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PROFESSORA Me. Juliana da Silva Araujo Alencar Psicologia do Desenvolvimento da Criança ACESSE AQUI O SEU LIVRO NA VERSÃO DIGITAL! EXPEDIENTE Coordenador(a) de Conteúdo Márcia Maria Previato de Souza Projeto Gráfico e Capa André Morais, Arthur Cantareli e Matheus Silva Editoração Nivaldo Villela de Oliveira Junior Design Educacional Daniele Bellese Curadoria Fabiana Bruna Revisão Textual Elaine Machado e Harry Wiese Ilustração Eduardo Aparecido Alves e Geison Ferreira da Silva Fotos Shutterstock NEAD - Núcleo de Educação a Distância Av. Guedner, 1610, Bloco 4 Jd. Aclimação - Cep 87050-900 | Maringá - Paraná www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 Universidade Cesumar - UniCesumar. U58 Impresso por: Bibliotecária: Leila Regina do Nascimento - CRB- 9/1722. Núcleo de Educação a Distância. Ficha catalográfica elaborada de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a). Psicologia do Desenvolvimento da Criança / Juliana da Silva Araujo Alencar. - Indaial, SC: Arqué, 2023. Reimpresso em 2024. 180 p. : il. ISBN papel: 978-85-459-2523-1 ISBN digital: 978-85-459-2518-7 “Graduação - EaD”. 1. Educação 2. Psicologia 3. Infantil. 4. Juliana da Silva Araujo I. Título. CDD -370.15 FICHA CATALOGRÁFICA 02511389 Juliana da Silva Araujo Alencar Olá, sou Juliana Alencar e venho te contar um pouco so- bre a minha trajetória na Psicologia e como descobri a minha paixão pelo desenvolvimento humano, em espe- cial pelo desenvolvimento infantil. Formei-me pela Uni- versidade Estadual de Maringá em 2006, tendo como propósito atuar como docente pesquisadora. Durante a graduação, participei de grupos de pesquisa e desenvol- vi estudos acerca do impacto da cultura sobre a forma- ção da subjetividade e sobre o processo do adolescer na contemporaneidade. Todavia, entendia a necessidade de atuar como psicóloga de modo a ter a experiência prática para formular os futuros problemas de pesquisa. Nesse momento, minha vida deu uma grande guinada! Assu- mi uma vaga, a convite, para atuar na área de psicologia escolar. Eu não sabia absolutamente nada, pois não era minha área de interesse na faculdade, mas topei o desafio https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/9503 e assumi. Resultado? Me apaixonei pelo ambiente escolar, sua dinâmica, complexidade, vivacidade e desafios. Fiz especializações em saúde mental, avaliação psi- coeducacional, fui par avaliativo no estado do Paraná e aprendi convivendo no ambiente escolar a importância de me aprofundar na compreensão das disciplinas de desenvolvimento infantil e aprendizagem. Então, senti ser o momento de retomar ao meu antigo desejo de ser pesquisadora e docente. Comecei a atuar como professora em instituições privadas de ensino su- perior, inclusive a UniCesumar, em 2009. Deste então, me tornei mestre em psicologia e partilho com todos os meus discentes o meu conhecimento e a paixão pela psicologia do desenvolvimento e aprendizagem. http://lattes.cnpq.br/1381959180505623 Hora do intervalo do infantil 4 em uma escola do ensino fundamental. As crianças brin- cam livremente no pátio da escola e em um pequeno playground. Eis que uma cena se desenrola: em uma disputa pelo balanço, este acerta levemente o braço de uma criança de quatro anos. Inicia-se, então, um choro desolado, afirmando que seu braço doía muito. A responsável pela turma se direciona à criança, abaixa-se para ficar na mesma altura e pergunta o que ocorreu. Após o relato, avalia o braço da menina e diz a ela que tem um ótimo remédio para isso, eis que a menina lhe responde: - Profe, um beijinho sara o meu dodói. O enredo motiva algumas questões: por que a disputa pelo brinquedo ultrapassou o diálogo envolvendo arrancar o balanço da outra criança? Qual a lógica seguida pela criança para considerar um carinho capaz de amenizar o desconforto físico? Os comportamentos e as maneiras pelas quais os indivíduos reagem e entendem o seu entorno social evidenciam que, em cada momento do desenvolvimento, estes acreditam e pensam de forma singular, o que motivou a construção da disciplina psicologia do desenvolvimento. As respostas cognitivas e afetivas, bem como as habilidades físicas dos indivíduos, vão se transformando ao longo da vida, influen- ciados por fatores genéticos, ambientais e sociais, o que nos leva a compreender a necessidade de conhecermos cada fase do desenvolvimento humano para analisar se está ocorrendo conforme o esperado. O modo de conduzir uma situação de conflito como a apresentada vai depender da idade, da experiência social, dos valores morais partilhados com a criança. Por isso, é importante saber observar a criança, apreendendo quais os comportamentos que expressam, como reagem a determinado contato ou questionamento, como buscam resolver seus conflitos, como desenvolve-se física e motoramente, de modo a identificar se o desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial está ocorrendo de acordo com o esperado para a sua faixa etária. PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA Aqui, entra o papel fundamental desta disciplina, pois ela sistematiza as pesquisas feitas por diferentes teóricos que darão sustentação a sua leitura no desenvolvimento das crianças que cruzarem o seu caminho profissional, permitindo, assim, compreen- der qual a importância, por exemplo, de estar no mesmo nível da criança para poder lhe dar o suporte, distinguir se dar o beijinho para sarar o machucado é viável e como mediar o conflito da disputa do brinquedo em cada faixa etária. Para poder conseguir se orientar neste caminho sinuoso que é desvendar os com- portamentos infantis, elaboramos este material didático dividido em cinco unidades, nas quais você terá a oportunidade de conhecer de onde surgiu a psicologia como ciência que compreende a formação subjetiva dos indivíduos e quais recursos meto- dológicos você terá disponível para analisar o desenvolvimento infantil, desde a ges- tação até os 12 anos de idade. Neste percurso, você encontrará as três dimensões do desenvolvimento humano apresentados didaticamente, quais sejam: o desenvolvi- mento físico, cognitivo e psicossocial, por meio de autores renomados na psicologia como Piaget, Freud, Spitz, Winnicott e Kohlberg e estudiosos contemporâneos que se dedicaram a esta temática. Ao se apropriar dos preceitos teóricos e dos marcos do desenvolvimento humano no período da infância, apresentados em aqui, esperamos que você consiga entender, por exemplo, o comportamento de nossa pequena menina no playground da escola, destacan- do os processos cognitivos e psicossociais que a levam crer no poder de cura pelo afeto. Não obstante, esperamos que o conhecimento construído nesta trajetória pos- sibilite a você a habilidade de investigar, avaliar e analisar os processos de desen- volvimento, de modo a nortear a sua prática de forma efetiva e harmoniosa junto a crianças nesta faixa etária. IMERSÃO RECURSOS DE Ao longo do livro, você será convida- do(a) a refletir, questionar e trans- formar. Aproveite este momento. PENSANDO JUNTOS NOVAS DESCOBERTAS Enquanto estuda, você pode aces- sar conteúdos online que amplia- ram a discussão sobre os assuntos de maneira interativa usando a tec- nologia a seu favor. Sempre que encontrar esse ícone, esteja conectado à internet e inicie o aplicativo Unicesumar Experien- ce. Aproxime seu dispositivo móvel da página indicada e veja os recur- sos em Realidade Aumentada. Ex- plore as ferramentas do App para saber das possibilidades de intera- ção de cada objeto. REALIDADE AUMENTADA Uma dose extra de conhecimento é sempre bem-vinda. Posicionando seu leitor de QRCode sobre o códi- go, você terá acesso aos vídeos que complementam o assunto discutido. PÍLULA DE APRENDIZAGEM OLHAR CONCEITUAL Neste elemento, você encontrará di- versas informações que serão apre- sentadas na forma de infográficos, esquemas e fluxogramas os quais te ajudarão no entendimento do con- teúdo deforma rápida e clara Professores especialistas e convi- dados, ampliando as discussões sobre os temas. RODA DE CONVERSA EXPLORANDO IDEIAS Com este elemento, você terá a oportunidade de explorar termos e palavras-chave do assunto discu- tido, de forma mais objetiva. Quando identificar o ícone de QR-CODE, utilize o aplicativo Unicesumar Experience para ter acesso aos conteúdos on-line. O download do aplicativo está disponível nas plataformas: Google Play App Store https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/3881 APRENDIZAGEM CAMINHOS DE 1 2 3 4 5 DESENVOLVIMENTO INFANTIL: INFLUÊNCIAS E TEORIAS 11 O INÍCIO DA VIDA: DA CONCEPÇÃO AO NASCIMENTO 39 61 DESENVOLVIMENTO NEUROMOTOR 97 DESENVOLVIMENTO COGNITIVO 130 DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL 1Desenvolvimento Infantil: Me. Juliana da Silva Araujo Alencar Nesta unidade, você conhecerá a história da Psicologia Científica e os principais teóricos que investigaram em profundidade o desen- volvimento infantil. Você terá acesso, ainda, às perspectivas teóricas que formam a base do desenvolvimento humano, bem como aos principais métodos de pesquisa utilizados para estudá-lo. Influências e Teorias UNIDADE 1 12 Para iniciarmos nosso diálogo sobre o tema, convidamos você a se imaginar em uma situação prática, a fim de lhe desenvolver novas percepções. Você faz parte de uma equipe pedagógica de uma escola do seu município. Em reunião, a equipe está discutindo o planejamento do próximo ano, não somente a metodologia de ensino, mas, também, as es- tratégias de recreação e socialização dos alunos do Ensino Fundamental. Neste momento, surgem algumas reflexões sobre a diversidade existente nas classes escolares. Será que as atividades programadas atendem a todas as crianças da mesma maneira? Quais questões devem ser levadas em con- sideração no momento de um planejamento escolar? Uma das reflexões necessárias para atuação pedagógica é justamente sobre a diversidade existente no ambiente escolar. Muito embora haja processos universais de desenvolvimen- to vivenciados por todos os seres humanos, existem, tam- bém, diferenças individuais nas características, influências e consequências do desenvolvimento. Crianças, por exemplo, podem diferir em gênero, altura, peso e físico; na saúde e motivação; em inteligência; no temperamento, personali- dade e reações emocionais. Os contextos de seu desenvolvi- mento também diferem: as comunidades em que vivem, os costumes de uma sociedade, seus relacionamentos, e o que possuem de hobbies. Assim, faz-se necessária uma minuciosa investigação por meio de instrumentos específicos da práti- ca, para que se possa, finalmente, realizar um planejamento eficiente e que atenda a todas as crianças em idade escolar. Agora que você já sabe que uma criança é multideter- minada, vamos convidá-lo a realizar uma atividade prática! Convide cinco colegas ou familiares da mesma faixa etária e solicite que eles respondam ao roteiro, a ser elaborado por você, contemplando os seguintes aspectos: etnia, religião, estrutura familiar, escola que estudou, região onde morou durante a infância, condições socioeconômicas na época, quem eram os cuidadores diretos, se os pais trabalhavam 13 fora, entre outros. Esta atividade vai evidenciar que, apesar de você e seus colegas/ familiares possuírem aspectos em comum, as diferenças decorrem dos diversos fatores pontuados no roteiro, que influenciaram diretamente o desenvolvimento de cada um. Transportando esse experimento para a sua atuação profissional futura, você estará se preparando para lidar com a heterogeneidade do público que irá atender, independentemente de terem a mesma faixa etária. Ressaltamos a importância de analisar os indivíduos, considerando as particularidades de cada um e o processo de desenvolvimento humano constante. Lembre-se de fazer suas anotações acerca do conteúdo, pois serão fundamen- tais na compreensão da disciplina. Convidamos você a refletir que, mesmo em circunstâncias semelhantes, os ritmos e os momentos do desenvolvimento variam. Assim, faz-se necessário saber as idades médias para a ocorrência de certos eventos. Entretanto, essas idades são apenas médias, e há variação entre as pessoas em relação a tais normas. Somente quando o desvio da média for considerável é que devemos analisar o de- senvolvimento como adiantado ou atrasado. Para saber sobre o desenvolvimento humano, portanto, precisamos considerar as características herdadas e levar em conta os muitos fatores ambientais que afetam o desenvolvimento. Precisamos entender como a hereditariedade e o ambiente interagem. UNICESUMAR UNIDADE 1 14 Desde os primórdios, procurou-se compreender o comportamento humano e toda sua complexidade. Nos séculos IV a V a.C., Platão (428 a.C. – 348 a.C.), Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), Sócrates (470 a.C. - 399 a.C.) e outros filósofos gregos já se questionavam quanto aos temas com que os psicólogos se ocupam na atualidade: memória, aprendizagem, motivação, percepção, atividade onírica e comportamento anormal – ou seja, o que divergia do padrão médio esperado (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2002). Nesse ínterim, pode-se afirmar que a psicologia surgiu como parte interessada no entendimento do comportamento e da mente humana. Considerada uma ciência nova, a psicologia foi reconhecida como uma área independente somente no final do século XIX. Antes disso, até 1879, havia a chamada psicologia pré-científica. Nessa época, a psicologia era apenas um conjunto de teorias resultantes de especulações não submetidas a testes empíricos (BOCK et al., 2001). Até a total independência da área, toda e qualquer compreensão em relação ao homem era advinda da filosofia e da fisiologia. Foi com a filosofia, enquanto conhecimento racional e sistemático, que nasceram as primeiras ideias psicológi- cas, as indagações sobre o processo individual e subjetivo do homem. Além disso, começaram também, os primeiros esboços sobre o entendimento do comporta- mento do homem em sociedade (BOCK et al., 2001). Assim, nada mais justo que iniciar nossos estudos nos familiarizando com o percurso de alguns filósofos que há centenas de anos, dedicaram-se às explicações do comportamento humano. Alguns filósofos dedicaram suas vidas para a busca do funcionamento humano, como é o caso do filósofo inglês John Locke (1632-1704). Para esse pensador, o homem era considerado, ao nascer, uma tábula rasa, isto é, a sociedade iria moldá-lo de acordo com seus valores e interesses, ou seja, não haveria influên- cias inatas. Diferentemente a sua ideia, Jean Jacques Rousseau (1712-1778) postulava que nascíamos genuinamente bons, e o desenvolvimento acontecia de acordo com nossas próprias tendências naturais, neste caso, sendo corrompidos pela sociedade. Essas duas ideias são, de alguma forma, válidas até os dias de hoje. Entretanto, a junção das premissas nos faz pensar que nascemos com alguns impulsos e necessidades internas, mas, ao mesmo tempo, somos influenciados pelo meio que vivemos (COTRIM, 2006). Locke e Rousseau originalizaram, por meio de suas filosofias, dois modelos contrastantes do desenvolvimento humano: o mecanicista e o organicista. Am- 15 bos foram fundamentais e influenciam as teorias acerca da compreensão do ser humano até a atualidade. O modelo mecanicista, advindo da filosofia de Locke, postulava que méto- dos experimentais e quantitativos poderiam ser utilizados para pesquisas sobre a natureza humana, uma vez que a teoria entendia o ser humano como sendo regido por leis mecânicas. Com esse modelo, a observação e a experimentação científica tornam-se o principal método de pesquisa humana em detrimento ao método da subjetividade e da especulação, utilizados primordialmente na época. Outro ponto relevante da teoria é o entendimento de que haveria previsibilidade e determina- ção de estímulos específicos no comportamento de um indivíduo. A complexida- de mental, por sua vez, ocorreria por meio deassociações, não havendo espon- taneidade (CHAUÍ, 2005; COTRIM, 2006). Diferentemente do modelo mecani- cista, Rousseau deu origem ao modelo organicista, no qual defendia a teoria que o desenvolvimento humano ocorreria em di- ferentes estágios. A criança, ao se desenvolver, passaria por etapas em que apresentaria dife- rentes habilidades e formas de lidar com problemas distintos. O filósofo postulava que alguns marcos do desenvolvimen- to seriam universais e todos os seres humanos passariam pelos mesmos estágios e na mesma ordem (CHAUÍ, 2005; COTRIM, 2006). Importante ressaltar, que essas teorias sobre a compreensão dos processos mentais fizeram parte de escolas filosóficas e, embora te- nham influenciado o pensamento psicológico, não são consideradas teorias da psicologia. No entanto, no início do século XIX já era pos- sível o estudo em laboratório, dos processos orgânicos e da percepção, UNICESUMAR UNIDADE 1 16 fazendo com que a ciência se desenvolvesse rapidamente. Nessa mesma época, a fisiologia começou a investigar e teorizar a atividade nervosa, os mecanismos da visão e da audição entre outros estudos. Assim, não apenas para a filosofia, mas o desenvolvimento da fisiologia contribuiu, também, para o surgimento da psicologia (SCHULTZ; SCHULTZ, 2000). A psicologia moderna ou psicologia científica surgiu, enfim, a partir do distanciamento da filosofia e da fisiologia. Nesse momento, os comportamentos observáveis passam a fazer parte da investigação científica em laboratórios, e o controle do comportamento humano se torna objetivo principal da psicologia, com um grande esforço para construir um corpo teórico consistente, buscan- do o seu reconhecimento como ciência. Esse reconhecimento esteve pautado no surgimento das teorias clássicas, que são utilizadas até hoje, em maior ou menor grau, isto é, o seu arcabouço teórico abriu espaço para uma série de pesquisas que modernizou a perspectiva sobre o desenvolvimento humano (DAVIDOFF, 2006). Um ponto a se observar é que as teorias se baseiam em certos pressupostos, que não são, necessariamente, verdadeiros. Um exemplo é que os primeiros psi- cólogos do desenvolvimento supunham que a psicologia humana era a mesma em todas as culturas, ou seja, acreditavam que os processos do desenvolvimento humano eram universais. Contudo, à medida que a ciência da psicologia evoluiu, ficou claro que as diferenças culturais também influenciavam o desenvolvimento humano. Assim, as teorias do desenvolvimento precisaram ser alteradas para acomodar essas descobertas (PAPALIA; FEELDMAN, 2013). 17 A disciplina de Psicologia do Desenvolvimento da Criança, por exemplo, só se tornou necessária a partir do momento em que a infância foi concebida como uma etapa na vida do indivíduo que requisitava um olhar diferenciado. Por mais incrível que possa parecer, há relatos de estudos sociológicos que afirmavam não ser prejudicial a jornada de 12 horas de trabalho diário para crianças em fábricas de costura na Inglaterra em 1833 (COLE; COLE, 2003). Essa visão foi alterada somente no início do século XX, quando a criança passou a ser enten- dida como sujeito em fase diferencial de desenvolvimento. Considerando, então, a dimensão de que a ciência se especializa de acordo com o objeto de estudo e que a infância foi tomada como alvo privilegiado de pesquisas. Agora convidamos você a compreender o objeto de estudo para esta disciplina: a Psicologia do Desenvolvimento da Criança. Segundo Rappaport (1981), a psicologia do desenvolvimento representa uma abordagem que visa à compreensão da criança e do adolescente a partir da descrição e da exploração das mudanças psicológicas que eles apresentam no decorrer do tempo, e como estas podem ser descritas e analisadas. Cabe ressaltar que tempo não é em si uma variável psicológica. Os eventos que ocorrem em um determinado segmento de tempo promovem mudanças com- portamentais. Por tal razão, não é adequado dizer que a essência da psicologia do desenvolvimento é o estudo das mudanças que ocorrem em função da idade cro- nológica. O interesse da psicologia do desenvolvimento contempla as mudanças em função dos processos intraindividuais e ambientais (BIAGGIO, 2003). UNICESUMAR UNIDADE 1 18 A Psicologia do Desenvolvimento surgiu, então, como disciplina distinta da Psicologia, com o objetivo de compreender e explicar como: [...] é que, a partir de um equipamento inicial (inato), o sujeito vai sofren- do uma série de transformações decorrentes de sua própria maturação (fisiológica, neurológica e psicológica) que, em contato com as exigências e respostas do meio (físico e social), levam à emergência desses compor- tamentos (RAPPAPORT, 1981, p. 3). Para tanto, os psicólogos do desenvolvimento baseiam-se em pesquisas cuja finalidade é a obtenção de descrições precisas dos comportamentos das crian- ças, tanto em situações naturais (escola, família, praças) quanto em situações de laboratório, além de teorias que propõem conceitos explicativos desses com- portamentos (RAPPAPORT, 1981). Alguns métodos de pesquisa se destacam: observação naturalista, aplicação de questionários, registros de comportamen- to, entrevistas e testes de desenvolvimento. Todos os dados coletados ao longo dessas pesquisas permitiram aos estudiosos produzirem teorias com o objetivo de explicar as razões pelas quais alguns fenômenos ou comportamentos eram considerados ou não como normais. É a partir da pesquisa e da teorização que os psicólogos do desenvolvimento podem oferecer, segundo Rappaport (1981, p. 4), subsídios para a compreensão: 1. do processo normal de desenvolvimento numa determinada cultura. Isto é, conhecimento das capacidades, potencialidades, limitações, ansieda- des, angústias mais ou menos típicas de cada faixa etária. 2. dos possíveis desvios, desajustes e distúrbios que ocorrem durante o pro- cesso e podem resultar em problemas emocionais (neuroses, psicoses), sociais (delinquência, vícios etc.), escolares (retenção, evasão, distúrbios de aprendizagem) ou profissionais. Para compreender estes processos, há diferentes teorias que funcionam como mapas conceituais e orientam a compreensão de um determinado fato. Na psi- cologia do desenvolvimento, existem várias teorias explicativas do desenvolvi- mento humano e, a partir de agora, você irá examiná-las. Nota-se que várias delas são conflitantes em seus pressupostos. Ao avaliá-las, é importante que você esteja ciente de que as teorias refletem as perspectivas dos teóricos que deram origem a elas, portanto, não há teoria certa ou errada, o que é necessário é analisá-las 19 a partir da ótica da evolução da psicologia científica. As principais teorias são: psicanalítica, da aprendizagem, cognitiva, contextualista. Sigmund Freud (1856-1939) foi o precursor da teoria psicanalítica, ao pu- blicar a obra intitulada A Interpretação dos Sonhos, em 1900. Médico neurolo- gista formado pela Universidade de Viena, Freud se questionava sobre sintomas aparentemente neurológicos que algumas mulheres apresentavam, mas que não havia indicações biológicas que as justificassem. Paralisias, convulsões, afasias que, ao serem examinadas, não apresentavam evidência alguma de alteração neurológica. Frente a essas indagações, Freud buscou especializar-se em psiquia- tria, o que possibilitou trilhar uma trajetória que o colocou em divergência com a psicologia da época. Contrapondo-se à corrente psicológica científica até então vigente, Freud propôs que os indivíduos eram regidos por forças inconscientes, os impulsos sexuais e agressivos ancorados em impulsos biológicos e conflitos inevitáveis na infância; ou seja, por forças que a consciência não teria acesso a não ser por meio de sonhos, atos falhos ou chistes (SHULTZ; SHULTZ, 2006). UNICESUMAR UNIDADE 1 20 I c e b e r g Para Freud o consciente é só a ponta do Para Freud o consciente é só a ponta do De acordo com Shultz e Shultz (2006), a psicanálise é reco- nhecidamente a primeirateoria formal da personalidade, e impactou todas as demais criadas após o seu surgimen- to. Freud preconizou que as pulsões sexuais e agressivas são as forças motivadoras que impulsionam o comporta- mento e ditam o seu curso. Para Freud (1938/1981), não há descontinuidade na vida mental, e todo pensamento e comportamento possui significado, não ocorrendo por acaso. Há uma causa para cada pensamento, para cada memória revivida, sentimento ou ação, mesmo que esta seja desconhecida pelo sujeito. Ao criar o método psica- nalítico, Freud explicou que, embora aparentemente mui- tos eventos mentais ocorressem espontaneamente, eram resultado de toda a vivência do indivíduo e da necessidade da satisfação pulsional. Para o teórico, o aparelho psíquico seria estruturado em três instâncias: id, ego e superego. Em síntese, quando nascemos, somos governados pelo id, que opera sob o princípio do prazer. Nesta fase, o impulso busca satisfa- ção imediata de nossas necessidades e desejos. Quando a gratificação é adiada, como quando precisamos esperar para sermos alimentados, começamos a nos ver como se- parados do mundo externo. O ego, instância mediadora entre a satisfação e a realidade, desenvolve-se gradual- mente durante os primeiros anos de vida e opera sob o princípio da realidade, com o objetivo de selecionar os objetos e as circunstâncias possíveis para atender às de- mandas do id. Por fim, o superego corresponde a instân- cia psíquica representante dos ideais e valores morais, ou seja, as ações que sejam socialmente aprovadas. O supe- rego é altamente exigente, podendo gerar sentimento de culpa quando seus padrões de valores não são atingidos (FREUD, 1938/1981). No infográfico a seguir, você pode encontrar as principais características das instâncias psí- quicas de forma sumarizada. 21 Para Freud a personalidade da criança forma-se nos primeiros anos de vida. É por intermédio dos conflitos inconscientes da infância, entre os impulsos inatos do id e as exigências da sociedade que se estabelece a base de valores do indiví- duo. Esses conflitos ocorrem em uma sequência de quatro fases psicossexuais, baseadas na maturação, em que o prazer se desloca de uma zona erógena para outra (FREUD, 1938/1981). Vamos entender melhor essa teoria do desenvolvi- mento psicossexual? A ideia aqui é conhecer e compreender o que e como Freud descreveu o desenvolvimento da criança. Ele considerava as três primeiras fases (primeiros anos) cruciais para o desenvolvimento da personalidade. As crian- ças que receberem pouca ou muita gratificação em qualquer uma dessas fases correrão o risco de desenvolverem o que ele denominou de fixação (PILETTI; ROSSATO; ROSSATO, 2014). A fixação é uma suspensão no desenvolvimento que pode reverberar na personalidade adulta. Por exemplo, nos primeiros meses de vida, os bebês são regidos pela primeira fase, a fase oral (0–1 ano), ou seja, todo prazer está con- centrado na boca e a fonte de prazer é a alimentação, a zona erógena da fase. Por- tanto, bebês cujas necessidades não são satisfeitas durante a fase oral poderão, na idade adulta, ter o hábito de roer as unhas, fumar ou desenvolver personalidades ID EGO SUPEREGO inato, instintivo, amoral, inconsciente, grati�cação imediata. formado a partir do id, escolha de objetos adequados, satisfação mediada pela realidade. ideais e valores morais internalizados, senso de dever, sentimento de culpa. UNICESUMAR UNIDADE 1 22 agressivamente críticas (PILETTI; ROSSATO; ROSSATO, 2014). A segunda fase é denominada por Freud como fase anal (1–3 anos), em que a principal fonte de prazer é o controle da liberação dos esfíncteres. A criança que, na primeira infância, teve um treinamento higiênico muito rígido, pode fixar-se na fase anal, podendo, no futuro, apresentar obsessão por limpeza, controle extremo por ho- rários e rotina ou, doutro modo, segundo o teórico, poderá tornar-se um adul- to desleixado. A fase seguinte do desenvolvimento psicossexual é a fase fálica (3–5 anos) que ocorre na segunda infância (3–6 anos). Nesta fase, ocorre o que Freud nomeou de Complexo de Édipo, e ressaltou a sua importância, pois é a partir dos seus desdobramentos que se forma o superego (PILETTI; ROSSATO; ROSSATO, 2014). Nos meninos, o Complexo de Édipo se estabelece quando desenvolvem apegos sexuais por suas mães, ao mesmo tempo em que apresentam impulsos agressivos pelos pais. Em relação às meninas, o apego sexual é destinado ao pai, e as mães, nesse caso, tornam-se as rivais. Com o tempo, as crianças resolvem a ansiedade sobre os seus sentimentos identificando-se com seus rivais e entrando em um período de latência (5 anos-puberdade), na terceira infância (6-12), no qual as crianças direcionam a energia sexual para outros fins, como a escola, os relacionamentos e atividades sociais. Por fim, há a fase genital (puberdade – vida adulta), que constitui o desenvolvimento humano e se estende por toda a vida adulta. Os impulsos sexuais reprimidos durante a latência ressurgem para fluir em canais socialmente aceitos. O sujeito, mais uma vez, volta a sua energia sexual para seus órgãos genitais, agora, em direção às relações amorosas (FREUD, 1938; 1981). NOVAS DESCOBERTAS Título: Freud – Além da alma Ano: 1963 Sinopse: O filme é inspirado na vida do psicanalista Sigmund Freud e percorre os cinco primeiros anos de sua carreira, iniciando-se em 1885. O filme retrata a ida de Freud para a França, o seu casamento e a ela- boração das primeiras teorias a respeito do Complexo de Édipo, da estrutura da mente humana, do inconsciente, da sexualidade e das técnicas experi- mentais testadas por ele em terapia. 23 Freud inspirou uma geração de novos psicanalistas, mesmo que alguns tenham rumado para novas direções. Isso quer dizer que, mesmo influenciados pela teo- ria psicossexual de Freud, muitos dos seus seguidores deram importância para outras motivações que não somente os impulsos sexuais. Dentre eles, destaca-se Erik Erikson (1902–1994), psicanalista alemão que estudou o desenvolvimento psicossocial. Erikson, inicialmente, fez parte do círculo vienense de Freud, am- pliando a teoria freudiana com ênfase na influência da sociedade no desenvolvi- mento da personalidade. Em contraposição à teoria de Freud, Erikson afirmou que o desenvolvimento do ego se estende por toda a vida, sendo um dos primei- ros psicanalistas a assumir um ponto de vista de ciclo da vida (ERIKSON, 1972). Para o teórico, o ciclo da vida possui oito estágios, os quais são explicados em sua teoria do desenvolvimento psicossocial. Nesses estágios, as pessoas passam pelo o que ele denomina de crise de personalidade. Como um dos pri- meiros psicanalistas a assumir um ponto de vista de ciclo da vida, Erikson afirma que a personalidade se desenvolve pela resolução dos problemas encontrados nas diferentes etapas da vida (ERIKSON, 1972). O primeiro estágio denominado Confiança x Desconfiança ocorre até os dois anos de idade, e se estabelece de acordo com o processo de socialização que a criança possui com o cuidador. Havendo negligência nesta fase, podem surgir sentimentos de insegurança, desconfiança e ansiedade, ao passo que a segurança ocorre por meio do acolhimento e afetividade dispensados ao bebê nesses pri- meiros anos de vida. O segundo estágio, que ocorre entre os dois e três anos de idade, é chamado de Autonomia x Vergonha e Dúvida. É nessa fase que ocorre o desenvolvimento da linguagem, que permite à criança a se perceber como um ser social. A aceitação no círculo social pode desenvolver a autonomia na criança, na criança, quanto às críticas e a repressão podem desenvolver sentimentos de vergonha e dúvida (ERIKSON, 1972). No que se refere ao terceiro estágio, que acontece entre os 4 e 5 anos é de- nominado por Erikson por Iniciativa x Culpa. Nesta fase, a criança começa a se socializar com um ciclo além da família, tendo o ato de brincar a principal habilidade desenvolvida. Com novas atividades sociais, se houveriniciativa, há o surgimento da responsabilidade e a falta da iniciativa pode ser internalizada como sentimento de culpa. Já por volta dos 6 aos 11 anos de idade sentimentos emergem definindo o quarto estágio da teoria de Erikson, chamada de Diligên- cia x Inferioridade. A socialização formal suprime a imaginação, sobretudo, UNICESUMAR UNIDADE 1 24 por meio da educação. Nesse momento, o esforço e a perseverança são recom- pensados pela sociedade, e as falhas são criticadas, podendo surgir sentimentos de desmotivação e inferioridade (ERIKSON, 1972). Erikson definiu a quinta fase como Identidade x Confusão de Identida- de. Para ele, o adolescente entre os 12 e 19 anos de idade vivencia uma crise por precisar se conformar às normas de um grupo de modo a ser aceito e criar sua própria identidade. Dúvidas em relação ao futuro e pressões sociais como escolha da carreira, relacionamentos etc. somados às transformações biológicas, fazem com que, a depender do reconhecimento dos novos papéis, o adolescente enfrente uma confusão de identidade. Quando estabelecida a identidade, entre os 20 e 40 anos, o indivíduo passa pelo estágio da Intimidade x Isolamento, ou seja, é nesse momento que ocorre uma identificação com os pares de acordo com os valores e interesses. As relações íntimas estabelecidas no trabalho e rela- cionamentos concretizam a identidade, enquanto a dificuldade de relacionar-se com os grupos pode levar o indivíduo ao isolamento (ERIKSON, 1972). Avançando nos estágios, entre os 40 e 60 anos de idade, os adultos estão volta- dos para o futuro e a necessidade de estabilidade emocional e financeira. Erikson define este estágio como Produtividade x Estagnação. O reconhecimento nesta fase é primordial, uma vez que se não houver eficácia nos projetos, os sentimentos de frustração e estagnação poderão emergir. Finalmente, a partir dos 60 anos, perdurando até a morte do indivíduo, ocorre o estágio denominado Integridade x Desespero. Esta é uma fase de reflexão e avaliação da vida. O indivíduo que se encontra nesse estágio emitirá comportamentos de acordo com o resultado da avaliação de sua trajetória e legado. Se for identificado um sentimento de realização, a pessoa se conformará com a chegada do fim da vida. De qualquer maneira, o teórico afirmava que, havendo insatisfação em quaisquer fases da vida, todas as demais etapas seriam, invariavelmente, afetadas (ERICKSON, 1972). Até o momento foram discutidas apenas duas visões da perspectiva psica- nalítica, no entanto, como mencionado anteriormente, uma nova geração de psicanalistas deu continuidade à teoria de Freud, mesmo divergindo em alguns pontos de discussão. A própria filha de Freud, Anna Freud, a psicanalista Me- lanie Klein, os psicanalistas Jacques Lacan e Donald Winnicott são alguns dos seguidores que mantiveram o objetivo de investigar os processos subjacentes ao desenvolvimento humano. 25 Começaremos, agora, com uma abordagem muito diferente da psicanálise no que diz respeito a sua epistemologia e método de estudo. Você conhecerá a perspectiva da aprendizagem. Essa abordagem tem como principal objetivo estudar o comportamento observável, sustentando que o desenvolvimento resul- ta da aprendizagem. E, entende-se a aprendizagem, como sendo uma mudança relativamente estável e duradoura no comportamento, baseada na experiência ou adaptação ao ambiente. Desse modo, os estudiosos da aprendizagem bus- cam compreender as variáveis responsáveis pelas alterações do comportamento observável, examinando o desenvolvimento como um fenômeno contínuo. A precisão dos resultados fez com que o estudo do desenvolvimento humano se tornasse científico (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Duas foram as correntes advindas dessa abordagem de aprendizagem, ambas focadas no estudo dos comportamentos observáveis e, mais tarde, voltadas ao estu- do da cognição humana. São elas: o behaviorismo e a teoria da aprendizagem social. O Behaviorismo, fundado pelo psicólogo norte-americano John Watson (1879-1958), foi uma corrente, inclusive uma das primeiras, interessada na for- mulação da psicologia como ciência objetiva. Watson acreditava que poderia modelar qualquer criança da forma que quisesse, influenciando uma geração de pais a aplicar os princípios de sua teoria na educação dos filhos. Partindo desse pressuposto, e sem o rigor ético de pesquisa em humanos na época, o psicólogo apresentou os primeiros princípios do condicionamento clássico em seres huma- nos por meio do conhecido “Pequeno Albert”. Albert foi um bebê de 11 meses que participou de um experimento, cujo objetivo era condicionar a criança a ter medo de objetos brancos peludos (PAPALIA; FELDMAN, 2013). UNICESUMAR UNIDADE 1 26 Inicialmente foi demonstrado que o bebê não esboçava reações de medo fren- te a animais, como rato branco, macaco e nem diante de objetos como um jornal em chamas. Entretanto, o pareamento de um barulho intenso na presença do rato fez com que o bebê começasse a chorar, generalizando seu medo frente a outros animais. Watson concluiu que muitos comportamentos, incluindo as emoções, são passíveis de condicionamento, e sua teoria, mesmo considerada antiética, serviu para impulsionar novos estudos no campo da ciência do comportamento. Após o experimento, foi possível compreender as preferências e aversões por cheiros, pessoas, alimentos como sendo frutos de uma aprendizagem, do mes- mo modo que o medo de objetos, lugares e animais podem ser frutos de uma experiência traumática (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Interessante é o estudo do condicionamento. Contudo, a explicação da com- plexidade do comportamento humano tornou-se limitada apenas aos resultados dos estudos de Watson. Apesar da sua grandiosidade na realização de experi- mentos, foi o psicólogo norte americano Burrhus Frederic Skinner (1904-1990) quem deu o passo para compreender que, embora passível de entendimento mediante o método experimental e dos princípios do condicionamento clássico, o comportamento é um processo de interação, em que o ser humano é ativo na modificação do seu ambiente. A essa nova concepção de behaviorismo, Skin- ner definiu como behaviorismo radical, ao passo que atribuía à concepção de Watson a denominação de behaviorismo metodológico (SKINNER, 2003). Skinner concluiu que o indivíduo não poderia ser simplesmente afetado por estímulos antecedentes de maneira reflexa, e dedicou seus estudos para a expli- cação do comportamento operante, no qual analisou como o sujeito atuava em seu ambiente e tem seu comportamento modificado pela consequência de suas ações. Diferentemente, portanto, do behaviorismo clássico metodológi- co, o cientista comportamental avançou em seus estudos experimentais e de- senvolveu, ainda, uma filosofia, no qual tratou de temas como pensamentos e emoções. Mesmo que estes temas não tratem de comportamentos observáveis, são frutos da interação do organismo com o ambiente, podendo ser estudados pelos mesmos processos da aprendizagem a que o comportamento público está submetido (SKINNER, 2003). O trabalho de Skinner sobre o comportamento operante foi realizado, pri- mordialmente, com infra-humanos (ratos e pombos), porém, os princípios de condicionamento foram comprovados para aplicação em seres humanos. Um 27 dos grandes feitos da teoria do behaviorismo radical foi a descoberta do reforço como fortalecimento da emissão de um comportamento. Isso quer dizer que um organismo terá maior probabilidade de repetir uma resposta que foi reforçada por consequências desejáveis e terá menor probabilidade de emitir uma resposta que teve como consequência uma punição (SKINNER, 2003). Para exemplifi- car, quando uma criança chora e a mãe a pega no colo, a atenção dispensada à criança aumenta a probabilidade de ela chorar futuramente. Todavia, caso a mãe emitisse um comportamento de descontentamento com o choro, gritando ou apresentando uma expressão facial aversiva, diminuiria a probabilidade do choro da criança. Além disso,haveria a possibilidade de extinguir o comportamento do bebê, ou seja, caso a mãe não emita nenhum comportamento frente ao choro, a criança não seria reforçada por chorar, logo não repetiria o comportamento futuramente (BEE, 1997). Cabe ressaltar que existe relatividade no que é considerado reforço e punição, ou seja, o que pode ser reforço para algumas pessoas, pode ser uma punição para outras. Um exemplo é da criança que apresenta comportamento desordeiro em sala de aula e, constantemente, é enviada à diretoria, o que parece ser punição, só pelo fato de ausentar-se da sala de aula já aumenta a probabilidade de bagunçar futura- mente. Além do mais, é importante entender que o reforço possui maior eficiência quando for dado imediatamente após um comportamento (SKINNER, 2003). Conclui-se que Skinner desenvolveu uma obra completa no que se refere ao estudo do comportamento humano. Seus estudos abrangem desde o pareamen- to de comportamentos simples até a complexidade do comportamento verbal e social, baseando-se na perspectiva da multideterminação. Skinner atribuiu a sua ciência comportamental à inter-relação entre o filogenético (espécie), onto- genético (história de vida) e cultural (sociedade), fazendo com que seja possível compreender o ser humano em sua idiossincrasia (SKINNER, 2003). São muitas teorias, mas apesar de uma se opor a outra, é importante que você observe que todas elas possuem o propósito de explicar como as pessoas agem e constituem sua personalidade. PENSANDO JUNTOS UNICESUMAR UNIDADE 1 28 Saímos, então, da perspectiva da aprendizagem e partimos, agora, para a perspectiva cognitiva. Essa teoria tem como fundamento o estudo dos pensamentos como primordiais para o desenvolvimento psicossocial. Seus precursores foram Piaget com a teoria dos estágios cognitivos, e Vygotsky, com a teoria sociocultural. Começaremos com a teoria dos estágios cognitivos de- senvolvida pelo biólogo e filósofo suíço Jean Piaget (1896- 1980). Piaget dedicou seus estudos ao entendimento sobre como as crianças explicavam certos eventos e qual lógica estaria envolvida na resolução de determinadas atividades experimentais. Ele concluiu que crianças de quatro anos de idade, quando se deparavam com objetos dispostos em fila e empilhados, acreditavam que os objetos em fila seriam mais numerosos, cometendo, assim, tipos semelhantes de erro de lógica. Foi, então, a partir dessas observações, que Piaget, criou uma teoria que procurava descrever o desenvolvimen- to cognitivo a partir de três processos inter-relacionados: a assimilação, a acomodação e a equilibração (PIAGET, 1971). De acordo com o teórico, a criança lida com novas infor- mações, partindo do que já aprendeu, chamando esse pro- cesso de adaptação. Essa adaptação só é possível por meio de dois outros processos complementares. O primeiro é a as- similação, que consiste em absorver uma nova informação e associá-la às informações existentes; a segunda é a que ele chamou de acomodação, momento em que a criança precisa ajustar suas próprias estruturas cognitivas para receber a nova informação do ambiente. O processo da equilibração ocorre quando há um desequilíbrio (tensão emocional) no momen- to que a criança precisa lidar com novas experiências, sendo que os novos padrões mentais se organizam posteriormente, assim, restaura novamente o equilíbrio (PIAGET, 1971). Piaget elaborou outra teoria sobre o desenvolvimento humano, além desta que versa sobre os processos de adap- tação e equilibração, no qual ele denominou de estágios do 29 desenvolvimento infantil. Segundo Piaget, a criança, até dois anos de idade, passa pelo primeiro estágio denominado sensório-motor. Nessa fase, a criança desenvolve a ecolalia (primeiro manifesto de linguagem pela repetição de síla- bas). Além disso, este período é marcado apenas pelo que ela enxerga em seu campo de visão, o que sai desse campo passa a não existir. O segundo estágio, chamado de estágio pré-operatório, ocorre durante o período de 2 a 7 anos de idade, quando há aquisição da linguagem e imaginação, fazendo com que a criança consiga se envolver em brincadeiras. Nesta fase, conhecida como “idade dos porquês”, o conhecimento do mundo é desenvolvido por meio de questio- namentos (PIAGET, 1971). A criança dos 7 aos 11 anos de idade passa pelo estágio operatório-concreto em que ela consolida conceitos de volume, quantidade, peso, comparação etc., além de estabelecer relações sociais e diversificadas por meio da linguagem. Por fim, o último estágio do desenvolvimento infantil definido por Piaget, é o cha- mado operatório-formal, que começa a partir dos 11 anos de idade. Nesta fase, a criança já possui considerada inteligência hipotético-dedutiva e lógica, ou seja, já é capaz de prever consequências de ações e trabalhar com metáforas, conse- guindo, inclusive, relacionar-se de forma cooperativa e recíproca com membros da sociedade (PIAGET, 1971). Não há dúvidas sobre a colaboração das teorias de Piaget para a educação, uma vez que, a partir delas, foi possível compreender o que ocorre com as crian- ças em idades distintas além de colaborar na elaboração de currículos de acordo com os níveis de desenvolvimento. Entretanto, existem, por parte de alguns psi- cólogos contemporâneos, críticas à teoria piagetiana, alegando que há evidências de que o desenvolvimento cognitivo não passa necessariamente por fases defini- das, pois o desenvolvimento cognitivo é mais gradual e contínuo. Somado a isso, psicólogos discutem que o raciocínio formal é fortemente influenciado por uma cultura (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Contrária à teoria piagetiana, destaca-se a teoria sociocultural do psicó- logo russo Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934), que afirmava que a cultura seria primordial para o desenvolvimento cognitivo da criança. Apesar de ambos os teóricos compreenderem a criança como ativa em seu ambiente, Vygotsky discordou de Piaget no que se refere à estruturação da mente. Para o teórico, o desenvolvimento cognitivo é um processo colaborativo (DAVIDOFF, 2006). UNICESUMAR UNIDADE 1 30 Ainda segundo Vygotsky, a criança aprende internalizando formas de pen- sar de uma sociedade, dando, portanto, importância significativa à linguagem, fazendo com que ela conheça o mundo e desenvolva seu próprio pensamento. A criança, nesse caso, aprenderia por meio da interação social, na qual os adultos direcionam e organizam os objetos e ações de aprendizagem da criança, antes que ela possa dominá-la de forma independente. Para essa dinâmica, entre o que a criança é capaz de fazer sozinha e o que ela precisa de auxílio de um adulto, Vygot- sky denominou de zona de desenvolvimento proximal (ZDP). Neste processo de orientação, faz-se importante que as instruções sejam precisas e aumentadas, no que tange a sua complexidade, na medida em que as habilidades da criança são aperfeiçoadas. Essas orientações devem ser programadas até que a criança desenvolva a autonomia necessária para aprender sozinha (VYGOTSKY, 2001). Do mesmo modo que a teoria de Piaget, a teoria de Vygotsky contribuiu de forma significativa com a educação, modificando a maneira com que os pais e edu- cadores entendem a socialização e complexidade cognitiva (VYGOTSKY, 2001). Agora que você conheceu um pouco das teorias cognitivas, vamos analisar a teoria contextualista ou teoria bioecológica. Nessa perspectiva desenvolvida pelo psicólogo russo-americano Urie Bronfenbrenner (1917-2005), o indivíduo e o ambiente são indissociáveis. Para o teórico, as pessoas fazem parte de um contexto de múltiplos ambientes, que as afetam consideravelmente, variando do mais íntimo para o mais amplo. O microssistema, por exemplo, possui ligação direta com as relações inter- pessoais do indivíduo. Essas relações ocorrem em ambientes como o próprio lar, escola, trabalho, bairro e todos que fazem parte desses ambientes como familia- res, amigos, colegas, vizinhos etc. Para Bronfenbrenner, o microssistema possui umapoderosa influência na forma de ver o mundo e de cada indivíduo se com- portar. Partindo para o mesossistema, este refere-se aos processos entre dois ou mais ambientes, sendo que as experiências num dos contextos tem consequências sobre as experiências que existem e se configuram noutros contextos. Um exem- plo disso é quando uma criança apresenta problema na escola (mesossistema) e seu relacionamento em casa (microssistema) é afetado por esse problema. Neste caso, mesmo que os pais não frequentem a escola, serão afetados por questões relativas àquele lugar. O exossistema refere-se à influência que as instituições externas exercem sobre o indivíduo, como o caso de o trânsito alterar o horário 31 de ir para o trabalho, escola etc., os programas televisivos influenciarem as esco- lhas e comportamentos das pessoas, entre outros (BRONFENBRENNER, 1996). Os padrões culturais, como crenças, ideologias, sistema econômico fazem parte do macrossistema, assim como catástrofes, desemprego e mudança de cidade podem alterar a estrutura familiar por meio do chamado cronossistema (BRONFENBRENNER, 1996). Segundo Bronfenbrenner (1996), o indivíduo é determinado por essas diversas influências, o que norteia a ideia de que a pessoa não é responsável pelo seu próprio desenvolvimento. Na Figura 1, você pode conferir um esquema gráfico da teoria bioecológica. Descrição da Imagem: a figura apresenta um esquema com quatro círculos, um dentro do outro. No primeiro círculo, de dentro para fora, temos os seguintes textos: “Criança: escola, família e amigos”; “Mi- crossistema”. No segundo círculo, temos os seguintes textos: “Mesossistema”; “Comunidade imediata”. No terceiro, encontram-se: “Exossistema”; “Comunidade institucional”. No quarto e último círculo, temos os seguintes textos: “Macrossitema”; “Estrutura política e social”. Acima do esquema, há duas setas con- trárias: uma aponta para a direita e a outra para a esquerda. Acima delas está a palavra “Cronossistema”. Figura 1 – Teoria contextualista ou teoria bioecológica. Fonte: adaptada de Benetti et al. (2013). UNICESUMAR UNIDADE 1 32 E, assim, finalizamos o estudo das abordagens teóricas, ao menos, das mais clás- sicas. Certamente, além desses, existem um número muito maior de cientistas do desenvolvimento que deram continuidade a essas teorias, aprimorando-as e/ou desenvolvendo seus próprios pressupostos acerca do desenvolvimento humano. Antes de abordarmos outro assunto, vamos apresentar a você as perspectivas teóricas em um só caso. Estudo de caso: Ao tentar compreender como crianças de quatro anos de uma classe específica desenvolvem o senso de certo e errado, o behavioris- ta examinaria o modo como os pais reagem ao comportamento dos filhos: que tipos de comportamento eles reforçam, aumentando a probabilidade de repetir futuramente, quais comportamentos são suprimidos pela pu- nição, ou quais eles colocam em extinção, cessando formas de reforços, como a atenção. Já um teórico da aprendizagem social investigaria quais os modelos que essas crianças possuem como exemplos de moralidade. Um pesquisador com orientação psicanalítica avaliaria qual fase psicossexual as crianças se encontram. Por conta dos quatro anos, analisaria a fase fá- lica (período que ocorre o complexo de Édipo), como forma de identificar o desenvolvimento do superego. Por fim, na perspectiva cognitivista, os psicólogos pesquisadores analisariam o processo da interação das crianças com seus cuidadores e as formas de elaboração das informações e cons- trução de novos pensamentos. Você percebeu que as visões são distintas? Por outro lado, o objetivo da análise é o mesmo. 33 Ao longo do desenvolvimento da psicologia como ciência, a observação tem se mostrado o principal instrumento de coleta de dados. A observação é utiliza- da pelos pesquisadores nas diferentes situações de aplicação da psicologia, tais como clínicas, escolas e organizações. No que se refere ao ambiente escolar, os psicólogos recorrem à observação para identificar dificuldades de socialização, dificuldades de aprendizagem, conduto, deficiências no ensino etc. (DANNA; MATOS, 2006). Entende-se que a observação é uma técnica utilizada na maioria das metodologias de pesquisa e é imprescindível que ela seja precisa e sistemática, pelo fato da necessidade de ser planejada e conduzida em função de um objetivo anteriormente definido. Isso quer dizer que se faz necessário especificar as condi- ções, ou melhor, planejar as observações para poder estabelecer: onde, quando, quem, o que e como (DANNA; MATOS, 2006). Outro método utilizado pelos desenvolvimentistas é a pesquisa quantitati- va, que trabalha com dados mensuráveis, incluindo análise estatística. A partir dessa metodologia é possível analisar quanto de ansiedade um jovem pode apre- sentar no dia do vestibular. O estudo é realizado por meio de teste padronizado, identificação das alterações fisiológicas, instrumentos padronizados, entre outros. Entretanto, se o objetivo é entender “como” e “por quê” ocorre o comportamento, a pesquisa ideal seria a pesquisa qualitativa. Para essa última, os pesquisadores avaliam, por exemplo, as emoções que o vestibulando pode apresentar no dia da prova, por meio de descrições verbais, sentimentos, subjetividade em relação às experiências etc. (LAKATOS; MARCONI, 2011). Já para o estudo de caso, como é o exemplo da metodologia utilizada por Freud, o estudo é realizado apenas com um indivíduo. Avaliam-se, neste caso, informações detalhadas para testagem de tratamentos e direções para pesquisas futuras (LAKATOS; MARCONI, 2011). Outros dois grandes métodos utilizados no estudo do desenvolvimento humano são: os estudos transversais que mos- tram semelhanças e diferenças entre faixas etárias, enquanto os estudos longi- tudinais revelam como as pessoas mudam ou mantêm-se as mesmas à medida que envelhecem. Quando pessoas de diferentes idades são avaliadas em um único momento, nos referimos ao estudo transversal, e quando uma mesma pessoa ou um grupo é avaliado em mais de uma oportunidade e, às vezes, com intervalo de anos, nos referimos ao estudo longitudinal (LAKATOS; MARCONI, 2011). A escolha dos métodos dependerá, sempre, do objetivo do estudo e da orientação teórica do pesquisador. A pesquisa quanti, geralmente, é feita em UNICESUMAR UNIDADE 1 34 laboratório, em condições controladas, enquanto a pesquisa quali é conduzida em ambientes do cotidiano com o uso de autorrelatos como: diários, técnicas visuais, entrevistas e questionários (LAKATOS; MARCONI, 2011). Além dos métodos de pesquisa, é necessário que você compreenda a importância da ética envolvida nesse processo. Universidades em todo o mundo examinam criteriosamente, por meio dos seus comitês de ética, as propostas de pesquisas que são avaliadas por meio das diretrizes da American Psychological Association (APA). A APA orienta sobre questões como consentimento dado livremente com pleno conhecimento das im- plicações da pesquisa, proibição de má-fé, proteção aos participantes sobre danos e perdas da integridade, garantir a privacidade e o sigilo e o direito a recusar ou a se retirar de um experimento a qualquer momento (PAPALIA; FELDMAN, 2013). É importante que você compreenda que os cientistas do desenvolvimento estão em constante aprimoramento, o que faz com que o conhecimento sobre o ser humano não cesse. Desse modo, espera-se que você também contribua, conforme avança nos estudos desta disciplina, com questionamentos e, futura- mente, possa conduzir pesquisas no campo da educação, contribuindo com o processo de aprendizagem. Chegou o momento do nosso podcast! Neste primeiro episódio, nós vamos discutir como a observação se consti- tui uma ferramenta essencial para atuar junto a crianças e adolescentes, com o objetivo de avaliar o desenvolvimento normal ou possíveis intercorrências. Saber o que e como observar, além de como registrar os dados é imprescindível para uma boa avaliação do desenvolvimentohumano. Então é só dar o play e acompanhar o podcast da Unidade 1. Bons estudos! . No percurso da unidade, você pôde verificar a existência de diferentes teorias acerca do desenvolvimento humano, correto? A diversidade apresentada se justi- fica, pois somos complexos em nossa constituição. Quantas variáveis influenciam e os mais diversos caminhos para entender os seus impactos no pleno desenvol- vimento humano? Pois bem, aqui lhe questiono se é viável elaborar atividades sem considerar as nuances desse saber teórico. Quais pontos devem ser consi- derados pelo profissional ao se propor atender crianças? Será que planejamentos https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/9497 35 universais, sem considerar as idiossincrasias dos indivíduos permitem alcançar bons resultados? Você viu até o momento que o ser humano passa por diferentes estágios do desenvolvimento e que, para cada uma dessas fases, existem padrões de com- portamento característicos. Saber identificar tudo isso, com base nos princípios da psicologia do desenvolvimento, é fundamental. Dessa forma, o futuro profis- sional da educação pode entender quais são os métodos mais adequados para o desenvolvimento do aprendizado, a depender de qual estágio se encontra o educando. Além disso, conhecer os métodos de pesquisa que dão origem aos pressupostos teóricos é essencial para qualquer área de atuação, mas, sobretudo, à área da educação. UNICESUMAR 36 1. João Pedro tem quatro anos e cursa regularmente a educação infantil desde seus dois anos. Apresenta comportamento tranquilo e boa socialização. Gosta de jogos simbólicos, brincando de motorista de caminhão – profissão do pai, e de confeitar bolos – profissão da mãe. Na rotina escolar, consegue se alimentar sozinho, mas requer ajuda para ir ao banheiro, pois ainda não está totalmente desfraldado. Tem por hábito fazer uma breve oração antes de todas as refeições, comportamento este que mobiliza questionamento por parte dos demais colegas (Fonte: a autora). Considerando os dados disponibilizados, analise as afirmativas a seguir a partir das diferentes correntes teóricas estudadas. I - O desenvolvimento humano é constituído a partir de vivências concretas dos indivíduos como seu meio social, cultural e religioso. Por isso, identificamos a singularidade do comportamento do João Pedro nas escolhas das brincadeiras e a maneira de se portar antes das refeições. II - De acordo com a teoria da aprendizagem, o comportamento humano é forjado a partir das consequências que suas ações recebem e, assim, vai estabelecendo padrões de julgamento, tornando-se seletivo na escolha de modelos, evidencia- do, por exemplo, em suas brincadeiras. III - À luz da teoria cognitivista, podemos inferir que João está no período operatório, pois apresenta boa socialização, brincar simbólico e consegue reproduzir com- portamentos apreendidos no contexto familiar no ambiente escolar. É correto o que se afirmar em: a) I, apenas. b) II, apenas. c) III, apenas. d) I, II, apenas. e) II, III, apenas. 2. Os avanços na construção da ciência do desenvolvimento nos mostraram que ela não é completamente objetiva, uma vez que tomamos como objeto de pesquisa seres de nossa mesma espécie. Em outras palavras, a história de vida dos pesquisadores cria filtros que influenciam suas interpretações e análises dos dados coletados. Por isso, é tão importante ressaltar os padrões de modelos de pesquisa para minimizar os impactos desses filtros e estabelecer leituras contextualizadas e atentas às ca- racterísticas dos fenômenos estudados. E os princípios gerais do desenvolvimento 37 devem ser adotados como ponto de partida para as análises do desenvolvimento humano (MARTORELL, 2014). Partindo do exposto, analise as alternativas que seguem e assinale a correta: a) O desenvolvimento humano acontece por etapas, considerando as especifici- dades de cada sujeito, de tal modo que, cada um se desenvolve em um ritmo particular, não podendo haver comparações entre os sujeitos. b) As teorias do desenvolvimento humano consideram os indivíduos de forma inte- gral, portanto, todas partem dos mesmos pressupostos teórico-filosóficos para a compreensão da evolução dos comportamentos humanos. c) Os modelos de pesquisa possibilitaram aos estudiosos verificarem que o desen- volvimento é relativamente ordenado, ou seja, certas habilidades são desenvol- vidas antes de outras, funcionando como “pré-requisito” para a próxima etapa. d) A teoria do desenvolvimento humano é universal, pois aborda todas as facetas do desenvolvimento humano, sejam elas físicas, psíquicas, cognitivas, culturais etc. Por essa razão, não se justificam estudos que contemplem a influência das especificidades culturais. e) Desde o nascimento até o fim da vida, o desenvolvimento humano acontece de forma gradual, não havendo períodos em que seja possível identificar maior transformação ou aquisição de comportamentos e aprendizagem. 3. Como vimos, as diferentes perspectivas teóricas acerca do desenvolvimento humano consideram princípios singulares como fundamentais na compreensão e previsão dos comportamentos biopsicossociais dos indivíduos. Por essa razão, é importante saber diferenciar quais são os pontos centrais dessas teorias. Assim, considerando as correntes teóricas apresentadas, associe as colunas que correspondam às teorias com a explicação dada ao desenvolvimento humano. a) Teoria Psicanalítica. b) Teoria Cognitivista. c) Teoria Contextualista. d) Teoria da Aprendizagem. 38 ( ) Procura estudar como o indivíduo constrói suas estruturas cognitivas para a aquisição do conhecimento e quais os processos de pensamento presentes no homem desde sua infância até a idade adulta. ( ) Explica o indivíduo como uma consequência das influências da relação com o meio (filogênese, ontogênese, cultura). A hipótese de que o comportamento é determinado e probabilístico é necessária para poder aplicar um método cien- tífico no campo das ciências. ( ) Estuda, exclusivamente, a influência ambiental, variando do mais íntimo para o mais amplo. Para entender a complexidade das influências sobre o desen- volvimento, faz-se necessário ver a pessoa dentro do contexto dos múltiplos ambientes em que vive. ( ) Define a personalidade como um produto de forças psicológicas que interagem dentro do indivíduo, frequentemente fora de seu estado de consciência (incons- ciente). É dada ênfase no desenvolvimento por meio de fases psicossexuais. A sequência correta é: a) A, B, C, D. b) B, D, C, A. c) C, B, A, D. d) B, A, C, D. e) D, C, B, A. 2O início da vida: da Concepção ao Nascimento Me. Juliana da Silva Araújo Alencar Nesta unidade, você verá como ocorre o processo de desenvolvimento intrauterino, desde o momento da concepção até o nascimento. Se- rão discutidos temas como herança biológica e influências ambientais dentro e fora do útero. Além disso, você entenderá como ocorrem as anomalias genéticas e cromossômicas e como elas são discutidas na devolutiva do aconselhamento genético. Por fim, você será capaz de compreender a importância do pré-natal e todos os cuidados neces- sários para uma gestação sem intercorrências. UNIDADE 2 40 Presume-se que genética e outros assuntos relacionados à he- reditariedade são de competência de pesquisadores e profis- sionais das ciências médicas e biológicas, entretanto, outras áreas do conhecimento utilizam-se, igualmente, dessa temá- tica. Assim, qual é a importância de você conhecer temas de tais áreas? E, como futuro profissional da educação, qual papel você desempenhará respaldado nesse conhecimento? Acompanhe os dois casos a seguir: Alice tem oito anos de idade e possui estigmas malfor- mativos somáticos e faciais. A menina apresenta dificuldade em aceitar sua condição, o que acarreta em problemas de socialização na escola, além de baixo rendimento escolar. Já, Pedro Henrique, de 11 anos de idade, possui histórico de reprovação e problemas comportamentaisassociados a um baixo rendimento de leitura e escrita. O que há de comum entre esses dois casos? Esses são apenas dois de vários outros casos de que você se deparará no seu cotidiano profissional. Em virtude da complexidade genética que pode estar associada às dificul- dades de aprendizagem e ao processo de socialização, faz-se necessária a atuação de uma equipe multiprofissional com conhecimento na área. A atuação do profissional da educa- ção, neste caso, é levantar informações que possam auxiliar outros profissionais no fechamento de um provável diagnós- tico, além da adoção de medidas pedagógicas, para a me- lhoria das condições de ensino e aprendizagem da criança. Propomos a você uma atividade prática de mapeamento genético. Supondo que você possui avós, tios, tias, primos, primas, irmãos, pais ou outros familiares de 2º grau, gostaria que mapeasse as características hereditárias de seus familia- res e antepassados. Essas características podem ser condições médicas como doenças neurológicas, psiquiátricas, onco- lógicas, cardiovasculares, ou mesmo alguma doença rara. Você também pode analisar características físicas, como o perfil metabólico, por exemplo. Dependência por substân- 41 cias como tabaco e álcool poderá ser considerada condição hereditária. Apro- veite para anotar esses dados no seu diário de bordo, pois ao longo da unidade discutiremos essas condições. Após a realização da atividade, você conseguiu perceber como essas informa- ções são relevantes? O propósito do mapeamento é ter acesso a essas informações genéticas, que muitas vezes não percebemos a importância, mas que são cruciais para o entendimento e prevenção de algumas condições físicas e psicológicas. A partir de agora, será necessário apropriar-se dos aspectos genéticos, haja vista a influência exercida sobre o desenvolvimento humano, conhecer as bases bio- lógicas subjacentes, por exemplo, aos problemas de aprendizagem apresentados por crianças em idade escolar, bem como construir um arcabouço teórico nesta área para facilitar sua atuação junto a equipes multidisciplinares. Portanto, guarde suas anotações para complementá-las com as demais informações que terá acesso ao longo desta unidade. UNICESUMAR UNIDADE 2 42 Podemos questionar: por que estudar o desenvolvimento intrauterino se eu vou dar aula somente para crianças que já nasceram? De fato, é uma pergunta justa. Assim, posso afirmar que nesta etapa de nossos estudos você terá acesso a uma série de informações importantes sobre o desenvolvimento intrauterino, as quais determinarão vários comportamentos na vida da criança, dentre eles, o de aprendizagem. Vamos lá? Larissa sempre teve o sonho de se formar e criar uma carreira sólida, o que a colocou em uma posição de não querer filhos. Para evitar a gravidez, Larissa utilizou-se da famosa “tabelinha”, ou seja, seguia o calendário da menstruação como um método anticonceptivo. Entretanto, esse método não foi suficiente para evitar que Larissa engravidasse. Você pode perguntar o motivo pelo qual isso ocorreu. Pois bem, isso ocorreu, porque a fecundação pode ser mais favorável em determinados períodos do ciclo, mas isso não impede que possa ocorrer em qualquer momento do mês (GRIFFITHS, 2002). A fecundação é considerada a primeira etapa da vida. Este é o momento em que o espermatozoide e o óvulo se unem dando origem a uma célula chamada zigoto, e carrega o ácido desoxirribonucleico (DNA) composto por 23 cromos- somos da mãe e 23 do pai. Por meio de uma divisão celular, o zigoto duplica-se várias vezes até produzir todas as células necessárias para compor um bebê. To- davia, nem todas as concepções são finalizadas. Como existem inúmeros eventos que precisam ocorrer para que um bebê seja concebido, nem sempre o processo é bem-sucedido a ponto de culminar em um nascimento (GRIFFITHS, 2002). Além disso, faz-se necessário que a mulher esteja ovulando. Mas, o que é a ovulação? De modo simples, podemos explicar a ovulação como a ruptura de um folículo maduro em um dos ovários e a expulsão do óvulo. Este, então, é arrastado ao longo da tuba uterina, ligada a este ovário, pelos cílios, que são minúsculas células filamentosas, até que o óvulo chegue ao útero (DUDEK; WILEY, 2009). EXPLORANDO IDEIAS 43 Importante frisar, que a mulher possui cerca de dois milhões de óvulos imaturos em seus dois ovários, porém, somente em mulheres sexualmente maduras, pode ocorrer a ovulação e, mais precisamente, uma vez a cada 28 dias até a menopausa (GRIFFITHS, 2002), o que coincidentemente ocorreu com Larissa, a personagem que afirmou que ser mãe não estava em seus planos. Já nos homens sexualmente maduros, temos durante o ato da relação sexual, a chamada ejaculação, que é quando são liberados os espermatozoides produzidos nos testículos. Esses espermatozoides, assim que são ejaculados, penetram pela vagina da mulher, seguindo até o colo do útero, nas tubas uterinas, onde ocorrerá a fecundação (o óvulo precisa atravessar a tuba uterina). Como apenas uma fração pequena de espermatozoides percorre este caminho, os demais são absorvidos pelos leucó- citos da mulher e expelidos pela vagina (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Uma vez ocorrendo a fecundação, inicia-se outra etapa de desenvolvimento, a gestação. Este é um processo que ocorre em média de 40–42 semanas, depen- dendo da contagem da última menstruação. Conforme as mudanças específicas que ocorrem no organismo em desenvolvimentos, há marcos diferenciados para dividir o período gestacional, por exemplo, médicos dividem em trimestres e biólogos e embriologistas dividem as semanas de gestação em três subperíodos desiguais (COLE; COLE, 2003). Neste processo, existe, também, a possibilidade de o corpo da mãe liberar dois óvulos em um pequeno espaço de tempo ou mesmo, um único óvulo não fecundado poderá se dividir e os dois serem fecundados. Quando isso ocorre, temos nascimentos múltiplos, com gêmeos dizigóticos (gêmeos fraternos) e pela divisão celular, os gêmeos monozigóticos (gêmeos idênticos). Já trigêmeos, quadrigêmeos e outros nascimentos múltiplos podem resultar de um desses pro- cessos ou de uma combinação deles (PLOMIN et al., 2016). UNICESUMAR UNIDADE 2 44 Mesmo que sejam considerados gêmeos idênticos, os gêmeos monozigóticos po- dem diferir em temperamento, dentição, pigmentação do cabelo etc. Tudo isso faz parte da hereditariedade, isto é, herança genética transmitida pelos pais biológicos. A constituição genética é responsável pelas características físicas, passando pelas condições de saúde, cognição e outros fatores que poderão influenciar na perso- nalidade futuramente (PLOMIN et al.,2016). A base da hereditariedade é o DNA, e sua composição é feita de pares de unidades químicas chamadas de bases como o caso da adenina (A), timina (T), citosina (C) e guanina (G). A estrutura do DNA lembra uma escada longa em espiral e nela estão contidos os cromossomos, os quais consistem em segmentos menores chamados de genes. Cada gene é composto por uma sequência específica de DNA e cada DNA possui um código para produzir uma proteína que desempenha uma função específica no corpo. Esse processo todo compõe o genoma humano (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2001). Esse é o momento em que os genes entram em ação. A ação genética que dispara o crescimento do corpo e do cérebro geralmente é regulada por níveis hormonais, tanto na mãe quanto no bebê em desenvolvimento, que são afetados por condições ambientais como, por exemplo, nutrição e estresse. Assim, pode- mos afirmar que, desde o início, a hereditariedade e o ambiente estão inter-rela- cionados (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Uma das curiosidades desses estágios consiste em, após a implantação do em- brião, no ponto de nidação (local onde o embrião se fixa no útero materno, criando o cordão umbilical), a ação entre os hormônios secretados pelo organismo da mãe, em resposta a substâncias secretadas pelo embrião durante a diferenciação, provoca a suspensão doperíodo menstrual. A diferenciação do sexo só ocorre na sétima semana, após a ativação do gene sexual masculino, ou seja, até essa semana todos os embriões são femininos. Até a sexta semana, antes da formação das orelhas, o embrião apresenta guelras, como peixes. As orelhas são implantadas por cima dessas guelras, mantendo o canal que liga o duto do ouvido com a laringe. Por essa razão, quando uma pessoa fecha a boca e o nariz, forçando o ar para fora, sente um aumento da pressão nesse duto, com ar saindo pelos ouvidos (COLE; COLE, 2003). O estágio fetal começa, segundo Cole e Cole (2003), quando todos os órgãos e tecidos básicos já existem em sua forma rudimentar. Neste período, os sistemas orgânicos aumentam sua complexidade tomando as formas e funções específicas de cada órgão, além do aumento do tamanho e peso. No Quadro 1, a seguir, você poderá ver uma síntese dos estágios do desenvolvimento intrauterino. 45 MARCOS DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL IDADE REALIZAÇÕES 3 semanas O sistema nervoso começa a se desenvolver. 4 semanas Coração começa bater. 5 semanas Cabeça continua desenvolvendo-se rapidamente. 8 semanas Quase todas as partes do corpo diferenciadas. 12 semanas É possível determinar visualmente o sexo do bebê. Crescimento da cabeça torna-se mais lento. Formação de eritrócitos pelo fígado diminui. 14 semanas Começa a coordenar o movimento dos membros. 16 semanas Ultrassom mostra claramente estrutura óssea definida. 20 semanas. É possível ouvir batimentos cardíacos com este- toscópio. Bebê coberto por fina penugem denominada lanugem. Movimentos fetais (denominados quickening) são sentidos pela mãe 21 semanas Movimentos oculares rápidos se iniciam. Ganho substancial de peso. 24 semanas Unhas dos dedos podem ser vistas. 28 semanas Olhos abertos e fechados. Pulmões capazes de respirar. UNICESUMAR UNIDADE 2 46 MARCOS DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL 32 semanas Pele rosa e lisa. Aparência gorducha. 38 semanas O sistema nervoso é capaz de executar algumas funções integrativas. Reage à luz. Geralmente, assume postura de cabeça para bai- xo à medida que o nascimento se aproxima. Quadro 1 – Marcos do desenvolvimento infantil. Fonte: Adaptado de Leifer (2003); Moore e Persaud (2003); Olds, Longdong e Ladewing (1996) apud Martorell (2014). Como você pôde observar, o embrião se desenvolve em uma velocidade avassa- ladora. Belsky (2010) nos chama a atenção para o padrão de desenvolvimento humano passível de ser observado a partir dos estágios germinal e embrionário. Pautando-nos no Quadro 1, percebemos que o organismo segue três padrões de desenvolvimento corporal que são mantidos até a adolescência. Notamos que, de uma intumescência inicial, segue-se a diferenciação de braços e pernas, de tal maneira que a sequência do desenvolvimento é cefalocaudal: primeiro a cabeça, depois os braços e pernas. O segundo padrão é proximodistal, ou seja, do meio do organismo para a periferia, assim, forma-se a medula espinhal, depois as células germinativas são formadas e posteriormente, o antebraço etc. O terceiro padrão é a sequência geral para específico, as células-troncos são indiferenciadas alcançando sua diferenciação no decorrer do desenvolvimento (COLE; COLE, 2003). É interessante pensarmos o porquê de quando estamos muito tristes ou mes- mo preocupados com nossos filhos, brincamos que seria maravilhoso voltar para o útero da mãe, certo? Essa brincadeira aponta para algumas questões importan- tes como, por exemplo, o fato de imaginarmos esse ambiente sendo a memória vivencial de maior proteção, mas, também, de ausência de contato com o mundo exterior e, por isso, sem conflitos. No entanto, a ausência de contato com o mundo exterior não significa que o feto esteja passivo em seu desenvolvimento. Quem imaginaria falarmos na década de 1950 em estudos das habilidades sensoriais dos fetos? Atualmente, mediante técnicas modernas de mensuração e registro, é possível descrever um 47 quadro detalhado do desenvolvimento sensorial, antes mesmo do nascimento. Este estudo é significativo, principalmente, para avaliarmos a influência do meio ambiente sobre o desenvolvimento dos seres humanos (COLE; COLE, 2003). O sistema vestibular do ouvido médio, que controla a sensação de equilíbrio, inicia seu funcionamento por volta do 5º mês. Apesar de só estar totalmente ma- duro ao nascimento, o seu funcionamento precoce significa que o feto é capaz de perceber mudanças na postura da mãe, logo, se orientar enquanto flutua na bolsa de líquido amniótico (COLE; COLE, 2003). Sobre a visão, pouco se sabe, mas já foi constatado que após a 26ª semana os fetos reagem à luz. Aidan Macfarlane (1977 apud COLE; COLE, 2003) sugere que o feto, próximo ao final da gestação, consiga enxergar a luz que penetra na parede esticada do estômago da mãe. Haja vista, o bebê responder a esse estímulo com o aumento de sua frequência cárdica ou movimentando-se. Quanto aos sons, esses são mais conhecidos nossos. É co- mum todos conversarem com “barrigas de gestantes”, não é verdade? De acordo com Cole e Cole (2003), o bebê já reage ao som a partir do 5º mês e consegue distinguir os diferentes sons provenientes do corpo da mãe, bem como os de fora. A voz da mãe é o som que melhor o bebê discrimina, pois, também, é transmitida por meio de vibrações no interior do corpo. Ainda em relação ao desenvolvimento do feto, vamos falar sobre transmissão multifatorial. Você já ouviu falar em genótipos e fenótipos? Sabe a diferença entre esses dois termos?. PENSANDO JUNTOS O chamado fenótipo se trata das características observáveis de um genótipo. A experiência altera a expressão do genótipo por meio da transmissão multi- fatorial. Se você possui cabelos castanhos, por exemplo, isso faz parte do seu fenótipo. Ao passo que características como aptidão para música, artes etc. estão relacionadas ao seu genótipo e poderão, ou não, ser expressas, a depender das condições ambientais dispostas a você. Esses conceitos foram criados em 1909 pelo geneticista Wilhelm Ludvig Johannsen (1857–1927) e representam as carac- terísticas genéticas, físicas, morfológicas e comportamentais de um organismo (PAPALIA; FELDMAN, 2013). UNICESUMAR UNIDADE 2 48 Por meio da transmissão multifatorial é que as características físicas e psico- lógicas são passadas adiante. Do mesmo modo que transtornos mentais e com- portamentais também podem ser transmitidos, havendo, obviamente, a interação da predisposição herdada e os fatores ambientais, desde a fase intrauterina, inclu- sive. O Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) é um exemplo dessa interação genética e ambiental (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Existe outro mecanismo que regula o funcionamento dos genes dentro da célula sem afetar a estrutura do DNA, esse fenômeno é chamado de epigênese ou epigenética, contrariando, assim, o que se acreditava anteriormente que os genes herdados seriam estabelecidos durante o desenvolvimento fetal (PLOMIN, 2016). Fatores ambientais como consumo de álcool, hábitos alimentares, sono, es- tresse, exercícios físicos, entre outros, podem influenciar em mudanças epigenéti- cas, assim como doenças como o câncer, cardiopatias e diabetes (PLOMIN et al., 2016). Quando um gêmeo monozigótico é suscetível a uma determinada doença e o outro não, ou mesmo quando adquirem a mesma doença, mas em idades diferentes, também pode ser explicado por meio da epigenética (LIMA, 1997). 49 Vamos examinar, agora, a chamada marcação genômica ou genética, que nada mais é que a expressão diferencial de certos traços genéticos. Quando os genes são marcados, eles possuem importância na regulação do desenvolvimento do feto, mas, quando o padrão de marcação é interrompido, o crescimento é anormal fa- zendo com que o feto possa vir a ter distúrbios congênitos (PLOMIN et al., 2016). Apesar de ser rara uma anomalia cromossômica, existem bebês que nascem com problemas graves, correndo risco, inclusive, de morte duranteos primeiros anos de vida. Entretanto, nem sempre as anomalias levam à morte. Existem al- gumas especificidades de mutação genética que atingem crianças, mas que não envolvem riscos, apenas necessidade de acompanhamento médico e, algumas ve- zes, psicológico. Os mais comuns são lábios leporinos e fendas palatais, seguidos pela síndrome de Down (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Essa última síndrome ocorre pela distribuição errada dos cromossomos no momento da divisão celular do embrião, numa trissomia do cromossomo 21. Importante salientar que não se trata de uma mutação hereditária, mas causas ambientais como a idade dos pais, mais precisamente a idade da mãe (COELHO, 2016). Geralmente, o diagnóstico desta síndrome é realizado durante a gestação, por meio de alguns exames como ultrassonografia, translucência nucal, exames sanguíneos e amniocentese. Com relação ao exame amniocentese, este é um procedimento clínico no qual sua análise e resultado completo pode ocorrer em até 30 dias e tem como objetivo estudar células presentes no líquido ao redor do feto, chamado de líquido am- niótico (DOURADO; CORDEIRO; ROSA, 2019). O médico durante o exame utiliza-se de ultrassom para identificar a localiza- ção exata do bebê no útero e, após, utiliza-se de uma agulha inserida no abdômen a fim de retirar uma pequena quantidade de líquido amniótico. Por se tratar de um procedimento invasivo existem riscos para o bebê tais como vazamento do líquido, lesão por agulha, infecção e, até mesmo, aborto espontâneo (DOURA- DO; CORDEIRO; ROSA, 2019). Apesar da confiabilidade da amniocentese para identificação de várias doen- ças genéticas, hoje contamos no Brasil com o teste pré-natal não invasivo chama- do Non-invasive prenatal testing (NIPT). O NIPT é realizado por volta das nove semanas de gestação e identifica se o bebê está sob risco de anomalias genéticas, como, por exemplo, síndrome de Down, síndrome de Edwards e síndrome de Patau. Importante ressaltar que o teste é considerado um teste de rastreio e não um diagnóstico, por isso resultados falsos positivos/negativos podem ocorrer. No UNICESUMAR UNIDADE 2 50 entanto, ele prevê se o risco de uma doença genética é alto ou baixo (BATISTA; SILVA; DOS SANTOS; DE FREITAS; DINIZ; PEREIRA, 2020). Já após o nascimento, o diagnóstico da síndrome é confirmado através da observação das características apresentadas pelo bebê e realização de exame de sangue, onde é feita uma avaliação dos cromossomos para observar a presença de mutações em cromossomos extras (COELHO, 2016). Além da síndrome de Down, temos a síndrome do X Frágil. Esta é carac- terizada por uma falha na região distal do cromossomo X, acarretando uma fragilidade nesse cromossomo. Estudos de Beckel-Mitchener e Greenough (2004) apontam que uma proteína envolvida na maturação das sinapses no cérebro seria controlada por essa região no cromossomo X, portanto, essa síndrome acarre- taria atrasos intelectuais. Já a fenilcetonúria é caracterizada por uma alteração genética no metabolismo da proteína fenilalanina hidroxilase hepática, cujo gene responsável está localizado no cromossomo 12. A síndrome apresenta como sintomas o atraso no desenvolvimento psicomotor (andar e falar), convulsões, hiperatividade, tremor e microcefalia. Essa doença é facilmente detectada pela triagem neonatal (teste do pezinho), e facilmente controlada com alimentação adequada, pobre em fenilalanina (COLE; COLE, 2003). A fibrose cística é definida por uma anomalia genética localizada no cro- mossomo 7, que provoca um funcionamento anormal das glândulas que produ- zem muco, suor, saliva, lágrimas e suco digestivo. O muco se torna muito viscoso e espesso, não passando pelos dutos que o transporta da glândula para fora do corpo, o que acaba resultando em seu acúmulo. Esse acúmulo ocorre nos pul- mões, impedindo a passagem de ar, além de infecções por bactérias. No sistema digestivo ocorre o bloqueio do pâncreas. Temos, também, a distrofia muscular, no qual é definida por uma degeneração dos músculos, o que pode provocar a morte. A forma mais comum é a distrofia muscular de Duchenne, que ocorre por um defeito no cromossomo X (COLE; COLE, 2003). O que o casal pode fazer com esse diagnóstico? Esta é uma questão ética, que não será abordada, por ser muito complexa. Mas em alguns países, os pais têm o direito ao aborto se recebem um diagnóstico positivo para anomalia genética.. PENSANDO JUNTOS 51 Pessoas que tiveram um filho com anomalia genética, que sofrem de condições here- ditárias ou cujo risco de transmissão de genes para certas doenças é maior do que a média, podem obter informações sobre suas probabilidades de produzir crianças afe- tadas. Essas informações podem ser obtidas por meio do aconselhamento genético. Embora o serviço de aconselhamento genético exista desde os anos 1970, a maior parte dos pacientes e fa- miliares com síndromes genéticas ou predisposição não conhecem a condição médica que apresentam (BRUNONI, 2002). De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o aconselhamento genético é um processo de psicoeducação, no qual se procura a prevenção de genótipos relacionados com doen- ças ou disfunções congênitas. O objetivo consiste em identificar fatores associados à disfunção, de modo a prevenir a condição genética ou cro- mossômica. Adicionalmente, visa-se reduzir a frequência de tais anomalias na população (VO- GEL; MOTULSKY, 2000; NUSSBAUM; MCIN- NES; WILLARD, 2002). Os geneticistas e profissionais de outras áreas têm apresentado contribuições relevantes na prevenção de defeitos congênitos. Depois de NOVAS DESCOBERTAS Título: Extraordinário Ano: 2017 Sinopse: Deixamos uma sugestão de filme para que você conheça a síndrome de Treacher Collins, retratada em “Extraordinário”, de Ste- phen Chbosky. O filme retrata a vida de um garotinho de 10 anos (Auggie Pullman) com o rosto deformado, mesmo após longos anos de cirurgias. Sua mãe, interpretada pela atriz Julia Roberts, optou por lhe oferecer ensino em casa, na tentativa de proteger o filho contra o suposto bullying que sofreria caso a criança fosse à escola. Assim, o filme fará com que você, além de conhecer uma patologia congênita, também entenda como é a aceitação da família e da própria criança acerca dessa condição. UNICESUMAR UNIDADE 2 52 uma prolongada investigação a respeito do histórico familiar, o conselheiro ge- nético prescreve exames físicos para os interessados. Efetua, também, análises laboratoriais, como: de urina, pele, sangue, ou mesmo impressões digitais. Tal ma- peamento é denominado cariótipo, e pode demonstrar a existência de anomalias cromossômicas e indicar se uma pessoa que parece normal é passível de transmitir defeitos genéticos a seus filhos (JORDE; CAREY; BAMSHAD; WENTE, 1999). Auxiliar o cliente a compreender o risco associado à determinada condição é tarefa do conselheiro, bem como educar acerca de consequências e eventuais medidas alternativas. Atualmente, pesquisadores têm identificado com maior agilidade genes que participam da etiologia de diversas doenças e distúrbios, ou na influência que eles apresentam em traços comportamentais entendidos como “normais”. Considerar algumas variáveis fundamenta a necessidade do serviço de aconselhamento genético interdisciplinar – este especializado no trabalho que abrange a compreensão do conflito psicoemocional de familiares do paciente e sua consequente assistência psicológica. É fundamental a compreensão e a in- tervenção sobre as implicações psicossociais que a anomalia tem em relação ao paciente. Dessa forma, o psicólogo deve ser integrado às equipes que fornecem tal assistência (BRUNONI, 2002). Um dos tópicos de maior interesse daqueles que trabalham com genética, é a possibilidade de estudar a compatibilidade entre as informações relacionadas aos fatores ambientais e o código genético específico (LIMA, 1997). Tais aspectos, associados à relevância relativa da hereditariedade e do ambiente, foram consi-derados uma questão importante para os primeiros psicólogos e a sociedade em geral (PIAGET, 1971; SKINNER, 2003; VYGOTSKY, 2001). Você sabia que é possível mensurar quanto a hereditariedade e o ambiente influenciam determinados traços? Parece impossível, mas cientistas estudam e explicam as influên- cias da hereditariedade e do ambiente, e como essas duas forças operam juntas. Eles se utilizam de métodos quantitativos para esse mapeamento. PENSANDO JUNTOS O objetivo da genética comportamental é mensurar a herdabilidade, naquilo que poderia ser considerada a estimativa estatística da contribuição da heredi- tariedade às diferenças individuais em traços complexos de uma determinada 53 população. Isso não significa que faça menção à exata influência da hereditariedade e do ambiente nas populações ou mesmo em um determinado indivíduo. A herdabilidade indicaria, por con- sequência, a extensão estatística com que os genes colaboram para as diferenças individuais de um determinado traço em uma dada população (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Para facilitar a sua compreensão, considere que a herdabilida- de é analisada com um número que varia entre 0,0 e 1,0. Quan- to maior o número, maior a herdabilidade de um determinado traço. No caso, 1,0 implica que os genes são 100% responsáveis por diferenças de traço. Uma vez que não seja possível medir a herdabilidade diretamente, geneticistas comportamentais fazem uso de três tipos de pesquisas de correlação: estudos sobre família, gêmeos e adoção (PLOMIN et al., 2016). Nos estudos de família, os pesquisadores avaliam até que ponto se dá o compartilhamento de certos traços en- tre parentes biológicos. Uma forte correlação indica que há influência genética. Tais trabalhos, no entanto, não são capazes de excluir as influências ambientais. Já os estu- dos sobre adoção dão enfoque nas similaridades entre filhos adotivos e as famílias adotivas e, paralelamente, traçam comparações entre eles e suas famílias biológicas. Dessa maneira, quando filhos adotivos são mais parecidos com os pais e irmãos biológicos em um dado traço, assume-se a influência da hereditariedade. Já quando se assemelham mais à família adotiva, assume-se a influência do fator ambiental (PLOMIN et al., 2016). Por fim, estudos com gêmeos estabelecem com- parações entre pares de gêmeos monozigóticos, com gêmeos dizigóticos do mesmo sexo. Quando gêmeos monozigóticos apresentam maior tendência, estatisti- camente constatada, de apresentar o mesmo traço que gêmeos dizigóticos, assume-se os prováveis efeitos da here- ditariedade. Pesquisas sobre gêmeos monozigóticos separados UNICESUMAR UNIDADE 2 54 ainda na infância e criados em famílias distintas apresentaram fortes semelhan- ças, o que fortalece a noção de hereditariedade (PLOMIN et al., 2016). Por outro lado, psicólogos do desenvolvimento consideram como reducionista a abordagem de estudo da hereditariedade e do ambiente que seja estritamente quantitativa. Compreendem as suas dimensões como entrelaçadas, de modo que, ao invés de assumir que os genes e a experiência operam diretamente no indivíduo, consideram ambos como parte de um sistema de desenvolvimento complexo. O desenvolvimento, que vai da fase intrauterina até a morte do sujeito, é moldado por fatores relacionados à constituição biológica, psicológica, fatores sociais, econômicos e culturais. Quanto mais favoráveis tais aspectos e as expe- riências, maior as chances de que o desenvolvimento transcorra satisfatoriamen- te. A seguir, veremos as inúmeras formas em que hereditariedade e experiência atuam em conjunto. Mas, para isso, apresentarei o conceito de faixa, pois muitas características variam, dentro de certos limites, sob variadas condições ambien- tais e de hereditariedade. A faixa de reação diz respeito a uma amplitude de traço hereditário. Pode-se citar como exemplo a proporção do corpo, que depende de processos biológicos que são geneticamente regulados. Apesar disso, podemos afirmar que a ampli- tude do tamanho depende de condições ambientais e suas restrições. O mesmo pode ser dito para o comportamento humano (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Nos países onde há melhor nutrição, as gerações têm superado a anterior em tamanho. Portanto, a hereditariedade pode interferir numa faixa de reação, tornando-a larga ou estreita. Outro exemplo diz respeito à criança nascida com limitações cognitivas. Se ela for inserida em um ambiente estimulante para o desenvolvimento de determinadas habilidades, pode atingir a capacidade que em outras condições não atingiria (MOTTA, 2000). Embora alguns comportamentos dependem da maturação, tais como: enga- tinhar, andar e correr; outros dependem do ambiente. O ambiente desempenha um relevante papel no desenvolvimento das habilidades, como é o caso da leitura. Pais que leem para os filhos e brincam com letras e palavras tendem a fazer com que aprendam a ler precocemente, em detrimento dos que não incentivam tais habilidades. Fatores como nível socioeconômico, ou mesmo condições educa- cionais e de moradia, podem, igualmente, influenciar de forma decisiva o de- senvolvimento. Esses últimos fatores podem influenciar no ritmo das mudanças 55 e complexidade do desenvolvimento verbal, na ocorrência de atividade sexual precoce ou mesmo na conduta antissocial (MOTTA, 2000). Você deve ter percebido que se trata de uma discussão complexa. Alguns cientistas defendem a influência genética como fator determinante para o desen- volvimento humano, enquanto outros analisam as influências ambientais como fundamentais nesse processo. Plomin et al. (2016) salienta o fato de que dois irmãos, mesmo sendo criados sob mesmas condições ambientais, apresentam distinção no que se refere à inte- ligência e, sobretudo, à personalidade. Ele examina a possibilidade de a genética influenciar a forma de respostas aos eventos domésticos. Um exemplo é a forma que uma criança, que em razão do seu temperamento (genética), pode ser afetada mais que o irmão por conflitos no ambiente familiar (ambiente). Outros fatores como a maneira com que os pais lidam com um dos filhos também pode afetar essas diferenças futuramente, seja por temperamento também, ou mesmo por eventuais doenças, acidentes, questões financeiras etc. O autor também nos en- sina que, de acordo com os talentos herdados, as crianças poderão moldar o seu ambiente. Um irmão pode passar mais tempo pintando enquanto o outro pode se envolver com atividades esportivas. Esse fato nos mostra que não somente as habilidades se desenvolvem diferentemente, mas as consequências dessas habi- lidades poderão desenvolver vidas sociais diferentes. Visto que estamos falando de ambiente e genética, não podemos deixar de abordar um tema importante que une estes dois aspectos, a gestação e o pré-na- tal. Prioridade entre os profissionais da saúde, o pré-natal se faz imprescindível desde o momento que a mulher fica sabendo da gravidez, pois toda e qualquer orientação e cuidados nesse momento é de suma importância para a vida da mãe e da criança. Essencialmente, tudo o que influencia o bem-estar da mãe, da nutrição ao estresse, poderá afetar o feto e seu crescimento. Com relação à nutrição, para exemplificar, se a mãe não ganhar peso suficiente, o bebê terá seu desenvolvimento comprometido podendo nascer prematuro ou, até mesmo, morrer. Já o estresse tem impacto direto no cérebro do bebê. Ambientes estres- sores, envolvimento com conflitos podem desenvolver ansiedade na mãe e ser sentida pela criança em seu ventre, fazendo com que tenham um temperamento mais irritável ao nascer (ARAÚJO, 2013). UNICESUMAR UNIDADE 2 56 O abuso ou dependência de substâncias também ocasionam danos para a mãe e o bebê, pois a maioria das drogas possui o poder de ultrapassar a placenta e chegar à corrente sanguínea do feto, atingindo, inclusive, o sistema nervoso do bebê. O ideal seria a interrupção do uso de drogas por mulheres já dependentes, entretanto, a realidade é outra. Muitasmulheres negligenciam o período da ges- tação, permanecendo com o uso contínuo de drogas e causando danos graves aos seus filhos (MAIA, 2019). Quais são os riscos dessas drogas? Tanto as drogas ilícitas como as lícitas trazem consequências negativas. Álcool, tabaco, maconha e outras atravessam a barreira placentária, o que já foi discutido, e podem causar malformações e afetar o cérebro da criança. Contudo, todos os danos serão proporcionais à quantidade de substância consumida pela mãe durante a gestação. Quanto maior a dose, mais chances de sintomas graves, sendo que no primeiro trimestre da gravidez o risco aumenta consideravelmente, por ser o período de início da formação do feto (MAIA, 2019; PAPALIA; FELDAMAN, 2013). O uso de drogas nos três primeiros meses pode ocasionar a ruptura das mem- branas, parto prematuro, aborto, baixo peso, maiores chances de infecções respi- ratórias, déficit intelectual, transtornos mentais e comportamentais, entre outros. O bebê pode apresentar dificuldades de sucção do peito da mãe, irritabilidade e até mesmo abstinência pelo uso indireto de droga (MAIA, 2019). 57 Em síntese, o período da gestação é um momento delicado no que se refere aos problemas que poderão ser encontrados caso não haja um acompanhamento pré-natal. Diante da complexidade, o ideal seria orientação antes mesmo do desejo de engravidar. A mãe, durante a gravidez, precisa estar ciente dos hábitos alimentares que precisa ter, o envolvimento com a prática de atividades físicas e o estabelecimento de relações saudáveis para que o bebê cresça sob condições favoráveis para o seu crescimento e desenvolvimento de modo a enfrentar os desafios da vida fora do útero. Partimos, agora, para o segundo podcast da disciplina de Psicologia do Desenvolvimento da Criança. Nesta edição, você conhecerá a complexidade do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Vamos apresentar algumas informações das bases neurobiológicas do transtorno, bem como os métodos mais atuais para o tratamento do TEA. Ficou inter- essado? Então aperte o play e acompanhe!. Engana-se quem acha que somente fatores ambientais influenciam o desenvolvi- mento humano, bem como pensar que somente a influência genética tem poder sobre esse processo. O desenvolvimento humano é muito complexo, uma vez que existem inúmeras variáveis atuando sobre o indivíduo. Desse modo, é importante que você compreenda a importância de outros campos do saber para o enten- dimento do desenvolvimento da criança, não somente pelo arcabouço teórico advindo dessas áreas, mas também pela possibilidade de atuar em conjunto com outros profissionais em determinadas demandas sociais. Você irá atuar em con- junto com diversos profissionais a fim de examinar como a criança se constitui em seu desenvolvimento e experimenta a vida, na sua relação consigo mesmo e com os outros, na escola ou em outros ambientes. A ideia aqui é que você possa facilitar o processo de aprendizagem e socialização das crianças, levando sempre em consideração a relação hereditariedade/ambiente, fundamentado no conheci- mento dos temas relacionados à constituição do ser humano, incluindo, as bases biológicas do comportamento. UNICESUMAR https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/9499 58 1. Na pesquisa em genética, as influências da hereditariedade e do ambiente numa po- pulação podem ser medidas estatisticamente. Se a hereditariedade é uma influência importante em determinada característica, pessoas geneticamente mais próximas serão mais semelhantes nessa característica, ou mesmo um determinado padrão genético pode aparecer com mais frequência em uma determinada região, como a cidade dos gêmeos, Cândido Godói – RG. Dessa forma, podemos afirmar que os estudos genéticos viáveis para pesquisa em desenvolvimento humano devem ser realizados contemplando: a) Animais, humanos e vegetais. b) Crianças, adolescentes e adultos. c) Famílias, adoção e gêmeos. d) Cultura, política e religião. e) Genética, biologia e psicologia. 2. Após três anos de casados, Catarina e Marcos resolveram ter um bebê. Assim que foi anunciada a gravidez, o casal contente, realizou todos os preparativos para a chegada. Mas, infelizmente, o bebê nasceu morto. Vítima de uma síndrome, a criança nasceu com uma anomalia cromossômica e sofreu de vários defeitos de nascimento, incluindo problemas no coração, rins e cérebro. Por esta razão, o casal ficou com medo de tentar mais uma vez. Eles ainda querem um bebê, mas temem não serem capazes de conceber uma criança típica. Nesse caso, o indicado para esse casal é: a) Um serviço de atendimento psicossocial. b) Um serviço de aconselhamento genético. c) Um serviço de terapia de casal. d) Um serviço de terapia em grupo. e) Um serviço de assistência jurídica. 3. Acreditava-se, até recentemente, que os genes herdados por uma criança eram esta- belecidos durante o desenvolvimento fetal, embora seus impactos sobre o comporta- mento pudessem ser modificados pela influência ambiental. Entretanto, atualmente, cada vez mais evidências sugerem que a própria expressão do gene é controlada por um mecanismo que regula o funcionamento dos genes dentro da célula sem afetar a estrutura do DNA da célula. Esse mecanismo é chamado de: 59 a) Poligênese. b) Deformação. c) Adaptação. d) Epigênese. e) Mutação. 4. Observe os dois casos: I - Helena nasceu com talento para pintura. Desde cedo, em detrimento a sua irmã que gosta de brincar ao ar livre, Helena passa o tempo todo realizando pinturas em telas e pesquisando sobre arte. II - Henrique possui covinhas no rosto quando sorri, essas covinhas são iguais às de sua mãe, Lorena. Todos elogiam seu sorriso e, inclusive, por essa razão, Henrique foi convidado a realizar fotos para uma campanha publicitária de creme dental. Com relação aos dois casos, assinale a alternativa que corresponde, respectivamente, às características genéticas citadas. a) Genes e cromossomos. b) Monozigótico e dizigótico. c) Genótipo e fenótipo. d) Hereditariedade e herdabilidade. e) DNA e epigênese. 5. Não podemos esquecer que o primeiro lugar que somos inseridos é o corpo da mãe. A influência materna sobre o desenvolvimento humano é uma discussão prioritária entre os profissionais da saúde. Como o ambiente pré-natal é o corpo da mãe, praticamente tudo o que influencia seu bem-estar poderá afetar o feto e seu crescimento (ARAÚJO, 2013). De acordo com essa afirmativa, discorra sobre as influências que afetam a gestação. 3Desenvolvimento Neuromotor Me. Juliana da Silva Araujo Alencar Nesta unidade, nós trataremos do desenvolvimento físico da crian- ça de 0 a 6 anos, identificando quais são os padrões de crescimento típicos do corpo e do cérebro. Você aprenderá quais mudanças físi- cas e psicomotoras que ocorrem desde o nascimento, tais como as habilidades que o bebê apresenta ao nascer, suas potencialidades e a necessidade de se adaptar ao meio ambiente. Por fim, entenderá como o desenvolvimento é cíclico e apresenta padrões que seguem por toda a nossa vida. UNIDADE 3 62 Digamos que você faz parte da equipe pedagógica de uma escola de educação infantil e fundamental do seu municí- pio. Todo começo de ano a equipe se reúne para discutir quais serão as atividades realizadas ao longo do ano letivo, bem como as adaptações necessárias no projeto pedagógico. Para tanto, faz-se necessária a discussão de alguns pontos que convergem para o desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial dos alunos. Neste ano, você ficou responsável por sugerir atividades que levam em consideração o desen- volvimento neuromotor das crianças de 0 a 6 anos. Partindo dessa demanda, quais atividades seriam pertinentes para o pleno desenvolvimento dessas crianças? Quais potenciali- dades poderiam ser atingidas? O objetivo da escola vai além da aprendizagem formal de conteúdos variados. O foco nos desenvolvimentos cog- nitivo, físico e social das crianças é o objetivo principal, fazendo com que atinjam seus níveis de potencialidadee possam desenvolver habilidades necessárias para uma adaptação saudável no meio em que vivem. Assim, ativi- dades que levam em consideração os múltiplos fatores re- lacionados ao desenvolvimento da criança é fundamental. As atividades devem considerar, portanto, a estimulação neuromotora e sensitiva, entre outros processos ligados à estrutura física da criança. Possivelmente, você já se deparou com exemplos de ativi- dades na web. Atividades relacionadas ao condicionamento físico, receitas gastronômicas etc. Pois bem, desta vez, a ideia é você identificar atividades que possam contribuir com a sua prática profissional no campo da educação. Por isso, convi- damos você a pesquisar atividades que estimulem o desen- volvimento físico de crianças de 0 a 6 anos de idade. Ativi- dades físicas, lúdicas, exercícios de pintura, dança são apenas alguns exemplos do que você poderá pesquisar. Pensando nisso, convidamos você a desenvolver um portfólio, ou seja, um apanhado dessas atividades para que possa ser utilizado 63 na compreensão do conteúdo desta unidade e, também, como modelo para a sua futura prática profissional. Utilize o diário de bordo para registrar suas anotações. O propósito da atividade é você examinar a importância do desenvolvimento de algumas habilidades físicas dentro da sua profissão. Você conseguiu perceber como as atividades físicas envolvem diferentes habilidades e competências? Ao observar as atividades de acordo com a faixa etária, detectou que, com o avanço da idade, elas se tornam mais complexas? Pois é, conforme avançar no estudo desta unidade, você conseguirá compreender os motivos pelos quais esses aspectos seguem esses critérios e como funciona o universo complexo do desenvolvimento infantil. UNICESUMAR UNIDADE 3 64 Você convive com alguma criança? Seja um sobrinho, um filho, afilhado ou vi- zinho? Com certeza, de alguma forma, você deve ter a experiência de perceber como as crianças se desenvolvem com vertiginosa rapidez. Se não for observando alguém, temos a vivência do nosso próprio desenvolvimento para nos recordar. Frases típicas de encontros em família: “Nossa, como você cresceu!”, “Quem é esse menino?” Não pode ser! Está tão diferente!”. Essas observações são as leituras baseadas no senso comum sobre as mudanças físicas que o ser humano apresenta no curso de seu desenvolvimento. Isso porque, como vimos, é do senso comum que se destacam os problemas de pesquisa dos estudiosos. Os primeiros dois anos de vida são intensos no que se refere ao desenvolvi- mento geral dos seres humanos. Pense bem, nascemos totalmente dependentes e, ao final de dois anos, somos capazes de dominar a marcha e expressar verbal- mente nossas principais necessidades. Não é incrível? Pois bem, existem pontos importantes a serem analisados como, por exemplo, os fatores que implicam di- retamente a aquisição de competências motoras e comportamentais e que fazem parte do desenvolvimento cerebral. Há, também, mudanças influenciadas pelos hormônios, o crescimento ósseo e as habilidades psicomotoras e perceptuais adquiridas até os seis anos de vida. Esse período é extremamente rico, pois se constitui como o das primeiras aquisições, ou seja, toda a base para o desenvol- vimento futuro de habilidades e competências sociais e cognitivas (BEE, 2003). Vamos, então, discutir esses pontos! A primeira ação após o parto é avaliar algumas condições do bebê, pois podem indicar possíveis problemas no desen- volvimento e auxiliar os médicos a lidarem com alguma situação de emergência. O procedimento é anotar os sinais vitais, peso e evidência das habilidades nor- mais. Em 1950, Virginia Apgar, anestesiologista, desenvolveu um método rápido e simples para avaliar se um bebê necessita ou não de cuidados de emergência (BEE, 2003). Esse exame ficou conhecido como Escala de Apgar. O procedi- mento é aplicado no primeiro e no quinto minuto após o nascimento, analisando cinco sinais vitais que são: (1) aparência (cor); (2) pulso (frequência cardíaca); (3) expressão facial (grimare; irritabilidade reflexa); (4) atividade (tônus muscular) e (5) respiração (MARTORELL, 2014). 65 Escore 0 1 2 Frequência Cardíaca Ausente Lenta (menor que 100 ba- timentos por min.) Rápida (100 - 140 batimentos por min.) Taxa Respiratória Sem respiração por mais de um min. Irregular e lenta Boa respiração com choro nor- mal. Tônus Muscular Frouxo e flácido Fraco, inativo, mas alguma fle- xão das extremi- dades. Movimento forte ativo Cor do corpo Azul, pálido Corpo rosa, extremidades azuis Corpo inteiro rosa Irritabilidade reflexa Sem resposta Careta Tosse, bocejo, choro Quadro 1 – Escala Apgar. Fonte: Martorell (2014, p. 89) A partir da avaliação dos cinco sinais vitais presentes na escala, pode-se veri- ficar se há problemas após o parto, ou não. A frequência cardíaca indica os batimentos do coração do bebê logo após o parto. Por exemplo, se a criança nascer sem batimentos cardíacos, devido a uma parada cardiorrespiratória, marca-se o valor zero nesse item da escala; se acaso nascer com pulsação lenta (abaixo de 100 batimentos por minuto), marca-se um ponto; e, acima de 100 batimentos, marcam-se dois pontos nesse item. O mesmo princípio vale para a respiração, para o tônus muscular, os reflexos e a cor. A falta de oxigênio é conhecida como anóxia e, nesta, o bebê pode ficar cianótico (azul). As extre- midades e lábios são as primeiras partes do corpo a ficarem azuladas devido à falta de oxigênio. Se a condição persistir, o corpo todo passa a apresentar essa coloração (MUSSEN et al., 1977). UNICESUMAR UNIDADE 3 66 Outro aspecto importante é a avaliação dos reflexos inatos. Ao nascermos, apresentamos padrões de resposta a estímulos específicos que apontam para a preservação neurológica e, também, auxiliam no processo de adaptação da criança ao mundo exterior após o parto (BEE, 2003). Os bebês, ao nascerem, são dotados com uma variedade de reflexos. Esses reflexos são respostas físicas automáticas desencadeadas involuntariamente por um estímulo específico. A co- munidade científica concorda que os reflexos são componentes significativos do crescimento, sendo, também, a base sobre a qual serão construídas várias capaci- dades comportamentais complexas (BEE, 2003). Os reflexos que o recém-nascido apresenta nas primeiras semanas de vida podem ser conferidos no Quadro 2. 67 Reflexo Estimulação Resposta Padrão Tônico cervical Virar a cabeça do bebê para um lado, com ele deitado de costas e acor- dado. Bebê assume a posição de esgrima. Desaparece por volta dos quatro meses. Darwiniano/ preensão Esfregar a palma da mão com o dedo. Segura com força o dedo. Desaparece por volta dos quatro meses Moro Soltar o bebê ou fazer um som alto. Estende os braços, pernas e dedos, arqueia as costas e puxa a cabeça para trás. Desaparece por volta dos três meses. Marcha auto- mática Segurar o bebê pelas axilas, tocando uma superfície lisa. Faz movimentos parecidos com um andar bem coordenado. Desaparece por volta de 4 meses. Babinsky Acariciar a sola dos pés. Abre os dedos como um leque. Desaparece por volta dos quatro meses. Rotação/busca Acariciar a bochecha ou o lábio inferior do bebê. Vira a cabeça, abre a boca e faz movimentos de sucção. Desaparece por volta dos nove meses. Quadro 2 – Reflexos encontrados no bebê. Fonte: adaptado de Bee (2003) e Martorel (2014) O reflexo de rotação/busca, por exemplo, é essencial para o bebê ser alimen- tado, pois assim ele consegue “achar” o peito da mãe. O reflexo de Moro é útil para movimentar o bebê para longe de alguma coisa desagradável. O reflexo de Babinsky, marcha e tônico cervical são considerados reflexos primitivos, governados pelo mesencéfalo. Esses reflexos desaparecem quando as partes UNICESUMAR UNIDADE 3 68 mais complexas do cérebro se desenvolvem e começam a dominar (PAPALIA; FELDEMAN, 2013). A permanência desses reflexosé considerada indicativo de problemas neurológicos, necessitando de avaliação especializada. Reforçamos a ideia de que estudamos o desenvolvimento humano dividido em tópicos para facilitar a compreensão dos conceitos e eventos, mas que tudo está inter-relaciona- do, vamos pensar a questão dos reflexos sob outra perspectiva. O reflexo darwiniano/preensão, biologicamente, é considerado resquício da evolução, to- mando como exemplo os filhotes de macacos que, já no nascimento, agarram o pelo da mãe para poderem ser deslocados. Na espécie humana, esse reflexo não teria função, pois carregamos os bebês no colo ou em apoios adequados. Todavia, ao considerarmos o desenvolvimento cognitivo, à luz da teoria piagetiana, podemos afirmar que esse reflexo é importante, uma vez que será a base do processo de adaptação do esquema motor de agarrar aleatoriamente um objeto para segurar algo intencionalmente. Fique ligado, pois vamos explorar esse tema na próxima unidade. EXPLORANDO IDEIAS Quanto ao desenvolvimento cerebral, no nascimento, o bebê já apresenta a maio- ria das células nervosas, apesar de seu cérebro ser até quatro vezes menor que o cérebro de um adulto. Então, por que seu cérebro aumenta quatro vezes ao longo da fase de crescimento? Esse aumento é devido ao número de axônios e sinapses, ou seja, ao aumento do número de ligações entre os neurônios, formando uma rede de transmissão de impulsos nervosos. Com relação ao desenvolvimento do sistema nervoso central (cérebro e medula), no nascimento, alguns órgãos responsáveis pelos sentidos, ainda estão se desenvolvendo. A audição do bebê se desenvolve rapidamente, pois ao nascer, a acuidade auditiva já é perfeita. Já nas primeiras semanas de vida, o bebê é capaz de discriminar diferenças sutis entre os sons, reconhecendo pequenas sutilezas entre os fonemas da língua, capacidade esta que se perde gradualmente durante o crescimento (BEE, 2003). Cada língua tem alguns fonemas específicos, que não aparecem em ou- tras. A língua portuguesa utiliza um conjunto de, aproximadamente, 30 a 40 fonemas. A criança tem a capacidade de emitir, aproximadamente, 300 sons diferentes, sendo capaz de falar todos os fonemas existentes. Na adolescência, quando ocorre a mudança de voz (mais acentuado nos meninos, mas também ocorre com as meninas), as cordas vocais se enrijecem, perdendo a capacidade 69 de emitir sons que não são utilizados com frequência, restando somente os sons comuns na língua materna. Por essa razão, quando um adulto aprende uma segunda língua, ele a fala com sotaque, e uma criança é capaz de apren- der outras línguas pronunciando-as sem sotaques, pois pode emitir os sons específicos daquele fonema (BEE, 2003). A acuidade visual demora mais tempo do que a auditiva para se estabelecer. A percepção de cor é rudimentar, apesar disso, prefere coisas que tenham movimen- tos e padrões coloridos e não mostra preferências para coisas lisas ou monocro- máticas. Somente aos cinco meses é que a visão fica próxima da visão do adulto. O Quadro 3 sumariza as capacidades sensório-perceptivas do recém-nascido. Visão Focaliza ambos os olhos no mesmo ponto; o ponto de melhor foco está a, aproximadamente, 30 cm; segue com os olhos um objeto em movimento; dis- crimina algumas cores e a noção de profundidade ocorre por volta dos 4–5 meses. Audição Responde a vários sons, principalmente aqueles cuja modulação é semelhante à voz humana. Olfato Reage fortemente a alguns odores, como amônia. Paladar Percebe a diferença entre salgado e doce e prefere o gosto doce; percebe a diferença entre azedo e amargo. Tato Responde a toques em quase todo o corpo, espe- cialmente nas mãos e boca. Quadro 3 – Capacidades sensório-perceptivas do recém-nascido. Fonte: adaptado de Bee (2003) e Martorell (2014) Vamos falar sobre a rotina do bebê. Quem já observou um bebê, já deve ter concluído que ele dorme bastante. Na verdade, o bebê passa a maior parte do seu tempo dormindo, e esse tempo de sono vai diminuindo gradativamente, até chegar à idade em que a criança dorme durante a noite e fica acordada durante o dia. O sono de qualquer pessoa, inclusive dos adultos, segue um padrão parecido com uma montanha russa. O ciclo de sono dos bebês é composto por seis fases, conforme afirmam Bee (2003) e Cole e Cole (2003): UNICESUMAR UNIDADE 3 70 ■ Sono NREM (sono sem movimento rápido dos olhos): é o sono de re- pouso pleno, tônus muscular e atividade motora baixa, pálpebras fecha- das e olhos parados, respiração regular. ■ Sono REM (sono com movimentos rápidos dos olhos): tônus muscular e atividade motora aumentados, caretas e sorrisos, movimentos ocasionais com o olho, respiração regular. ■ Sono Periódico: intermediário entre o NREM e o REM, sono alterado entre profundo e estável, respiração lenta alternando com surtos de res- piração rápida e superficial. ■ Sonolência: mais ativa que o sono NREM, mas, menos ativa que o sono REM, olhos se abrem e fecham ou ficam arregalados, respiração variável, porém, mais rápida que o sono NREM. ■ Inatividade Alerta: atividade leve, face relaxada, olhos abertos e bri- lhantes, respiração regular e mais rápida que o sono NREM. ■ Alerta Ativo: atividade motora difusa frequente, vocalizações, pele ru- borizada, respiração irregular. E qual é a sequência do sono? Quando o bebê está acordado, ele está em aler- ta ativo. Depois de um tempo no berço, ele começa a entrar em inatividade alerta, ou seja, ele está acordado, mas está quieto como se estivesse dormindo. Logo depois ele entra em sonolência, ou seja, ele está acordado, mas quase dormindo. Logo que o bebê começa a dormir ele está no sono NREM. O bebê passa um tempo nesse sono NREM e segue para o sono periódico e, depois, entra na fase do sono REM. Após um tempo em sono REM, o bebê começa o caminho de volta, passando pela fase de sono periódico, depois por sono NREM, posteriormente por sonolência e volta tudo novamente, até chegar ao sono REM e na sequência volta até a sonolência, e, assim, sucessivamente até o despertar (PAPALIA; FELDEMAN, 2013). O sono do adulto é mais fácil de entender. O tempo médio de sono de uma pessoa adulta é de oito horas. Um ciclo completo tem duração aproximada de uma hora, ou seja, esse ciclo é repetido aproximadamente oito vezes durante a noite. O adulto não apresenta alguns estágios específicos que o bebê apresenta, como inatividade alerta e sono periódico. Então, o sono fica assim: estamos acor- dados (alerta ativo ou vigília); deitamos na cama quando sentimos sonolência; 71 começamos o sono com o sono NREM e depois passamos para o sono REM; ficamos um tempo no sono REM (aproximadamente 20 minutos) e passamos para o sono NREM e sonolência; viramos na cama, ajeitamos o travesseiro e voltamos ao sono NREM e depois ao REM, e, assim, sucessivamente (BEE, 2003). O bebê faz a mesma coisa que os adultos fazem, com a diferença que o tempo que passa dormindo é maior do que oito horas diárias, e existem vários perío- dos em que o bebê fica acordado, antes de dormir novamente (seria o tempo de mamar). Uma curiosidade é que o sonho acontece somente no estágio REM (PAPALIA; FELDEMAN, 2013). UNICESUMAR UNIDADE 3 72 Outro comportamento que o bebê emite com frequência, além de dormir, é chorar. A mãe, familiarizada com o bebê, consegue distinguir diferentes pa- drões no choro dele, reconhecendo quando seu filho está com fome, quando tem cólica, quando está com a fralda suja, se sentindo incomodado ou quando está fazendo birra/manha. Dessa forma, é possível dizer que existem padrões distintos de choro que indicam o choro de fome, o choro de raiva e o choro de dor (COLE; COLE, 2003). Como a mãe deve responder ao choro do bebê? Será que ela deve pegá-lo no colo toda vez que ele chora, ou deixá-lo no berço, com a desculpa de não estragar a criança, mimando-a? Depende. Quando a criança está chorando de dor, é importante assegurar que nada de errado esteja acontecendo, pois pode ser algograve. Quando a criança está chorando de fome, seria errado ignorar esse choro e deixá-la com fome. Há, no caso de bebês maiores de um ano, choros de raiva ou frustração, os choros de dificuldade em expressar o que sente ou, por imaturidade da linguagem, os que são usualmente chamados de birras e manhas. Como proceder com esses choros? A mãe ou cuidador deve atender ao choro e ajudar o bebê a nomear o que está sentindo, para que ele consiga se tranquilizar e aprenda a nomear adequadamente os sentimentos. Isso não quer dizer ceder aos desejos dele, mas sim ter uma ação educativa sobre o comportamento da criança (BEE; BOYD, 2009). 73 E por que algumas crianças choram mais do que as outras? Essas diferenças po- dem ser devidas ao temperamento da criança. Temperamento é o nome dado aos modos de reação individual ao ambiente, que parecem ser consistentes en- tre situações e estáveis no decorrer do tempo. Este aspecto do desenvolvimen- to orienta a reação da criança ante ao mundo, mas, também, a maneira como regulam seu funcionamento comportamental, mental e emocional. De acordo com os padrões de respostas ao ambiente e a regulação de seu funcionamento biopsicossocial, podem-se classificar as crianças, especialmente os bebês, em fáceis, difíceis e de aquecimento lento (MARTORELL, 2014). Criança fácil: é alegre, apresenta funções biológicas regulares, se adapta prontamente a novas circunstâncias. Criança difícil: apresenta funções biológicas irregulares, são irritáveis e frequentemente reagem intensa e negativamente a novas situações. Criança de aquecimento lento: tende a hesitar frente a situações novas, mas as aceita quando exposta de maneira repetitiva e sem pressão; suas funções biológicas tendem a ser regulares. Tão logo o bebê atinja os dois meses de idade ocorrem variações no seu desen- volvimento físico e psicomotor. Segundo Cole e Cole (2003), as mudanças de ampla magnitude que ocorrem no comportamento motor e na capacidade cognitiva das crianças, entre as idades de dois meses e meio a um ano, estão intrinsecamente ligadas às transformações do corpo, músculos, ossos e cérebro. Sabemos que os bebês ganham peso e altura muito rapidamente no primeiro ano de vida, triplicando o seu peso e crescendo aproximadamente 25 cm. Há um rá- pido período de crescimento nos dois primeiros anos de vida da criança. Depois dos dois anos de idade, a criança passa para um padrão de crescimento mais lento até a adolescência, quando ocorre outro período de crescimento rápido. A proporção do corpo também muda nesse processo de crescimento. No adulto, a cabeça representa 1/8 ou 1/10 da altura total. Aos dois anos de idade, a cabeça re- presenta 1/4 do comprimento total do corpo. Assim, como as proporções do corpo sofrem mudanças, essas alterações não são simétricas, ou seja, algumas partes do corpo se desenvolvem mais rapidamente do que outras. Na adolescência, as mãos e UNICESUMAR UNIDADE 3 74 os pés atingem seu tamanho adulto em primeiro lugar, seguido dos braços e pernas e, por último, do tronco. Por essa razão, os adolescentes apresentam diferenças na simetria corporal. Observe a diferença de proporção na imagem a seguir. Cabeça em relação ao tamanho do corpo Recém-nascido Anos Mudanças nas proporções do corpo humano 1/4 1/5 2 1/6 6 1/7 12 1/8 25 Descrição da Imagem: a imagem apresenta a relação de proporção entre cabeça e corpo ao longo do desenvolvimento humano. Há uma sequência de imagens que se inicia com a representação de um bebê recém-nascido do sexo feminino, seguido de uma menina de 2 anos, uma de 6, uma de 12 e uma mulher de 25 anos. Ao observar a imagem, nota-se que no recém-nascido a cabeça representa ¼ do corpo; aos 2 anos ⅕, aos 6 anos ⅙, aos 12 anos 1/7 e, aos 25 anos, ⅛ do corpo. Figura 1 – Proporção crânio-corporal. Fonte: Martorell (2014, p. 102).: O sistema esquelético também sofre alterações ao longo do desenvolvimento. Os ossos mudam em três aspectos: ficam maiores, mais largos e mais rígidos. Em algumas partes do corpo, também ocorrem mudanças na quantidade de ossos. O bebê de um ano de idade tem somente três ossos na mão, enquanto um adulto tem 28. As partes do corpo em que há aumento do número de ossos são: mãos, pulso, tornozelo, artelho e pés. Isso ocorre em função de serem áreas de articulação com diferentes movimentos (BEE, 2003). 75 Conforme Bee (2003), o bebê nasce com todas as fibras musculares que ele terá por toda a vida. O que muda é o comprimento e a densidade dessas fibras musculares. O crescimento muscular é lento até a adolescência, quando come- ça a se acelerar, dando ao adolescente um aumento de força considerável. Esse aumento de força ocorre com adolescentes de ambos os sexos, mas é mais acen- tuado nos meninos. Essas mudanças são diretamente observáveis, mas há outras tão importantes quanto as que foram apresentadas, que só podemos conhecer indiretamente: o desenvolvimento do cérebro. O cérebro começa a se desenvolver a partir da 3ª semana de gestação, de forma intermitente. Esse processo se dá por impulsos ou crises de crescimento que serão notados durante toda a sua evolução. No nascimento, o tronco ence- fálico é a parte mais desenvolvida do sistema nervoso. Por essa razão, as funções corporais básicas como a respiração, o ciclo sono-vigília, a frequência cardíaca, a regulação temporal e a eliminação de fezes e urina acontecem com normali- dade. Na Figura 1, você consegue perceber que o cérebro do bebê é bem menor do que o de um adulto e isso se dá, pois, esta região representa ¼ do tamanho que terá ao alcançar a fase adulta. Desse modo, você pode se perguntar: mas no que isso influencia no funcionamento cerebral da criança? Como vimos, ao nascer a criança consegue reagir à luz e aos sons, mover-se espontaneamente. Todavia o processamento complexo dessas informações bem como o controle motor volitivo não é possível, uma vez que é o cérebro a região responsável pelo controle motor voluntário, o processamento da linguagem, pelo pensamento. Será com o amadurecimento ao longo dos anos que essas competências serão desenvolvidas (MARTORELL, 2014). Mesmo antes de nascer, o sistema nervoso dos bebês apresenta funções sensoriais e motoras elementares, como: moverem-se espontaneamente, rea- girem à luz e a sons, demonstrando, assim, inclusive sistema de memória. Ao nascimento, as partes do cérebro denominadas de tronco encefálico já estão bem desenvolvidas. Essas partes ficam na porção inferior do crânio regulan- do funções, como: sono, vigília, eliminação de urina e fezes. A parte do cére- bro menos desenvolvida ao nascimento é o córtex, que regula funções, como: percepção, movimentos corporais, o complexo de linguagem e pensamento (PILETTI; ROSSATO; ROSSATO, 2014). As imagens a seguir vão auxiliá-lo a localizar as partes do cérebro descritas até aqui. UNICESUMAR UNIDADE 3 76 Ao observarmos o desenvolvimento de uma criança, fica mais claro o processo de evolução do sistema nervoso. No primeiro ano de vida, como vimos, a grande evolução é a aquisição do equilíbrio e da marcha, logo é o cerebelo a parte do cérebro que mais se desenvolveu. Dos 2 aos 5 anos, vemos o salto qualitativo no controle motor, indicando o processo de desenvolvimento do córtex motor. Claro, que outras regiões do cérebro estão se evoluindo concomitantemente, mas de forma menos expressiva (PAPALIA, FELDMAN; 2013). Os autores destacam, também, o processo de mielinização dos neurônios como fundamental para a agilidade da transmissão das informações a nível ce- rebral. Belsky (2010, p. 102) faz uma comparação interessante para exemplificar Cérebro Cerebelo Tronco encefálico Descrição da Imagem: na imagem há a representação da cabeça de um bebê de nove meses de forma lateral com o desenho do cérebro humano, o qual parece com a casca de uma noz, cheio de curvaturas. Na imagem estão representadas três partes do sistema nervoso central: o cérebro na parte superior da cabeça, o cerebelo logoabaixo, na base do cérebro e o tronco encefálico, após o cerebelo. Esta sequência se dá analisando a imagem da parte superior, para a inferior. Figura 2 – Cérebro humano. Fonte: Martorell (2014, p. 104) 77 a importância da bainha de mielina, qual seja: “assim como um curso d’água nos impede de bater e nos machucarmos em um escorregador num parque aquáti- co, a bainha de mielina serve como o lubrificante que permite que os impulsos neurais sejam conduzidos rapidamente”. Já se deu conta da rapidez com que pensamos e agimos? Por exemplo: ao ler este parágrafo você está assimilando pelos órgãos dos sentidos a luz do ambiente, o formato da letra, o significado do que está escrito e compreendendo o que está lendo. Tudo isso em frações de segundos! Um dos fatores que contribui para a gradual agilidade de transmissão da informação no sistema nervoso central é a formação de uma capa de gordura nos axônios, que nada mais é que a mielini- zação. Segundo Papalia e Feldman (2013), a mielinização se inicia por volta da vigésima semana de gestação e estará completa por volta dos 20 anos. Outro aspecto fundamental para o desenvolvimento físico é a ação dos hormô- nios no organismo. Por exemplo: a glândula pituitária, ou mestre, secreta substân- cias que atuam como gatilho para liberação dos demais hormônios. Por exemplo, ativa a glândula tireoide que secreta o hormônio tiroxina, que afeta o desenvolvi- mento do cérebro e o ritmo de crescimento total. As glândulas adrenais, por sua vez, secretam o hormônio andrógeno adrenal, que é responsável por algumas mu- danças na puberdade, especialmente o desenvolvimento de características sexuais secundárias em meninos. Os testículos secretam testosterona, que é crucial na for- mação dos genitais masculinos durante o período pré-natal e, também, altera as mudanças na puberdade dos meninos. Os ovários secretam estrógeno, que afeta o desenvolvimento do ciclo menstrual e as características sexuais secundárias das meninas. O diagrama a seguir abrange os hormônios envolvidos no crescimento e desenvolvimento físico da criança (PAPALIA; FELDMAN, 2013). UNICESUMAR UNIDADE 3 78 O ritmo de maturação tem diferenças de acordo com o sexo da criança. As me- ninas têm um padrão de desenvolvimento mais rápido, mas, na adolescência, os meninos desenvolvem mais força física do que as meninas, sendo que o coração e pulmão dos meninos se desenvolvem mais do que nas meninas (BEE, 2003). Hipotálamo (hormônios liberadores) Pituitária Hormônios gonadotró�cos Pulo do crescimento e desenvolvimento dos pelos púbicos nas meninas, alguma in�uência sobre o crescimento e características sexuais secundárias nos meninos Hormônios relacionados ao crescimento Andrógeno da suprarrenal Hormônio estimulador da tireoide Hormônio do crescimento geral Ovários produzem estradiol Testículos produzem testosterona Ciclo menstrual, desenvolvimento dos seios Pulo do crescimento, pelos pubianos, mudanças genitais, pelos faciais Meninas Meninos Descrição da Imagem: O diagrama é iniciado ao centro com o primeiro quadro indicando “hipotálamo (hormônios liberadores)”, que através de uma seta indicadora para baixo se liga ao quadro com a palavra “pituitária”, desse quadro saem duas setas, sendo uma para o lado direito e outra para o lado esquerdo. Do lado esquerdo a seta aponta para um quadro com a palavra “hormônios gonadotróficos”. Esse mesmo quadro possui uma repartição ao meio na parte inferior, em que do lado esquerdo indica “meninas” e do lado direitos indica “meninos”. Saindo de “meninas” uma seta liga a um quadro indicando “ovários produ- zem estradiol” e uma nova seta leva para o quadro com a informação “ciclo menstrual, desenvolvimento dos seios”. Saindo de “meninos” uma seta liga-se a um quadro com as informações “testículos produzem testosterona” que se liga ao quadro que indica “pulo do crescimento, pelos pubianos, mudanças genitais, pelos faciais”. Voltando no quadro com a palavra “pituitária”, a seta que sai para o lado direito liga-se a um quadro maior com a informação “hormônios relacionados ao crescimento”, que por sua vez, saem três setas, a primeira indicando “andrógeno da suprarrenal”, a segunda indicando “hormônio estimulador da tireoide” e a terceira indicando “hormônio do crescimento geral”. Desse quadro maior, uma seta direciona para outro quadro com as informações “pulo do crescimento e desenvolvimento dos pelos púbicos nas meninas, alguma influência sobre o crescimento e características sexuais secundárias nos meninos”. Figura 3 – Diagrama dos hormônios do crescimento. Fonte: a autora 79 Você lembra que na Unidade 2 vimos que existem padrões no desenvolvi- mento intrauterino? Pois bem, ao estudar o desenvolvimento neuromotor, eles são novamente evidenciados ao observarmos as aquisições das habilidades pelo bebê, quais sejam: a primeira é que o desenvolvimento motor ocorre da cabeça para os membros inferiores (cefalocaudal) e a segunda é do tronco para as ex- tremidades (proximodistal). Isso significa que o bebê consegue manter a cabeça firme antes de conseguir sentar-se (desenvolvimento cefalocaudal) e consegue levantar o queixo antes de conseguir movimentar os braços e mãos para pegar um objeto (desenvolvimento proximodistal) (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Assim, fica fácil compreender por que o desenvolvimento segue algumas sequências e analisa se há algo de errado. Uma delas é a sequência de movimen- tos das mãos para pegar um objeto. No começo, o bebê pega um objeto com os dedos pressionados contra a palma da mão. O próximo passo é usar o polegar em oposição aos outros quatro dedos e, por último, ele consegue usar o polegar em oposição a um dedo somente. A mesma sequência pode ser observada nos passos envolvidos no bebê ficar de pé, andar e subir escadas. Caso a criança não consiga desenvolver essas sequências, mesmo que as condições ambientais as favoreçam, é um indicativo de que há algo a ser levado em conta sobre o desenvolvimento normal da criança (PAPALIA; FELDMAN, 2013). O que determina esse crescimento? A primeira determinação é a genética. Por exemplo, a altura é determinada geneticamente. No entanto, influências ambientais alteram esse processo genético. Um fator ambiental que influencia a altura é a alimentação. Se a ali- mentação da criança não for adequada, ou seja, se faltarem nutrientes importantes, o processo de crescimento é mais lento e a criança não atinge a altura que estava progra- mada em seu código genético.. PENSANDO JUNTOS A seguir, apresentaremos a você alguns passos do desenvolvimento psicomotor da criança de 0 a 6 anos, ressaltando que esses indicadores servem para nortear uma avaliação do momento evolutivo, mas que estão intrinsecamente ligados a questões de maturação individual e às interações sociais às quais estão submeti- das. No Quadro 4, você poderá verificar algumas habilidades psicomotoras que as crianças até dois anos, habitualmente, apresentam. UNICESUMAR UNIDADE 3 80 Habilidades psicomotoras Idade em que 50% das crianças conseguem Margem de idade em que 90% das crianças conseguem Consegue manter a cabeça erguida 2,5 meses 3 semanas – 4 meses De bruços apoia sobre antebraços e levanta a cabeça 2 meses 3 semanas – 4 meses Deitado de lado, vira-se e fica de barriga para cima. 2 meses 3 semanas – 5 meses Mantém-se sentado com apoio 3 meses 2 – 4 meses Pega um objeto cúbico, cilíndrico ou esférico usando toda a mão. 4 meses 2 – 6 meses Pode virar de barriga para cima para ficar de lado. Pode passar um objeto de uma mão a outra. 4,5 meses 2 – 6 meses Mantém-se sentado sem apoio. 7 meses 5 – 9 meses Fica em pé, apoiando- -se em algo. Ao pegar objetos opõe polegar ao resto dos dedos. 7 meses 5 – 9 meses Engatinha. 8 meses 6 – 11 meses Senta-se sem ajuda; se- gurando em algo, pode ficar de pé. 8 meses 6 – 12 meses 81 Habilidades psicomotoras Idade em que 50% das crianças conseguem Margem deidade em que 90% das crianças conseguem Anda quando alguém lhe segura a mão. Preensão de pinça. 9 meses 7 – 13 meses Mantém-se em pé sem apoios. 11 meses 9 – 16 meses Caminha sozinho. 12 meses 9 – 17 meses Empilha objetos um so- bre outro. Faz rabiscos. 14 meses 10 – 19 meses Caminha para trás. 15 meses 12 – 21 meses Sobe escada com ajuda. 16 meses 12 – 23 meses Pula sem sair do lugar. 23 meses 17 – 29 meses Quadro 4 – Desenvolvimento motor nos dois primeiros anos. Fonte: adaptado de Palacios e Mora (2004). Conforme Palacios et al. (2004), as aquisições motoras não devem ser analisadas como conquistas independentes e guiadas somente pelo plano pré-inscrito nos genes ou no cérebro. O desenvolvimento motor traz em si uma construção dinâ- mica em que cada habilidade se soma às demais para dar lugar a ações de graus mais complexos e refinados. Os autores complementam que: “[...] o controle da ação motora é multimodal (visual, proprioceptivo, postural etc.), as ações motoras estão mutuamente entrelaçadas (postura, preensão, equilíbrio, locomoção etc.) [...]” (PALACIOS et al. 2004, p. 69). Todas essas ações, segundo os autores, correspondem à articulação de um aparato neuromotor em desenvolvimento, ao grau de estimulação e às metas às quais o próprio bebê se propõe a alcançar. Será que todos os bebês passam por essas sequências de desenvolvimento? Pelas razões acima expostas fica evidente que não, pois o desenvolvimento é compreendido como o produto da ação con- junta da programação maturativa, com as circunstâncias ambientais e as parti- cularidades do próprio bebê (PALACIOS et al. 2004). UNICESUMAR UNIDADE 3 82 A partir dos dois anos até a adolescência se dá a extensão e o refinamento do controle sobre o corpo e movimentos que se destacam no desenvolvimento físico e motor. Tais fatores os levaram a afirmar que essa etapa é de grande importância para o desenvolvimento psicomotor tanto no que tange ao âmbito da ação quanto ao da representação (simbólico). O desenvolvimento físico agora será mais linear até a chegada da adolescência, perío- do que ocorrerá um novo estirão tanto de altura quanto de peso. Em média, a criança cresce de 5 a 6 cm por ano e tem aumento de peso de 2 a 3kg (PALACIOS et al., 2004). O córtex pré-frontal, como dissemos anteriormente, respon- sável pelo planejamento, controle das condutas complexas e o comando das funções cognitivas, desenvolve-se mais lentamente. Um exemplo abordado por Palacios et al. (2004) é o da atenção. Segundo os autores, a atenção é controlada por estruturas cere- brais subcorticais e vai passando gradualmente para o controle pré-frontal, tornando-se, assim, mais consciente e estável. Outro aspecto relevante é a continuidade da mielinização dos neurônios, principalmente os motores até aproximadamente os cinco anos. Seguindo a lógica de amadurecimento, agora serão os movimentos dos membros inferiores que terão maior aperfeiçoamento, e dos músculos que controlam o movimento dos pulsos e dos dedos, de tal forma que tanto a motricidade grossa quanto a fina terão um sal- to significativo no desenvolvimento (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Palacios et al. (2004) apontam que as mudanças que ocorrem durante esses anos no desenvolvimento psicomotor estão relacio- nadas ao progresso da coordenação motora e à independência. Esta se refere à capacidade de controlar de forma separada cada segmento motor, por exemplo, com uma mão se faz um movimento complexo, como pintar sem mover a outra. Já a coordenação supõe a associação de dois ou mais padrões motores, originalmente in- dependentes, formando um movimento complexo, como correr e bater bola ao mesmo tempo. No Quadro 5, apontaremos algumas aquisições motoras no período de 2 a 6 anos. 83 Aquisições motoras de acordo com a idade (2 – 6 anos) 2 – 3 anos ■ Correr, em contraposição ao andar rápido. ■ Manter-se durante alguns segun- dos sobre um pé só. ■ Jogar uma bola com a mão sem mover os pés do lugar. ■ Utilizar a colher para comer. ■ Fazer garatujas. 3 – 4 anos ■ Subir escadas sem apoio, colocan- do um só pé em cada degrau. ■ Escovar os dentes. ■ Andar alguns passos mancando. ■ Vestir uma camisa. ■ Pular entre 40 e 50 cm de distân- cia. ■ Abotoar e desabotoar botões. ■ Andar de triciclo. ■ Desenhar linhas e fazer desenhos com contornos. ■ Usar tesouras para recortar papel. ■ Copiar um círculo. 4 – 5 anos ■ Descer escadas com desenvoltura e sem apoio, colocando um pé em cada degrau. ■ Cortar uma linha com tesouras. ■ Correr marchando (cinco pulos em média). ■ Dobrar papel, usar punção para furar, colorir formas simples. ■ Saltar entre 60 e 80 cm de distân- cia. ■ Utilizar o garfo para comer. ■ Maior controle para começar a correr, parar e girar. ■ Vestir-se sem ajuda. ■ Copiar um quadrado. 5 – 6 anos ■ Andar sobre uma barra de equilí- brio. ■ Aprender a andar de bicicleta e a patinar. ■ Bom controle da corrida: arrancar, parar e girar. ■ Marchar ao ritmo de sons. UNICESUMAR UNIDADE 3 84 Aquisições motoras de acordo com a idade (2 – 6 anos) ■ Saltar uns 30 cm de altura e cerca de 1m de distância. ■ Usar faca, martelo, chave de fenda. ■ Lançar e pegar bolas como crian- ças mais velhas. ■ Escrever alguns números e letras. ■ Copiar um triângulo e, posterior- mente, um losango. Quadro 5 – Aquisição de destrezas motoras no período de 2 a 6 anos. Fonte: adaptado de Palacios et al. (2004). Esses são comportamentos motores visíveis, mas, para a sua realização, a criança teve que construir habilidades, como a de estruturação do espaço e tempo, do controle do tônus muscular, do equilíbrio e da respiração. Respaldados nos estu- dos de Palacios et al. (2004), descreveremos brevemente cada uma dessas habili- dades. O tônus muscular corresponde à capacidade de resistência e elasticidade dos músculos. Parte do controle tônico é involuntário e está ligado à atividade intramuscular espontânea e a seu controle neurológico, outra parte é passível de controle voluntário. Gradualmente, mediante suas experiências, as crianças vão aprendendo a controlar seu tônus muscular de acordo com o objeto a ser manipulado, de modo a perceber que a tensão muscular utilizada para levantar um baú não é a mesma para levantar uma almofada. Os autores afirmam ainda que, esse processo não é importante somente para adequar a ação ao seu objetivo, mas também trabalha a representação e o controle voluntário do próprio corpo. Outro aspecto relacionado ao tônus muscular diz respeito ao controle da atenção. A hipertonia (tensão muscular) tende a dificultar a manutenção da atenção, enquanto o relaxamento tende a facilitá-la. Contudo, certo nível de to- nicidade deve ser mantido para ter o estado de alerta ativado (PILETTI; ROS- SATO; ROSSATO, 2014). Você pode questionar: por que eu, futuro profissional da educação, preciso saber disso? Ora, porque aprender a controlar a tonicidade muscular está diretamente ligado à aprendizagem do controle da atenção, sem a qual não há memória, estabelecimento de conceito etc. O equilíbrio é facilitado no primeiro ano de vida em razão do crescimento do cerebelo e é condição sine qua non (indispensável) de nosso movimento e ações. Nossa autonomia funcional e independência motora dependem da ma- nutenção do equilíbrio. Imagine que, se ao andarmos, tivéssemos que investir energia e atenção para nos mantermos equilibrados. Esse controle está subme- 85 tido a mecanismos neurológicos, mas isso não implica a impossibilidade de um controle consciente. Geralmente, não acionamos essas ações motoras de forma consciente, devido ao fato de adquirirmos muito cedo e sem dificuldades essa habilidade. A respiração segue a mesma lógica de desenvolvimento e atuação (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Já a estruturação do espaço está relacionada à consciência das coordenadas nas quais nosso corpo se move e nas quais a nossa ação acontece. Assim, desde os planos espaciais mais elementares comopara cima e para baixo, frente e trás, até os mais complexos, por exemplo, esquerda e direita, as crianças precisam articular uma significativa noção de representação de seu corpo em relação ao contexto espacial que as circundam. Quanto à estruturação temporal, esta é mais difícil de a criança dominar, haja vista não ter uma correspondência perceptiva evidente, como as noções espaciais. A criança consegue situar suas ações e suas rotinas de acordo com alguns ciclos, como o de sono-vigília, manhã-tarde-noite, ontem-hoje-amanhã, mas suas articulações só ocorrem mentalmente requisi- tando capacidades intelectivas mais complexas (PAPALIA; FELDMAN, 2013). O estabelecimento da lateralidade é fundamental para o processo posterior de aquisição da escrita, de tal modo que esta deve estar definida até os cinco anos e meio (PALACIOS et al., 2004). Algumas crianças já a definem na primeira infância, outras demoram mais para se organizar. Caso não haja uma definição até os seis anos, é indicada uma avaliação apurada para estabelecer um plano de ação específico, objetivando auxiliar a criança a lateralizar o movimento, inde- pendentemente de ser destro ou canhoto. Outro aspecto significativo do desenvolvimento psicomotor é o conceito de esquema corporal que se refere à representação de nosso corpo, dos diferentes segmentos corporais, de suas possibilidades de movimento e ação, assim como de nossas limitações. Essa função é construída lentamente como consequência das experiências que realizamos com o corpo e das vivências que temos dele. Segundo Mora e Palacios (apud PALACIOS et al. 2004, p. 135), “[...] graças a tal representa- ção, conhecemos nosso corpo e somos capazes de ajustar em cada momento nossa ação motora a nossos propósitos”. Caso não tivéssemos esse esquema estabelecido, teríamos muita dificuldade, por exemplo, em pegar algo que caísse, amarrar os sapa- tos, pentear os cabelos etc. Frisamos que esse processo de representação do esquema corporal é fruto de um longo processo de tentativas e de erros, de ajuste progressivo da ação do corpo e os estímulos do meio, como também com os objetivos da ação. UNICESUMAR UNIDADE 3 86 “ [...] um processo em que a imagem corporal inicial, embrionária e pouco precisa, vai ajustando-se e refinando-se em função das ex- periências pelas quais se vai passando. O que isso significa é, entre outras coisas, que o esquema corporal não é uma questão de tudo ou nada, mas uma construção progressiva em que novos elementos vão sendo acrescentados como consequência da maturação e das aprendizagens que vão sendo realizadas (PALACIOS et al., 2004, p. 135). Afinal, o que é desenvolvimento psicomotor? A psicomotricidade é o estudo do homem a partir do movimento e da atividade corporal na relação entre o orga- nismo e o meio em que ele se desenvolve. A complexidade do desenvolvimento humano nos mostra como nada é isolado e independente. De tal forma, o desen- volvimento motor traz em si um mundo de relações entre psiquismo-movimento. Podemos dizer que a meta do desenvolvimento psicomotor é a aquisição do controle do próprio corpo ao ponto de ser capaz de extrair dele todas as possibili- dades de ação e expressão. Destarte, esse desenvolvimento engloba componentes práticos e simbólicos. Práticos pelas ações que o sujeito empreende e simbólico pela representação que constrói do corpo e de suas possibilidades (PALACIOS et al., 2004). Isso, porque a psicomotricidade: “ [...] está relacionada ao processo de maturação, onde o corpo é a origem das aquisições cognitivas, afetivas e orgânicas. É susten- tada por três conhecimentos básicos: o movimento, o intelecto e o afeto. Psicomotricidade, portanto, é um termo empregado para uma concepção de movimento organizado e integrado, em função das experiências vividas pelo sujeito cuja ação é resultante de sua individualidade, sua linguagem e sua socialização (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOMOTRICIDADE, 2019, s.p.). O desenvolvimento psicomotor é complexo e tem grande importância por ser a base de todo o desenvolvimento global da criança. No decorrer de nossos es- tudos, você irá perceber como o domínio do corpo, o reconhecimento de seus limites, a capacidade de identificar em si as partes que o constitui etc. são a base para a aquisição das habilidades cognitivas. Por essa razão, o mote de trabalho da Educação Infantil enfatiza a aquisição e desenvolvimento das habilidades 87 psicomotoras da criança entendidas como um dos pré-requisitos para a leitura e escrita (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Antes de discutirmos o desenvolvimento das habilidades perceptuais complexas, é importante analisarmos uma questão central na psicologia, a ques- tão do nativismo X empirismo. A posição nativista discute que o ser humano nasce com sistemas já desenvolvidos, ou maturacionalmente determinados, para lidar com a experiência. A posição empirista afirma que nossas habilidades são desenvolvidas somente em resultado da experiência. É claro que essa posi- ção extrema, tanto nativista como empirista, é pouco produtiva. Sabemos que o desenvolvimento ocorre em função da maturação de algumas coisas, portanto, há certo grau de nativismo, mas também depende das experiências, ou seja, há certo grau de empirismo. De acordo com esse modelo, vamos discutir como as mudanças observadas no desenvolvimento físico e psicomotor interferem no desenvolvimento perceptivo (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Como já foi discutido, o bebê demora a desenvolver sua acuidade visual, em- bora tenha boa acuidade auditiva ao nascimento. Vimos também, que os bebês preferem objetos que tenham movimentos e padrões coloridos e não demons- tram preferência por coisas lisas ou monocromáticas. Mas, como a criança desen- volve essa “preferência”? Vamos entrar no conceito de aprendizagem perceptiva. Para se estudar o desenvolvimento da atenção, buscando descobrir o que os bebês preferem, pois se atentam mais tempo a determinados objetos, os pesquisadores utilizam um recurso interessante. Uma câmera de vídeo é posicionada na frente da criança, filmando seus olhos, e outra câmera de vídeo é posicionada atrás do bebê, focando o ambiente na sua frente. Um programa de computador é capaz de, a partir dos olhos do bebê, calcular e projetar em um monitor, com a imagem da outra câmera, um marcador que indica onde o bebê está olhando e os movimentos dos olhos do bebê. A partir dessas imagens é possível saber para onde o bebê olha e quanto tempo ele gasta focando sua atenção em determinado objeto (BEE, 2003). Crianças com até dois meses de idade focam sua visão nos objetos que estão próximos, acompanham algum objeto em movimento e olham para o contorno das coisas. A partir dos dois meses de idade, a criança começa a prestar atenção aos detalhes do objeto, movimentando seus olhos em torno de toda a figura, ao invés de olhar fixamente para um ponto. Existem algumas “regras” que as crianças UNICESUMAR UNIDADE 3 88 precisam adquirir para dar sentido ao mundo físico ao seu redor, a partir das suas percepções. Essas regras são as constâncias perceptivas (BELSKY, 2010). A constância de tamanho corresponde à capacidade de o indivíduo perce- ber o tamanho do objeto como constante, apesar da distância que se encontra, isto é, quando vemos um objeto próximo, ele aparenta ter um tamanho, mas quando o vemos ao longe, ele aparenta ser menor. Sabemos que essa aparência de menor ou maior é devido à distância, mas compreendemos que o tamanho do objeto se mantém constante. Um exemplo disso, é observarmos um avião no céu. Se olharmos para um pássaro na árvore, aparentemente ele teria o mesmo tamanho do avião no céu, mas sabemos que o avião, apesar de o vermos pequeno, é bem maior do que o pássaro. É importante para a constância de tamanho, a percepção de profundidade (BELSKY, 2010). Para se estudar a percepção de profundidade, existe um experimento muito conhecido. Esse experimento, chamado de “Penhasco visual”, consiste em uma mesa comum rebaixamento de um dos lados, coberto com um vidro. Há um padrão xadrez em toda a mesa, incluindo abaixo do vidro, na porção de declive. Coloca-se o bebê na mesa e uma pessoa fica do outro lado, na posição de decli- ve, chamando pelo bebê. Geralmente o bebê caminha em direção à pessoa, mas para seu movimento quando chega à posição de declive, pois ele “percebe” a profundidade como não sendo segura para continuar. Bebês que não apresentam percepção de profundidade caminham sobre o vidro, sem perceberem o declive abaixo deles (BELSKY, 2010). 89 Já a constância de forma é a habilidade de perceber que a forma do objeto é a mesma, apesar dos diferentes ângulos sob os quais ele é visto e constância da cor seria a habilidade de reconhecer que as cores do objeto são constantes a des- peito da mudança da quantidade de luz ou sombra sobre elas (BELSKY, 2010). O conjunto de constâncias implica o conceito de constância do objeto, que corresponde ao reconhecimento dos objetos permanecerem os mesmos apesar de nossos órgãos dos sentidos fornecerem informações de que houve mudança em alguns aspectos (BELSKY, 2010). Para que o bebê desenvolva o conceito de constância do objeto, é necessário que ele desenvolva o conceito de objeto. O conceito de objeto envolve duas habilidades. A permanência do objeto, que significa a existência dele mesmo quando fora do campo de percepção, ou seja, quando o bebê não está mais vendo seu objeto, não significa que esse objeto Descrição da Imagem: A imagem é uma fotografia em preto e branco, com uma mesa de vidro e sob ela há um pano quadriculado simulando um declive. Um bebê está sobre a mesa e engatinha em direção a uma figura feminina, sem considerar a visão de profundidade sugerida pelo pano quadriculado. A visão do fotógrafo é as costas do bebê, de frente para a mulher Figura 4 – O penhasco visual / Fonte: Gibson e Walk (1960) UNICESUMAR UNIDADE 3 90 deixou de existir, mas somente que ele não está ao alcance da percepção. Por exemplo, o bebê deve descobrir que, quando sua mãe sai pela porta do quar- to, ela continua existindo em outro cômodo da casa. A segunda habilidade é a identidade do objeto, que significa que o objeto continua sendo o mesmo. Por exemplo, quando essa mãe retorna, ela é a mesma mãe que era anteriormente e não uma nova mãe (BELSKY, 2010). A criança aprimora a sua atenção sobre as coisas relevantes que ocorrem ao seu redor em função das constâncias perceptivas, ou seja, a criança aprende a não prestar atenção ao tamanho, forma e cor aparente do objeto, mas atentar-se para todo o contexto. Uma das implicações dessas constâncias perceptivas está no aprendizado da leitura. A criança deve “desaprender” algumas constâncias perceptivas para poder aprender a ler. Por exemplo, a constância perceptiva de forma implica que o objeto tenha a mesma forma, independentemente da posi- ção em que ele se encontre, mas essa regra não é válida para a aprendizagem da leitura. Uma letra não é a mesma em qualquer posição. Por exemplo, o M e o W seriam a mesma letra, em posição invertida, ou seja, pela constância de forma a letra seria a mesma (BELSKY, 2010). O conceito de permanência do objeto foi proposto por Jean Piaget. Segundo o autor, a partir do conceito de objeto, a criança pode começar a categorizá-lo. Ela inicia esse processo categorizando em classes equivalentes os objetos que estão disponíveis em seu contexto social, seguindo o critério de sua percepção. Chamamos isso de categorização perceptual. Os objetos que são percebidos como semelhantes são agrupados em uma mesma categoria. Com os avanços no desen- volvimento cognitivo, a criança passa a categorizar em classes mais sofisticadas, chamadas de categorização conceitual. Na categorização conceitual, não importa mais a percepção que a criança tem do objeto, mas seu conceito. Essa habilidade de categorizar e formar classes é considerada fundamental para o desenvolvi- mento da linguagem (PIAGET, 1971). Avançando em nossos estudos, analisamos o neonato quanto a suas funções sensoriais de audição, visão, olfato e paladar e o nível de maturidade. A criança, logo após o nascimento, já é capaz de discriminar quaisquer fonemas – embora ainda não tenha maturidade cerebral para entender o que significa esses sons – e musculatura adequada para articular a passagem do ar, produzindo som da 91 fala e, assim, conseguir se comunicar verbalmente. A visão se desenvolve mais lentamente. Até os cinco meses de idade, o bebê ainda tem uma visão abaixo do normal (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Além das capacidades perceptivas, os bebês respondem diferentemente a situações diversas. Alguns bebês reagem facilmente a novas condições, outros choram e estranham qualquer diferença e outros somente resmungam. A resposta a essas condições indica o temperamento do bebê (PASQUALI, 2000). O crescimento e as mudanças físicas que ocorrem com o bebê e crianças pequenas são facilmente notados. Além das mudanças físicas visíveis, ocorrem transformações no interior do organismo. Mudanças na função cerebral são de- correntes do processo de mielinização, o que implica a maturação do sistema nervoso. O melhor funcionamento do sistema nervoso reflete na produção de enzimas e hormônios, responsáveis pelo crescimento e desenvolvimento dos órgãos (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Conforme o desenvolvimento físico progride, a interação da criança também se amplia, pois o ambiente a ser explorado se expande e, assim, vai adquirindo novas experiências, o que implica uma grande mudança biossocial-compor- tamental; biológica, porque o organismo se desenvolve, apresentando mais e melhores funções biológicas; social e comportamental porque as mudanças na função cerebral são acompanhadas da aquisição de esquemas cognitivos impor- tantes (PASQUALI, 2000). A interação organismo e ambiente ficou evidente no decorrer desta unidade, mostrando o sujeito como ativo em seu meio, e que este, sendo o suficiente estimu- lador, desencadeia o desenvolvimento das potencialidades biológicas da criança. Graças ao desenvolvimento do sistema nervoso, da ação da criança no meio em que vive e do suporte social prestado pelos adultos cuidadores, ela começa a ad- quirir conceitos que serão fundamentais para seu desenvolvimento cognitivo. O primeiro conceito é a permanência do objeto. A criança, antes do estabelecimento desse conceito, acredita que ao cobrir o rosto, a pessoa com a qual está brincando, por exemplo, não saberá que ela está ali. Isso porque no seu entendimento, se ela não está vendo as pessoas, as pessoas também não estão a vendo. Depois que a criança adquire a permanência do objeto, este passa a existir, mesmo que esteja em outro lugar, fora do alcance da criança (PAPALIA; FELDMAN, 2013). UNICESUMAR UNIDADE 3 92 Toda a discussão do desenvolvimento físico e das primeiras competências de adaptação ao ambiente, maturação das funções sensoriais, será fundamental para o entendimento do desenvolvimento cognitivo, tema que será discutido na próxima unidade. Você já pensou que nem todas as crianças se desenvolvem em condições favoráveis? E se crianças desse período (0–6 anos) sofrerem negligência e maus-tratos? Será que isso pode afetar o curso normal do desenvolvimento? Essas e outras questões serão discutidas neste podcast. Portanto, aperte o play e acompanhe! O conteúdo apresentado nesta unidade foi selecionado de modo a facilitar a sua compreensão sobre o desenvolvimento humano nos cruciais primeiros seis anos de vida. A partir dos estudos desta unidade, você foi capaz de conhecer mais profundamente o desenvolvimento físico e todos os elementos relacionados. Presume-se que, ao saber que o desenvolvimento neuromotor de crianças de 0 a 6 anos é determinado por diversos fatores, você identificou possíveis inter- corrências que venham influenciar o desenvolvimento da criança, de modo a desenvolver programas de intervenção dentro do ambiente educacional. Assim, pensar em atividades quepotencializem o desenvolvimento infantil é fundamental, mas precisa ser pensada de acordo com a faixa etária da criança, correto? Então, propor atividades como correr e saltar para crianças de 4–6 anos é importante, bem como permitir que o bebê até 1 ano possa ficar no chão e explorar o rolamento, o engatinhar e o ficar em pé com apoio. Estudos no campo do desenvolvimento infantil são contínua e exaustivamen- te desenvolvidos, para que temas como tecnologia, estimulação precoce, nutri- ção, entre outros estejam sempre em pauta na sociedade. Espero que, por meio dos estudos advindos da psicologia, você consiga reconhecer o seu potencial em auxiliar as crianças manifestarem sua compreensão sobre o mundo, aprender a elaborar suas experiências e se desenvolverem de maneira integral e satisfatória. https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/9500 93 1. As crianças, na atualidade, só faltam nascer falando. Com certeza, você já ouviu ou mesmo pensou algo do gênero ao se deparar com bebês que conseguem pular pro- pagandas ou selecionar o vídeo a assistir. Sem entrar no mérito do benefício ou não do uso de tecnologia em tenra idade, destacamos como as crianças parecem estar mais aptas a lidarem com seu entorno ao compararmos com décadas anteriores. Entretanto, agora que você já estudou alguns aspectos do desenvolvimento neuro- motor de 0 a 6 anos de idade, está apto a fazer uma avaliação pautada em quesitos científicos acerca dessa afirmação. Considerando os estudos acerca da temática, analise as afirmativas a seguir: I - Ao nascer, o córtex cerebral é a parte do cérebro menos desenvolvida e, por essa razão, a criança não tem capacidade de falar ou interagir de forma coerente, como indivíduos maiores. II - O tronco encefálico coordena atividades menos complexas, como ciclo de excre- ção e sono vigília, e está mais desenvolvido no nascimento. III - A criança, ao nascer, apresenta em sua plenitude todas as suas capacidades sensoriais e perceptivas, por isso consegue manipular os recursos tecnológicos com facilidade. IV - A mielinização dos neurônios permite que os impulsos elétricos sejam transmi- tidos de forma mais eficiente e rápida. É correto o que se afirma em: a) I e II, apenas. b) II e III, apenas. c) III e IV, apenas. d) I, II e III, apenas. e) I, II e IV apenas. 2. Ao nascer, o bebê não representa o mundo social tal como nós, adultos, o fazemos. Para conseguir organizar essas informações, ele desenvolve as constâncias percep- tivas. Competência fundamental para a compreensão e a relação com o mundo objetivo. Por essa razão, importa que você consiga sintetizar como os elementos da constância perceptiva se organizam e amparam a construção do conceito de obje- to. Dessa forma, construa um breve texto no qual você simula a explicação desse conteúdo para um grupo de pais ressaltando as constâncias perceptivas e a relação que elas possuem com a formação do conceito de objeto. 94 3. Em minha jornada como psicóloga escolar, me deparei com vários profissionais da edu- cação frustrados após a aplicação de um protocolo de aprendizagem ou de atividades planejadas com muito esmero. Ao discutirmos o que poderia ter saído em desacordo com o esperado, evidenciava-se que as atividades elaboradas não estavam de acordo com as habilidades motoras esperadas para a faixa etária submetida ao planejamento. Tendo em vista esta situação e os conteúdos acerca do desenvolvimento neuromotor, analise as afirmativas a seguir e considere (V) para verdadeiro e (F) para falso. I - É viável sugerir roda de conversa para bebês de quatro meses, uma vez que já conseguem ficar sentados sem apoio. II - É viável sugerir exploração e sobreposição de objetos para bebê com nove me- ses, dado que é esperado deles a habilidade de empilhar. III - É viável propor exploração de alinhavos e atividades com diferentes encaixes a crianças de quatro anos, pois nesta idade já apresentam condições para desenvolvê-los. IV - É viável propor uma atividade que requer coordenação motora de recorte com tesoura para crianças de 5 anos, tendo em vista que já possuem condições mo- toras para executá-las. As afirmações I, II, III e IV são, respectivamente: a) V, V, F, F. b) V, F, V, F. c) F, F, V, V. d) F, V, F, V. e) V, V, V, F. 4Desenvolvimento Cognitivo Me. Juliana da Silva Araujo Alencar Nesta unidade, trataremos do desenvolvimento cognitivo e da lingua- gem da criança de 0 a 12 anos. Tomaremos como referência a Episte- mologia Genética para compreendermos o desenvolvimento cognitivo da criança, analisando cada etapa do processo de construção do racio- cínio lógico e sua importância para a adaptação dos indivíduos. Vamos, também, conhecer como a linguagem se estabelece e a sua influência em outros processos do desenvolvimento, tais como a socialização e, posteriormente, alfabetização da criança. UNIDADE 4 98 Maria Julia, 5 anos, está sentada no jardim da escola observando as formigas entrarem no formigueiro, carregando folhas maiores que seus pequenos corpos. A professora se aproxima e a questiona sobre o que está fazendo e, em resposta, recebe vários questionamentos: como as formigas carregam coisas maiores que elas? Como elas conseguem viver sob a terra? Pacientemente, a professora responde que a consti- tuição biológica da formiga assim a permite. Maria Julia diz que não é possível, pois debaixo da terra não tem ar e que só pessoas grandes têm força para carregar objetos maiores. A professora sorriu e disse à aluna sobre a diferença das espécies. Ela ouviu fascinada a explicação, apesar de ainda não se sentir segura para acreditar no que lhe era dito. Qual a razão de Maria Julia não conseguir compreender o que a professora lhe explica? A observação realizada pela aluna provocou alterações na forma de entender o contexto em que vive? O que este evento nos diz sobre o desenvolvimento cognitivo da criança? Juntos vamos descobrir as respostas para estas indagações. As questões colocadas por Maria Julia e o encaminhamento dado pela professora indicam como em diferentes idades percebemos e compreendemos o mundo e a relação existente entre os eventos ao nosso redor. Maria Julia aos 5 anos não consegue ainda pensar que seres vivos podem ter necessidades diferentes das dela para sobrevi- ver ou mesmo, conceber a relação de força como sendo característica particular de cada espécie. A professora lhe oferece as informações necessárias para promover um desequilíbrio gerador de novas apren- dizagens. No entanto, nessa faixa etária, a criança entende o que lhe é dito, mas não compreende de forma complexa, pois a função cognitiva se organiza de forma egocêntrica. Em outras palavras, tem a si como referência de compreensão do mundo. Lembro de quando era peque- na e meu pai comentou que havia mudado de carro com um amigo, e o novo carro era um Premium. Eu o questionei se ele havia ganho o carro de presente, o que despertou curiosidade pelo meu comentário e o fez questionar de onde havia tirado aquela ideia. Adivinhem o que eu respondi? “Ué, pai, se é um prêmio você ganhou porque venceu alguma gincana”. E você, tem alguma história assim para contar? 99 Você se recorda de alguma experiência na qual se deleitou ao ouvir um erro de lógica de uma criança? Se recorda de como ficou chateada(o) ou indigna- da(o) por supor que havia recebido menos chocolate, suco, brinquedos, enfim, do que seus familiares na mesma faixa etária ou com os colegas de turma? Caso não se recorde de eventos como estes, faça a experiência de oferecer a uma criança entre 3 a 5 anos um copo com um líquido qualquer, enquanto se serve do mesmo líquido em um copo diferente, no qual visivelmente parece que você tem mais do líquido do que a criança e observe a reação dela. Importante que a quantidade de líquido seja a mesma, ou seja, a diferença deve estar somente na forma de apresentar o volume, isto é, nos recipientes. Anote suas percepções e a reação da criança no diário de bordo.O que mobiliza o desenvolvimento cognitivo? Se não houver mudanças em nossa vida, experiências novas e conflitos, buscaríamos aprender coisas novas ou mesmo ampliaríamos a forma de entender e atuar sobre o ambiente? A busca por novas formas de entender o mundo em que vivemos está relacionada à ne- cessidade de se adaptar de maneira mais flexível ao nosso contexto, e, para tanto, é fundamental experienciar situações diferentes das quais estamos habituados, de acordo com a teoria piagetiana. UNICESUMAR UNIDADE 4 100 Na Psicologia do Desenvolvimento, vários teóricos problematizam as funções mentais concernentes ao funcionamento cognitivo dos indivíduos, mas foi um biólogo, Jean Piaget (1896-1980), que reuniu esforços para compreender como o conhecimento era construído na espécie humana. Quando pensamos em de- senvolvimento cognitivo ou inteligência, nos vem à mente algo extremamente complexo, correto? O padrão de comparação, ao analisar a criança, geralmente, é como o adulto apresenta seus padrões intelectuais. Piaget, no entanto, se des- tacou em seus estudos justamente por propor a ideia de desenvolvimento da inteligência, tomando a criança como sujeito com características de pensamento próprios, trazendo uma perspectiva simples, mas única, para a compreensão do desenvolvimento cognitivo. “ No fundo, o que Piaget fez de novo e grandioso é muito comum e simples, como, aliás, acontece com muitas coisas grandes, e pode ser caracterizado com o auxílio de uma tese antiga e banal, que o próprio Piaget cita no seu livro com palavras de Rousseau: a criança nada tem de pequeno adulto e sua inteligência não é, de maneira nenhuma, a pequena inteligência do adulto. Por trás dessa verdade simples que, aplicada ao pensamento infantil, Piaget desvelou e fun- damentou com fatos, esconde-se uma ideia essencialmente simples: a ideia do desenvolvimento (VIGOTSKI, 2009, p. 21). Podemos desdobrar a partir da análise de Vigotski (2009) o cerne dos estudos de Piaget, bem como compreender a origem da teoria por ele proposta, qual seja: a Epistemologia Genética. O objeto de estudo do teórico não remete aos genes da biologia, mas sim à gênese, ou seja, a origem do conhecimento na espécie humana. Assim, trata-se de uma ciência que estuda o desenvolvimento da inte- ligência humana desde o seu início, com um diferencial importante: não concebe a criança a partir do que falta ao adulto, e sim nas características intrínsecas ao momento evolutivo dela. Jean Piaget era natural da Suíça, biólogo de formação, e analisou o desen- volvimento da inteligência da criança. A preocupação central de Piaget reflete a formação básica como biólogo, pois considera que só o conhecimento pode- ria possibilitar ao homem um estado de equilíbrio interno que o capacitaria a adaptar-se ao meio ambiente. Para Piaget, existe um meio externo que regula e 101 corrige o desenvolvimento do conhecimento adaptativo. Sendo assim, a função do conhecimento é produzir estruturas lógicas que permitam ao sujeito atuar no mundo de formas cada vez mais complexas e flexíveis. No início de sua atuação, neste campo, era comum os psicólogos do desen- volvimento estudarem a inteligência de uma forma quantitativa objetivando a padronização de testes. Piaget foi trabalhar com Alfred Binet, primeiro criador de um teste de inteligência, chamado Teste Binet. Ajudando na correção desses testes, Piaget notou que crianças pequenas consistentemente davam respostas erradas a certas questões no teste. Piaget não focou sua atenção no fato de a res- posta da criança ser errada, mas no fato de que crianças de idades aproximadas respondiam de acordo com um padrão de erros. Isto é, crianças com idades parecidas erravam as mesmas questões, dando respostas muito semelhantes. Isso levou Piaget a propor uma teoria que explicava que os processos cognitivos das crianças ocorriam de acordo com estágios, sendo que as pessoas exibiam padrões comuns e distintos em cada período de desenvolvimento (BIAGGIO, 2003). UNICESUMAR UNIDADE 4 102 Como dito anteriormente, a formação acadêmica de Jean Piaget é um diferencial que nos auxilia na compreensão de sua teoria. Por ser biólogo, em seus estudos, valorizou de forma significativa a influência do amadurecimento biológico dos indivíduos no processo de aquisição e estabelecimento das capacidades cogni- tivas. Esta relação destaca uma característica fundamental da teoria: o intera- cionismo. O desenvolvimento cognitivo depende tanto do amadurecimento biológico quanto do ambiente para a evolução das competências cognitivas. Em linhas gerais, podemos entender que a ação da criança sobre o mundo permitirá o progressivo refinamento da inteligência dela. Alguns conceitos são fundamentais para a compreensão da teoria proposta pelo autor: hereditariedade, esquema, adaptação e equilíbrio. Vamos abordá- -los separadamente, com a finalidade exclusivamente didática, pois todos, na prática, acontecem de forma simultânea, influenciando o desenvolvimento e o estabelecimento da inteligência. A hereditariedade corresponde à herança das estruturas biológicas, sen- soriais e neurológicas, que subsidiam o surgimento de determinadas estruturas mentais, ou seja, herdamos um organismo que, em contato com o meio ambiente, vai amadurecer. Desta interação, organismo/ambiente, resultará o surgimento de determinadas estruturas cognitivas que funcionarão de modo semelhante durante toda a vida do sujeito (RAPPAPORT, 1981a). Cabe lembrar que, por ambiente, entende-se tanto os aspectos físicos quanto os sociais, sendo estes res- ponsáveis pelo aumento significativo da complexidade do processo de adaptação. A criança necessita desenvolver recursos intelectivos para solucionar uma gama de situações para conviver em um determinado ambiente social. Para elaborar sua teoria, Piaget tomou como metodologia o que nomeou como método clínico de investigação, que, em síntese, corresponde à observação, tanto espontânea, quanto provocada por experimentos por meio do diálogo com a criança. A cena de Maria Julia no jardim da escola remete à observação e diálogo em uma situação espon- tânea, por exemplo. Os procedimentos experimentais são os protocolos piagetianos de conservação de constâncias, que nada mais são do que algumas provas operatórias apresentadas a crianças de diferentes idades e um questionário padrão, executado com a função de verificar quais os modelos lógicos que a criança apresenta, visando com- preender as características do pensamento infantil. EXPLORANDO IDEIAS 103 Os estímulos sociais compreendem os comportamentos, tarefas, conceitos etc., ensinados intencionalmente ou não pelas pessoas que convivemos. No que tange ao aspecto físico, Rappaport (1981a) explicita que um ambiente rico em estimulação proporcionará uma profusão de objetos a serem manipulados pela criança, bem como lugares a serem explorados, oportunidades de observação da natureza, entre outros. O plano social será aquele capaz de reforçar e valorizar as aquisições de competência da criança. O conceito de esquema, segundo Piaget (apud RAPPAPORT, 1981a; p. 59), “é a unidade estrutural básica de pensamento ou de ação e que corresponde, de certa maneira, à estrutura biológica que muda e se adapta”. O que seria exatamen- te isso? Esquema pode ser entendido como uma estrutura mental que proporcio- na um modelo para ação em circunstâncias similares, ou seja, quando a criança se encontra em uma situação parecida com alguma que ela já tenha vivido, ela vai se comportar de acordo com o seu esquema, ou seja, esse esquema seria um modelo mental de como agir, alterado pelo processo de adaptação. Piaget e Inhelder (1995) entenderam que a criança busca novos conhecimen- tos, explorando ativamente seu meio. Ao construir seu entendimento sobre novos conhecimentos, a criança tenta se adaptar ao mundo que a cerca. Essa adaptação, como um processo dinâmico, envolve dois processos muito importantes: a assi- milação e a acomodação.Neste contexto, a assimilação seria o processo pelo qual um evento ou experiência é absorvido por um esquema. Vamos a um exemplo: O reflexo, no recém-nascido, seria o primeiro esquema, sendo considerado um esquema primitivo. A criança tem o reflexo de sucção para viabilizar a manutenção da vida por meio da alimentação. A sucção do mamilo da mãe faz parte desse esquema. Todavia, quando a criança chupa o dedo ou a chupeta, o esquema sucção para alimentação é ampliado por meio da assimilação. O esquema sugar para se alimentar agora passa a ser composto pelo sugar para ter conforto emocional. Aqui, indica que houve uma modificação do esquema, acomodando uma nova função, o sugar para ficar tranquilo, evidenciando a adaptação desse esquema de ação. O conceito de equilíbrio/equilibração, em síntese, corresponde ao processo de organização das estruturas cognitivas em um sistema coerente, interdependente, que possibilita ao sujeito um tipo ou outro de adaptação à realidade (RAPPA- UNICESUMAR UNIDADE 4 104 PORT, 1981a). Nesta perspectiva, o desenvolvimento corresponde a um pro- cesso visando atingir formas de equilíbrio cada vez mais eficientes. A cada fase do desenvolvimento, o sujeito consegue atingir uma determinada organização mental, que lhe permite lidar com o ambiente, sendo que a organização mental vai alterando-se de acordo com a capacidade do sujeito de compreender e atuar na realidade de formas mais elaboradas. No infográfico a seguir, você poderá visualizar como os conceitos se articulam. OLHAR CONCEITUAL Processo de desenvolvimento cognitivo Desequilíbrio Assimilação Acomodação Situação Problema Equilibração Adaptação Causa um novo desequilíbrio Descrição da Imagem: Na imagem, temos um esquema com retângulos e setas. Esse esquema é um ciclo que ocorre da esquerda para a direita. Na parte superior, temos dois retângulos, no primeiro, está escrito Desequilíbrio, seguido de uma seta, para o segundo retângulo, em que está escrita a palavra Assi- milação, com uma seta para a palavra “Acomodação”. Acima deste retângulo, temos uma seta para cima, apontando para a palavra “Adaptação”. Uma seta curva saindo do retângulo com a palavra “Acomodação” aponta para baixo e para a direita, onde temos um retângulo com a palavra “Equilibração”, com mais uma seta e a frase “Situação Problema”. Abaixo desse último retângulo temos uma seta apontando para baixo, onde tempos a frase “Causa um novo desequilíbrio”. Uma nova seta curva apontando para cima sai deste último retângulo e vai até a palavras “Desequilíbrio”, reiniciando o esquema. Figura 1 – Esquema do desenvolvimento cognitivo da criança segundo Piaget. / Fonte: a autora. 105 Piaget e Inhelder (1995) pontuam que o ambiente, físico e social, coloca as crianças em situações contínuas que desorganizam o equilíbrio do organismo, levando-o a construir comportamentos adaptativos. O conhecimento, desta forma, viabiliza a organização de novas formas de interação com o ambiente, proporcionando uma adaptação mais refinada e eficiente, sendo sentida pelo sujeito como algo gratificante. De acordo com Ferracioli (1999), o entendimento das particularidades do desenvolvimento cognitivo da criança depende justamente dela mesma. Daí a importância de compreender a criança a partir da sua observação espontânea e em interação com o ambiente. Ao se debruçar sobre esta perspectiva, Piaget (1999) definiu que a busca por entender ou aprender algo novo é uma carac- terística dos sujeitos, mas a forma que assimila e acomoda cada uma dessas experiências dependerá da idade. É por essa razão que Piaget, no decorrer da construção de sua teoria, estabeleceu que o desenvolvimento cognitivo é orga- nizado em 4 estágios: período sensório motor, período pré-operatório, período operatório concreto e período operatório formal. O nascimento da inteligência, segundo Herzberg (1981), se dá justamente no período sensório-motor, entendendo por inteligência a possibilidade de variar os meios e as formas de agir, em decorrência da realização de determinados objetivos; em outras palavras: um ato realizado com intencionalidade. A criança apresenta ao nascer uma série de mecanismos inatos que lhe auxiliarão a lidar com o meio, os reflexos. Estes irão se adaptar mediante as interações da criança com o meio, ampliando as possibilidades de comportamentos. UNICESUMAR UNIDADE 4 106 Este período compreende o desenvolvimento cognitivo do bebê de 0 a 2 anos, aproximadamente. Piaget e Inhelder (1995, p. 12) assim o definiram: “ Essencialmente prática, isto é, tendente a resultados favoráveis e não ao enunciado de verdades, essa inteligência nem por isso deixa de resolver, finalmente, um conjunto de problemas de ação (alcançar objetos afastados, escondidos etc.), construindo um sistema com- plexo de esquemas de assimilação, e de organizar o real de acordo com um conjunto de estruturas espaçotemporais e causais. Ora, à falta de linguagem e de função simbólica, tais construções se efe- tuam exclusivamente apoiadas em percepções e movimentos, ou seja, através de uma coordenação sensório-motora das ações, sem que intervenha a representação ou o pensamento. Percebemos a ênfase dada às questões reflexas e práticas, sendo que o processo de assimilação é marcante nessa fase. Isso porque Piaget e Inhelder (1995) analisaram o período sensório-motor como sendo o da inteligência prática, uma vez que o grande processo de adaptação é o de coordenar as percepções sensoriais e os comportamen- tos motores simples, visando adquirir conhecimento do meio circundante. Piaget, a partir da observação sistemática de crianças desde o nascimento, subdividiu o período sensório-motor em 6 subestágios. O primeiro subestágio ocorre desde o nascimento até aproximadamente 1º mês de vida e foi denomi- nado de exercício dos reflexos. Nesse estágio, o bebê vai aprender a controlar e coordenar seus reflexos. Cole e Cole (2003) pontuam que a importância dada a esta fase por Piaget foi em decorrência de os reflexos iniciais proporcionarem as condições para o desenvolvimento porque produzem estimulação, ao passo que são respostas para os estímulos. O exemplo dado pelos autores é a partir do reflexo de sucção, pontuando que, ao sugar, o bebê sente a pressão tátil no céu da boca, estimulando a continuidade da ação. O aspecto de produtor de estímulos dos reflexos é o aspecto-chave para o segundo subestágio. 107 O subestágio 2, que abrange do 1º ao 4º mês, foi denominado de reações circulares primárias. Circulares pelo caráter repetitivo nele implicado, e primária por estar relacionado ao corpo próprio do bebê e ligado aos mecanismos here- ditários (HERZBERG, 1981). Esse período vai de um a quatro meses de vida do bebê. O segundo subestágio se origina da capacidade de transformar os com- portamentos reflexos em função da experiência. A adaptação adquirida nesse estágio supõe uma aprendizagem relativa aos novos elementos indicados pelo meio externo. O sugar é um reflexo inato, a partir do qual a mamada, a chupeta, o dedo etc., foram assimilados. Nesse momento, a repetição, por exemplo, do movimento mão/boca da sucção organiza-se em um conjunto sensório-motor. A criança, por sentir essa ação como prazerosa, torna-se ativa na sua repetição. O subestágio 3 vai do 4º ao 8º mês e é denominado de reações circulares secundárias. Cole e Cole (2003) descrevem que o bebê nessa fase não está mais restrito à manutenção e modificação de ações reflexas e concentradas no corpo como no estágio anterior. A atenção dele agora se dirige ao mundo externo, ou seja, para objetos e resultados. Esse interesse pelo mundo externo é fonte originá- ria da ação que marca o subestágio, a saber: repetições de ações que promovem alterações interessantes no ambiente. O bebê acidentalmente mexe em um mobile preso ao seu berço e essa ação lhe chama a atenção, fazendo-o repeti-la de modo a obter o mesmo resultado. A diferença de estímulos disponíveis para a criança atéagora não era um fator diferencial, mas passa a ser, pois em um ambiente rico neste aspecto, a criança terá a oportunidade de organizar uma maior gama de esquemas diferentes a partir de sua ação no meio externo. Herzberg (1981) o considera uma fase de transição entre os atos pré-inteligentes e os ditos inteli- gentes, haja vista a intencionalidade de passar a coordenar as ações da criança. UNICESUMAR UNIDADE 4 108 O subestágio 4, coordenação das reações circulares, vai do 8º ao 12º mês de vida da criança. O marco desta etapa é o surgimento da capacidade de coordenar o comportamento para atingir um objetivo, ou seja, a intencionalidade. A criança neste subestágio consegue coordenar esquemas elementares de atuação para ob- ter algo desejado. Continuando com o exemplo do mobile no berço, agora o bebê não repetirá a ação tal qual a desencadeou a primeira vez, ele intencionalmente procura e prática as diversas formas para colocá-lo em movimento. Herzberg (1981) ressalta, ainda, não haver planejamento nessa fase, sendo que o bebê age sob os fatos percebidos. Reação circular terciária é a denominação do 5º subestágio do período sensório-motor proposto por Piaget, abrangendo em média do 12º ao 18º mês de vida. Herzberg (1981) caracteriza este estágio como sendo o mais complexo antes do aparecimento da capacidade de representação interna dos acontecimentos. A atitude de experimentação e a busca da novidade marcam as ca- racterísticas principais das reações circulares terciárias. A criança se interessa na articulação entre a sua ação e o objeto, por exem- plo: ao atirar um brinquedo ao chão, percebe que se modificar a forma de jogá-lo, altera também a maneira que esse cai. Essa ação demonstra que a criança está explorando o contexto por meio do mecanismo de tentativa e erro. Com esse comportamento, a criança demonstra a capacidade de variar e graduar, ou seja, ter controle voluntário sobre suas ações. Por fim, o subestágio 6: início do pensamento representa- cional ou combinações mentais. A criança encontra-se na fai- xa etária entre em média de 18º a 24º meses e começa a basear suas ações em símbolos internos, mentais ou representações das experiências anteriores (COLE; COLE, 2003). É possível notar que a criança nesse estágio de desenvolvimento passa a utilizar- -se da dedução em detrimento da tentativa e erro que marca o estágio anterior. Assim, ela pode iniciar uma determinada ação para resolver um problema e mediante o fracasso interromper a ação e criar mentalmente a solução. Herzberg (1981) enfatiza a 109 importância da passagem da ação explícita para a representação mental, haja vista que essa amplia radicalmente as possibilidades de adaptação ao meio. Podemos resolver problemas com maior rapidez e eficiência, pois articula- mos situações, problemas e as soluções a partir de uma representação interna existente, conferindo à ação um papel secundarizado, todavia, não dispensável. Cabe lembrar que a representação simbólica só é possível pela apropriação da criança do conceito de objeto. No quadro a seguir, você pode visualizar de forma sintetizada cada estágio além de ter acesso aos exemplos elaborados por Martorell (2014) para fixar me- lhor o que foi descrito até aqui. UNICESUMAR UNIDADE 4 110 Substágio Idade Descrição Comportamento 1. Uso de reflexos Nascimento a 1 mês Os bebês exercitam seus reflexos inatos e adqui- rem algum controle sobre eles. Eles não coordenam informações de seus sentidos. Não pegam um objeto que estão olhando. Começa a sugar quando a mama de sua mãe está em sua boca. 2. Reações circulares primárias. 1 a 4 meses Os bebês repetem com- portamentos agradáveis que primeiramente ocorrem por acaso (por exexmplo, sugar o pole- gar). As atividades focam o corpo do bebê mais do que os efeitos do com- portamento no ambiente. Os bebês fazem primeiras adaptações adquiridas, ou seja, eles sugam objetos diferentes de maneira diferente. Eles começam a coordenar informações sensórias e agarram objetos. Quando recebe uma garrafa, Dylan, que geralmente é amamentado ao seio, é capaz de ajustar sua sucção ao bico de borracha. 3. Reações circulares secundárias 4 a 8 meses Os bebês tornam-se mais interessados no ambiente, eles repetem ações que produzem resultados interessantes (por exem- plo, como sacudir um chocalho) e prologam ex- periências interessantes. As ações são intencionais, mas inicialmente não dirigidas a metas. Alejandro empurra peda- ços de cereais secos sobre a borda da bandeja de sua cadeirinha, um por um, e observa cada pedaço cair no chão. 111 Substágio Idade Descrição Comportamento 4. Coorde- nação de esquemas secundários 8 a 12 meses O comportamento é mais deliberado e propositado (intencional) à medida que os bebês coordenam esquemas anteriormente aprendidos (por exemplo, olhar e pegar um choca- lho) e usam comporta- mentos anteriormente aprendidos para atingir seus objetivos (por exem- plo, engatinhar pela sala para pegar um brinquedo que querem). Eles podem antecipar eventos. Anica aperta o botão de seu livro de cantigas de ninar, o que faz tocar determinada canção. Ela aperta esse botão várias vezes, escolhendo esse em vez de outros botões para outras canções. 5. Reações circulares terciárias 12 a 18 meses Nessa idade, as crianças demonstram curiosidade e experimentação, elas intencionalmente variam suas ações para ver os resultados (por exemplo, sacudindo chocalhos diferentes para ouvir seus sons). Exploram de forma ativa seu mundo para de- terminar o que é novo em um objeto, um evento ou uma situação. Elas experi- mentam novas atividades e usam tentativa e erro na resolução de problemas. Quando a irmã mais velha de Bjorn segura o livro predileto dele perto das grades do berço, ele tenta pegá-lo. Seus primeiros esforços para trazer o livro para dentro do berço fracassam, porque o livro é muito largo. Logo, Bjorn vira o livro de lado e o abraça, satisfeito com o seu sucesso. UNICESUMAR UNIDADE 4 112 Substágio Idade Descrição Comportamento 6. Combina- ções mentais 18 a 24 meses Uma vez que crianças pequenas são capazes de representar objetos men- talmente, não estão mais limitadas à tentativa e erro para resolver problemas. O pensamento simbólico permite que as crianças comecem a pensar sobre os fatos e antecipar suas consequências sem sempre recorrer à ação. Começam a demonstrar insight. Elas podem usar símbolos, tais como gestos e palavras e são capazes de fingir. Jenny brinca com sua caixa de formas, procurando cuidadosamente o orifício certo para cada forma an- tes de tentar – e consegue. Quadro 1 - Os seis subestágios do período sensório motor do desenvolvimento de Piaget Fonte: MARTORELL (2014. p. 127). Para Piaget, o sujeito é ativo em seu processo de desenvolvimento, portanto, a livre e supervisionada exploração do ambiente e objetos é fundamental ao estabelecimento e/ ou adaptação dos esquemas mentais. Sendo assim, convido você a refletir: o uso de dis- positivos tecnológicos individuais em excesso ou a utilização de cercados podem interferir no desenvolvimento cognitivo da criança?). PENSANDO JUNTOS O período pré-operatório compreende dos 2 aos 7 anos e também é deno- minado de inteligência verbal ou intuitiva. Por volta dos dois anos, a criança está desenvolvendo a linguagem de maneira ativa, permitindo utilizar tanto os esquemas sensórios-motores adquiridos quanto começar a desenvolver esque- mas simbólicos, como iniciar as atividades em que consegue representar uma coisa por outra. A evolução da habilidade motora associada ao aparecimento da linguagem, mesmo que rudimentar a princípio, amplia consideravelmente o campo de exploração físico e social da criança. O ambiente de convivência da 113 criança não será mais somente o doméstico,de tal forma que ela se empreenderá na tentativa de inserção numa sociedade mais ampla (RAPAPPORT, 1981b). O alcance do pensamento da criança, gradualmente, irá aumentar, mas ainda continua muito autocentrado, ou seja, egocêntrico e ainda preso eminentemente às ações. Você deve estar se perguntando o que seria pensamento egocêntrico, correto? Essa foi a definição dada por Piaget para a ausência de esquemas con- ceituais e de lógica no pensamento da criança. Egocêntrico também devido à impossibilidade de articular pontos de vista, por não conseguir conceber um mundo do qual não faça parte e confundir-se com objetos e pessoas, atribuindo seus sentimentos e pensamentos a eles (como a Maria Julia em nosso exemplo). As crianças nesta etapa evolutiva misturam realidade com fantasia. O pensa- mento, então, tem uma tendência lúdica significativa, que determina uma per- cepção distorcida da realidade (RAPPAPORT, 1981a). Por essa razão, a criança dá explicações animistas e artificialistas para as questões que lhe são feitas, por exemplo: atribui características humanas a animais, plantas e objetos e respostas simplistas como “foi meu pai que fez os rios”. Sua capacidade de julgamento ainda encontra-se intimamente dependente da percepção imediata, levando-a a cometer erros de lógica formal (RAPPA- PORT, 1981b). Piaget organizou um protocolo de avaliação do conceito de con- servação para analisar a construção do pensamento formal. As práticas aplicadas envolvem, por exemplo, a apresentação de duas bolas iguais de massa de mo- delar e questiona-se à criança se ambas têm a mesma quantidade de massa. A seguir, na frente da criança, altera-se a forma de uma das bolas para um cilindro. Como ela está dependente da percepção para formular suas respostas, diz que a forma cilíndrica tem maior quantidade de massa. Essa prática é a de conser- vação de massa, as outras conservações como de volume, peso, comprimento e quantidade mantêm a mesma lógica até o estabelecimento do período operató- rio concreto. Segundo Biaggio (2003), as práticas de conservação demonstram outro aspecto característico do pensamento no estágio pré-operatório, a saber, a centralização. A criança consegue somente focalizar um aspecto do estímulo, no caso citado, a alteração da forma. Rodrigo (2004) nos chama a atenção para o fato da irreversibilidade do pen- samento no período pré-operatório. A criança não consegue refazer mental- mente o processo, o qual observou retornando ao estágio inicial. O que isso quer dizer? No exemplo da conservação de massa, todo o processo é realizado em UNICESUMAR UNIDADE 4 114 sua frente, então, poderíamos dizer que a criança tranquilamente argumentaria que a única mudança foi a forma, que pode ser retomada, sem precisar fazê-lo concretamente. No entanto, ela não consegue perceber que se trata da mesma massa antes e depois de ser manipulada. O pensamento pré-operatório é estático e rígido, segundo Rodrigo (2004), sendo assim, a criança encontra dificuldades em relacionar os estados iniciais e finais de um determinado processo, ignorando as alterações dinâmicas inter- mediárias. Biaggio (2003) exemplifica esta característica do pensamento pré- -operatório com as mudanças de estado da água, pontuando que a criança não reconhece como sendo água o vapor que sai da panela ou o cubo de gelo. Outro aspecto característico do pensamento nesta etapa é o Raciocínio Trans- dutivo. Rodrigo (2004, p. 144) o define como o “estabelecimento de conexões associativas imediatas entre as coisas ao racionar do particular ao particular”. Essas conexões podem ou não manter uma lógica entre si. Por exemplo: a criança vê a mãe esquentando água para fazer macarrão, ela associa que toda vez que a mãe esquentar água terá macarrão para o almoço. Neste período, a criança começará por meio da fantasia a organizar o seu meio ambiente, internalizando a sua representação, sendo a imitação um com- portamento imprescindível na evolução da socialização (RAPPAPORT, 1981b). Ela brincará de casinha representando a rotina da família, a caixa de papelão poderá virar um carro etc. Há o interesse em outras crianças da mesma idade, mas o brincar é paralelo por não haver uma interação efetiva, assim quando ve- mos um grupo de crianças brincando de boneca ou carrinho, podemos perceber que cada uma está a brincar sozinha. Quanto mais próxima dos 7 anos, menos egocêntrica e mais socializada serão suas ações. No que tange à linguagem, percebemos tanto a socializada, quanto a egocên- trica. A primeira é o estabelecimento de um diálogo verdadeiro com uma inten- ção comunicante, já a segunda não necessita de um interlocutor. Esta corresponde ao falar sozinha, ação que a criança empreende, segundo Piaget, objetivando o treino dos esquemas pré-verbais adquiridos e a passagem gradual do pensamento motor para o pensamento interiorizado (apud RAPPAPORT, 1981b). Conforme a criança vai se desenvolvendo, a linguagem torna-se cada vez mais socializada, mostrando que seu percurso se dá no sentido da interiorização e da socialização. Caminhando em nossa jornada pelo desenvolvimento cognitivo, chegamos no período operatório concreto, que corresponde aproximadamente à faixa 115 etária de 7 a 12 anos e, ao contrário do período anterior, que Piaget categorizou como de grande desequilíbrio das funções cognitivas, é marcado por avanços intelectuais significativos. A linguagem bem estabelecida, logo socializada, fa- voreceu a formação de esquemas conceituais organizados pela razão e não mais pela assimilação egocêntrica. A superação do egocentrismo também é percebida no desenvolvimento social da criança, neste período ela será capaz de articular outros pontos de vista, perceber e respeitar os sentimentos e necessidades deles. Rappaport (1982) diz ser esse amadurecimento fundamental para a aquisição da interação social genuína entre os pares. A flexibilidade mental permitirá a compreensão dos jogos de regras, alterando as modalidades de brincadeiras que lhe despertam o interesse, sendo este a expressão lúdica maior do ser socializado. O conhecimento da realidade externa será correto e adequado aos objetos e situações circundantes, podendo assim trabalhar com os elementos de forma lógica. Daqui em diante, a tendência de misturar a fantasia com a realidade su- cumbiu, dando lugar a uma atitude crítica. Esse comportamento fica evidencia- do na dificuldade que a criança tem nesta fase de aceitar contradições em seus pensamentos (PIAGET; INHELDER, 1995). UNICESUMAR UNIDADE 4 116 As operações mentais, características dessa fase, são decorrentes da capaci- dade de conservação. O conceito de conservação é parte de uma cadeia de desenvolvimento que começou com a permanência do objeto e constância do objeto. No estágio sensório-motor, tinha que compreender que os objetos continuavam existindo, mesmo fora do alcance da visão e que permaneciam os mesmos, ainda que parecessem mudar em certos aspectos (forma e cor). Agora, a criança passa a compreender a existência de aspectos mais abstratos dos objetos, como massa ou peso, que também permanecem os mesmos, apesar de aparentes mudanças (COLE; COLE, 2003). Alguns exemplos de conservação são: conservação de quantidade de maté- ria, no qual se muda a forma do objeto, mas a quantidade de massa não é alterada; conservação de quantidade de líquido, onde se mudam os recipientes nos quais esse líquido é colocado, sem alterar sua quantidade. A criança precisa com- preender a distinção entre realidade e aparência, ou seja, mesmo que a aparência seja alterada, não necessariamente altera-se a realidade do objeto. Percebe-se que a criança agora é capaz de compreender a reversibilidade das ações e seu julga- mento deixa de ser atrelado à percepção, tornando-se conceitual (RAPPAPORT, 1981a). Piaget (1999) pontuou da seguinte forma a questão das conservações, evidenciando que estas se estabelecem seguindo a ordem de conservação de massa, peso e volume. “ Ora,é fácil encontrá-las em outras experiências. Por exemplo, dá-se à criança duas bolinhas de massa para modelar, do mesmo tamanho e peso. Uma é logo deformada em panqueca, em salsicha ou cortada em pedaços. Antes de sete anos, a criança admite a constância da matéria em jogo, acreditando ainda na variação das outras quali- dades; por volta dos nove anos, reconhece a conservação do peso, mas não a do volume; e, por volta de onze-doze anos, a do volume (por deslocamentos do nível, no caso de imersão de objetos em dois copos de água) (PIAGET, 1999, p. 46). Assim, espera-se que a criança no estágio operatório concreto seja capaz de com- binar, separar, ordenar e transformar objetos e ações mentalmente. Essas opera- ções são concretas porque se referem a objetos ou eventos reais de que a criança tenha conhecimento (BIAGGIO, 2003). 117 Por fim, o estágio operatório formal se dá por volta dos 12 anos e é reedita- do ao longo da vida. Caracteriza-se pelo fato de o sujeito conseguir libertar-se do concreto e ser capaz de realizar transformações possíveis na realidade (PIAGET; INHELDER, 1995). O adolescente no estágio operatório formal adquire a habi- lidade de pensar sistematicamente sobre todas as relações lógicas presentes em um problema. Diferente do estágio operatório concreto, onde pensar e manipular mentalmente as coisas requer considerar coisas concretas, neste estágio, é possível manipular conceitos abstratos como o amor, fantasia, justiça, democracia etc. Os adolescentes exibem interesse por ideias abstratas, assim como se preocupam com o próprio processo de pensamento. Discutir e criticar os sistemas sociais e propor novos códigos de conduta, assim, questionando os valores morais de seus pais e construir normativas próprias forjando sua autonomia (RAPPAPORT, 1982). Rubem Alves (2002) ao fazer uma crítica ao sistema escolar vigente no país traça um pa- ralelo entre os estudos de Piaget sobre a inteligência e a sobrevivência dos moluscos. Os moluscos são presas fáceis no oceano devido a sua constituição física mole e frágil, por- tanto, constroem conchas para se defender. Os humanos também são frágeis frente às intempéries da vida e da grande maioria dos demais predadores, restando, então, apren- der, desenvolver a sua inteligência para que possa garantir a sua sobrevivência. O pensa- mento é a ferramenta do homem para a sua defesa e desenvolvimento e é desencadeada para responder desafios vitais, portanto, requer que sejam desafiados continuamente para utilizar essa ferramenta cognitiva. O desequilíbrio provoca o pensamento, impondo à acomodação de novos esquemas mentais para que os sujeitos possam viver progressivamente mais integrados ao seu am- biente, ou seja, de forma mais inteligente.. PENSANDO JUNTOS A seguir, a Tabela 1 apresenta os estágios do desenvolvimento cognitivo de acordo com Piaget e uma síntese das principais características de cada etapa. UNICESUMAR UNIDADE 4 118 Idade Estágio Descrição Nascimento a 2 anos Sensório-motor As realizações dos bebês consistem, em grande parte, na coordenação de suas percepções sensoriais e em comportamentos motores simples. Não reconhecem a existência de um mundo externo a eles. 2 a 7 anos Pré-operatório A criança pequena pode represen- tar a realidade para si mesma por meio do uso de símbolos, incluindo imagens mentais, palavras e gestos. Além disso, as crianças frequente- mente não conseguem distinguir seu ponto de vista dos outros. 7 a 12 anos Operatório Concreto Quando entram na segunda infân- cia, as crianças se tornam capa- zes de operações mentais, ações internalizadas que se ajustam em um sistema lógico. O pensamento operatório permite que as crianças mentalmente combinem, separem, ordenem e transformem objetos e ações. Essas operações são con- sideradas concretas porque são realizadas na presença de objetos e eventos que estão sendo conside- rados. 12 anos em diante Operatório Formal Na adolescência, a pessoa em de- senvolvimento adquire a habilidade de pensar sistematicamente sobre todas as relações lógicas presentes em um problema. Os adolescentes exibem um vivo interesse por ideias abstratas e no próprio processo de pensamento. Tabela 1 - Síntese dos estágios do desenvolvimento cognitivo / Fonte: adaptado de Bee (2003) 119 O que fica evidente ao estudarmos o desenvolvimento cognitivo à luz de Piaget é o fato de ser contínuo e sequencial, ou seja, as aquisições cognitivas dos estágios anteriores são a base para os seguintes, não havendo a possibilidade de se pular etapas neste processo. A inteligência é adaptativa, portanto, viabiliza a interação do sujeito com o meio de forma cada vez mais integrada e assertiva, denotando também o papel ativo dele no processo. Piaget tem uma frase lindíssima para expressar essa compreensão, na qual ele afirma que o desenvolvimento cognitivo é “comparável à edificação de um grande prédio que, à medida que se acrescenta algo, ficará mais sólido” (PIAGET, 1999, p.14). NOVAS DESCOBERTAS Título: A psicologia da criança Autor: Barbel Inhelder, Jean Piaget Editora: Difel Sinopse: Esse livro estuda o crescimento mental das crianças até a fase de transição constituída pela adolescência. Os tópicos abordados pelos autores são: o nível sensório-motor da criança, o desenvolvimento das percepções, a função semiótica ou simbólica, as operações ‘concretas’ do pensamento e as relações interindividuais, o pré-adolescente e as ope- rações proposicionais. UNICESUMAR UNIDADE 4 120 Dando sequência em nossos estudos, vamos nos debruçar agora sobre a lin- guagem. Já parou para se perguntar como a linguagem se desenvolve? Quais as suas funções no desenvolvimento cognitivo e psicossocial dos sujeitos? Será que todos os seres vivos têm uma linguagem própria? Ou será que comunicação e linguagem são a mesma coisa? São tantas perguntas, não? Pois bem, norteados por essas indagações buscaremos o entendimento desse recurso cognitivo de suma importância para o desenvolvimento global dos indivíduos. A primeira infância (0 a 3 anos) é marcada por diversas características e mudanças no campo da linguagem, pois a criança vai da ausência da linguagem para a comunicação por meio desse recurso. Ao nascer, o bebê tem no choro a sua forma de se comunicar com seu entorno, pois, por meio dele, informa ao outro que requer algo como alimento, cuidado, sono. Gradativamente, o choro evoluiu para o balbucio, para a imitação acidental e deliberada, de acordo com Martorell (2014). Se no início a intensidade do choro informa de alguma forma a necessidade da criança, conforme essa se desenvolve, começa a interagir por meio de arrulhos – gritos, gorgolejos e vocalizações como “ah” – por volta dos 3 a 6 meses, visando interagir com o ambiente. O balbuciar, segundo Martorell (2014), consiste em repetir sequências de consoantes e vogais como da-da-da com função comunicativa, mas sem ter o sentido de uma linguagem real. Todavia, este adquire semelhanças com as pa- lavras da língua nativa do bebê ao longo do desenvolvimento. Neste momento, vale ressaltar a importância da imitação no desenvolvimento humano. Por volta dos 9 a 10 meses, o bebê passa a imitar os sons que escuta sem compreendê-los, mas que gradualmente vão se assemelhando à língua nativa e os que convivem com a criança já começam a entendê-la. Conversar com o bebê é fundamental para que ele possa se apropriar da dife- rença existente na sonoridade das palavras, podendo assim reconhecer que a lin- guagem tem um padrão fonológico a ser seguido. Isso porque, ao nascer, a criança é capaz de perceber todas as nuances de quaisquer padrões linguísticos e será o contato com a língua nativa que promoverá a modificação na estrutura neural do cérebro facilitando o refinamento da classificação dos sons a ele ensinado. 121 Conforme se desenvolve em meio a seu contexto social, a criança vai aprendendo, por volta dos 12 meses, gestos com significado socializado como o tchau oumover a cabeça para sinalizar sim ou não. Atos como estes indicam a apropriação da criança dos elementos da comunicação de forma socializada. Dos gestos, ela passa para a fala linguística, ou seja, aquela que tem valor comunicacional, como o “mama” para indicar a alimentação ou o “dada” para solicitar algum objeto, por exemplo. Dando sequência ao seu desenvolvimento, a criança entra na fase em que uma palavra tem o sentido de uma frase entre os 16 e 24 meses, por exemplo, “aga” sinalizando que ela está com sede. Nesta faixa etária, a criança compreende por volta de 150 palavras, apesar de não conseguir repeti-las, indicando que o vocabulário passivo é muito maior que o expressivo. Por volta dos 24 meses, a criança começa a se expressar por frases de duas palavras, ou fala telegráfica e aqui já notamos o quanto a criança já compreende que a linguagem tem uma estrutura própria, pois faz a construção da frase usando primeiro o sujeito e depois o substantivo ou verbo, como na expressão “cachorro au”, indicando que o cachorro latiu (MARTORELL, 2014). Percebemos, então, o valor fundamental da fala com a criança para que ela possa ir adquirindo a linguagem e aqui, ainda na primeira infância, se constrói a base para uma boa alfabetização quando se expõe a criança a um repertório amplo de palavras ao conversar e contar histórias para ela, pois potencializa as habilidades cognitivas e linguísticas delas, favorecendo a sua alfabetização no futuro. O maternês ou mamês é a fala dirigida à criança quando usamos uma entonação espe- cífica ao conversarmos com um bebê. Apesar de alguns pesquisadores questionarem a validade dessa ação, Martorell (2014) apresenta estudos indicando que essa forma de comunicação especial promove o refinamento fonoaudiológico facilitando a apreensão da língua materna. PENSANDO JUNTOS UNICESUMAR UNIDADE 4 122 Na segunda infância, de 3 a 6 anos, nota-se o desenvolvimento significativo no vocabulário, na gramática e sintaxe, bem como na fala pragmática e social. Aos 3 anos, de acordo com Owens (1996 apud MARTORELL, 2014) uma criança mediana é capaz de falar algo entre 1000 palavras. Já aos 6 o vocabulário expressivo - falado - gira em torno de 2600 palavras, ao passo que é capaz de compreender mais de 20 mil. Número este que se multiplica por quatro quando a criança chegar ao ensino médio. Nesta fase do desenvolvimento, a fala vai tornando-se mais complexa com o uso do plural, possessivos e alguns tempos verbais como o pretérito, mesmo que as frases ainda sejam curtas. Também é enriquecida com o uso de mais con- junções, preposições e artigos utilizando frases compostas e complexas, assim se aproximando mais da fala do adulto. Assim, de “quero água”, passam a falar “pode me dar água, por favor”; fazer articulações na qual remetem ao passado, dizendo “eu fui na casa da vovó”, ou condicionais, afirmando que “poderiam andar sozinhas na rua se fossem grandes”. Martorell (2014) ainda indica que a fala pragmática – o uso da linguagem com um propósito comunicativo – torna-se mais eficiente, pois, se aos 3 anos a criança fala no imperativo, aos 5 já consegue entender e expressar de forma edu- cada seus anseios, notando que, ao pedir de forma educada, tem maior chance de alcançar o que deseja. Nesta fase, ela também se empenha em se fazer entender ao notar que seu raciocínio linguístico não foi expresso com clareza, buscando outras formas de explicar o que deseja comunicar. Durante a pandemia de Covid-19, as crianças tiveram o seu convívio social restrito em prol da saúde. Foi um período imprescindível para o momento histórico, mas não deixou de apresentar consequências ao seu desenvolvimento. Rocha (2021) alerta que um estudo longitudinal indicou em seus resultados preliminares que as crianças nascidas durante a pandemia apresentam um desempenho verbal reduzido comparadas às nascidas antes desse período. O autor coloca como possíveis causas o distanciamento social e o uso ge- neralizado de máscaras, além do fechamento das escolas. Seus apontamentos vão ao encontro do que estudamos até aqui, sobre a importância da fala com a criança para ampliar e desenvolver a linguagem receptiva e expressiva, bem como a especialização neural quanto aos fonemas da língua nativa. Essa é uma demanda que você deverá estar atenta(o) ao dedicar-se ao trabalho com crianças que vivenciaram este período histórico em seu desenvolvimento. EXPLORANDO IDEIAS 123 No que se refere ao papel da linguagem nessa faixa etária para a alfabetização, Martorell (2014) destaca que crianças com um bom repertório linguístico tem maior facilidade para articular fonema e grafema, ação fundamental para a apro- priação da linguagem escrita. Todavia, cabe ressaltar que se os sujeitos têm dis- posição biológica de alguma ordem para aprender a falar. O mesmo não ocorre com a alfabetização, pois a leitura envolve outros aspectos dos indivíduos, como a visão, audição, memória, linguagem, habilidades motoras etc. Na terceira infância, 6 a 11 anos, a grande aquisição da linguagem está relacionada à sintaxe – a organização das palavras em frases e orações. Passam a entender que palavras podem ter sentidos diferentes dependendo do contexto, são capazes de fazer comparações e usar metáforas (OWENS, 1996 apud MARTORELL, 2014). Quanto à fala pragmática, notamos um avanço signi- ficativo, pois a criança consegue reconhecer as nuances de seu interlocutor e retomar diálogos que podem ter sido interrompidos de alguma forma, além de serem capazes de sondar o terreno antes de iniciar um diálogo acerca de um tema que não sinta confiança em fazê-lo. Martorell (2014) destaca que a criança nesta fase do desenvolvimen- to já consegue perceber que a leitura e a escrita são fundamentais no mun- do contemporâneo e por essa razão lhe A linguagem é incrível, não é mesmo? Por ser um tema tão importante e vasto, te convido a ouvir o nosso pod- cast sobre as divergências teóricas acerca de sua origem. Será social ou será inata? Ainda sobre o tema, venha de- scobrir como os teóricos Piaget e Vigotski se posicionam sobre a fala privada ou egocêntrica da criança. Aproveita a dica e dá o play! UNICESUMAR https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/9501 UNIDADE 4 124 desperta curiosidade ao permitir acesso a ideias e conteúdos diferentes, bem como expressar o que sentem e pensam por meio da palavra escrita. A respeito da articulação entre linguagem e alfabetização, a autora destaca que a abordagem fonética – decodificação e articulação entre fonema e grafema, e a abordagem integral – sugere que a criança naturalmente tende a ler e escrever, articuladas tem sido a preferência entre os estudiosos da área para compreender e discutir o desenvolvimento das habilidades de ler e escrever. Quanto à escrita, ela vai se tornando progressivamente mais refinada, caminhando da escrita por símbolos aleatórios até a representação da linguagem aprendida. Ao longo de nossa jornada pelo desenvolvimento cognitivo e da linguagem, foi possível destacar que a diferença existente no modo de assimilar o mundo impacta diretamente na forma de atuar sobre ele. A criança em cada estágio do desenvolvimento cognitivo apresenta padrões de lógica pertinentes a ele, influen- ciando assim a maneira de lidar com as mais diversas situações experienciadas. Por essa razão, é fundamental conhecer as etapas do desenvolvimento cognitivo, para que seja possível avaliar os equívocos de lógica não como erros premedita- dos, mas sim como possibilidades de desequilíbrio e aquisição de novos esquemas mentais. Estes avanços permitem que a criança lide cada vez com maior desenvol- tura frente às situações cotidianas, em outras palavras: a inteligência é adaptativa e desenvolve-se gradualmente a partir da interação entre amadurecimento das funções cognitivas e a experiência ofertada pelo ambiente. Neste contexto, não podemos deixar de destacar que a linguagem é funda- mental para a interação social e parao desenvolvimento cognitivo. Se, ao nascer, a criança tem somente o choro como ação comunicativa, ao fim dos dois anos ela já conta com o recurso de palavras que fazem a mediação tanto das relações sociais quanto da função representativa, marcando a entrada no que a teoria piagetiana nomeia como inteligência operacional. Após o estudo por meio deste material, você já consegue se imaginar provo- cando desequilíbrios cognitivos em várias “Marias Julias” ao atuar junto a crian- ças? E qual a explicação para que a criança de 3 a 5 anos não consiga entender que a mesma quantidade de líquido foi ofertada a ambos apesar de visualmente não parecer? Pois bem, em ambas as situações descritas podemos compreen- der que as crianças apresentam características do período pré-operatório de acordo com a teoria piagetiana, logo ainda não estabeleceram a conservação 125 de quantidade e atuam por meio da ação egocêntrica. Sendo assim, suas ações e formas de entender o mundo não são socializadas e estão vinculadas a per- cepção imediata dos fenômenos. Isso não é um problema do desenvolvimento, são características do seu momento evolutivo. Enquanto profissional atuante com crianças, conhecer estes processos é fundamental para conseguir promover o desenvolvimento fomentando desequilíbrios cognitivos mobilizadores de novos esquemas mentais ou mo- tores; ter as características de referência do modo de entender e falar sobre o mundo em cada faixa etária também lhe permite reconhecer quando algo não vai bem no desenvolvimento cognitivo e da linguagem da criança, auxi- liando, assim, o encaminhamento precoce especializado, visando estimular o desenvolvimento integral dela. UNICESUMAR Chegamos ao final da unidade e você pôde entrar em contato com a teoria pia- getiana acerca do desenvolvimento cognitivo e o desenvolvimento da linguagem. Vimos que ambas as competências são fundamentais para a adaptação e socia- lização da criança com o seu entorno. Para fixar os conceitos, sugiro que elabore um mapa conceitual (deixei alguns balões para você começar a completar), in- dicando quais os conceitos fundamentais da epistemologia genética e quais os estágios propostos pelo autor. Faça o mesmo com relação à linguagem, indicando quais aspectos são fundamentais para o seu desenvolvimento e a principal ca- racterística em cada fase da infância. Agora é com você! 127 1. Em meados de 1940 Jean Piaget desenvolveu uma teoria sobre o desenvolvimento da inteligência. Seus estudos partiram da observação sistemática de crianças, seus filhos, a princípio, levando-o a registrar cada comportamento novo apresentado para, posteriormente, ao analisar os dados colhidos, elaborar o que foi nomeado como a teoria da Epistemologia genética. Considerando os princípios básicos da teoria citada, analise as afirmativas e classifi- que V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas: I - O processo de maturação não influencia no desenvolvimento cognitivo. II - Reflexos inatos são os primeiros esquemas motores da criança. III - O desenvolvimento da lógica formal decorre da interação sujeito e ambiente. IV - O indivíduo se adapta ao ambiente por meio do processo de equilibração. As afirmativas I, II, III, e IV são respectivamente: a) F, F, V, V. b) V, V, F, V. c) F, V, V, V. d) F, V, F, V. e) V, V, F, F. 2. A teoria piagetiana foi forjada com o objetivo de sistematizar como os indivíduos conseguiam avançar o pensamento simples para o hipotético-dedutivo. Em nenhum momento, ao longo de sua obra, Piaget pensou em se dedicar ao que poderia ser cha- mado de Psicologia da Criança. No entanto, o seu cabedal teórico foi apropriado pelos educadores, servindo como fundamento para a estruturação do Construtivismo. Considerando os preceitos estabelecidos por esta teoria, analise as afirmativas a seguir: I - A teoria citada postula quatro estágios de desenvolvimento cognitivo dos indi- víduos, sendo impossível pular qualquer um destes sem prejuízo do desenvol- vimento intelectual. II - Os estágios preconizados por Piaget foram: estágio sensório motor, estágio de pensamento pré-operatório; estágio de operações concretas e o estágio de ope- rações formais. 128 III - O aspecto evolucionista e maturacional contemplado na teoria abordada eviden- cia a formação principal de seu autor. Por essa razão, os aspectos biológicos são tidos como fundamentais no processo do desenvolvimento cognitivo. IV - Por ressaltar o fator biológico no processo do desenvolvimento cognitivo, a teoria piagetiana acaba por secundarizar o papel do sujeito bem como a importância do meio ambiente na aquisição das competências intelectuais. É correto o que se afirma em: a) I e II, apenas. b) II e III, apenas. c) III e IV, apenas. d) I, II e III, apenas. e) I, II, III e IV. 3. No contexto escolar, a teoria construtivista de Jean Piaget trouxe importantes con- tribuições que afetaram não somente como entendemos a aprendizagem, mas o papel do professor enquanto mediador desse processo. Alguns princípios de sua teoria, como um aluno ativo no processo, as diferentes etapas de amadurecimento e a necessidade de respeitar estas características, bem como entender que o erro da criança é indicativo do estágio do desenvolvimento em que se encontra, passaram a nortear metodologias de ensino. Considerando o exposto, analise as afirmativas a seguir: I - Originalmente, Jean Piaget não desenvolveu uma teoria objetivando os processos de ensino-aprendizagem. O teórico fez descobertas acerca do desenvolvimento da inteligência, por meio de observações sistemáticas. Para ele, a aprendizagem é dinâmica e ativa. Isso implica os interesses e as atividades do sujeito que aprende. II - Uma estrutura mental presente no indivíduo que o auxilia a se adaptar ou or- ganizar seu meio está para a teoria construtivista como sendo um ‘Esquema’. A integração de novos dados, conhecimentos e percepções diante do meio é definida como ‘Assimilação’. Em sua teoria, Piaget postula a autonomia destes fenômenos entre si. 129 III - Uma criança no período sensório-motor que é capaz de apanhar um brinquedo, manuseá-lo e levá-lo à boca exprime os seguintes conceitos piagetianos: o esque- ma de pegar-sugar, que é generalizável, a assimilação de novos dados, como peso e textura de diferentes objetos, e a acomodação por meio de novas experiências. IV - Um jovem adolescente que vai ao mercado com uma lista de compras se depara com informações faltantes acerca de um dos itens, para solucionar o problema e levar o produto correto para a casa, traça um padrão hipotético-dedutivo de eliminatória, até entender qual produto precisa levar. Isso ilustra o período das operações formais. É correto o que se afirma em: a) I e II, apenas. b) III e IV, apenas. c) I, II e III, apenas. d) I, III e IV, apenas. e) I, II, III e IV. 5Desenvolvimento Psicossocial Me. Juliana da Silva Araujo Alencar Nesta Unidade, vamos discorrer sobre o processo de constituição da personalidade a partir do enfoque psicanalítico psicodinâmico, desta- cando as bases teóricas de Sigmund Freud, Donald Winnicott e René Spitz. Com base nestes autores, você conseguirá entender como a criança vai se reconhecendo como sujeito e quais as etapas que ela vivência para estruturar a sua personalidade, bem como a influência do ambiente e das relações sociais para o seu desenvolvimento sau- dável. Iremos, também, entender como o desenvolvimento moral se organiza a partir da teoria de Lawrence Kohlberg e qual a importância dela para o processo de socialização da criança. UNIDADE 5 132 Caroline tem 3 anos de idade e frequenta a pré-escola já a algum tempo. No entanto, a pequena ainda chora intensamente quando é preparada para ir à escola, se agarra aos pais quando chega e se recusa a ir com a professora espontaneamente. Alguns dias, esse comportamento é mais tranquilo, mas, no geral, é necessário muita conversa e promessas de ambas as partes para que a criança entre em sala de aula.Quando o faz, fica no colo da professora um tempo até que se dirige ao seu lugar, ficando isolada de ou- tras crianças até sentir-se confortável para interagir. Analisando o comportamento de Caroline, podemos dizer que há uma difi- culdade em conseguir se sentir segura o suficiente para ficar na escola de forma tranquila, mesmo já tendo a experiência dessa convivência há algum tempo. Nesta idade, e com a frequência escolar estabelecida, a menina deveria conseguir estar na escola de forma serena e prazerosa, portanto, o que podemos inferir da dinâmica de sua adaptação escolar? A maneira pela qual os indivíduos reagem a situações novas está vinculada às experiências vividas ao longo de sua formação psíquica, das memórias vivenciadas dos momentos que forjaram a construção de sua personalidade. A forma que o mundo foi apre- sentado ao sujeito, se de forma amistosa ou terrífica, irá conduzir a construção do seu sentimento de si mesmo, e o modo de interagir com o ambiente. Neste sentido, se ainda muito pequena, a nossa Caroline teve que lidar com a ausência das figuras de cuidado, quando ainda não tinha recursos para suportar a angústia de se relacionar com situações novas. Isso pode interferir no modo que ela se adapta à rotina escolar. Estar em um ambiente sem as figu- ras que lhe transmitem confiança pode mobilizar o sentimento de angústia de separação, pois, em sua formação psíquica o re- gistro fica como um desamparo impossível de suportar. Por isso, compreender as necessidades de cada etapa do desenvolvimento psíquico é tão importante ao lidarmos com crianças e até consigo mesmo, de modo a entender as reações emocionais que diferentes situações podem despertar. 133 Como você se sente ao precisar lidar com uma situação nova? Ansioso, tenso, alegre, desafiado, em estado de expectativa? Você tem o hábito de analisar como reage às diversas situações que vivencia, ou consegue identificar suas princi- pais características de personalidade e como estas influenciam no modo em que interaja com as pessoas ou lida com as situações do cotidiano? Por exemplo, quando está triste você se isola ou prefere sair com os amigos? Em uma situação de acidente de trânsito, você paralisa ou consegue resolver com tranquilidade? Convido você a olhar para si e responder estas questões. Anote em seu diário de bordo para que, após os estudos deste material, possa pensar como a sua história de vida refletiu na maneira como você reage às situações do cotidiano. Sigmund Freud nunca analisou crianças diretamente e, ainda assim, con- seguiu elaborar uma teoria do desenvolvimento psíquico do nascimento até a maturidade por meio da análise de indivíduos adultos. Isso foi possível, pois, de acordo com o teórico, todas as experiências dos indivíduos na infância reverbe- ram nas ações e pensamentos que produzem ao longo da vida. Considerando esta afirmação, você consegue dimensionar a importância de se conhecer para poder trabalhar com crianças? Você tem, aqui, um espaço chamado Diário de Bordo, em que poderá anotar as reflexões obtidas. UNICESUMAR UNIDADE 5 134 Tal como para entender e descrever o desenvolvimento físico e cognitivo dos seres humanos, também existem várias teorias elaboradas com o propósito de estabelecer os elementos constituintes da personalidade. Em nossa jornada pelo desenvolvimento psicossocial da criança, elencamos a visão psicodinâmica, fundamentada na teoria psicanalítica criada por Sigmund Freud (1856-1939). Mesmo sem conhecer essa abordagem teórica, é comum as pessoas adotarem uma postura psicodinâmica ao lidarem com seus semelhantes, haja vista que, ao buscarem compreender o comportamento do outro, em determinada situação, esforçam-se para descobrir a motivação de suas opiniões e atitudes, sentimentos e crenças, ou seja, procuram estabelecer uma relação entre a conduta e os impulsos, emoções, pensamento e percepções que determinaram e atuam do mesmo modo e na previsão de novos comportamentos (D’ANDREA, 1986). A personalidade, o sentido de si mesmo, a individualidade, enfim, o modo como o sujeito se reconhece como sendo único, inicia a sua construção desde o ventre materno e é permeado pelo seu desenvolvimento físico e cognitivo evi- denciando, mais uma vez, que a divisão esquemática para o estudo do desenvol- vimento humano trata-se de uma estratégia didática, mas que de modo algum deve ser pensada de forma dissociada. D’Andrea (1986) reforça esta afirmação ao destacar que as primeiras motivações e angústias do ser humano estão ligadas aos processos fisiológicos demandantes que impõe ao indivíduo a necessidade de desenvolver-se psiquicamente para dar conta do mundo que o cerca. Já vimos que o bebê nasce com uma determinada tendência para reagir às exigências do meio circundante denominada de temperamento. Apresentamos os diferentes elementos a serem analisados para conceber o temperamento, como: nível de atividade, o ritmo, a capacidade de aproximação e afastamento, a adap- tabilidade, o limiar e intensidade de reação, qualidade do humor e o alcance da atenção/persistência (CHESS; THOMAS, 1982 apud COLE; COLE, 2003). Podemos dizer que este é o primeiro recurso psíquico que a criança dispõe para iniciar o longo processo de individualização e socialização, mas ele não é sufi- ciente frente a imensidão de situações que a vida impõe aos indivíduos. Para falarmos em personalidade, então, devemos pensar o desenvolvimen- to físico, o temperamento e o que D’Andrea (1986) nomeou como caráter. Essa dimensão, ao contrário do temperamento, seria predominantemente intencional e dirigida pela vontade. O interjogo entre esses aspectos é tão intenso que muitas 135 vezes é impossível distingui-los, levando-nos a enfatizar a importância de pensar- mos esses elementos pela perspectiva psicodinâmica da personalidade, uma vez que cada elemento interage ativamente em diferentes proporções, de acordo com as condições de cada acontecimento de que participa, podendo assim adquirir variadas e sucessivas modalidades no decorrer da vida, mesmo conservando determinadas características que lhe conferem consistência e continuidade. Afinal, o que é personalidade? D’Andrea (1986) enfatiza a complexidade de se conceituar a personalidade de maneira útil e compreensiva. Por essa razão, primeiramente, leva-nos a considerar alguns itens fundamentais: apesar de terem pessoas com traços parecidos, não há duas pessoas com personalidades idênticas. Isso decorre da personalidade, segundo esse enfoque, ser considerada sob uma perspectiva temporal, ou seja, pertence a uma pessoa que nasce, vive e morre. Não podemos, no entanto, considerar somente as funções biológicas vitais, mas também a integração dinâmica, cuja resultante se expressa por meio do compor- tamento de cada um frente a estímulos de variada natureza. UNICESUMAR UNIDADE 5 136 Por exemplo, imagine a sua reação a uma festa surpresa. Você fica feliz e sente-se amado(a) ao se dar conta que um grupo de pessoas se mobilizaram para promo- ver um evento em sua homenagem ou sente-se exposto(a) e desconcertado(a) diante dessa situação? Agora, compare a sua reação com alguém que você convive durante toda a sua vida. A reação da pessoa que teve a mesma experiência so- ciocultural que você, reage da mesma forma? Você notará que, independente de terem sido educados juntos, haverá diferenças na reação, pois a história singular de cada um marca a individualidade e consequentemente a maneira como se vivencia os eventos do cotidiano. Tendo isso posto, podemos definir personalidade como sendo a “resultante psicofísica da interação da hereditariedade com o meio, manifestada através do comportamento cujas características são peculiares a cada pessoa” (D’ANDREA, 1986, p. 10). A personalidade, então, é resultante de uma história particular do sujeito que, na busca de se adaptar ao seu ambiente, foi impulsionado a promover mudanças no seu modo de relacionar-se com o mundo. Assim, devemos consi- derara experiência pessoal uma unidade básica para o estudo da personalidade como característica singular, pois apesar de viver sob os mesmos signos culturais, a forma que nos apropriamos deles é única graças a história de cada um. Para avançarmos na compreensão acerca da constituição da personalidade vamos conhecer o teórico que se desdobrou a entender como os indivíduos se constituem enquanto sujeitos únicos. Sigmund Freud nasceu em Morávia, na Alemanha, no dia 06 de maio de 1856. Faleceu em 23 de setembro de 1939, em Londres, onde viveu seus últimos anos, exilado em decorrência do nazismo. For- mou-se em medicina com especialidade em neurologia, mas desde a universida- de já demonstrava interesse por filosofia e pela dimensão da constituição da alma humana, fazendo três semestres dessa disciplina com Franz Brentano. Após um tempo estudando na França com Charcot, ele se convenceu de que há motivações inconscientes que determinavam a origem de doenças somáticas. Surge, nesse contexto, a psicanálise com o seu objeto de estudo radical: o inconsciente. Por que radical? Porque até a teorização freudiana os estudos sobre a mente humana focavam somente em sua dimensão consciente e racional. 137 Essa é a principal diferença entre a teoria proposta por Freud e as teo- rias gerais da psicologia, tanto que a psicanálise não é compreendida como psicologia, pois seu objeto de estudo difere desse campo do saber. Freud preocupou-se em entender para além do comportamento manifesto, buscando o significado oculto em manifestações comportamentais, como: sintomas, palavras, atos ou produções imaginárias, sonhos, delírios etc. Para a psicanálise, justamente o que nos escapa indica a nossa maior singularidade. Quando, por exemplo, o sujeito esquece um compromisso importante ou se equivoca com a data dele, isso pode sugerir a aversão dele ao evento ou ao que poderia enfrentar participando do mesmo. Ou, por outro lado, pode sugerir que o indivíduo não se sinta merecedor de participar de algo que proporcione prazer e reconhecimento. Isso tudo acon- tece sem o sujeito ter consciência desses desejos ou pensamentos. Para entender melhor como estes processos ocorrem, apresentamos a você alguns conceitos básicos da teoria freudiana e como, segundo estes preceitos, se estruturam na constituição do aparelho psíquico. Freud (1981b), ao longo de sua teorização, pensou na estruturação do psiquismo humano do ponto de vista dinâmico e estrutural, o que levou a sedimentar a sua compreensão elaborando o modelo que hoje é o mais estudado e difundido, qual seja: a estrutura psíquica dividida em três instâncias: Id, Ego e Superego. Descrição da Imagem: Uma foto em pre- to e branco de Sigmund Freud, homem branco, com aproximadamente 60 anos, olhando para a câmera, em pé, trajando um terno escuro de três peças e camisa branca, com um relógio de bolso, segu- rando um charuto na mão direita e com a mão esquerda apoiada no quadril. Figura 1 – Sigmund Freud UNICESUMAR UNIDADE 5 138 Segundo Freud, ao nascer, a primeira instância psíquica fundada é o id. Essa estrutura engloba o que é herdado e o que está ligado à constituição. Sua função está voltada desde o nascimento para a satisfação das necessidades básicas da criança. No começo da vida, regida por leis próprias, orientadas pelo princípio do prazer, que se caracteriza pela ausência de sequência lógica, suportando as experiências de ideias contraditórias, a criança não guarda noção temporal, de modo que passado e presente são vividos com a mesma intensidade e, por fim, tem a tendência à descarga imediata das tensões que acometem o organismo. No Id, residem as pulsões de vida e de morte, que são as forças energéticas que alimentam o funcionamento psíquico. Estas forças antagônicas, a pulsão de vida com a função de agregar diferentes instintos e emoções, e a pulsão de morte, bus- cando reduzir o estado de tensão a zero, funcionam conjuntamente, mobilizando o sujeito a se desenvolver. Por isso, Freud afirmou que essa interação sinérgica e antagônica de ambos os instintos básicos está impregnada em todos os fenômenos vitais. Por exemplo, para comer, precisamos que nossa pulsão agressiva esteja amalgamada com a de vida, pois, ao mastigar, estamos realizando um ato agressivo, mas ao ingerir e absorver os nutrientes, ocorreria um fenômeno integrativo próprio da pulsão de vida. Sob o impacto das influências do mundo externo, uma parte do Id sofre uma transformação especial, segundo Freud. Mediante as necessidades de adaptação ao meio surge o Ego, que tem por função primordial agir como intermediário entre o Id e o mundo externo. Por que é necessária essa adaptação? A princípio, a criança sendo regida pelo funcionamento do Id não suporta nenhum tipo de frustração, requerendo a satisfação imediata, ou seja, a descarga de tensão. No entanto, a realidade não permite que isso seja possível, então, a criança terá que aprender a funcionar não mais pelo princípio do prazer, e sim pelo princípio da realidade. Um modelo interessante para entender isso é o bebê que chora de fome. O recém-nascido não se percebe como um sujeito separado do mundo externo e quando é acometido pela fome, chora desesperadamente, pois a sensação de mal-estar gerada é sentida como destruidora. O adulto cuidador, frente à fragi- lidade do recém-nascido, busca alimentá-lo o mais rápido possível. No entanto, conforme o bebê cresce, a disponibilidade do adulto também vai mudando e o bebê percebe que entre o estímulo da fome e a apresentação do alimento tem um espaço que precisa ser suportado. É neste espaço que o bebê vai desenvolvendo a instância mediadora, o ego. 139 Em outras palavras, a criança gradualmente deverá aprender a suportar certo nível de sofrimento para alcançar um prazer posterior, bem como evitar um prazer que possa lhe custar sofrimento. Vemos, então, que a premissa básica do psiquismo se mantém: buscar o prazer e evitar a dor. Por isso, dizemos que o princípio da realidade seria o princípio do prazer modificado pela razão. Os recursos do ego para empreender tal intento são: colocar-se para o Id como objeto de amor, objetivando dominar os impulsos, avaliar a realidade ex- terna e escolher o objeto de descarga ou satisfação. Por seu vínculo íntimo com as percepções, o Ego consegue avaliar a qualidade e intensidade dos estímulos e, a partir das lembranças de situações vividas, proteger-se dos estímulos tidos como perigosos, aproveitando os favoráveis para realizar modificações no meio, visando sua satisfação, mesmo que parcial. Em síntese, são funções do ego: o perceber, o lembrar, o pensar, o planejar e o decidir (D’ANDREA, 1986). Em um continuum da adaptação do indivíduo ao meio, a criança descobre que certas injunções do meio acontecem sob a forma de normas e regras estabe- lecidas socialmente. Aqui, surge mais um senhorio para o Ego, que já serve ao Id na tentativa de satisfazer seus impulsos, mas agora é necessário que essa satisfa- ção seja socialmente aceita. Aqui, também surge a terceira instância psíquica: o Superego, como representante interno das normas sociais, ou seja, a consciência moral. Para Freud, o superego são os resquícios do nosso longo período de de- UNICESUMAR UNIDADE 5 140 pendência das figuras paternas, responsáveis por nos ensinar as tradições familiares, raciais e populares. Até aqui, você estudou as características estruturais do aparelho psíquico (Ego, Id, Superego) e as econômicas (pulsões de vida e morte), mas falta algo que, com certeza, já ouviu falar em algum momento: consciente, subconsciente e inconsciente. Estas características foram tomadas, na teoria psicanalítica, como sendo qualidades psíquicas dos conteúdos que habitam o psiquismo humano. De acordo com a compreensão psicanalítica, os indivíduos são conscientes de uma parte muito pequena e inconstante de sua vida mental. Podemos dizer que consciente é tudo aquilo que o indivíduo está ciente em um determinadomomento, cujo conteúdo se origina eminentemente de duas fontes: os estímulos atuais percebidos pelos órgãos do sentido, olfato, tato, paladar, visão e audição; e as lem- branças de experiências passadas que podem ser ligadas ao que está acontecendo no momento (FREUD, 1981b). Estar consciente de algo, envolve uma postura ativa do sujeito em captar os estímulos ao seu redor ou a busca de informações armazenadas em suas memórias. Como isso é possível? De acordo com Freud, é a atenção, como re- curso cognitivo, que faz a varredura na realidade ou nas lembranças, acionando a consciência. Por isso, exemplificando, ficamos desatentos quando esta- mos pensativos. A atenção está voltada para os nossos pensamentos, de tal maneira que não fazemos a conexão com o mundo externo quando estamos concentrados em uma ta- refa ou em um estudo. O pré-consciente, conhecido no senso comum como sub- consciente, por sua vez, abrange todas as lembranças que poderão tornar-se novamente conscientes pela ação da 141 Para Freud (1981), todos os indivíduos têm impulsos tanto sexuais quanto agressivos que almejam satisfazer de forma irrestrita. Entretanto, se os indivíduos colocassem em ação todos seus desejos a convivência em sociedade seria inviável, pois a satisfação irrestrita de seus impulsos implicaria diretamente sobre a vida dos demais sujeitos. Por essa razão, visando satisfazer a necessidade de amparo constituinte dos indivíduos, os impulsos são reprimidos em prol da segurança de se viver em grupo. PENSANDO JUNTOS atenção. Por exemplo, nesse exato momento você pode não se lembrar do que jan- tou ontem, mas se voltar sua atenção para isso, será capaz de rememorar. Resta, agora, entender o que acontece no limiar do inconsciente, o principal funcionamento psíquico, de acordo com a teoria psicanalítica. A este competem todos os fenômenos que, por seu caráter intolerável ao Ego, foram expulsos da consciência e reprimidos no Id, não podendo voltar à consciência somente por um ato voluntário. Além dessas ideias reprimidas, estão inconscientes todos os nossos impulsos (FREUD, 1981b). D’Andrea (1986) ressalta o fato de que o Id é totalmente inconsciente para mar- car a diferença com relação ao ego e com o superego. O ego, sendo a porção que se diferenciou do id para contactar com o mundo externo e ao mesmo tempo receber informações do mundo interno, é parte consciente (e pré-consciente) e parte inconsciente. O superego, sendo a incorporação no psíquico dos padrões autoritários e ideais da sociedade, é inconsciente, na medida em que funciona automaticamente, mas passível de compreensão consciente, uma vez que se ori- ginou do ego no seu contato com o mundo externo. Freud estabeleceu uma analogia entre a organização psíquica e a formação de um iceberg. Para o autor, o que temos consciência em nossa vida é como a ponta de um iceberg. Apesar de a olho nu parecer enorme, não passa de sua menor par- te, pois a sua formação maior encontra-se abaixo do nível do mar, determinando de fato seu percurso e seu tempo de existência. É por esse interjogo consciente, pré-consciente e inconsciente que Freud cria essa analogia, para mostrar quão vulneráveis nós somos às poderosas forças instintuais. Na sequência, na Figura 2, você poderá visualizar a comparação entre o iceberg e o aparelho psíquico, bem como as características de cada instância psíquica. UNICESUMAR UNIDADE 5 142 Consiente: Contato com o mundo externo Pré-Consciente: Material um pouco abaixo da superfície da consciência Inconsciente: Material difícil de recuperar; bem abaixo da superfície da consciência EGO Princípio de Realidade Processo Secundário Princípio do Prazer Processo Primário IDSUPEREGO Imperativos Morais Descrição da Imagem: A figura representa um iceberg dividido em 3 partes de proporções diferentes, sendo uma divisão um pouco menor do que a metade do iceberg na vertical, e outras duas na horizon- tal. A parte mais profunda, que está submersa, indica o ID e o seu modo de funcionamento, regido pelo princípio do prazer e os processos primários. À direita da imagem, indica que a qualidade psíquica dessa instância é inconsciente, receptáculo dos conteúdos de difícil acesso à consciência. A parte superior, que contempla tanto uma camada submersa quanto a ponta acima do nível da água, representa o Ego e seu funcionamento ordenado pelo princípio da realidade e os processos secundários. O lado direito da ima- gem indica que a parte superior da água representa o consciente e o contato com o mundo exterior. Já a parte logo abaixo da água, mas ainda superficial, sinaliza o pré-consciente, ou seja, o conteúdo que requer esforço do sujeito para tornar-se consciente. Por fim, ocupando desde uma pequena parte da ponta do iceberg até o fim, representa o superego como o responsável pelos imperativos morais evidenciando que o seu funcionamento é eminentemente inconsciente. Figura 2 – Metáfora do iceberg e a dinâmica do aparelho psíquico. Fonte: Schultz e Schultz (2006, p. 49) Faça um pequeno teste: perceba quais são suas ações em momentos de profundo cansaço ou tristeza. Você, possivelmente, perceberá que adota posturas que tinha quando era muito pequeno, como dormir em posição fetal, ou enrolar o cabelo, entre outros hábitos que geralmente tinha quando criança, para se acalmar frente à ausência da mãe. Esse exemplo também é uma forma de explicar a dimensão 143 atemporal do inconsciente. O que lá está registrado mantém a mesma intensidade do momento que aconteceu, seja hoje ou há 20 anos. Como temos internaliza- da a forma que desenvolvemos quando éramos crianças para nos acalmar, ela funciona com a mesma intensidade no momento atual. O inconsciente, como dissemos, suporta a contradição. Nele, convivem pares de opostos em perfeita harmonia, pois não há identidade, contradição e causalidade (FREUD, 1981b). Essas questões ficam claras em nossos sonhos. Neles, tudo pode acontecer, por mais que seja absurdo pensá-los em estado de vigília. Dinamicamente, os princípios que regem tanto o funcionamento do Id quan- to do Ego são diametralmente opostos. Freud (1981b) denominou de processo primário as formas de funcionamento do inconsciente. Toda a coexistência con- traditória do Id é oposta às normas que regem a consciência. No Ego, o processo vigente é o secundário, que se caracteriza por tomar a sequência de tempo dos eventos, estabelecer relações lógicas, introduzir fatores causais e preencher la- cunas na linha de pensamento. O pensamento é a função egóica que surge jus- tamente da necessidade de vasculhar o mundo externo na busca de um objeto de satisfação adequado às demandas do Id. Podemos perceber que as exigências do mundo externo impõem muitas frustrações aos impulsos desgovernados do Id. O Ego como instância mediado- ra desenvolve recursos para dominar as pulsões, na medida em que aprende a obedecer ao princípio da realidade. Vimos que o Id se impõe ao ego, visando à satisfação, portanto, gerando conflito entre essas instâncias, mas o superego, re- presentante do controle interno das exigências da cultura, também se contrapõe ao Id, de tal sorte que temos conflitos entre todas as instâncias psíquicas. Na tentativa de controlar e proteger o ego contra os impulsos ou afetos que promovam conflitos, o ego constrói mecanismos de defesa (D’ANDREA, 1986). A angústia é a reação do ego diante da percepção inconsciente de algo poder pôr em ameaça a sua integridade, manifestada para o sujeito como o medo de não conseguir se manter lúcido ou de solucionar conflitos cotidianos. Sua expressão comportamental se traduz por forte sentimento de medo sem objeto/razão de- finido. Funciona como um sinal de alerta sentido pelo ego frente a uma situação em que sinta ameaçada a sua estabilidade emocional. Essas ameaças podem ser oriundas dos impulsos do Id, reivindicando satisfação, sentimento de culpa pelo desejo ou satisfação efetiva do impulso, receio da crítica social, medo da perdado amor do objeto amado etc. (FREUD, 1981b). UNICESUMAR UNIDADE 5 144 Agora que você já tem o conhecimento básico da estrutura e dinâmica psíquica, passaremos a discorrer sobre os processos pelos quais o indivíduo se desenvolve de um ser associal, puramente biológico, para uma pessoa socializada, logo, rela- cional. O desenvolvimento libidinal é o caminho que Freud adota para formular sua teoria da personalidade. Libido é um conceito biológico e significa a energia disponível da pulsão de vida que abordamos anteriormente. A partir de agora, quando falarmos em investimento ou energia psíquica, chamaremos de libido. Freud (1981b) teorizou o desenvolvimento da energia libidinal mediante uma série de estágios ou fases pré-determinadas. O ser humano se desenvolve ancorado nos seus impulsos construtivos que, por sua vez, ampara-se nos objetos do mundo externo para lhe prover a satisfação. No início da vida, como vimos, o bebê é puro Id, sendo assim, ele não diferencia o mundo externo do mundo interno, estabelecendo uma relação peculiar com a figura materna, ou seu representante. Essa relação é nomeada como simbiótica, pois a criança, nos primeiros meses de vida, sente-se como se sozinha conseguisse satisfazer suas necessidades. A energia libidinal nessa fase é chamada de narci- sismo primário, pois a criança investe em si mesma e é investida pelo outro sem retorno (FREUD, 1981a). Gradualmente, a realidade vai se colocando para a criança e o desenvolvimento de suas capacidades perceptivas e cogniti- vas vai permitindo que ela se reconheça dependente de outro ser humano. Assim, de investimentos prio- ritariamente narcísicos de ordem primária a criança passa ao estado de libido objetal, ou seja, a libido narcísica passa a ser investida nos objetos, per- mitindo o desenvolvimento psicossocial da criança (D’ANDREA, 1986). O desenvolvimento da personalidade cami- nha no sentido do desenvolvimento físico de acordo com a teoria freudiana. Lembra-se que nosso organismo desenvolve-se no sentido ce- falocaudal proximodistal? Observe o caminho percorrido pela libido e você perceberá que 145 esse processo de amadurecimento determina a zona erógena a ser investida pela criança. A esse processo Freud denominou de desenvolvimento psicossexual. A ideia de o desenvolvimento da personalidade ser ancorado a investimentos psicosse- xuais chocou e ainda choca muitas pessoas, pois a ideia que vem associada a essa afirma- ção é a atividade sexual adulta. Entretanto, para a psicanálise, a sexualidade não corres- ponde ao ato sexual em si, mas a ideia de satisfação, prazer. Primeiro, a sexualidade é afastada de seu vínculo por demais estreito com os genitais e caracterizada como uma função somática mais abrangente, que visa o prazer e só secundariamente entra a serviço da procriação. Em segundo lugar, são incluídos entre os impulsos sexuais todos aqueles ape- nas afetuosos e amigáveis, para os quais a linguagem corrente utiliza a poli- valente palavra “amor” (FREUD, 2011, p. 99). Todo comportamento, pensamento prazeroso e equilíbrio de tensão é experienciado como satisfação pelo sujeito e é essa a compreensão freudiana de sexualidade infantil, que se desenvolve ao longo dos estágios psicossexuais. EXPLORANDO IDEIAS Em cada fase do desenvolvimento, a criança precisa lidar e superar questões es- pecíficas originadas do próprio corpo e da interação com o ambiente. A solução para essas questões vai depender da cultura em que a pessoa está inserida. D’An- drea (1986) pontua que no decorrer de cada fase o indivíduo vai expressar seus impulsos ou necessidades básicas de acordo com os moldes que visam preservar a continuidade da cultura. Qual fase você acha que é a primeira, levando em conta o fato de o desenvol- vimento libidinal acompanhar o físico? Se você pensou na fase oral, acertou. A boca, desde o nascimento, é o primeiro órgão que surge como zona erógena e que dá suporte ao desenvolvimento libidinal. Toda a atividade psíquica do bebê está voltada para a satisfação das necessidades orais, pois os impulsos estão voltados para a sobrevivência física, assim o bebê precisa comer. Ao amamentar, a mãe não oferece somente a nutrição para o bebê, concomitante a esse ato a criança recebe o investimento amoroso desse cuidador. Esse investimento amoroso marca uma experiência de satisfação de algo que não era esperado, criando no sujeito o desejo UNICESUMAR UNIDADE 5 146 de sempre reencontrar esse “a mais” que veio junto com a nutrição, qual seja: a demanda de amor a ele destinada. A partir desse encontro da satisfação e amor, a criança buscará repetir essa vivência de satisfação por meio da estimulação da região oral, daí decorre o conhecer o mundo pela boca, a separação da alimen- tação do prazer da estimulação (FREUD, 1981b). Na fase oral (0-2 anos), o protótipo do relacionamento com o mundo é a boca. A partir desse modo de relacionamento, a criança lidará com os objetos de amor. Ela não saberá falar e suas expressões passarão pela ação por meio da boca, então, morder é a forma que a criança pequena encontra para manifestar a sua raiva, indignação ou mesmo se proteger do mundo externo. 147 A criança continua a se desenvolver e agora, ela consegue andar e dominar o seu corpo e isso lhe proporciona um prazer incrível! Essa fase também coincide com as cobranças paternas de que ela alcance o controle dos esfíncteres e faça suas ne- cessidades fisiológicas no banheiro. Ela percebe que toda a atenção dos adultos está voltada para que ela consiga cumprir essa expectativa e, assim, o desenvolvimento libidinal avança para a fase anal (2 a 4 anos). Nessa etapa, a criança, por medo da perda do amor dos pais, sucumbe às imposições da educação esfincteriana, pois, para ela, é prazeroso fazer cocô e xixi na hora que lhe dá vontade, no lugar que estiver. Renunciar um prazer nunca é fácil, por isso, por volta dos três anos, a criança começa a fazer birra, a ser desobediente e dizer não para tudo. Ela está buscando se autoafirmar e precisa desse espaço, mas se não for orientada, pode ser tomada por imenso sentimento de culpa. A construção de limites é fundamental para o desenvolvimento normal da criança nessa etapa evolutiva. A fase seguinte é denominada de fálica (4 a 6 anos), haja vista corresponder ao período em que a criança passa a se interessar pelos órgãos sexuais genitais e empreender a masturbação como fonte de prazer (FREUD, 1981b). A curiosida- de agora é compreender as diferenças anatômicas. Então, as crianças começam a reparar e a trocar experiências, confrontando seus órgãos genitais. É a famosa fase dos porquês. A criança busca ativamente descobrir a origem dos bebês e é im- prescindível para o bom desenvolvimento cognitivo dela que suas questões sejam respondidas, sem repreensão para não causar a inibição do desejo de aprender. O processo de reconhecimento da diferenciação anatômica leva a criança à entrada no complexo de Édipo, fase determinante para a constituição da identi- dade masculina e feminina. Nessa etapa, o menino, pelo medo narcísico de ser castrado, deverá abandonar a mãe como objeto de amor e se identificar com o pai, para aprender a ser homem e, assim, conquistar uma mulher no futuro. Já a menina, por se ver castrada, identifica-se com a mãe para poder, no futu- ro, encontrar um parceiro e ser amada. No entanto, esse movimento não acontece tranquilamente. Abandonar o primeiro objeto de amor é muito difícil, de tal modo que essa passagem acontece sob muita ambivalência. O menino hostiliza o pai e a menina a mãe, para só posteriormente conseguir integrar via identifi- cação a figura paterna e materna. Da identificação com as figuras paternas, surge a instância psíquica superegóica. A criança abre mão de ter os pais como objeto de amor e passa a desejar ser como eles, forjando o seu ideal (FREUD, 1981a). UNICESUMAR UNIDADE 5 148 A criança passa, então, a se dedicar ao mundo. Seu interesse agora estávol- tado para o desenvolvimento intelectual e dedica a conhecer e entender o que lhe circunda. Os impulsos sexuais ficam relegados ao segundo plano, por isso, se chama período de latência. Esses serão retomados com intensidade na adoles- cência, dada a maturação dos órgãos reprodutivos, iniciando a fase genital (12 anos em diante) (FREUD, 1981b). Para auxiliar na fixação dos estágios psicossexuais, veja o Quadro 1, que su- mariza as características de cada fase e período. Estágios Idade (aproximada) Características Oral 0-2 anos A boca é a principal zona erógena. O prazer é obtido com a sucção. o Id predomina. Anal 2-4 anos O treinamento dos hábitos de higiene (realidade externa) resulta da forma de gratificação recebida pela elimina- ção dos fluidos fisiológicos (urina e fezes) Fálica 4-6 anos Fantasias incestuosas: Complexo de Édipo, ansiedade, desenvolvimento do superego. Latência 6- Puberdade Período de sublimação do instinto sexual. Genital Adolescência - Idade adulta Desenvolvimento da identidade do papel sexual e de relações sociais adultas. Quadro 1 – Características do desenvolvimento psicossexual. Fonte: Adaptado de Schultz e Schultz (2006) Após conhecer as bases da teoria psicodinâmica da personalidade, vamos nos debruçar sobre a teoria de René Sptiz (1887-1974). Os estudos do autor contri- buem para o entendimento da construção da mente da criança e sinaliza questões importantes que nos auxiliam na compreensão de como a criança vai se apro- priando do mundo e se diferenciando enquanto sujeito. 149 Spitz (1998), em seus estudos, evidenciou que o primeiro ano de vida é dedicado à sobrevivência física da criança, tendo em vista o fato de os seres humanos serem os únicos animais que têm o período de dependência necessário à sobrevivência tão longo. Nesse período de dependência, o que lhes falta será suprido pela mãe ou figura cuidadora, cabendo a esta servir de mediadora das necessidades do bebê, estabelecendo uma relação complementar. À relação única e imprescindível à sobrevivência da criança o autor denominou díade. Ao nascer, a criança traz consigo o equipamento congênito, isto é, aquilo que possui de individual e único, não só o que se pode observar já no nascimento, mas também suas potenciali- dades estabelecidas como tendências (SPITZ, 1998). O equipamento congênito é composto pelo: 1. Equipamento hereditário: corresponde a elementos como nossa cons- tituição básica biológica (olhos, boca, nariz, pernas, braços) e às leis de maturação (cefalocaudal e proximodistal). 2. Influências intrauterinas atuantes durante a gestação (fatores teratogêni- cos, por exemplo). 3. Influências ocorridas durante o parto (anoxia, desvio de clavícula ou de quadril). Na concepção de Spitz (1998), a díade corresponde à gênese das relações sociais. Antes do nascimento, a relação é parasitária, exclusivamente biológica. Gradual- mente, após o nascimento, assistimos à transição do que acaba se tornando a pri- meira relação social do sujeito, do fisiológico para o psicológico e social, após um período de indiferenciação com a mãe, nomeado de simbiose, no qual a criança não reconhece o outro como separado de si, mas sim como parte da totalidade de suas necessidades e gratificações; é um modelo de relação alterado com o de- senvolvimento emocional da criança, que consegue gradualmente se reconhecer como um indivíduo único. A simbiose é uma das especificidades da relação mãe e filho, a outra corresponde ao fato de a mãe ter uma estrutura psíquica funda- mentalmente diferente de seu filho e, por esse motivo, a díade é assimétrica, de tal modo que a contribuição de cada um para o relacionamento é desigual. O elemento marcante da mudança do estado indiferenciado do recém-nas- cido para o diferenciado, ou seja, a criança percebendo-se diferente do outro é UNICESUMAR UNIDADE 5 150 o estabelecimento da relação objetal. Spitz (1998) define relação objetal como sendo a relação estabelecida entre um sujeito e um objeto. O estabelecimento do objeto libidinal passa por três estágios: Pré-objetal, Precursor do objeto e Estabe- lecimento do objeto que pode ser notada com o aparecimento de comportamen- tos específicos que indicam a evolução e integração da personalidade da criança, viabilizando novos modos de interagir consigo mesmo e com o ambiente. Para Spitz (1998), o estágio Pré-objetal corresponde ao período de total indiferenciação com o meio. Essa fase foi nomeada por Freud (1981b) como narcisismo primário, etapa fundamental para o desenvolvimento do bebê, que abrange os três primeiros meses de vida. A energia libidinal da criança está vol- tada para si mesma, nas funções referentes à sobrevivência. Nesta fase, não há diferenciação entre os fenômenos sentidos no corpo e os psíquicos, por essa razão a criança chora desesperadamente, por exemplo, quando sente qualquer alteração em seu corpo como se fosse algo impossível de suportar. Em 2010, um casal sul-coreano deixou a filha de 3 meses morrer por inanição enquanto passavam 12h por dia em um cyber café interagindo em uma plataforma de criação de crianças. A notícia chocou o mundo na época, questionando como pais seriam capazes de adotarem tal comportamento. Situações como essa evidenciam a dependência absoluta do recém-nascido para com os seus cuidadores, tal como Spitz pontua em sua teoria.. PENSANDO JUNTOS A princípio, a criança não demonstra manifestações de prazer, mas as de despra- zer são evidenciadas por meio da interrupção da quietude, característica desse período do desenvolvimento. Retomando os ensinamentos de Freud sobre a barreira de estímulos, Spitz (1998) aponta a quietude como o estado de equilíbrio, somente rompido quando os estímulos do ambiente excedem seu limiar. A lógica que rege o funcionamento psíquico nessa etapa é o Princípio de Nirvana, ou seja, a tendência de o organismo manter-se em equilíbrio. Sendo assim, toda a carga de energia que alterar esse estado deve ser imediatamente descarregada por meio da ação motora, como o choro, a agitação. Sob a luz da psicanálise, a criança nasce um puro Id e funciona segundo as leis que regem o inconsciente, de tal forma que não há atividades dirigidas ou intencionais, menos ainda o reconhecimento de estímulos internos ou externos de forma consciente. 151 O segundo estágio, que é o do precursor do objeto, estende-se do terceiro mês aos seis meses e meio de idade e o seu sinalizador é a reação do sorriso. Ao estudarmos o desenvolvimento da capacidade de visão do recém-nascido e o seu desenrolar, dissemos que ele tem preferência por objetos em movimento e colorido, como rostos, lembra-se? Spitz (1998) analisa que essa concepção se fundamenta no equipamento biológico, mas é fortalecida pelo contato com o cuidador. O rosto do cuidador, ao ser posto sempre para a criança, permitirá que ela forme uma resposta social a esta imagem, o sorriso. O objeto libidinal não está ainda estabelecido, mas não podemos mais dizer que o bebê seja passivo, pois ele reage prazerosamente à imagem que se forma a sua frente. Podemos dizer que o Princípio de Nirvana cede ao Princípio do Prazer. O fenômeno da resposta do sorriso não é somente o identificador de um afeto, mas, além disso, um modo de realizar os processos iniciais de pensamento – indica, portanto, que o primeiro organizador psíquico já ocorreu. Em decorrência a frustrações repetidas acompanhadas de satisfação, o bebê poderá adquirir uma autonomia cada vez maior, o que demonstra a importância da frustração para a formação do ego. Spitz (1998) afirma que privar o bebê do desprazer pode ser tão prejudicial quanto privá-lo das experiências de prazer. Nos momentos próximos ao surgimento do primeiro organizador psíquico, a barreira de estímulos praticamente não tem mais eficiência; já é presente um Ego rudimentar que desempenha o papel de proteção. Ainda, durante essa fase, o Ego diferencia-se do Id e começam a surgir traços mnemônicos. Por volta do sextomês, a integração desses traços, sob a ingerência crescente do Ego, permitirá a síntese de imagens de pré-objetos, bom e mau (que gratifica e que não gratifica), para produzir a imagem materna única em direção a qual as pul- sões agressivas e libidinais se orientam. O entrelaçamento dessas duas pulsões, dirigindo-se à pessoa mais investida afetivamente, faz surgir a fase do objeto libidinal propriamente dito (SPTIZ, 1998). Em torno do oitavo mês, a criança começa a estranhar os rostos dos desco- nhecidos, pois os confronta com o de sua mãe ou quem faz essa função. Esse fato é chamado de “ansiedade do oitavo mês”. Essa manifestação de ansiedade indica o prenúncio do segundo organizador psíquico que faz aparecer o estabelecimento de uma verdadeira relação objetal: a mãe agora é reconhecida, já que é diferen- ciada das outras pessoas; houve, portanto, o estabelecimento do objeto libidinal. UNICESUMAR UNIDADE 5 152 Nessa fase, o Ego se estrutura e delimita suas fronteiras com o Id, de um lado, e o mundo exterior do outro. O bebê progride nos setores perceptivo, motor e afetivo, começa a reconhecer coisas inanimadas e a demonstrar ciúme, cólera, possessão, afeição, alegria etc. Amplia suas relações com os outros, tornando-se cada vez mais independente de sua mãe. Ao aprender a andar, multiplica suas ati- vidades e distancia-se cada vez mais de sua mãe. Esta começa a lhe impor limites, o que provoca no bebê o medo de perder seu objeto libidinal pela desobediência, levando-o a agressividade por se sentir impotente para uma reação. O terceiro organizador, de acordo com Sptiz (1998), surge por volta dos 15 meses, quando o bebê faz o meneio negativo da cabeça. Esse recurso psíquico aponta para o fato de que a criança internalizou e concretizou a abstração de uma recusa ou de uma denegação. Quando o bebê domina o “não”, demonstra que o terceiro organizador psíquico já está formado e se inicia a comunicação verbal, inaugurando a passagem para a abertura social, marcada por uma grande obstinação no segundo ano de vida. Os estudos de Spitz possibilitaram olhar com mais atenção ao processo de constituição da individualidade da criança e as necessidades que ela demanda. Evidenciou, também, a importância do estabelecimento de um bom vínculo com a figura cuidadora como sendo fundamental para a sobrevivência física e psíquica dos indivíduos, permitindo, assim, ao notarmos alterações no desenvolvimento infantil e ausência dos marcos ou ansiedade de separação exacerbada, a possibi- lidade de uma intervenção precoce para minimizar os impactos na constituição psíquica dos indivíduos. 153 Outro autor que se dedicou a desvelar os caminhos para a constituição psíquica dos indivíduos e sua saúde mental foi Donald W. Winnicott (1896-1971). Seus estudos partiram também da análise da relação mãe-bebê como a díade fun- damental, tal como Spitz, na compreensão do desenvolvimento emocional dos indivíduos. Vamos conhecer os aspectos básicos de sua teoria com o objeto de enfatizar como são fundamentais os primeiros anos de vida e a maneira como o sujeito é educado e cuidado para a garantia do desenvolvimento saudável integral. Segundo os preceitos da teoria winnicotiana, a relação de dependência é o elemento fundamental para pensarmos a saúde mental dos indivíduos. Para o teórico, a criança apresenta um potencial inato que somente se efetivará por meio dos cuidados maternos. Entretanto, esses cuidados não são os únicos a garantir uma boa saúde mental da criança, dependendo também de funções ambientais, capacidades inatas para a integração e o crescimento, que são variáveis de um indivíduo a outro (WINNICOTT, 2022). Dentre as funções do ambiente, encontramos a preocupação materna pri- mária, que se desenvolve no final da gravidez e perdura até algumas semanas após o nascimento da criança. Essa condição se caracteriza por um estado de sensibilidade aumentada, de difícil recordação depois de superada, levando-se a crer que nesse estado exista um mecanismo de repressão atuante. Tal evento, segundo Winnicott (2021), é um processo natural e esperado, porque a mulher nesse período deverá se esquecer das suas satisfações individuais e se manter à disposição da satisfação das necessidades do bebê. Esse processo se desenrola via identificação projetiva, estabelecendo uma capacidade peculiar de empatia para com as necessidades do bebê. A mãe, nesse período inicial, tem papel fun- damental na preservação física do bebê, mas a preocupação materna primária também encaminha a estruturação do Ego no início, pois nesse período a relação mãe e filho deve recair em um sentimento contínuo de existir, não interrompido por reações a intervenções exteriores. Caso essa mãe seja suficientemente boa, o Ego do bebê irá se desenvolver de forma saudável, superando as ameaças de aniquilamento impelidas contra o Ego. A segunda função do ambiente, para Winnicott (2021), é a mãe: função de espelho. Há nesse momento uma relação de ego – o ego da mãe sustenta o do filho. Podemos notar aqui o seguinte processo: o bebê no princípio olha a mãe UNICESUMAR UNIDADE 5 154 e se vê refletido nela; a criança não vê a mãe como sendo alguém independente dela. Quando a relação deixa de ser projetiva, pas- sando à percepção, a criança começa a diferenciar o “eu” do “não eu” (por volta do 3o ou 4o mês). O processo de construção do sentido de si mesmo perpassa al- gumas funções do ambiente, as quais descreveremos sucintamente a partir daqui. A primeira função trata-se do holding como sendo o modo como a criança é segurada, handling a maneira como ela é cuidada e object-presenting a forma de apresentação do objeto, como funções importantes na estruturação do ego infantil e cons- tituindo a terceira função do ambiente. O holding tem a função de proteger o bebê frente a situações angustiantes (independentes de sua natureza) e tem por consequência o processo de integra- ção do ego. Winnicott (2022) refere-se ao que denomina segundo processo maturacional, isto é, a personalização ou inter-relação psicossomática, como sendo efeitos do handling. Por último, é o modo como o ambiente apresenta a realidade exterior para a criança que a levará à capacidade de se utilizar do objeto. A última função do ambiente apresentada por Winnicott (2022) é a evolução da relação mãe-filho. Segundo o autor, ao longo dos processos de maturação da criança, a relação estabele- cida pela díade modifica-se, percorrendo três fases, quais sejam: a dependência absoluta, a dependência relativa e a fase de socialização. A dependência absoluta acontece durante os cinco primeiros meses de vida do bebê. Nesse sentido, a criança e a mãe estabelecem uma relação de fusão simbiótica. Nessa fase, quanto mais a mãe consegue compreender as necessidades do bebê, me- lhor ela garante o estado de narcisismo primário imprescindível ao bom desenvolvimento emocional da criança. Dos seis aos doze meses, a criança começa a diferenciar-se da mãe e compreender que depende desta para ter suas necessidades sanadas. Por essa razão, Winnicott (2022) denominou essa fase de dependência relativa. A criança, ao perceber a mãe como ex- terna a si, passa a não esperar mais uma compreensão imediata, bem como a satisfação mágica de suas necessidades por parte da 155 mãe. Assim, se estabelece a relação objetal com a mãe e uma nova modalidade de comunicação é inaugurada: a criança precisará manifestar algum sinal antes de ter sua necessidade satisfeita. A mãe, nessa etapa do desenvolvimento da criança, precisa conseguir esperá-la demandar algo para atendê-la, caso contrário, a criança não conseguirá dominar a situação pela qual está passando, ficando presa a um estado arcaico do desenvolvimento não viabilizando a organização do ego de maneira saudável. A terceira fase se dá a partir do segundo ano de vida, quan- do a criança torna-se pouco a pouco independente e promove as identificações com a cultura, desenvolvendo o senso social.Dando sequência a teoria do amadurecimento psíquico, Winnicott afirma que o ego surge das frustrações que o ambiente impõe de forma natural, mas que é vivido pelo bebê como experiências “de ameaças de aniquilações”, que não se concretizam. Esse processo não ocor- re de forma contínua, mas sim alterando estados de integração e não integração com estados de repouso (dormir). Como já foi dito, tal fenômeno deriva-se do holding, mas não só. Tem sua origem também das experiências instintivas que se realizam por meio da atividade sensório-motora (brincar e explorar o ambiente). O ego da mãe reforça o ego precoce do bebê, que é assolado pelas investidas do Id. Durante o processo de diferenciação da criança, essas experiências auxiliam no fortalecimento do Ego. No princípio, quando o bebê e a mãe encontram-se fundidos - dependência absoluta, o bebê experimenta as satisfações de suas necessidades com um forte sentimento de onipotência, isso por- que acredita ser ele próprio a prover sua satisfação. Caso a mãe seja suficientemente boa, proporcionando o desenvolvimento dessa onipotência na criança, auxiliará no fortalecimento do ego infantil (WINNICOTT, 2022). Neste sentido, Winnicott (2022) entende que o processo de per- sonalização da criança percorre o caminho da dependência à inde- pendência, marcando uma trajetória do corpo para a representação psíquica. Em consequência do handling, ocorre o despertar das funções instintuais, de tal forma que a criança começa a elaborar UNICESUMAR UNIDADE 5 156 uma representação imaginária do seu corpo. Concomitantemente a esse evento, a criança vai construindo uma realidade psíquica interna. O ponto máximo dessa fase é a formulação do esquema corporal. A fase subsequente a essa é o espírito e a associação psique-soma, que consiste no início da elaboração mental, pois a criança, estando dotada de certa quantidade de ilusão, experienciada desde a fase de dependência absoluta, pode fantasiar sua satisfação por meio da atividade autoerótica (como sugar os dedos quando tem fome). Dessa forma, na fase de dependência relativa, a criança pode, por meio da satisfação alucinatória, sanar falhas e ausências de cuidados da mãe que são sentidos por ela como uma falta da cuidadora. Essa falta, então, por meio da satisfação alucinatória, é substituída por uma realização bem-sucedida, ou seja, gradualmente o funcionamento mental da criança vai conseguindo substituir as funções emocionais antes atribuídas à mãe. No contínuo processo de busca de autonomia do sujeito, outro recurso psí- quico merece destaque, de acordo com Winnicott (2022): o fenômeno transi- cional. É por meio do fenômeno transicional que a criança suporta a passagem do mundo subjetivo para o objetivo. A princípio, a criança tem uma “relação primária com a realidade”, isso porque, em sua vivência da experiência onipoten- te, a criança concebe ser ela mesma a criadora do objeto desejado. Como vimos, ocorre que a mãe, ao conseguir atender as funções ambientais de forma sufi- cientemente boa, consegue prover ao bebê a satisfação necessária, construindo o sentimento onipotente de satisfação por parte dele. Ao espaço entre o desejo do bebê e a satisfação que a mãe proporciona a ele, Winnicott denominou de “área de compromisso” ou “espaço transicional”. A criança, a partir do quarto mês, começa a perceber os objetos diferentes do eu; dessa forma, a criança elege objetos que, por meio da ilusão, dão suporte a ela, possibilitando a passagem pela fase do mundo subjetivo puro para o mundo objetivo. Esses objetos têm por finalidade minimizar a tensão exercida sobre o ego, de tal maneira que o objeto é solicitado sempre que a criança passa por alguma sensação de separação (WINNICOTT, 2022). Estes objetos são uma tentativa de substituir a mãe, ou seja, quando a crian- ça percebe que a mãe não a satisfaz em sua plenitude, o bebê supre essa falta por meio do objeto e da ilusão/ alucinatória. Geralmente, o objeto representa o seio, mesmo não sendo o seio real, exerce a função simbólica, tornando-se tão 157 importante quanto se fosse. Esse fenômeno, como já foi citado, acontece em um “espaço transicional”; o objeto eleito reside nesse espaço, de tal sorte que não é nem interno nem externo. A importância desse objeto, além da passagem do mundo subjetivo para o objetivo, é o fato dele dar suporte para a integração do ego, que é afligido pelas “ameaças de aniquilação” devido à ausência da mãe. A descatexização (desinvestimento) do objeto transicional dependerá de cada criança. Contudo, algumas situações para que isso ocorra foram verificadas, por exemplo: sendo o objeto uma representação da mãe, quando esta se ausenta por um tempo maior do que o limiar de tolerância do bebê, o objeto transicional perde o sentido. Consegue compreender agora que o paninho, a chupeta ou o bi- chinho que a criança se apega tem uma função muito maior do que de distração? Enfim, como marco para o início da independência do bebê, Winnicott (2022) aponta a capacidade de estar só. Esse processo ocorre paralelamente aos processos de integração egóica, estabelecimento da relação objetal e utilização do objeto. A capacidade de estar só perpassa três momentos de intensa organi- zação psíquica. O primeiro está vinculado à identificação primária, baseada no mecanismo narcísico, e à noção de preocupação materna primária, pois nessa relação de cuidado a mãe sustenta a simbiose, permitindo à criança construir a fantasia de autossuficiência tão necessária para a organização básica da unidade pessoal. Após o estabelecimento dessa unidade básica, o bebê experimenta o segundo momento desse processo de desenvolvimento respalda- do na indispensável experiência de continui- dade construída a partir da introjeção da figura materna. Essa etapa é possível de ser observada por volta dos seis meses de idade, quando a criança já apresenta um ego um pouco mais amadurecido. Por fim, tendo essa mãe interiorizada, ele passa a introjetar o ambiente pouco a pouco sem necessitar de alguém pre- sente a todo o momento. UNICESUMAR UNIDADE 5 158 Vimos como a criança vai gradualmente desenvolvendo sua individualidade e construindo sua relação com o mundo no âmbito familiar que é considerado o primeiro espaço socializador do indivíduo. Todavia, não convivemos só com a família, correto? Somos norteados pela cultura que nos integra como sociedade e dita normas e regras para o convívio social. Sendo assim, vamos avançar em nossos estudos e entender como os indivíduos desenvolvem o senso de moral, aspecto fundamental para o convívio em sociedade. A aquisição de comportamentos e valores morais desperta interesse dos fi- lósofos, sociólogos e psicólogos. Segundo Biaggio (2003, p. 216), “a moralidade ou consciência é compreendida pelos psicólogos como o conjunto de regras culturais que foram internalizadas pelo indivíduo”, entendendo por internaliza- das as regras que são obedecidas na ausência de incentivos de sanções sociais. O desenvolvimento moral é fundamental para o estabelecimento de um convívio social minimamente harmonioso. Tal como todos os outros aspectos do desenvolvimento discorridos ao longo do livro, existem diferentes teóricos que se desdobram sobre a construção da moralidade. Optamos por tomar a teoria de Kohlberg para apresentar a você a concepção de moralidade (BIAGGIO, 2002). Para elaborar sua teoria, Kohlberg elaborou um estudo longitudinal: a cada 3 anos, aplicava o protocolo nos sujeitos ao longo de 30 anos, apresentando dile- mas morais hipotéticos para 75 meninos de 10, 13 e 16 anos, da classe média, da zona urbana de Chicago (FINI, 1991). Aos sujeitos, era solicitado que emitissem seu critério de julgamento para cada situação apresentada e elaborassem justi- ficativas para suas opiniões. O objetivo deste método era oportunizar conflitos entre as regras estabelecidas e a autoridade existente, contrapondo-se a respostas de cunho prático e ético. Sensacionalo desenvolvimento psíquico, não é? Pois bem, aqui, convido você a escutar um bate-papo muito interessante sobre a importância do brincar para o desen- volvimento psicossocial da criança, baseado na obra de Winnicott, “O Brincar e a Realidade”. Vamos desvendar a beleza por trás dessa ação, entendida, muitas vezes, como meramente recreativa. Então, bora lá! https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/9502 159 O dilema de maior relevância no estudo de Kohlberg, de acordo com Bee e Boyd (2011), foi o de Heinz, que visava mobilizar os indivíduos entrevistados a questiona- rem o valor da vida humana. Na sequência o dilema pode ser lido na íntegra. “ uma mulher com câncer está próxima da morte. Um farmacêutico descobriu um medicamento que os médicos acreditam que pode salvá-la. O farmacêutico está cobrando 2.000 dólares por uma pe- quena dose – 10 vezes o que o medicamento custa para ele fabricar. O marido da mulher doente, Heinz, pede dinheiro emprestado a todos os conhecidos, mas consegue reunir apenas 1.000 dólares. Ele implora ao farmacêutico para lhe vender o medicamento por 1.000 dólares ou deixar que ele pague o restante mais tarde. O farmacêu- tico recusa, dizendo “Eu descobri o medicamento e vou ficar rico com ele”. Heinz, desesperado, arromba a loja do homem e rouba o medicamento. Heinz deveria ter feito isso? Por quê? (KOHLBERG, 1969 apud PAPALIA; FELDMAN, 2013, p. 407-408). A análise das respostas obtidas na pesquisa levou Kohlberg a perceber que su- jeitos com a mesma faixa etária apresentavam padrões de respostas parecidos, logo, o autor preconizou que o desenvolvimento moral poderia ser sistematizado em três níveis, nos quais cada um apresentava 2 estágios com características específicas. Em síntese, Nível I – pré-convencional (estágios 1 e 2); Nível II – o convencional (estágios 3 e 4); Nível III – o pós-convencional (estágios 5 e 6). A seguir, entenda os princípios básicos de cada nível, para, na sequência, conhecer as especificidades de cada estágio. O Nível I é denominado Pré-convencional ou pré-moral. Segundo Biaggio (2003), a criança responde a regras culturais sob rótulos de bom e mau, certo ou errado, contudo, sua interpretação está relacionada às consequências físicas ou hedonistas (punição ou prêmio). Esse nível é dividido nos seguintes estágios: Estágio 1 – Orientação para a punição ou a obediência: as crianças aderem às regras para evitar punição; obedecer por obedecer; evitar da- nos físicos às pessoas e à propriedade; poder superior das autoridades. As crianças, nesse estágio, apresentam um ponto de vista egocêntrico; de tal modo que leva em consideração o interesse alheio, nem o compreen- UNICESUMAR UNIDADE 5 160 de o fato de que a necessidade dos outros possa ser diferente da sua. O princípio norteador está vinculado, assim, a partir das consequências da punição física e não no que pode causar aos demais. Estágio 2 – Hedonismo instrumental relativista: as crianças seguem as regras somente quando cumpri-las é do seu interesse imediato; agir para satisfazer seus próprios interesses e necessidades e deixar que os outros façam o mesmo; encarar a justiça como uma troca equitativa. Nesse está- gio, há uma perspectiva individualista concreta: consciente de que todas as pessoas têm seus próprios interesses e que esses interesses entram em conflito, por isso, o certo é relativo. No Nível II, intitulado Convencional, as crianças compreendem como é va- lioso em si mesmo manter as expectativas da família, do grupo ou da nação, sem levar Moral em consideração outras consequências imediatas. Segundo Biaggio (2002), a atitude nessa fase não só revela o conformismo com a ordem social vigente, mas envolve a participação ativa para a sua manutenção. Fazem parte desse nível o: Estágio 3 – Moralidade do bom garoto, de manter boas relações: as crianças correspondem ao que é esperado pelas pessoas próximas; ter bons motivos e mostrar interesse pelos outros; manter relacionamentos mútuos mediante a confiança, lealdade, respeito e gratidão. Há uma perspectiva de um indivíduo nos relacionamentos com outros indivíduos: consciência dos sentimentos, acordos e expectativas compartilhadas; capacidade para relacionar pontos de vista por meio do conceito moral. Esse estágio faz parte do nível convencional de desenvolvimento da moralidade. Estágio 4 – Autoridade mantendo a moralidade: a característica prin- cipal é defender a lei e manter a instituição. Há perspectiva de um indi- víduo em relação ao grupo social. Há um grande respeito à autoridade e às regras fixas. O Nível III, Pós-convencional ou moralidade de princípios morais aceitos conscientemente, compreende o esforço nítido para que, independentemente da autoridade, o jovem possa definir valores morais e princípios que tenham valida- de e aplicação (BIAGGIO, 2003). Fazem parte desse nível os seguintes estágios: 161 Estágio 5 – Moralidade do contrato social e de lei democraticamente aceitos: os indivíduos, nesse estágio, estão conscientes de que as pessoas defendem vários valores e opiniões; obrigação à lei devido ao contrato social. Há uma perspectiva do indivíduo racional consciente dos valores e dos direitos dos outros. Estágio 6 – Orientação para princípios individuais de consciência: as pessoas seguem os princípios éticos autoescolhidos; crença na validade dos princípios morais universais. Há uma perspectiva de um ponto de vista moral do qual derivam os arranjos sociais. De forma geral, Biaggio (2002) evidencia que os indivíduos no nível pré-conven- cional não conseguem entender e respeitar as normas sociais compartilhadas. No pós-convencional, aceitam as regras, mas o fundamento do acolhimento desses preceitos está nos princípios morais que alicerçam essas regras. Nesse caso, quando as regras da sociedade conflitam com os princípios morais, o julgamento realizado por eles considera sua própria consciência em relação ao fato, e não ao que a convenção social determina. Destacando a relação entre a noção de si e as regras, a autora afirma que, no nível pré-convencional, as regras são externas ao sujeito. No convencional, o sujeito se identifica com as normas e as expectativas dos outros, principalmente da autoridade, e, portanto, com as regras compartilhadas. Por fim, no nível pós- -convencional, o sujeito diferencia o si mesmo das regras e expectativas dos ou- tros, estabelecendo valores morais, mediante parâmetros de princípios próprios. UNICESUMAR UNIDADE 5 162 Ao chegar até aqui, você deve ter notado que os seres humanos são dependentes uns dos outros para se constituírem enquanto sujeitos. Sem uma figura de am- paro, sem um grupo social que nos proteja, somos demasiadamente vulneráveis. O cuidado, o amor e o olhar de uma figura cuidadora é fundamental, inclusive, para garantir a sobrevivência física dos indivíduos. Sem essa figura, não constitui sua individualidade de maneira saudável. Os indivíduos são essencialmente rela- cionais, segundo a perspectiva psicodinâmica do desenvolvimento, como vimos por meio das teorias aqui estudadas. Destacamos a importância dos estados de dependência nos primeiros meses de vida e as características de cada etapa do desenvolvimento da personalidade, justamente para que você possa ao lidar com crianças entender as suas demandas e quais são os recursos afetivos que elas possuem para lidar com os conflitos que a vida impõe. Seguindo essa trajetória, destacamos a relevância do desenvolvimento moral para a convivência social, de modo a garantir a segurança que a comunidade oferece aos sujeitos. Retomando a história de nossa pequena Caroline e seu processo de adapta- ção na escola, agora já conhecendo como o desenvolvimento psíquico ocorre de acordo com a perspectiva psicanalítica, você pode compreender que a pequena está apresentando indicativos de ansiedade de separação das figuras de referência. Em casos assim, em que fica evidente o apego aos pais ou cuidadores e a dificul- dadede ampliar seus vínculos com figuras externas ao núcleo familiar, é impor- NOVAS DESCOBERTAS Título: A Cidade das Crianças Ano: 2008 Sinopse: Cansados das brincadeiras dos filhos, os pais decidem sair da cidade por um dia. No entanto, ao retornar, eles são detidos por um grupo de soldados. A notícia de um lugar sem pais agrada a Oscar e sua gangue de valentões, que querem tomar o controle da cidade. Comentário: Neste filme, você terá a incrível oportunidade de perceber como evolui a compreensão das crianças acerca da necessidade das norma- tivas sociais para poderem viver de forma harmônica em sociedade. 163 tante falar com a criança e demonstrar empatia ao seu sofrimento. Colocando em prática os conhecimentos adquiridos, você pode verificar a necessidade de orientar os pais a dialogarem e expressarem como confiam e se sentem seguros com relação à escola, bem como reafirmar para a criança a sua importância e o amor que sentem por ela. Outro aspecto que podemos considerar é se ela tem algum objeto transicional que pudesse ser levado com ela para a escola, como o suporte emocional que auxiliasse no processo de suportar a ausência das figuras de referência durante a sua permanência na escola. UNICESUMAR 164 1. A Psicanálise tem uma grande influência na Psicologia e revolucionou a concepção e o tratamento de problemas emocionais ao desvendar temas relacionados à perso- nalidade, ao inconsciente e ao desenvolvimento infantil. Com base nos pressupostos da Psicanálise, avalie as asserções a seguir e a relação proposta entre elas. I - Considerando as demandas com que a criança se defronta na sua relação com o meio, faz-se necessário que ela direcione, de maneira gradual, as demandas do Id, garantindo que elas sejam satisfeitas dentro do princípio da realidade. PORQUE II - O Ego consiste na instância intermediária entre o desejo e a realidade, atendendo às demandas vindas não só do Id (estrutura arcaica), mas também do Superego (proibições que advém da evolução da espécie), possuindo partes conscientes e inconscientes. A respeito dessas asserções, assinale a alternativa correta. a) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justificativa da I. b) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa da I. c) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa. d) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição verdadeira. e) As asserções I e II são proposições falsas. 2. O primeiro ano de vida de um indivíduo é delicado e suas energias se voltam majori- tariamente para as necessidades básicas a fim de garantir a sobrevivência. Tamanha influência do primeiro ano de vida no desenvolvimento global do sujeito que Sptiz dedicou seus esforços a compreender os aspectos biopsicossociais que impactariam na organização saudável do indivíduo. Considerando os aspectos biopsicossociais do desenvolvimento no primeiro ano de vida dos indivíduos, analise as afirmativas a seguir: I - A criança desde o seu nascimento precisa ser frustrada para aprender a lidar com perdas, por isso não se deve atender prontamente um bebê em seus primeiros meses de vida. II - O vínculo entre mãe e bebê pode ser considerado como o modelo básico de todas as relações sociais estabelecidas pelos indivíduos. 165 III - Os fatores teratogênicos que incidem sobre o desenvolvimento são exemplos da influência ambiental ainda no período intrauterino. IV - A angústia dos oito meses apresentada pelos bebês indica um quadro patológico de dependência da criança com a figura materna. É correto o que se afirma em: a) I, II, apenas. b) III, IV apenas. c) I, II, III, apenas. d) II, III, apenas. e) I, II, III, IV. 3. Durante o horário de descanso das crianças, Joelma, educadora infantil, percebeu que Natália não conseguia conciliar o sono. Ao se aproximar, notou que a menina estava sem a naninha que habitualmente carregava consigo neste momento. Considerando a teoria Winnicottiana sobre o desenvolvimento emocional, analise as afirmativas a seguir. I - A naninha pode ser considerada como o objeto transicional de Natália, que tem por objetivo promover um conforto subjetivo frente a situações de angústia, cansaço ou desamparo. II - A professora deveria perguntar para Natália se ela gostaria de buscar a naninha, por entender que a naninha teria uma função de apoio emocional para a criança. III - A professora deveria ignorar a ausência da naninha, pois não é saudável uma criança carregá-la o tempo todo. IV - Este recurso auxilia a criança no processo de organização dos afetos e sua me- diação entre o mundo interno e mundo externo. É correto o que se afirma em: a) I, II, apenas. b) II, III, apenas. c) I, II, III, apenas. d) I, II, IV, apenas. e) II, III, IV, apenas. 166 4. César e João, ambos com 4 anos, entraram em uma disputa por brinquedos e chega- ram a trocar alguns empurrões. Quando a professora percebeu a situação, dirigiu-se até eles, abaixou-se e perguntou o que estava acontecendo. Ambos ficaram receosos com a aproximação da professora, com medo da punição decorrente da briga. A professora, por sua vez, orientou o padrão de conduta correto dialogando sobre a importância de compartilhar e respeitar o colega, mediando, assim, o conflito gerado pela disputa do brinquedo. Considerando a teoria do desenvolvimento Moral Kohlberg, é correto o que se afirma em: a) As crianças cederam a briga por entenderem a importância de negociar o brin- quedo. b) As crianças acataram as orientações da professora porque têm receio de deso- bedecê-la. c) João abriu mão do brinquedo porque se interessou por outra atividade. d) César é maior e por isso abriu mão do brinquedo para João. e) A professora os ameaçou, por essa razão cederam o brinquedo. 167 UNIDADE 1 BIAGGIO, A. M. B. Psicologia do desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 2003. BEE, H. O ciclo vital. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. BENETTI, I. C.; et al. Fundamentos da teoria bioecológica de Urie Bronfenbrenner. Rev. Pensan- do Psicologia. v. 9, n. 16, p. 89-99, 2013. Disponível em: https://revistas.ucc.edu.co/index.php/ pe/article/view/620. Acesso em: 16 ago. 2021. BOCK, A. M. et al. Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia. São Paulo: Saraiva, 2001. BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEXEIRA, M. L. T. 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Letra “C”, pois os modelos de pesquisa permitiram aos estudiosos considerarem o que era universal ao desenvolvimento humano, pontuando que os aspectos cogni- tivos, personalidade, biológicos seguiam padrões de pré-requisitos na evolução do desenvolvimento; bem como considerar os aspectos culturais que poderiam impactar neste processo. 3. Letra “B”, pois a teoria cognitivista procura estudar como o indivíduo constrói suas estruturas cognitivas para a aquisição do conhecimento e quais os processos de pensamento presentes no homem desde sua infância até a idade adulta. A teoria da aprendizagem composta, também, pelo behaviorismo explica o indivíduo como uma consequência das influências da relação com o meio (filogênese, ontogênese, cultura). A hipótese de que o comportamento é determinado e probabilístico é necessária para poder aplicar um método científico no campo das ciências. Já a teoria contextualista estuda, exclusivamente, a influência ambiental, variando do mais íntimo para o mais amplo. Para entender a complexidade das influências sobre o desenvolvimento, faz-se necessário ver a pessoa dentro do contexto dos múltiplos ambientes em que vive. A teoria psicanalítica define a personalidade como um produto de forças psicológicas que interagem dentro do indivíduo, frequentemente fora de seu estado de consciência (inconsciente). É dada ênfase no desenvolvimento por meio de fases psicossexuais. UNIDADE 2 1. A resposta correta é a letra “C”, pois como a herdabilidade não pode ser medida diretamente, os pesquisadores em genética comportamental contam com três tipos de pesquisas correlacionais: estudos sobre família, adoção e gêmeos. Nos estudos de família, os pesquisadores verificam até que ponto os parentes biológicos compar- tilham certos traços. Os estudos sobre adoção focalizam as semelhanças entre filhos adotivos e as famílias que os adotaram, paralelo a isso, estudam os filhos adotivos e suas famílias biológicas. Já o os estudos com gêmeos comparam pares de gêmeos monozigóticos com gêmeos dizigóticos do mesmo sexo. 174 2. Letra “B”, pois o aconselhamento genético pode ajudar futuros pais como Catarina e Marcos a avaliar seus riscos de gerarem filhos com defeitos genéticos ou cromossô- micos. Pessoas que já tiveram um filho com defeito genético, que têm um histórico familiar de doença hereditária ou que sofrem de condições sabidamente ou suspeitas de serem hereditárias, cujo risco de transmissão de genes para certas doenças é maior do que a média, podem obter informações sobre suas probabilidades de produzir crianças afetadas por meio desse serviço. 3. Letra “D”, pois epigênese refere-se a moléculas químicas ligadas a um gene que alteram o modo como a célula “lê” o DNA do gene. Mudanças epigenéticas podem ocorrer durante toda a vida em resposta a fatores ambientais como alimentação, alcoolismo, hábitos de sono, estresse e atividade física. A epigenética pode contribuir para doenças tão comuns quanto câncer, diabetes e cardiopatias. 4. Letra “C”, pois genótipo e fenótipo representam as características genéticas, físicas, morfológicas e comportamentais de um organismo. Se você tem covinhas no rosto, isso faz parte do seu fenótipo, as características observáveis por meio das quais seu genótipo, ou constituição genética subjacente é expresso. O fenótipo é produto do genótipo e de quaisquer influências ambientais relevantes. A diferença entre genó- tipo e fenótipo ajuda a explicar por que um clone (uma cópia genética do indivíduo) ou mesmo um gêmeo idêntico nunca poderá ser uma cópia exata de outra pessoa. Helena foi incentivada e motivada a pintar, seu genótipo para capacidade artística, nesse caso, foi expressa. 5. Um exemplo disso é que se a mulher não ganhar peso suficiente, provavelmente o bebê terá seu crescimento retardado no útero, o nascimento será prematuro, ele sofrerá durante o trabalho de parto ou poderá morrer ao nascer. Já uma mulher com peso excessivo corre o risco de ter um bebê grande que precisará nascer por parto induzido ou cesariana. Do mesmo modo, uma mulher que é apresentada a ambientes estressores pode afetar a organização do cérebro do feto em desenvolvimento. A ansiedade sentida por uma mãe durante a gravidez está associada aos recém-nasci- dos com temperamento mais ativo e irritável. Um fator que influencia, igualmente, no período da gestação é o abuso ou a dependência de substâncias psicoativas. A utilização dessas substâncias é capaz de provocar consequências físicas e mentais potencialmente graves para a mãe e para o feto. A maioria das drogas ultrapassa a barreira placentária e chega até a corrente sanguínea do feto, além disso, pode ultra- passar a barreira hematoencefálica sem metabolização prévia, atingindo o sistema nervoso do bebê. 175 UNIDADE 3 1. Letra E. Ao nascer a criança tem desenvolvido plenamente o tato, o olfato, o paladar e a audição, mas a visão ainda leva alguns meses para alcançar a sua plenitude. Com relação às habilidades perceptivas, estas se desenvolvem no decorrer do primeiro ano de vida. 2. Em linhas gerais, você deverá ter apontado que as constâncias perceptivas são conjun- tos de regras que nos auxiliam na compreensão do mundo fenomênico. São elas: as de tamanho, profundidade, cor e forma. O conjunto de constâncias implica o conceito de Constância do Objeto, que corresponde ao reconhecimento de os objetos perma- necerem os mesmos apesar de nossos órgãos dos sentidos fornecerem informações de que houve mudança em alguns aspectos. 3. Alternativa C. A afirmativa I está incorreta, pois sugere que os bebês possuem capa- cidade de sentar sem apoio aos quatro meses e a II, ao afirmar que bebês de nove meses conseguem empilhar objetos. UNIDADE 4 1. C. Para Piaget, o processo de maturação, as condições do ambiente e a experiência ativa dos sujeitos são elementos essenciais das aquisições cognitivas. Tendo isso posto, as afirmativas seguintes são verdadeiras, pois os reflexos são os primeiros esquemas motores de interação com o ambiente que vai ser adaptado conforme o indivíduo amadurece neurologicamente e é estimulado pelo meio. Este processo vai se tornando cada vez mais complexo, até que o sujeito alcance o período operatório formal. Por fim, o que desencadeia esse processo é a lógica da equilibração, qual seja: o estímulo novo se apresenta, perturba as estruturas cognitivas prévias do indivíduo, e então é assimilado gradativamente até entrar em equilíbrio. 2. D. Os estágios do desenvolvimento propostos na Epistemologia Genética seguem o princípio fundamental da interação sujeito e ambiente, ou seja, a maturação biológica e os estímulos ambientais vão possibilitando que o sujeito interaja com o seu entorno de forma progressivamente mais adaptada. Deste modo, as conquistas de um estágio são a base para as conquistas do seguinte, então não há possibilidade de se pular etapas do desenvolvimento. Seguindo esta lógica, já podemos compreender por que se destaca a formação original de Piaget como fundamental, uma vez que destaca o papel dos fatores biológicos, mas também evidenciao motivo pelo qual a afirmativa IV está incorreta, pois não há desenvolvimento sem os estímulos ambientais. 176 3. D. Originalmente, Jean Piaget não desenvolveu uma teoria objetivando os processos de ensino-aprendizagem, ele estava interessado na inteligência – como acontece – e suas ideias foram posteriormente apropriadas pela pedagogia. A proposição da alter- nativa II se equivoca quando sugere uma autonomia entre os fenômenos de esquema e assimilação. Na verdade, ambos são interdependes, o esquema é a estrutura na qual a assimilação ocorre, e a assimilação por sua vez, tende a modificar o esquema por meio de acomodações e equilibrações posteriores. Em linhas gerais, é como a aprendizagem acontece. Uma criança no período sensório-motor que é capaz de apanhar um brinquedo, manuseá-lo e levá-lo à boca exprime os seguintes conceitos piagetianos: o esquema de pegar-sugar, que é generalizável, a assimilação de novos dados, como peso e textura de diferentes objetos, e a acomodação por meio de novas experiências. O exemplo de operações formais na alternativa IV também está correto: para solucionar o problema e levar o produto correto para a casa, ele traça um padrão hipotético-dedutivo de eliminatória até entender qual produto precisa levar. UNIDADE 5 1. A. De acordo com a teoria psicanalítica, as demandas pulsionais oriundas do Id bus- cam por satisfação, independente do contexto vivido. Entretanto, isso não é possível, pois colocaria em risco a vida do sujeito, bem como o tornaria inadequado para viver em sociedade. Desta forma, uma parte do Id se diferencia a partir do contato com o mundo externo, formando o Ego, instância esta que faz a mediação entre as demandas inconscientes e os valores morais estabelecidos pela cultura. 2. C. A afirmativa I está incorreta pois, nos primeiros meses de vida é fundamental que a criança seja atendida da melhor forma possível ao que solicita do ambiente, uma vez que não possui recursos cognitivos e psíquicos para compreender as angústias e mal-estar que acometem o seu corpo. A vivência do não atendimento de suas ne- cessidades com empatia por parte dos cuidadores neste período acarretam traumas psíquicos significativos. A afirmativa IV, por sua vez, está incorreta, pois a angústia de separação evidencia que a criança estabeleceu a relação objetal reconhecendo a mãe como um sujeito independente dele, ou seja, um objeto inteiro. Portanto, nesta fase é indicativo de saúde mental e não de patologia. 177 3. D. A afirmativa III está incorreta, pois a naninha, aqui, ocupa a função de objeto tran- sicional, logo, é um recurso material que ancora a passagem do mundo objetivo para o subjetivo. Por essa razão, é importante respeitar a necessidade da criança em tê-la por perto quando ainda está nesse período do desenvolvimento. 4. B. Considerando o caso exposto, fica evidente que as crianças se encontram no nível pré-convencional da moral, sendo assim, a aceitação da norma colocada se deve pelo receio das consequências ou pela gratificação esperada. 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