independência do Brasil. c) A Revolução Pernambucana foi liderada por D. João VI e tinha como objetivo conso- lidar a presença portuguesa no Brasil, combatendo qualquer movimento pró-inde- pendência. d) A Revolução Pernambucana ocorreu após a Independência do Brasil ter sido declara- da, não tendo relação direta com o processo de separação de Portugal. e) A Revolução Pernambucana foi liderada pelos ingleses e tinha como objetivo esta- belecer o controle britânico sobre a região, não tendo relação com a Independência do Brasil. 1 1 1 VAMOS PRATICAR3. [...] Logo no dia 20, o mesmo jornal apresentava a situação com tintas diferentes: Inde- pendência ou Morte! Eis o grito acorde de todos os brasileiros… O Brasil então acordou do seu letargo e resolveu na sua dignidade, sacudir o peso que o oprimia. Então o Perpétuo defensor do Brasil conheceu que eram justos os clamores do povo fiel, que preferia um inimigo declarado a um amigo traidor. SCHWARCZ, L. M.; STARLING, H. M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Cia das Letras, 2015. O Grito do Ipiranga, em 7 de setembro de 1822, é um dos momentos mais icônicos da história do Brasil, marcando a independência do país. Qual foi a importância do Grito do Ipiranga no processo de independência do Brasil? Assinale a alternativa correta: a) O Grito do Ipiranga foi um evento simbólico sem importância real no processo de independência, não tendo impacto nas decisões políticas da época. b) O Grito do Ipiranga foi liderado por grupos separatistas radicais, enfraquecendo a causa da independência. c) O Grito do Ipiranga foi uma tentativa fracassada de D. Pedro I de reconciliação com Portugal, não tendo relação com a independência. d) O Grito do Ipiranga representou a declaração formal da independência do Brasil em relação à Portugal, consolidando a separação política entre os dois países. e) O Grito do Ipiranga foi um movimento militar liderado por D. Pedro I para reprimir re- voltas internas no Brasil, não tendo relação com a independência. 1 1 1 REFERÊNCIAS HONORATO, C. P. Valongo: o mercado de escravos do Rio de Janeiro, 1758 a 1831. 2008. Dis- sertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008. SCHWARCZ, L. M.; STARLING, H. M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Cia das Letras, 2015. 1 1 1 1. B. A afirmativa I está incorreta. A Revolução Pernambucana de 1817, embora tenha ocorrido, não teve o impacto de unir diferentes regiões em prol da independência. Ela se restringiu ao Nordeste e foi rapidamente reprimida, não tendo um efeito de mobilização nacional. A afirmativa II está incorreta. As medidas tomadas pela Coroa, como a elevação do Brasil à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves, indicavam uma tendência à autonomia do Brasil em relação à metrópole. A afirmativa III está correta. A permanência de Dom João VI no Brasil após o término das razões que o levaram a se refugiar no país não foi motivada por uma intenção de consolidar uma relação estreita entre a colônia e a metrópole. Dom João VI permaneceu no Brasil, em parte, devido às complexidades políticas e à instabili- dade na Europa após a derrota de Napoleão. Além disso, havia a preocupação de manter o domínio sobre o vasto Império Ultramarino Português e a sobrevivência da monarquia. 2. B. A alternativa B está correta, pois a Revolução Pernambucana teve um papel relevante no contexto da Independência do Brasil. Os organizadores dela proclamaram a República e estabeleceram princípios, como a igualdade de direitos e a tolerância religiosa, que influenciaram movimentos subsequentes e contribuíram para a luta pela independência. As demais alternativas são incorretas, pois a Revolução Pernambucana teve um papel significativo. Além disso, a Revolução Pernambucana não foi liderada por D. João VI e o objetivo era diferente. A Revolução Pernambucana ocorreu antes da Independência do Brasil. A Revolução Pernambucana não foi liderada pelos ingleses e não tinha o objetivo de estabelecer o controle britânico na região. 3. D. A alternativa D está correta, pois o Grito do Ipiranga representou a declaração formal da independência do Brasil em relação à Portugal. Foi nesse momento que D. Pedro I proclamou "Independência ou Morte!", consolidando a separação política entre os dois países. As demais alternativas são incorretas, pois: o Grito do Ipiranga teve importância real no processo de independência; o Grito do Ipiranga não contou com a participação de grupos separatistas; o Grito do Ipiranga não foi uma tentativa de reconciliação com Portugal; o Grito do Ipiranga não foi um movimento militar para reprimir revoltas internas, mas um ato de independência. GABARITO 1 1 1 MINHAS ANOTAÇÕES 1 1 4