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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Registro: 2023.0000107420 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000364-10.2022.8.26.0090, da Comarca de São Paulo, em que é apelante EFS - ENGENHARIA E CONSULTORIA EIRELI, é apelado MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores EUTÁLIO PORTO (Presidente), AMARO THOMÉ E RAUL DE FELICE. São Paulo, 9 de fevereiro de 2023. EUTÁLIO PORTO RELATOR Assinatura Eletrônica PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO VOTO Nº 43140 APELAÇÃO CÍVEL Nº 1000364-10.2022.8.26.0090 COMARCA: SÃO PAULO APELANTE: EFS - ENGENHARIA E CONSULTORIA EIRELI APELADO: MUNICÍPIO DE SÃO PAULO EMENTA APELAÇÃO CÍVEL - Declaratória - ITBI - Transmissão de imóveis para integralização de capital social - Imunidade. 1) O art. 156, § 2º, I, da CF determina o pagamento do ITBI sobre a totalidade dos bens integralizados quando a atividade preponderante do adquirente for imobiliária - Tema 796 do STF (RE nº 796.376) que, inclusive, determinou o pagamento do ITBI sobre o que exceder o limite do capital social a ser integralizado - Menção genérica no corpo do acórdão que não possui efeito vinculante - Caráter obter dictum - Precedente do STF. 2) Ausência de comprovação estreme de dúvidas de que as atividades realizadas no período não foram predominantemente imobiliárias, até porque os documentos contábeis juntados aos autos foram considerados inidôneos pela Municipalidade no processo administrativo - Autora que não se desincumbiu do ônus da prova, nos termos do art. 373, I, do CPC - Imunidade afastada. 3) Sucumbência recursal - Majoração dos honorários para 11% do valor da causa (R$ 98.792,00 em março de 2022) - Inteligência do § 11 do Art. 85 do CPC - Sentença mantida - Recurso improvido. RELATÓRIO Trata-se de ação declaratória proposta por EFS - ENGENHARIA E CONSULTORIA EIRELI em face MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, objetivando a declaração de nulidade dos lançamentos de ITBI relativos à transmissão de imóveis para integralização de capital social, sob o fundamento de que a imunidade tributária prevista no art. 156, § 2º, I, da CF, é incondicionada e autoaplicável nesse caso, não guardando relação com a atividade preponderante da empresa. Subsidiariamente, sustenta que não possui atividade preponderantemente imobiliária, conforme seu ato constitutivo e balanços financeiros, fazendo jus à imunidade. PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Contestação da Municipalidade às fls. 292/309 e réplica da autora às fls. 523/530. Intimadas a especificarem as provas que pretendiam produzir, tanto a autora como a pugnaram pelo julgamento antecipado da lide (fls. 530 e 531, respectivamente). A sentença de fls. 532/534, proferida pelo MM. Juiz Luis Manuel Fonseca Pires, cujo relatório se adota, julgou improcedente a ação, revogando os efeitos da decisão liminar de fls. 277/279. Sucumbente, condenou a autora ao pagamento das custas processuais, bem como honorários advocatícios arbitrados no percentual mínimo do valor da causa, a ser apurada em execução, nos termos do artigo 85, § 3º do CPC. Inconformada, a autora apelou às fls. 539/559, buscando a reforma da sentença. Sustentou que nos casos de transmissão de imóvel para a integralização de capital social a imunidade prevista no art. 156, § 2º, I, da CF, é incondicionada, devendo ser aplicado o entendimento adotado no RE nº 796.376/SC. Subsidiariamente, alegou que seu objeto social está relacionado com o exercício de atividades técnicas, não relacionadas à compra e venda, locação ou arrendamento de bens imóveis, e que os balanços financeiros acostados aos autos demonstram que a atividade preponderante não guardou qualquer relação com atividades imobiliárias. Recurso tempestivo e preparado (fls. 560/561), com contrarrazões às fls. 565/584. PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Este é, em síntese, o relatório. VOTO Pretende a autora a anulação dos lançamentos de ITBI relacionados aos imóveis descritos na inicial, sob a alegação de que a imunidade tributária relativa à transmissão de imóvel para fins de integralização de capital social é incondicionada, sendo irrelevante o desenvolvimento de atividade imobiliária. Não obstante, no inciso I do § 2º do artigo 156 da Constituição Federal consta que o ITBI: “I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.” (grifos nosso). Com efeito, na parte final do dispositivo constitucional retro mencionado, fica autorizada a incidência do ITBI quando a empresa tiver como atividade preponderante a venda ou a locação de propriedade imobiliária. De sorte que para o reconhecimento da imunidade relativa ao ITBI é necessário que se verifique a atividade preponderante PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO da autora. O C. STF, por ocasião do julgamento do RE nº 796.376, em sede de repercussão geral (Tema 796), fixou a seguinte tese: “A imunidade em relação ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”. De sorte que, conforme já assentou esta C. 15ª Câmara, apreciando caso análogo ao presente, “não se pode isolar um dos pontos do v. acórdão, quando examina os casos constitucionais de imunidade, para estender arbitrariamente este fundamento ao caso em foco, cuja discussão refoge aos dizeres da tese então fixada (CPC artigo 504, inciso I)” (Apelação Cível nº 1011991-59.2021.8.26.0053; Rel. Des. Raul de Felice; j. 20/09/2021). Ademais, é certo que o efeito vinculante oriundo do julgamento em questão não se estende às considerações tecidas a título de obiter dictum, conforme precedente abaixo citado: “AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO. DIREITO PROCESSUAL PENAL. AUDIÊNCIA DE APRESENTAÇÃO. AFERIÇÃO DA REGULARIDADE DA CUSTÓDIA EM FLAGRANTE. PROVIMENTO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. ATO NORMATIVO SECUNDÁRIO. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE MATERIAL ENTRE OS COMANDOS NORMATIVOS. PERTINÊNCIA ESTRITA. TRANSCENDÊNCIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. INAPLICABILIDADE. (...) PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 2. Ainda que se admita a correspondência da ratio decidendi entre as matérias, a atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme em afirmar o não cabimento de reclamação, na hipótese em que fundada na transcendência dos motivos determinantes de acórdão com efeito vinculante, na medida em que tal efeito abrange apenas o objeto da ação. Idêntica conclusão, com maior razão, é aplicável na hipótese de considerações tecidas no julgamento a título de obiter dictum e que, portanto, sequer sustentam a decisão apontada como paradigma. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF; 1ª Turma; AgR Rcl 21884 SP; Rel. Ministro Edson Fachin; j. 15/03/2016) (grifos nossos) De modo que, embora o Pretório Excelso, por ocasião do julgamento do RE nº 796.376, tenha feito menção de que a imunidade prevista pela primeira parte do art. 156, § 2º, I, da CF seria incondicionada, tal arguição configurou mera obiter dictum, sem qualquer explicitação dos fundamentos que levaram a essa afirmação, realizada de maneira superficial e pontual, não tendonem mesmo integrado a tese fixada no Tema nº 796 de Repercussão Geral, razão pela qual não tem eficácia vinculante para outros órgãos do Poder Judiciário, assim como eventuais decisões posteriores em sede de recursos extraordinários. Também não merece prosperar o pedido subsidiário. Isto porque, conforme se observa dos autos, a PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Municipalidade indeferiu o pedido de imunidade pelas seguintes razões: “1.1.A empresa não contabilizou corretamente as despesas, prejudicando, assim, a análise da sua atividade preponderante, já que a contabilidade apresentada não reflete com fidedignidade as alterações ocorridas no patrimônio da pessoa jurídica, no período analisado.” (fls. 81) Constando ainda no relatório elaborado pelo auditor fiscal: “A contabilidade apresentada não mereceu fé por vício intrínseco (falta de escrituração de despesas), desta forma ela só faz prova contra a empresa a que pertence, regra do art. 226 do Código Civil, Lei 10406/2002, e não a seu favor. Assim, concluiu-se que a empresa não conseguiu comprovar que sua receita operacional não é imobiliária, não fazendo jus ao benefício legal da não incidência do ITBI no caso em discussão”. (fls. 387) Observa-se, também, que o objeto social da autora sofreu diversas modificações no período analisado pela fiscalização municipal. No ano de 2015, constava no ato constitutivo como objeto social a “prestação de serviços de consultoria em engenharia” (fls. 33). Já em 2016, passou a constar “consultoria e prestação de serviços de cartografia, topografia e geodésia, regularização fundiária urbana e rural, cadastro técnico multifinalitário, cadastro socioeconômico e demais atividades técnicas relacionadas à engenharia e arquitetura, PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO loteamento de imóveis, corretagem na compra e venda e avaliação de imóveis, assim como realização de estudos e elaboração de laudos e pareceres técnicos” (fls. 40). Em 2017, o objeto social passou a ser a “consultoria e prestação de serviços de cartografia, topografia e geodésia, regularização fundiária urbana e rural, cadastro técnico multifinalitário, cadastro socioeconômico e demais atividades técnicas relacionadas à engenharia e arquitetura, corretagem na compra e venda e avaliação de imóveis, assim como realização de estudos e elaboração de laudos e pareceres técnicos” (fls. 43), e em 2018: “serviços de engenharia (Cnae 7112-0/00), serviços de cartografia, topografia e geodésia (Cnae 7119-7/01), serviços de desenho técnico relacionados à arquitetura e engenharia (Cnae 7119-7/03), atividades técnicas relacionadas à engenharia e arquitetura não especificadas anteriormente (Cnae 7119-7/99)” (fls. 49). Com isso, verifica-se que há controvérsia quanto ao desenvolvimento de atividades imobiliárias pela autora, diante das constantes alterações no contrato social, ora incluindo no objeto social o loteamento e a corretagem na compra e venda de imóveis, ora excluindo, bem como quanto à idoneidade dos documentos contábeis apresentados, haja vista o que foi relatado pelo auditor fiscal no exame do pedido de não incidência do tributo, de sorte que a elucidação da questão necessariamente demandaria a produção de perícia técnica. Não se pode olvidar que milita em favor da Municipalidade a presunção de legalidade dos atos administrativos, cuja prova para sua descaracterização deve ser inequívoca, estreme de dúvida, a cargo da autora. Entretanto, no caso em tela, a autora PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO não se desincumbiu do seu ônus. Pelo contrário, ao ser intimada acerca das provas que pretendia produzir, a autora requereu o julgamento antecipado da lide (fls. 530). Como se sabe, não basta alegar, é necessário se ater ao comando processual contido no art. 373, I, do CPC, que é firme ao incumbir ao autor o ônus da prova quanto ao fato constitutivo de seu direito, de modo a abalar a presunção atribuída ao ato administrativo. De rigor, portanto, a manutenção da sentença. Em razão da sucumbência recursal da apelante e tendo em vista o que dispõe o novo Código de Processo Civil, notadamente no § 11 do Art. 85, os honorários advocatícios fixados pelo Juízo a quo em 10% sobre o valor da causa (R$ 98.792,00 em março de 2022) são majorados para 11%. Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso. EUTÁLIO PORTO Relator (assinado digitalmente) 2023-02-15T17:37:33-0300 Not specified