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A LUDICIDADE E A PEDAGOGIA DO BRINCAR Vanessa Ramos Teixeira As inúmeras representações do brincar Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Reconhecer as diversas formas em que o brincar é representado pelas crianças. � Identificar a música, a arte, a dança e outras formas de expressões com as quais o brincar se relacione. � Descrever as dimensões entre o brincar livre e o brincar dirigido. Introdução O brincar pode se manifestar de diversas formas de acordo com as representações culturais de cada lugar e, portanto, também pode ser representado de várias maneiras. No entanto, é importante destacar que o brincar, indiferentemente da forma como é representado, contribui de modo fundamental com o desenvolvimento e com a aprendizagem das crianças. Neste capítulo, você irá reconhecer não só as diversas formas de representação do brincar pelas crianças (seja por meio da música, da arte, ou da dança, por exemplo), mas também irá refletir acerca das dimensões entre o brincar livre e o brincar dirigido. As diversas formas de representação do brincar para as crianças Quando pensamos em brincar, várias representações vêm a nossa mente. Representações ainda presentes na memória de quem hoje é adulto, mas que há 20, 30, 40, 50 anos era criança e, assim, recorda-se das formas como as brincadeiras e os brinquedos se manifestavam em cada época. Essas mesmas pessoas também conhecem as brincadeiras com as crianças que vivem nesta época e neste contexto sociocultural. Portanto, é válida a afirmação de que brinquedos e brincadeiras sofrem significativa influência do tempo e do con- texto social ao qual pertencem. As brincadeiras relacionam-se com frequência às experiências vividas pelas crianças. São Reproduções Interpretativas do contexto em que estão inseridas ao se evidenciarem pelo faz de conta – representação simbólica. O conceito de reprodução interpretativa foi elaborado pelo professor/soci- ólogo William Arnold Corsaro (2009, p. 31), que assim a define: [...] a participação das crianças na sociedade, indicando o fato de que as crianças criam e participam de suas culturas de pares singulares por meio da apropriação de informações do mundo adulto de forma a atender aos seus interesses próprios enquanto crianças. O termo reprodução significa que as crianças não apenas internalizam a cultura, mas contribuem ativamente para a produção e a mudança cultural. Isto é, crianças e suas infâncias são afetadas pelas sociedades e culturas das quais são membros. Acompanhando as palavras de Corsaro (2009) sobre a reprodução inter- pretativa, compreende-se que as crianças são sujeitos sociais constituídos pela cultura em que estão inseridos desde bem pequenos, ou melhor, desde o nascimento. Ao mesmo tempo são produtores dessa cultura que os subjetivou, contribuindo, também, para a sua transformação. Recorrendo ao faz de conta, as crianças (re) produzem o mundo em que vivem por meio das relações com seus pares. Ao brincarem, elas se desenvolvem e (re)inventam a realidade de maneira simbólica: Quando a criança brinca, ela cria uma situação imaginária, sendo esta uma característica definidora do brinquedo em geral. Nesta situação imaginária, ao assumir um papel, a criança inicialmente imita o comportamento do adulto tal como ela observa em seu contexto. (CERISARA, 2015, p. 130). Na brincadeira, a criança é atravessada pela realidade e pela fantasia, tendo a condição de (re)criar situações cotidianas, fazendo escolhas, lidando com conquistas e frustações que têm/terão implicações no decorrer de sua vida. Ao mesmo tempo, pela brincadeira a criança se apropria de uma linguagem que reproduzirá, por meio do simbólico, a vida cotidiana. No entanto, torna-se importante refletir sobre as relações existentes entre o brincar, o brinquedo e a brincadeira. Serão eles a “mesma coisa”? As inúmeras representações do brincar2 Conforme as análises de Brougère (2001, p. 21) sobre o brinquedo e seu uso, temos a diferença entre o brinquedo (objeto) e a brincadeira (o ato de brincar, uma função simbólica). Nas palavras do o autor, [...] a brincadeira escapa a qualquer função precisa [...]. O que caracteriza a brincadeira é que ela pode fabricar seus objetos, em especial, desviando de seu uso habitual os objetos que cercam a criança” (BROUGÈRE, 2001, p. 13), e completa afirmando que: “O brinquedo é acima de tudo um dos meios de desencadear a brincadeira. Porém, a brincadeira escapa em parte do brinquedo. Pode-se perceber, portanto, que a brincadeira transcende o brinquedo. Porém, o uso de material adequado é essencial para o aprofundamento da brincadeira, de modo a resultar em uma representação significativa para a criança. No documento técnico elaborado pelo Ministério da Educação Brinquedos e brincadeiras de creche: manual de orientação pedagógica, a brincadeira, considerada com o sentido de um brincar de qualidade, apresenta 12 itens que devem garantir representações significativas durante a realização desta prática pedagógica. Veja a seguir: � Conhecimento de si e do mundo: experiência corporal, experiência com som e cores, experiências afetivas, exploração e conhecimento do mundo, experiências expressivas. � Linguagens e formas de expressão: expressão gestual e verbal, ex- pressão dramática, expressão plástica, expressão musical. � Narrativas e gêneros textuais, orais e escritos: mediações críticas, combinação de linguagens (visual, escrita e oral), ouvir histórias e recontá-las. � Brincadeiras de conhecimento do mundo matemático: brincadeiras com medidas e quantificações, brincadeiras com diferentes posições (em cima, em baixo, deitado, em pé), contar os dias e os meses do ano, classificar conjunto de objetos (muito, pouco, bastante, nenhum), fazer compras e pagar com dinheiro produzido pelas crianças, etc. � Brincadeiras individuais e coletivas: organização da sala após as brincadeiras para construção da autoestima e identidade da criança e do grupo, criação de sistemas de organização, brincadeiras tradicionais como pula-pula, esconde-esconde, amarelinha, pular corda, artesanato, etc. � Brincadeiras livres: cuidado pessoal, auto-organização, saúde e bem-estar. 3As inúmeras representações do brincar � Brincadeiras e vivências éticas e estéticas com outras crianças e grupos culturais para favorecer a identidade e a diversidade: ■ Vivências éticas: ações como respeitar o espaço do de brincar do outro, guardar emprestar e esperar a sua vez de usar os brinquedos, ações de responsabilidade e democracia. ■ Vivências estéticas: uso de acordo com a cultura estética de sua família e da comunidade. � Brincadeiras: o mundo físico e o social, o tempo e a natureza. � Brincadeiras com música, artes plásticas, cinema, fotografia, dança, teatro, poesia e literatura: manifestações artísticas e diversidade de experiências culturais no campo das artes criam inúmeras possibilidades de brincar. � Brincadeiras, biodiversidade, sustentabilidade e recursos naturais. � Brincadeiras e manifestações de tradições culturais brasileiras: aproveitar as riquezas das tradições da cultura brasileira somadas a instrumentos musicais, objetos e fantasias regionais. � Brincadeiras e tecnologias: esta geração já nasceu na era da tecnologia e, portanto, se for utilizada na medida certa, também será uma excelente ferramenta de aprendizado. Acessando o link a seguir, você terá acesso ao documento norteador Brinquedos e Brincadeiras de creches: manual de orientação pedagógica, elaborado pelo Ministério da Educação por meio da Secretaria de Educação Básica, com a finalidade de orientar profissionais da educação a cerca da atividade do brincar. https://goo.gl/CTFyAV Percebemos que as diversas representações do brincar favorecem a criança ao aprendizado, pois é brincando que o ser humano se torna apto a viver em uma ordem social e em um mundo culturalmente simbólico. Brincaré o mais completo dos processos educativos, visto que influencia o intelecto, o emocional o e corpo da criança. Além disso, brincar faz parte da especificidade infantil e auxilia a criança em seu desenvolvimento e na busca de sua completude, seu saber, seus conhecimentos e suas expectativas do mundo. As inúmeras representações do brincar4 https://goo.gl/CTFyAV Agora eu era herói: música, arte, dança e as diversas expressões relacionadas ao brincar Veja um pequeno trecho da música João e Maria de Chico Buarque. Agora eu era o herói E o meu cavalo só falava inglês A noiva do cowboy Era você além das outras três Eu enfrentava os batalhões Os alemães e seus canhões Guardava o meu bodoque E ensaiava o rock para as matinês (...) Não, não fuja não Finja que agora eu era o seu brinquedo Eu era o seu pião O seu bicho preferido Vem, me dê a mão A gente agora já não tinha medo No tempo da maldade acho que a gente nem tinha nascido. (BUARQUE; SIVUCA, 1977, documento on-line). Acabamos de ter um contato com a arte, a dança, a brincadeira em uma música que certamente nos remete à infância quando o cavalo fala inglês, se enfrentava batalhões e a gente já não tinha medo: As crianças escutam a vida em todas as suas formas e cores, e escutam os outros (adultos e crianças). Elas logo percebem que o ato de escutar (observando, mas também tocando, cheirando, sentindo o gosto, pesquisando) é essencial para a comunicação. As crianças são biologicamente predispostas a se comunicar, a existir em relação, a viver em relação. (RINALDI, 2012, p. 126–127). Já sabemos que é por meio do brincar que acontece a aprendizagem da criança, que pode desenvolver a sua capacidade de criar brincadeiras nas ex- periências por meio da troca com outra criança, com os professores ou, ainda, com a sua família, criando situações imaginárias que lhe permitem operar com 5As inúmeras representações do brincar objetos e situações do mundo dos adultos. Cunha; Borges (2015) aproximam as artes das representações do faz de conta. Nas palavras dos autores: A arte faz de conta. Crianças, artistas fazem de conta que um rabisco, um ob- jeto, um fragmento, um pensamento se transformam em outra coisa. Desenhar, brincar, poetar. Manchar, riscar, construir, se encantar. Transformar retalhos de tecidos em uma fantasia surreal, rabiscos em dragão alado pensamentos em formas. Buscar o dizível no invisível. Modos singulares de ver, sentir, expressar e reinventar o mundo. (CUNHA; BORGES, 2015, p. 85). Atividades lúdicas, quando somadas às representações artísticas, ou seja, ao cantar, ao cinema, à dança e a suas múltiplas possibilidades de manifestação, podem e devem ser utilizadas como formas de representar o mundo através dos olhares da criança. Veja alguns exemplos de atividades que envolvem as manifestações artísticas. � Ir a festivais, teatros e exposições, assistir a filmes, aprender a fotografar, recitar poemas e ouvir histórias. � Convidar artistas da comunidade para apresentarem a arte que dominam. � Atividades com música, artes plásticas e gráficas, fotografia, dança, dramatização, recitação ou recanto de histórias podem se tornar uma brincadeira divertida quando se oferecem oportunidades para expressões livres. � Inserir na programação curricular de cada segmento os elementos necessários para enriquecer a cultura artística da criança. Dispondo desse conhecimento cultural sobre as artes, ela poderá recriá-las em suas brincadeiras. Vale destacar que o brincar de qualidade está relacionado à iniciativa, ou não, da criança a uma ação como dançar, cantar, recitar poemas, atos que se somam à necessidade de um suporte cultural. Se ela desconhece as danças e músicas, não poderá expressar uma brincadeira de qualidade. Lembre-se: se o conteúdo cultural da criança for de referencial pobre, sua expressão também o será (BRASIL, 2012, p. 50). A criança é um sujeito histórico de direitos o qual se desenvolve nas interações, ou seja, nas relações e nas práticas cotidianas que a levará a marcantes aquisições. As inúmeras representações do brincar6 As dimensões entre o brincar livre e o brincar dirigido No cotidiano das escolas, é comum ouvir dos professores várias falas relacio- nadas aos momentos de brincadeiras livres e aos momentos de brincadeiras dirigidas ou conduzidas. Em geral, as brincadeiras livres são aquelas em que o professor deixa as crianças mais à vontade para se expressarem, sem as conduzir de modo a como brincadeira irá acontecer. Com isso, não se afirma que o papel do professor não deva ser o de estar com as crianças. Ao contrário, “menos centralidade não quer dizer um menor grau de compromisso, nem menos relevância da ação do professor” (FORTUNATI, 2009, p. 62). O estar com as crianças em suas expressões livres e em seu protagonismo constituem as relações entre os sujeitos e faz com que o profissional pense em sua prática educativa. Assim, é preciso ter o entendimento de que tanto em uma proposta de brincadeira livre como em uma proposta de brincadeira dirigida o professor deve ser aquele que pensará nas melhores condições que irá oferecer (tempo, espaço, materiais) para que as brincadeiras aconteçam. Ou seja, é preciso potencializar os momentos de brincadeiras na escola, ou livres ou dirigidos. As brincadeiras dirigidas são aquelas que se caracterizam mais pela participação das crianças do que pelo seu protagonismo. Dessa forma, elas convidadas a brincar, porém, para que a brincadeira aconteça, há determi- nadas regras a serem seguidas. Como exemplos de brincadeiras dirigidas, podem ser citados: pega-pega, esconde-esconde, casinha, amarelinha, pular corda, etc., que possibilitam às crianças a compreensão das regras sociais, o desenvolvimento de habilidades físicas e a aprendizagem para lidar com as próprias emoções. As brincadeiras, livres ou dirigidas, despertam inúmeras possibilidades de aprendizagem que permeiam entre as duas formas como o brincar pode ser apresentado. Veja a seguir as características de cada atividade e quais as mais indicadas para cada faixa etária. � Até 2 anos: o bebê costuma se divertir sozinho, explorando o corpo. É interessante o uso de brinquedos que tenham cores, formas e tamanhos diferentes, para estimular o bom desenvolvimento dos cinco sentidos (tato, olfato, visão, paladar e audição). � 2 a 3 anos: é uma excelente fase para introduzir o jogo simbólico e o faz de conta. Ofereça à criança a oportunidade de sentir a textura da 7As inúmeras representações do brincar água, da areia, da grama e de outros materiais. Nessa fase, elas adoram dançar, cantar e pular. � 3 a 4 anos: uso de desenhos, pinturas, colagem e modelagem ganham força nessa idade. É importante o uso de jogos de montar, lápis, tintas, papel, argila e giz de cera. � 4 a 5 anos: é o momento em que surgem os heróis e as brincadeiras que imitam o mundo adulto. Ofereça lousa, bonecas, casinhas, carrinhos, fazendinhas e imitações de objetos cotidianos, como telefone, caixa registradora e apetrechos de cozinha. � 6 a 7 anos: época dos jogos com regras, que estimulam o raciocínio lógico. Ofereça jogos em geral (eletrônicos, de cartas ou tabuleiro) para a criança lidar com vitórias e derrotas. Torna-se fundamental a compreensão de que, na escola, deve haver mo- mentos em que a criança possa brincar livremente, escolhendo a brincadeira que mais lhe agrada no momento e os brinquedos e/ou materiais que serão importantes para o desenvolvimento dessa brincadeira. Não nos esqueçamos de que é relevante que a escola ofereça e convide a criança a participar de brincadeiras organizadas pelo professor, as quais podem ter como objetivo principal integrar as crianças de uma turma ou de uma escola. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Brinquedos e Brincadeiras de creches: manual de orientação pedagógica. MEC/SEB: 2012. Disponível em: <http:// portal.mec.gov.br/dmdocuments/publicacao_brinquedo_e_brincadeiras_completa. pdf>.Acesso em: 19 de mar. 2018. BROUGÉRE, G. Brinquedo e cultura. Tradução Gisela Wajskop. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2001. BUARQUE, C.; SIVUCA. João e Maria. 1977. Disponível em: <http://www.chicobuarque. com.br/construcao/mestre.asp?pg=jooemari_77.htm>. Acesso em 27 abr. 2018. CERISARA, A. B. De como o Papai do Céu, o coelhinho da Páscoa, os anjos e o Papai Noel foram viver juntos no céu. In. KISHIMOTO, T. M. O brincar e suas teorias. São Paulo: Cengage Learning, 2015. cap. 6. CORSARO, W. Teoria e prática na pesquisa com crianças: diálogos com William Corsaro. São Paulo: Cortez, 2009. As inúmeras representações do brincar8 http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/publicacao_brinquedo_e_brincadeiras_completa. http://www.chicobuarque/ http://com.br/construcao/mestre.asp?pg=jooemari_77.htm CUNHA, S. R. V.; BORGES, C. B. A Arte é para as crianças ou é das crianças? Problemati- zando as questões da Arte na Educação Infantil. In: FLORES, M. L. R.; ALBUQUERQUE, S. S. de. (Orgs.). Implementação do Proinfância no Rio Grande do Sul: perspectivas políticas e pedagógicas. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2015. p. 85–100. FORTUNATI, A. A Educação Infantil como projeto da comunidade. Porto Alegre: Artmed, 2009. RINALDI, C. Diálogos com Reggio Emília: escutar, investigar e aprender. São Paulo: Paz e Terra, 2012. 9As inúmeras representações do brincar Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra. Conteúdo: