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1 
 
ANÁLISE TEOLÓGICA DO TERMO AZAZEL A PARTIR DE SEU 
SIGNIFICADO E FUNÇÃO NO RITUAL DA EXPIAÇÃO EM 
LEVÍTICO 16 
 
Jônatas de Mattos Leal
1
 
Adenilton Tavares de Aguiar
2
 
 
Resumo 
 
O ritual do dia da expiação está entre os mais elaborados do livro de Levítico. Em especial, a menção 
ao bode que era expulso do acampamento e enviado para se perder no deserto continua a intrigar os 
intérpretes bíblicos da tradição judaico-cristã. As próprias versões estão em desacordo quanto sua 
tradução. Enquanto algumas preferem traduzir o termo Azazel como bode emissário, outras optam por 
considerá-lo um nome próprio. Contudo, uma análise mais apurada que leve em conta tanto sua 
etimologia quanto sua função no ritual, o contexto em que aparece e os paralelos extra-bíblicos aponta 
para a pessoalidade de Azazel e consequentemente para a melhor tradução do termo como um nome 
próprio, o que se mostra mais condizente com a teologia do texto, tendo em vista que Azazel é visto 
como um símbolo de Satanás. 
 
Palavras-chave: Tradução, interpretação bíblica, tradição judaico-cristã. 
 
hw"hyl; dx'a, lr"ÜAG tAl+r"AG ~rIßy[iF.h; ynEïv.-l[; !ro±h]a; !t;ón"w> 
`lzE)az"[]l; dx'Þa, lr"ïAgw> 
 

E Arão lançará sortes sobre os dois bodes, uma sorte para o Senhor e uma sorte para Azazel. 
 
INTRODUÇÃO 
 
 A tradução de textos antigos é uma ciência que vem se aperfeiçoando cada vez mais. 
Porém, alguns textos bíblicos continuam a desafiar até os mais experimentados tradutores, 
linguistas e exegetas. Um exemplo é a misteriosa figura de Azazel que desempenha papel 
significativo num dos mais intrigantes festivais religiosos da legislação levítica, o ritual do dia 
da expiação como exposto em Lv 16. Tanto as versões bíblicas modernas como as versões 
antigas têm divergido sobre a tradução da palavra lzEaz"[]/. Enquanto algumas 
 
1
 O autor é Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) e graduado 
em Teologia pelo Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia, Sede Bahia (SALT-BA). Atualmente 
atua como professor nesse mesmo Seminário de Língua Hebraica e Exegese do Antigo Testamento, tendo 
publicado diversos artigos nessa área. 
2 Mestre em Ciências da Religião pela UNICAP (Universidade Católica do Pernambuco). Mestrando e Bacharel 
em Teologia pelo SALT/IAENE e Licenciado em Letras/Português pela Universidade Estadual da Paraíba. 
Membro do Grupo de Pesquisa Cristianismo e Interpretações (UNICAP); Editor da Revista Hermenêutica. 
Professor de Grego e Novo Testamento no Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia, sede regional 
IAENE (Instituto Adventista de Ensino do Nordeste). 
 
2 
 
preferem traduzir o termo como “bode emissário”, outras por sua vez trazem apenas a 
transliteração do nome. 
De fato, pode-se concordar com Treiyer quando afirma que “poucas palavras na bíblia 
têm sido tão controversas através dos séculos como a palavra Azazel”. (1992, p.231). Na 
verdade, alguns fatores cooperam para isso. Entre eles podem ser citados: a obscura 
etimologia da palavra, as raras ocorrências bíblicas e o escasso material bíblico sobre o ritual 
em que lzEaz"[]/ está envolvido. É necessário concluir, como Helm, que quando se leva 
em conta apenas o texto bíblico o termo “permanece indefinido” (HELM, 1994, p.217). 
Tendo em vista esse quadro, uma análise que vá além do material bíblico de Lv 16 
torna-se necessário. Além disso, tal análise não deve se contentar apenas com o estudo 
etimológico da palavra, já que o mesmo é incerto e controverso. Para tal, também é 
importante levar em consideração o contexto bíblico mais abrangente da Bíblia Hebraica, o 
uso da palavra na literatura extra-bíblica como o pseudepígrafo de 1 Enoque e Apocalipse de 
Adão, bem como o contexto cultural no qual Israel estava inserido. Este último oferecerá 
interessantes paralelos rituais entre os povos da Mesopotâmia e da antiga Hatusa, os hititas. 
Tais paralelos poderão elucidar o papel simbólico desempenhado pelo bode sorteado para 
Azazel. 
Assim, essa pesquisa visa em primeiro lugar propor a melhor tradução desse termo por 
meio da análise de todas as questões acima mencionadas. Como se verá, o tempo encarregou-
se de viabilizar conhecimento e instrumentos mais apropriados para a escolha mais adequada 
do que aqueles que estavam disponíveis aos primeiros tradutores bíblicos tais como os autores 
da Septuaginta e da Vulgata, embora o valor dessas obras permaneça incalculável ainda hoje 
para a interpretação bíblica. 
Em segundo lugar, este estudo tem como objetivo analisar teologicamente o termo a 
partir de sua função no importante festival religioso do dia da expiação descrito em Levítico 
16. Como se verá a interpretação adventista da função e simbologia de Azazel no contexto 
levítico é uma voz destoante, embora não solitária, no consenso geral entre a erudição 
evangélica cuja análise conclui que tanto o animal sorteado para o Senhor quanto para a 
Azazel é um figura de Cristo. 
 
Azazel no rito do Dia da Expiação 
Inicialmente será necessário revisar a descrição de Lv 16 do dia da Expiação. Os 
poucos comentário tecidos aqui servirão para situar o leitor sobre o lugar do bode para Azazel 
3 
 
no ritual. Também conhecido como Yom Kippur, o dia da expiação era a penúltima das 
grandes festas do calendário religioso israelita como descrito na Torah. Segundo a legislação 
levítica ele ocorria no décimo dia do sétimo mês (tishri) do calendário religioso (primeiro mês 
do calendário civil) e envolvia grande solenidade, incluindo uma convocação ao jejum, oração 
e “aflição de alma”. O Yom Kippur era precedido por dez dias pela festa das trombetas que 
segundo a tradição judaica servia como alerta de sua aproximação. Uma semana após o Yom 
Kippur deveria ocorrer a festa dos tabernáculos, que além de comemorar o fim da colheita 
também festejava o perdão alcançado no Dia da Expiação. 
Do ponto de vista da estrutura literária do livro de Levítico, a lei do Yom Kippur está 
no centro da obra (Lv 16). Sendo antecedida pelas leis dos sacrifícios (cap. 1-15) e seguida 
pelo Código de Santidade (cap.17-27). Sendo assim, é possível perceber a importância que o 
ritual assume na perspectiva do autor da obra, já que, na organização literária do Antigo 
Testamento, a parte central geralmente é considerada climática e essencial para algum 
argumento ou produção literária, como no caso de estruturas quiásticas envolvendo porções 
menores como capítulos ou até mesmo livros inteiros. 
Segundo o Levítico, esse era o único dia que o sumo sacerdote entrava na presença 
imediata da Arca da Aliança dentro do lugar santíssimo do tabernáculo/templo israelita. Todo 
o povo deveria estar preparado moral, espiritual e cerimonialmente nesse dia. Suas faltas 
deveriam ser confessadas e abandonadas, a fim de que pudessem permanecer em pé diante da 
presença divina através de seu representante, o sumo sacerdote. 
Além disso, paradoxalmente, esse dia envolvia dois conceitos teológicos centrais para 
o Antigo Testamento: juízo e perdão. Nesse dia, o povo era julgado e ao mesmo tempo 
absolvido no tribunal cósmico de Javé, ou seja, seus pecados eram expiados (em hebraico: 
kipper, por isso yom kippur) e o acampamento ficava livre da culpa do pecado pelo sangue 
derramado do bode sorteado para o Senhor bem como da presença do pecado através do envio 
do “bode para Azazel” para a terra solitária. 
É exatamente nesta parte do ritual que se encontra a discussão proposta para o artigo. 
Uma das partes mais importantes do rito era a separação de dois bodes. Segundo Lv 16, 
lançavam-se sortes pelos animais. Aquele que fosse sorteado para Javé deveria ser morto e 
seu sangue aspergido no tabernáculo-templo. Por sua vez, o bodesorteado para Azazel 
deveria ser enviado para o deserto e de lá não voltar. 
De modo geral, apesar dos procedimentos rituais em geral estarem bem claros, ainda 
há divergência no mundo da interpretação bíblica quanto ao papel desempenhado pelo bode 
4 
 
para “azazel” no Dia da Expiação. Portanto, qualquer possível elucidação sobre a questão 
deve começar pela correta tradução ou pelo adequado significado do termo “azazel”. Assim, 
na primeira parte desse estudo buscar-se-á estabelecer a tradução mais apropriada para esse 
termo. O primeiro passo para isso será apresentar, de forma breve, o modo como as principais 
versões portuguesas e inglesas traduziram o termo lzEaz"[]/. Logo após isso, será 
proposto, então, o papel teológico da figura do bode na simbologia do santuário israelita no 
contexto bíblico e teológico adventista. 
 
Análise das versões 
 
 Uma rápida análise das diferentes versões modernas da Bíblia será suficiente para 
mostrar o grau de discordância entre elas quanto à tradução da palavra lzEaz"[]/. Para 
uma amostra dessa disparidade está separado a seguir um grupo de versões bíblicas modernas 
portuguesas e inglesas até onde o tempo, o espaço e o escopo desse artigo permitem. 
A tradução do termo nessas versões pode ser dividida em dois grupos diferentes. No 
grupo A estão as versões que traduzem lzEaz"[]/como “bode emissário”, nas bíblias 
brasileiras, e as versões inglesas, que optam por “scapegoat” (bode expiatório), “goat of 
departure” (“bode de partida” ou “bode que parte”), “emissary goat” (“bode emissário”) ou 
“goat that carries the people's sins away” (“bode que retira os pecados do povo”). No grupo B 
estão as versões tanto inglesas quanto portuguesas que traduzem o vocábulo como um nome 
próprio, a saber, Azazel. A versão New Living Translation apresenta uma opção diferente 
daquelas localizadas no grupo A e B. Instrutivamente, essa versão traduz o termo como 
“wilderness of Azazel” (deserto de Azazel), implicando que o nome diz respeito ao lugar para 
o qual o bode era enviado. O mesmo ocorre na New English Bible (NEB) que traduz o termo 
como “precipício”. 
Através da tabela abaixo, um quadro mais geral pode ser visualizado. Nela, estão 
divididas as versões portuguesas e inglesas disponíveis para essa pesquisa conforme a 
observação e classificação (grupo A e grupo B) do parágrafo anterior. 
 
Versões e traduções portuguesas 
Grupo A “bode emissário” 
Almeida Revista e Atualizada 
Almeida Revista e Atualizada. Edição Contemporânea. 
Almeida Corrigida e Fiel 
Almeida Revista e Corrigida 
5 
 
Nova Versão Internacional 
Grupo B Nome próprio: Azazel 
Bíblia Judaica Completa 
Bíblia Sagrada. Edição Santuário 
Bíblia de Jerusalém 
Bíblia Hebraica. Edição Sêfer. 
Tradução na Linguagem de Hoje. 
Nova Tradução na Linguagem de Hoje 
Sociedade Bíblica de Portugal 
Tradução Ecumênica da Bíblia 
Versões e traduções inglesas 
Grupo A “scapegoat”; “emissary goat”; “scape goat”; “scape-goat” 
Douay-Rheims American Edition 
Geneva Bible 
King James Version 
Septuagint with Apocripha 
New American Standard Version 
New International Version 
New International Reader’s Version 
New King James 
Revised Webster Bible 
Today’s New International Version 
English Noah Webster Bible 
Young’s Literal Translation 
Grupo B Nome próprio: Azazel 
American Standard Version 
Bible in Basic English 
Complete Jewish Bible 
Christian Standard Bible 
English Darby Bible 
English Revised Version 
English Standard Version 
God’s Word to the Nations 
Jewish Publication Society 
New Jerusalem Bible 
New Revised Standard 
Revised Standard Version 
 
Como se percebe, há uma clara divisão de opinião entre as versões quanto à tradução 
do termo em questão. Entre as versões de língua portuguesa, cinco traduzem o termo como 
“bode emissário” e oito como o nome próprio “Azazel”. No caso das versões inglesas, doze se 
referem a Azazel como o próprio bode, e doze traduzem o mesmo termo como um nome 
próprio. Vale ressaltar que o balanço perfeito entre as versões de língua inglesa não passa de 
mera coincidência, já que nenhum número específico foi planejado. 
Tendo em vista esse quadro, torna-se necessário inquirir acerca da origem de tal 
divergência entre as versões analisadas. Um breve olhar no Texto Massorético, na Septuaginta 
6 
 
e na Vulgata Latina poderá ser muito útil para se obter tal entendimento. Esse é o passo a 
seguir. 
 
O termo nas antigas versões 
 
 
 Tendo em vista que o Texto Massorético acabou se tornando “padrão” tanto para o 
estudo acadêmico do Antigo Testamento quanto para as diversas traduções e versões das 
Bíblias modernas (Códice de Leningrado), vale a pena indagar qual seria a origem da tradução 
“bode emissário” ou “bode expiatório”. Pois, como exposto em epígrafe, o Texto Massorético 
traz a palavra lzEaz"[]/que não significa “bode” nem “emissário”, como a interpretação 
da passagem deixará mais claro. Essa informação é confirmada pelos principais dicionários 
hebraicos
3
. Ademais, a primeira tradução da Bíblia Hebraica na Palestina, o Targum, também 
concorda com esta conclusão. Tanto o Targum de Onkelos quanto o de Pseudo-Jonathan 
traduzem o termo como um nome próprio.
4
 Então, nesse ponto, resta a questão sobre a origem 
dessa tradução usada pela ARA e por outras versões contemporâneas. 
 A origem da tradução do termo como “bode emissário” provavelmente remonta à 
Septuaginta (LXX) e à Vulgata Latina. Na Septuaginta, lzEaz"[]/é traduzido como 
avpopompai,w|/ o dativo masculino singular do adjetivo avpopompai/oj|/. 
Esse adjetivo deriva do verbo avpope,mpw|/ que significa “afastar” (LIDDEL, 
SCOTT). Não é possível determinar com certeza se o adjetivo carrega o sentido passivo 
“aquele que é afastado” ou ativo “aquele que afasta”, já que no ritual o bode ao mesmo tempo 
sofre o afastamento para o deserto (Lv 16:10), bem como desempenha a função de afastar os 
 
3
 Admitindo a dificuldade de tradução do termo, Kirst sugere como tradução “demônio do deserto” (KIRST et al, 
2004, p. 176). 
4
 Targum Pseudo-Jonathan: dx abd[ !ywv !ybd[ !yrypc !yrt l[ !rha !tyw 
 !wnyqypnyw yplyqb @yrjyw lzaz[l dx abd[w yyyd amvl 
` ayrypc l[ !wnyqljyw 
 
Tradução: “E Arão lançará sobre os bodes sortes iguais; uma sorte para o nome do Senhor, e uma sorte para 
Azazel: e ele as lançará no vaso, e as retirá, e as porá sobre os dois bodes”. 
Versão disponível do Bible Works Bible Software. 
 
Onkelos 
 
 am'vli dx; ab'd[; !ybid[; !yrIypic. !yrEt. l[; !rha !yteyIw> 
`lzEaz"[.l; dx; ab'd[;w> yyy ~dq ywyd: 
Tradução: E Arão porá sortes sobre os dois bodes; uma sorte para o nome do Senhor e a outra para Azazel. 
Versão disponível do Bible Woks Bible Software. 
7 
 
pecados simbolicamente para fora do acampamento. Assim, numa tradução literal, o termo 
poderia significar algo como “afastado” ou, por assim dizer, “afastante”5. A escolha da forma 
adjetiva mais ambígua, em vez da forma participial mais objetiva com terminações da voz 
passiva ou ativa, pode denotar que o(s) tradutor(es) entendia(m) que os dois sentidos estavam 
presentes no papel do bode no ritual do dia da expiação. Daí a tradução de “bode emissário” 
denotando o sentido passivo do adjetivo (aquele que é enviado ou afastado) e de “bode 
expiatório” no sentido ativo (aquele que afasta). 
A dificuldade em traduzir o termo da Septuaginta pode ser explicada pelo fato de se 
tratar de um neologismo (EYNIKEL, 1992, p. 54) criado pelo(s) tradutor(es) da LXX num 
esforço de traduzir o termo hebraico lzEaz"[]/. Nesse ponto, parece ficar claro que a 
tradução da LXX considerou que a origem da palavra era o verbo hebraico , que 
significa “ir-se embora”, “desaparecer” (KIRST, 2004, p. 6). Sendo assim, do ponto de vistada LXX, lzEaz"[]/é formado pela junção de z[e/ (bode) e de lz:a'/ (desaparecer). 
Um importante testemunho de apoio à tradução da LXX está na escolha de Jerônimo, 
ao optar por “capro emissario”, na Vulgata. E isso se torna mais instrutivo quando é recordado 
que a novidade da tradução de Jerônimo estava na dependência das escrituras hebraicas 
originais e não na LXX (GEISLER, 1997, p.214). Assim, embora estivesse traduzindo o 
Antigo Testamento diretamente do hebraico, ele optou conscientemente pela LXX ao traduzir 
o termo lzEaz"[]/ em Lv 16:8. 
Tendo em vista a discussão até aqui empreendida, cabe agora examinar a interpretação 
do termo considerando tanto suas ocorrências na Bíblia Hebraica como na literatura 
extrabíblica, bem como na tradição judaica com o objetivo de propor a melhor tradução para o 
termo em Lv 16:8. 
 
Interpretação do termo lzEaz"[]/
 
 Evidentemente que a escolha da tradução mais adequada para a palavra envolve a 
compreensão do termo em seu contexto bíblico imediato ou mais amplo bem como na 
literatura extrabíblica. Tal tarefa será levada a cabo a seguir. 
 
5
 Estamos conscientes de que essa forma do particípio presente do verbo “afastar” não foi perpetrada na língua 
portuguesa. 
8 
 
Como se sabe, as ocorrências do termo restringem-se apenas ao capítulo 16 de 
Levítico (v.8, 10[2x], 26)
6
. Tendo em vista esse fato, será necessária uma breve visão das 
ocorrências da palavra na literatura extrabíblica. 
As principais posições sobre a interpretação de lzEaz"[]/ são resumidas a seguir. 
A primeira propõe que (1) o termo é uma declaração simbólica através de um nome abstrato 
que significa “destruição” ou “remoção completa” (BROWN, DRIVER, BRIGGS, 1907). As 
demais são bem sintetizadas por Janoviski (1999) como segue: (2) a designação geográfica 
para a qual o animal era enviado; (3) uma combinação de termos que significa “o bode que 
parte”; (4) o nome ou um epíteto de um demônio. Tais posições surgem principalmente de um 
entendimento diferente da origem etimológica da palavra. Por isso, os aspectos etimológicos 
do termoserão primeiramente levados em consideração7. 
 
Etimologia 
 
Vale ressaltar, em primeiro lugar, que “tanto a etimologia quanto o significado do 
nome não são completamente claros, e o significado permanece controverso” (JANOWISKI, 
1999, p. 128). Por isso, a etimologia será apenas o ponto de partida. Até porque, como deixa 
claro Osborne, a mesma sempre será serva do contexto e não o contrário (2010, p. 102-112)
8
. 
A primeira posição, que defende que lzEaz"[]/ é um termo abstrato (WRIGHT, 
1992, p. 536), baseia-se na ideia de que o mesmo descreve a função do bode no ritual do dia 
da expiação. Segundo Woods e Rogers esta interpretação se harmoniza melhor com o capítulo 
16 e 22
9
 (2006, p.103). Segundo essa visão, etimologicamente a palavra vem de uma forma 
intensiva do verbo  (banir), que pela duplicação das consoantes () reforçaria a 
ação verbal através da repetição, e assim significaria “alguém que retira por meio de uma 
série de atos” (TREIYER, 1992, p. 236). Porém, alguns problemas com essa visão são 
apontados por Treiyer (1992, p. 237-238) e são brevemente transcritos aqui: (a) a letra /a 
(alef) é ignorada, (b) a letra  /[ (‘ayin) da raiz lz"["/ não é duplicada tornando a repetição 
 
6
 Do ponto de vista dessa pesquisa este capítulo será considerado a partir de sua unidade literária muito bem 
demonstrada por Rodrigues (1996). 
7
 A melhor discussão disponível sobre a etimologia do termo é esboçada por Alberto Treiyer (1992, p. 231-265), 
e por isso sua obra será de especial relevância neste momento. 
8
 No seu livro A Espiral Hermenêutica, Osborne alerta instrutivamente sobre o perigo da falácia lexical e do 
uso indevido da etimologia (2010, p.103-112). 
9
 “Assim, aquele bode levará sobre si todas as iniquidades deles para terra solitária; e o homem soltará o bode no 
deserto” (Lv 16 e 22 ARA) 
9 
 
da palavra incompleta
10
 e (c) a raiz lz"["/ não existe em hebraico, o que torna qualquer 
tipo de conexão insustentável. 
A segunda posição concebe que o termo designa o nome do lugar para o qual o bode 
era enviado. E, neste caso, está em paralelo com a expressão “no deserto” do verso 10 
(ROOKER, 2001, p. 216). Essa é a interpretação rabínica presente na Mishna e no Talmude 
(NEUSNER, 2011, p.250-251), a qual dá ao termo o sentido de “lugar acidentado ou difícil” 
(NEUSNER, 2011, p. 250-251). A base etimológica para essa interpretação se fundamenta na 
concepção de que lzEaz"[]/ seria composto por dois termos hebraicos: z[;/ (duro) e 
lae/ (forte), descrevendo a rocha da qual o bode era empurrado (TREIYER, 1992, p. 233). 
Contudo, do ponto de vista linguístico é difícil explicar a ausência do a (álefe) e do l 
(lamed) na raíz arábica , da qual o termo hebraico teria se originado (TREIYER, 1992, 
p. 234). Assim, o termo seria mais uma discrepância criada pela tradição mishnaica para fugir 
da possibilidade de os israelitas estarem oferecendo um sacrifício a demônios. 
A etimologia da terceira posição, na qual a palavra descreve o próprio bode e deve ser 
traduzida como “o bode que parte” já foi apresentada na discussão do termo nas antigas 
versões. Como visto, ela foi popularizada pela antiga versão grega do AT, a LXX. Na 
verdade, todas as versões que traduzem o termo como “bode emissário” ou “scapegoat” (em 
inglês) são influenciadas por esta versão, inclusive a antiga e célebre Vulgata de Jerônimo. 
Contudo, conforme salienta Treiyer, “a derivação de Azazel do verbo lz:a'/ não existe em 
hebraico, o que não nos permite fazer esta conexão” (1992, p. 236). 
Por fim, a quarta posição também não fica sem subsídio etimológico. Para os 
defensores dessa posição, lzEaz"[]/ é a figura de um demônio e, por isso, deve ser 
traduzido como nome próprio transliterado, a saber, Azazel (LEVINE, 1989, p.102). Há 
diversas raízes apresentadas para a origem do termo
11
. Porém, devido ao espaço e propósito 
desse trabalho apenas duas serão destacadas aqui. O termo pode ter se originado da junção das 
raízes z[e/ (bode) e lae/ (deus) resultando em uma expressão que designa algo como um 
“deus-bode” (TREIYER, 1992, p. 242). Uma segunda possibilidade indica que a palavra se 
origina da junção das raízes zz;["/ (ser feroz, cruel) e la e/, formando uma expressão do 
tipo “deus feroz” (TREIYER, 1992, p. 244). Embora sejam diferentes, as duas possibilidades 
 
10
 O mesmo não é o caso com os exemplos hebraicos apontados pelos defensores dessa visão como em kabkab e 
babel (Treiyer, 1992, p. 236) 
11
 Em sua discussão Treiyer apresenta seis possibilidades (cf. 1992, p.241). 
10 
 
não excluem-se mutuamente. A “ferocidade” () e o comportamento violento dos bodes 
() selvagens são suficientemente conhecidos. 
Como se verá a seguir, a última posição etimológica parece ser preferível quando se 
leva em conta o contexto bíblico, extrabíblico e cultural da passagem. Essa será a tarefa a 
seguir, visto que a discussão etimológica se mostra insuficiente para qualquer tipo de 
posicionamento mais seguro quanto ao adequado entendimento do termo em questão. 
 
 
Contexto bíblico 
 
Em primeiro lugar, serão consideradas as incorreções das três primeiras posições tendo 
em vista o contexto bíblico da passagem. Logo após, a quarta posição será levada em 
consideração separadamente apontando de que forma ela se encaixa mais com o contexto 
bíblico. 
A compreensão de que lzEaz"[]/ é um termo abstrato carece de apoio 
contextual. Por exemplo, é impossível traduzir o termo como “remoção total” em Lv16 e 1012 
sem fazer qualquer emenda textual para dar sentido à expressão como o faz a LXX
13
. 
Ademais, conforme destaca Hartley, há poucos termos abstratos em Levíticos (2002, p. 237), 
o que conspira contra essa interpretação. 
A visão de que a palavra denota o lugar para o qual o bode era enviado não parece 
provável já que esse local é chamado no verso 22 de hr"+zEG> #r<a,/ que as versões 
traduzem como “terra solitária”, “desolada”, “desabitada”. Além disso, essa interpretação 
popularizada na tradição mishnaica parece ser mais uma fuga da possibilidade de uma oferta 
dedicada a uma pessoa diferente de Javé. 
A terceira posição sugere que lzEaz"[]/ é um nome para descrever o bode e deve 
ser traduzido como “bode emissário” como na LXX e na Vulgata. No entanto, a ocorrência da 
 
12
 Lv 16:10: ynEp.li yx;-dm;[\y" lzEaz"[]l; lr"AGh; wyl'[' hl'[' rv,a] ry[iF'h;w> 
 hr"B'd>Mih; lzEaz"[]l; Atao xL;v;l. wyl'[' rPek;l. hw"hy> 
Versão disponível no Bible Works Bible Software. 
E o bode que caiu a sorte para Azazel (remoção completa) será posto vivo diante do Senhor para expiação por 
meio dele ao enviá-lo para Azazel (remoção completa) no deserto (tradução dos autores). 
13 Aparentemente a LXX recorre à emenda textual para manter a coerência da tradução com o verso 8. Mesmo 
embora não resolva o problema e a tradução continue bem truncada. O verso 10b é traduzido como “avpostei/lai 
auvto.n eivj th.n avpopomph,n avfh,sei auvto.n eivj th.n e;rhmon”: “a fim de enviá-lo ao deserto e deixá-lo ir ao 
(bode) emissário”. Como se vê, a tentativa de traduzir lzEaz"[]/  como bode emissário (avpopomph,n) fica 
inviável aqui. 
11 
 
palavra no capítulo 16 torna essa possibilidade inviável. Em todas as ocorrências (nos versos 
8,10 e 26) o termo azazel aparece em conexão com a palavra “bode”. Assim, o bode é “para 
azazel” (lzEaz"[]l;/) e deve ser enviado “para azazel” (lzEaz"[]l;/). Por isso, na 
concepção de Hartley é “difícil entender como o bode pode ser para si mesmo ou enviado a si 
mesmo” (2002, p.237). Isso fica bem claro no verso 26a, onde as palavras “bode” e “azazel” 
aparecem lado a lado, e onde, seguindo essa interpretação, deve ser lido assim: “aquele que 
tiver levado o bode (ry[iF'h;/) para o bode emissário (lzEaz"[]l;/) lavará as suas 
vestes...”. 
Uma última observação a ser feita diz respeito ao contexto no qual o termo aparece no 
verso 8: “E lançará sorte sobre os dois bodes, uma sorte para o Senhor e a outra para Azazel”. 
Como se vê, a forma na qual o texto foi construído indica que deve haver algum tipo de 
equivalência entre os termos “Senhor” (hw"hyl;/) e “Azazel” (lzEaz"[]l;/), já 
que as sortes deveriam ser lançadas “para o Senhor” e “para Azazel”. Sendo assim, “como a 
primeira sorte é para um ser sobrenatural, Javé, então a segunda sorte deveria ser lançada para 
um ser sobrenatural de algum tipo” (WRIGHT, 1992, p. 536). Essa equivalência não pode ser 
encontrada quando qualquer uma das posições acima for assumida: (1) termo abstrato: “para o 
Senhor e para remoção completa”; (2) nome do lugar: “para o Senhor e para a terra 
escarpada”; e (3) descrição do bode: “para o Senhor e para o bode emissário”. 
Ademais, escavações arqueológicas têm desenterrado muitos objetos com nomes 
inscritos com o lamed (l./) preposicional indicando os nomes de seus proprietários 
(LEVINE, 1989, p.102). Essa preposição lamed (l./), geralmente chamada lamed possessivo 
ou auctoris, aparece no verso 8 prefixando termos envolvidos (hw"hyl;/ e 
lzEaz"[]l;/) e provavelmente tem esse sentido. 
No que diz respeito à quarta opção, que lzEaz"[]/denomina uma espécie de ser 
sobrenatural e deve ser traduzido como um nome próprio, o contexto bíblico parece tornar 
patente sua adequabilidade. Como se viu, embora a origem etimológica da palavra seja incerta 
é provável que o termo tenha em sua raiz o vocábulo “bode” (z[e/)14. Além disso, a própria 
palavra hebraica para “bode” (ry[if'/) aparece em conexão com lzEaz"[]/ em todas 
as suas ocorrências. Essas observações são importantes porque no próprio livro do Levítico, 
em 17:7, a raiz para “bode” (ry[if'/) é usada no sentido de demônio em “forma de bode”, 
 
14
 Embora z[e/ seja uma palavra feminina, ou seja, cabra o contexto sugere aqui o uso masculino. 
12 
 
só que no plural (~rIy[if./)15, sem qualquer disputa textual.16 Aliás, a raiz ry[if'/ é 
homógrafa e tem quatro significados diferentes: (I) peludo, (II) bode peludo, (III) demônio ou 
ídolo em forma de bode, (IV) tormenta (VAN PELT; KAIZER, 1997, p.1260). Com o terceiro 
sentido, a raiz aparece, além de em Lv 17:7, em 2 Cr 11:15; Is 13:21; 34:14 e, provavelmente, 
em 2Rs 23:8. Essa conexão parece se mostrar instrutiva nesse caso e pode ajudar na 
compreensão do enigmático personagem do capítulo 16.
17
 
Portanto, levando-se em consideração o contexto bíblico, é possível concluir que 
lzEaz"[]/deve ser um tipo de ser sobrenatural ou mítico que povoava o imaginário dos 
povos nômades do deserto. Não só pela inadequação das três primeiras posições apresentadas, 
mas por respeitar a equivalência gramatical e semântica entre os termos Javé e Azazel. Além 
disso, o uso bíblico da raiz ry[if'/aponta para a relação entre a figura do “bode peludo 
selvagem” com o deus em forma de bode adorado no Egito, Mesopotâmia e Síria, como se 
verá a seguir. No contexto do monoteísmo israelita, a raiz tem o significado de demônio nos 
textos bíblicos acima mencionados
18
. 
Essa conclusão poderá ser corroborada pela análise do termo no contexto extrabíblico 
e no contexto cultural do Antigo Oriente Próximo, onde rituais semelhantes ao de Levítico 16 
também eram realizados e, por sua vez, onde um papel semelhante ao de Azazel no dia da 
expiação pode ser percebido. Isso será visto a seguir. 
 
Contexto extrabíblico 
 
 O uso do termo lzEaz"[]/ na literatura extra-bíblica ajuda a esclarecer suas 
escassas ocorrências bíblicas. Como o espaço não permite uma elaboração maior sobre a 
questão nesse ponto, serão levadas em consideração apenas as fontes judaicas primitivas, 
como os pseudepígrafos de “1 Enoque” e “O Apocalipse de Abraão”, ambos oriundos da 
apocalíptica judaica. 
 No livro de 1 Enoque
19
 8,1 Azazel é apresentado como aquele que 
 
15
 “Nunca mais oferecerão os seus sacrifícios aos demônios (~rIy[iF.l;), com os quais eles se prostituem; isso 
lhes será por estatuto perpétuo nas suas gerações” (Lv 17:7 ARA). 
16
 Conferir aparato crítico da Bíblia Hebraica Stuttgartensia. 
17
 Essa conexão entre Lv 16:8 e 17:7 esclarecendo o significado de Azazel também é salientada por Levine em 
seu importante comentário de Levítico (1989, p.102). 
18
 M.V. Van Pelt e W. C. Kaiser Jr esclarecem o significado de III: “os eruditos sugerem que este nome 
retrata algum tipo de demônio que exibia semelhança com um bode e estava intimamente associado com a 
idolatria e os lugares altos” (1997, p. 1260). 
19
 Sengundo Helms, “ é uma obra composta, produzida por vários autores que provavelmente escreveram durante 
os três séculos que precederam a era cristã. Em sua forma atual, 1Enoque é uma coleção de cinco documentos 
13 
 
ensinou as pessoas a fazer espadas, armadura, escudos e peitorais, lições dos 
anjos, e ele os mostrou os metais e sua manufatura, os braceletes, os enfeites, 
pinturas dos belos olhos, todos os tipos de pedras selecionadas e as coisas 
necessárias ao tingimento (EVANS, 2008)
20
. 
 
 Além disso, 1 Enoque 10,4-6 descreve a punição de Azazel nos seguintes termos: 
E, além disso, o Senhordisse a Rafael, prenda Azazel pelos seus braços e 
pés, e o lance nas trevas. E abra o deserto que está em Dudael e o lance ali. 
Jogue sobre ele pedras afiadas e dentilhadas, e o cubra de escuridão; deixe-o 
permanecer ali para sempre, cubra a sua face para que não veja a luz, a fim 
de que no grande dia do Senhor possa ser arremessado ao fogo (EVANS, 
2008). 
 
Como se vê, no livro de 1 Enoque, Azazel é o “foco do mal, uma representação visível 
do que é demoníaco” (HELM, 1994, p. 221). É interessante notar que uma comparação mais 
detida entre a última citação de 1Enoque e o envio do bode ao deserto no dia da expiação 
“sugere que o imaginário associado à punição de Azazel é adaptada da descrição da expulsão 
do bode em Lv 16” (HELM, 1994, p. 221). 
 Por isso é necessário concordar com a conclusão de Helm 
Várias referências à Azazel ainda aparecem em 1Enoque. Contudo, todas o 
descrevem como cumprindo o papel do arcanjo caído, que pretende enganar 
a raça humana. Assim, 1Enoque confirma o fato que "Azazel" era entendido 
em termos demoníacos por um segmento dos apocalípticos judaicos (1994, 
p. 221). 
 
Além da ocorrência em 1 Enoque, Azazel também aparece no pseudoepígrafo 
“Apocalipse de Abraão”.21 Há um número de referências ao termo no livro. Na primeira, 
Azazel é descrito como uma ave que sobrevoa as carcaças divididas do sacrifício de Abraão 
em Gn 15. Mas não é uma ave comum, já que a mesma tece um diálogo com Abraão. No 
meio do diálogo, Azazel recebe uma interessante repreensão de um anjo 
Escute companheiro, envergonhe-se de si mesmo e vá. Pois tu não foste 
designado para tentar todos os justos. Deixe este homem sozinho: tu não 
podes enganá-lo porque ele é teu inimigo, e inimigo daqueles que te seguem. 
A veste que desde a antiguidade estava separada nos céus para ti, está agora 
reservada para ele; e a corrupção que era dele foi transferida a ti. (Apud. 
HELM 1994, p. 224). 
 
 
menores: "O livro dos Vigias" (cap. 1-36), "O livro das Parábolas " (cap. 37-71), "O livro Astronômico " (cap. 
72-82), "O livro dos Sonhos" (cap. 83-90) e "A epístola de Enoque (caps. 91-107) (HELM, 1994, p. 217). 
20
 Tradução para o inglês disponível no Bible Works Softwear. 
21
 A origem do Apocalipse de Abraão é mais incerta do que a de 1Enoque. No que diz respeito à data de 
composição parece que o livro existia em sua presente forma por volta do século VI A.D. Quanto à autoria, é 
impossível determiná-la, porém parece claro que o livro usa diversas fontes judaicas para sua composição. 
Embora alguns admitam uma interpolação no capítulo 29 (HELM, 1994, p. 223). 
14 
 
 É muito interessante perceber o conceito de transferência presente nesse trecho do 
livro. A mesma ideia é encontrada no ritual da expiação envolvendo Azazel em Lv 16. O 
caráter demoníaco do ser fica evidente quando o autor se refere a ele no capítulo 13:8 como 
“impiedade” (EVANS, 2008). 
 Numa segunda ocorrência, na visão de Abraão da tentação de Adão e Eva, ele é 
descrito assumindo uma vez mais “o papel de tentador, que aparece na forma de serpente 
alada, seduzindo o casal a comer o fruto proibido” (HELM, 1994, p. 224). Assim, nesta obra 
pseudoepígrafa, Azazel está associado “a dois temas que a tradição judaico-cristã aplica a 
Satanás, a saber, sua expulsão do céu e a tentação de Adão e Eva sob o disfarce de uma 
cobra” (HELM, 1994, p. 224). 
 Como já mencionado, embora a tradição mishnaica interprete o termo como o nome 
do local para o qual o bode era enviado, vale ressaltar que a terminologia no tratado Yoma 
possui semelhanças implícitas com a expulsão escatológica de lzEaz"[]/ em 1Enoque. O 
mesmo acontece na tradição targúmica, como é o caso da versão de Lv 16 no Targum 
Onkelos.
22
 Assim, apesar das diferentes compreensões, pode-se afirmar, como Helm, que “as 
antigas tradições judaicas parecem estar de acordo com a interpretação que acha, na expulsão 
do bode emissário, um tipo ou modelo da derrota escatológica do poder demoníaco” (HELM, 
1994, p. 226). 
 
Contexto cultural 
 
 O pano de fundo cultural que circundava Israel ajuda a corroborar a posição que trata 
lzEaz"[]/ como um ser pessoal, e portanto, que a melhor forma de traduzir o termo é 
fazê-lo através de um nome próprio. Há rituais, tanto na Mesopotâmia quanto no Egito e 
outros países vizinhos, muito parecidos com o procedimento que envolve o bode para Azazel 
em Lv 16, embora, ao mesmo tempo, haja diferenças notórias que precisam ser levadas em 
consideração. Alguns exemplos são apontados abaixo. 
 Antes, porém, uma palavra de precaução deve ser mencionada. Quando se trata de 
paralelos entre o material bíblico e extrabíblico, como é o caso nas situações abaixo, deve-se 
evitar dois extremos. 
O primeiro é conceber que Israel estava num vácuo cultural e que não era influenciado 
religiosa ou culturalmente pelos seus vizinhos do Antigo Oriente Próximo. Na sua formidável 
 
22
 Para mais detalhes ver HELM, 1994, p.225. 
15 
 
obra “Ancient Near Eastern Themes in Biblical Theology”, Jeffrey J. Niehaus (2008) expõe 
com clareza impressivos paralelos entre a religião de Israel e a de seus vizinhos. Tais 
paralelos implicam tanto numa teologia parcialmente comum quanto em aspectos rituais, 
sacrificais ou cerimoniais semelhantes. Assim, é inegável o fato de que o javismo e seus 
vizinhos compartilhavam de um pano de fundo teológico e cultural comum. Em outras 
palavras, a religião javista não era completamente singular em seu meio geográfico e cultural. 
Contudo, a segunda posição extrema a ser evitada é a de que o sistema ritual israelita 
tomou tudo emprestado de seus vizinhos, negando assim qualquer aspecto singular dentro 
dele. Essa é a posição, por exemplo, de S.H. Hooke (1935) em seu ensaio “The Origens of 
Early Semitic Ritual”. Entretanto, pensar assim parece não apenas negar qualquer tipo de 
peculiaridade dentro do javismo, mas também dentro de qualquer das religiões circunvizinhas. 
Na mesma obra mencionada acima, Jeffrey Niehaus (2008, p. 13-33) propõe que, quando 
comparados entre si, tais paralelos também possuem limitações.
23
 Com isso em mente, uma 
visão mais equilibrada poderá surgir no estudo desses paralelos. 
Treiyer divide os exemplos em dois grupos: os paralelos babilônicos e os paralelos 
hititas. Em cada grupo, ele salienta as similaridades e diferenças com o ritual israelita. No 
grupo dos paralelos babilônicos, ele cita três exemplos. O primeiro envolve o mashultuppû 
que poderia ser um bode ou um porco. No ritual, as partes do corpo do animal eram passadas 
sobre os membros correspondentes de pessoas doentes, a fim de que os animais pudessem 
remover os demônios que causavam o mal. Essas partes dos animais eram levadas para fora 
da cidade em regiões áridas que ficavam ao ocidente, que representavam o submundo dos 
demônios (TREIYER, 1992, p. 261). Como se vê, a imagística da remoção do domínio de um 
demônio ou de um mal (neste caso uma enfermidade) através de um bode, que era um 
símbolo dos demônios está presente aqui. Apesar das diferenças, tais como o tratamento do 
animal (na Babilônia era sacrificado), a abrangência do ritual (em Israel envolvia uma 
coletividade, enquanto na Babilônia apenas indivíduos) e a categoria do ritual (na Babilônia, 
era mágico enquanto que, em Israel, era simbólico) (TREIYER, 1992, p. 262), esse pode ser 
um interessante paralelo que ilumina a discussão sobre lzEaz"[]/. 
Um segundo exemplo apresentado por Treiyer diz respeito ao ritual de purificação 
dos templos de Nabû e Bêl, que era realizado no quinto dia do ano novo. Nele, a cabeça de 
um carneiro jovem era cortada e seu cadáver era esfregado notemplo a fim de limpá-lo de 
 
23
 Angel Manuel Rodrigues em seu artigo “Ancient Near Eastern Parallels to the Bible and the Question of 
Revelation and Inspiration” também apresenta uma visão equilibrada sobre esse assunto (2001, p. 43-62). 
16 
 
suas impurezas. As semelhanças são notórias: ambos os rituais estão ligados a festivais de ano 
novo, ambos os rituais envolvem uma purificação do templo, e, nos dois casos, os homens 
que participam dos rituais tornam-se impuros. Porém, da mesma forma, as diferenças são tão 
significativas que a independência de ambos os materiais são autoevidentes (TREIYER, 1992, 
p. 262). 
Um terceiro exemplo é oriundo das cartas escritas em Babilônia sobre os 
substitutos assírio-babilônicos. Antes de um período ameaçador como um eclipse, por 
exemplo, um substituto era escolhido para permanecer no lugar do rei por cem dias, nos quais 
o rei ficava escondido com um pseudônimo a fim de se livrar dos maus presságios. De acordo 
com esse costume, se imagina que o rei carregava os pecados do seu povo e, para livrá-los da 
morte, eram necessários periodicamente esses substitutos, os quais eram mortos após o rei 
reassumir seu posto, fazendo assim expiação dos possíveis pecados do povo e de seu rei. Na 
verdade, embora esteja presente também a ideia de um substituto, em nenhum momento os 
textos babilônicos falam da transmissão de pecados da assembleia para o rei e nem de sua 
consequente expiação (TREIYER, 1992, p. 263). 
Entre os paralelos hititas também se encontra a prática de substituir reis. Um 
prisioneiro era escolhido para morrer ou ser enviado para a terra do inimigo como bode 
expiatório. Além disso, com o propósito de apaziguar os deuses inimigos, que presumiam 
estar causando algum mal, um carneiro era enviado vivo com um cordão de lã de diversas 
cores. O ritual também era acompanhado de sacrifícios. Assim como na Babilônia, um animal 
vivo era enviado para remover o infortúnio de uma pessoa doente (TREIYER, 1992, p. 264). 
Por fim, vale apenas ressaltar alguns vínculos imagísticos e linguísticos entre o 
ritual dos bodes descrito em Lv 16 e a fraseologia religiosa canaanita, que podem ajudar a 
elucidar o significado de lzEaz"[]/. 
Em primeiro lugar, a relação da imagem do bode com uma figura demoníaca está 
presente tanto na Grécia, quanto na Mesopotâmia, no sudoeste da Ásia e no Delta Egípcio. Na 
mitologia grega, por exemplo, o deus Dionísio é retratado circundado por antigos demônios 
da natureza em forma de bodes. Da mesma forma, um número considerável de deidades em 
forma de bodes é encontrado nas regiões mencionadas acima (TREIYER, 1992, p. 242). Essa 
conexão parece estar presente também no texto bíblico não só no caso de Azazel, mas 
também em outras passagens (cf. Lv 17:7; 2Cr 11:15; Is 13:21; 34:14 ). 
Em segundo lugar, algumas palavras encontras em Lv 16 em relação a Azazel 
podem ser achadas na terminologia demonológica do mundo antigo. Por exemplo, os termos 
17 
 
“deserto” e “terra desolada” como morada mitológica dos espíritos inferiores ou demônios. 
De fato, na própria cosmologia bíblica “o deserto e os lugares desolados são mencionados em 
outro lugar como habitação de espíritos maus (Is 13:21; 34:14; Mt 12:43; Lc 11:24; Ap 18:2)” 
(KEIL; DELITZSCH, 2002, p.586).
24
 Além disso, na religião canaanita o deserto é o lugar de 
habitação de Môt, o deus da morte (TREIYER, 1992, p. 244). Assim, como o bode era solto 
para vaguear sem rumo pelo deserto, Tammuz dos babilônios, Môt dos cananeus e Satanás da 
Bíblia (cf. Jó 1:7; 2:2) são descritos como perambulando e vagueando pelo deserto e pela terra 
(TREIYER, 1992, p. 245). Por fim, cabe ressaltar que o adjetivo “feroz” (da raiz zz;["/ ) é 
usado em textos ugaríticos como um epiteto de Môt, formando assim o título  ou “o 
deus da morte é feroz” (TREIYER, 1992, p. 246). Vale lembrar que esse adjetivo aparece 
numa possível explicação etimológica da palavra lzEaz"[]/ como visto acima. 
 
 Uma objeção 
 
 Como se sabe nenhuma teoria ou interpretação fica sem contestação, e isso também é 
verdade no que diz respeito à compreensão de lzEaz"[]/ como um ser pessoal ou figura 
demoníaca. Embora haja mais de uma objeção, aqui se mencionará apenas uma, que do ponto 
de vista dessa pesquisa se julga ser a principal. Hartley a expõe muito bem quando afirma que 
“muitos contestam essa identificação, porque não imaginam que as escrituras prescreveriam 
um sacrifício ou uma oferta a um demônio” (2002, p. 238). 
 Porém, quando essa identificação é vista mais de perto se percebe que não é esse o 
caso. Antes de qualquer coisa, o bode para lzEaz"[]/ não era morto. De fato, não há 
“nenhuma indicação que ele era oferecido como um sacrifício” (HARTLEY, 2002, p. 238). 
Nenhum procedimento sacrifical era seguido no caso desse bode, pois como se vê não há 
manipulação de sangue. Tendo isso em vista, nenhum sacrifício é oferecido a Azazel. Assim, 
o papel desempenhado por Azazel é meramente passivo. 
Ao que parece nem mesmo essa figura é reconhecida nesse contexto como uma 
deidade. Antes, “o envio do bode era, como declarado por Naḥmanides, uma expressão 
simbólica da ideia de que os pecados do povo deveriam ser enviados de volta ao espírito e 
 
24
 Keil e Delitzsch ainda acrescentam que o “deserto, considerado como imagem de morte e desolação, 
corresponde à natureza dos espíritos maus, que perderam o contato com a fonte da vida, e em sua hostilidade a 
Deus devastaram o mundo, que foi criado bom, e trouxeram morte e destruição em sua trajetória” (2002, p. 586). 
18 
 
desolação e ruína, a fonte de toda impureza”.25 Sendo assim, ele era “considerado 
simplesmente uma personificação da impiedade em contraste com o justo governo de 
Yahweh”.26 
Contudo, vale ressaltar que 
“embora o AT seja cuidadoso em não personificar o mal numa figura tal 
como Satanás, ele reconhece que há forças cósmicas hostis a Yahweh. Estas 
forças são representadas ou como monstros marinhos, tais como o leviatã 
(ex.: Is 27:1), ou os sátiros que habitavam o deserto (ex.: Is 13:21)” 
(HARTLEY, 2002, p.238). 
 
Hartley oferece ainda uma declaração muito elucidativa sobre essa questão que merece 
ser mencionada aqui: 
Se Azazel era o líder dos demônios ou precursor de Satanás, não há maneira 
de saber, mas pode ser afirmado que tal identificação não é a intenção do uso 
do nome nessa passagem. Se Azazel era um demônio, este rito significa que 
os pecados carregados pelo bode estavam retornando para este demônio com 
o propósito de removê-los da comunidade e abandoná-los em sua fonte a fim 
de que seu poder ou efeito na comunidade pudesse ser completamente 
quebrado (HARTLEY, 2002, p. 238). 
 
Tendo em vista a discussão acima conduzida, é possível com mais acuidade ponderar 
sobre a função ou papel teológico do bode no ritual do dia da expiação no contexto da 
cerimônia descrita em Levítico 16. Essa é a proposta da parte final desse artigo. 
 
Análise teológica da função de Azazel em Levíticos 16 
Percebe-se muita confusão teológica quando o assunto é relacionar os bodes de Lv 16 
às entidades as quais eles representam. Richardson (2008, p. 126), por exemplo, interpreta que 
João Batista “identificou Jesus Cristo como o cumprimento perfeito e pessoal do simbolismo 
hebreu do bode expiatório”. Ao mesmo tempo em que esse autor falha ao conceber Azazel 
como meramente um animal, ele diverge da opinião compartilhada por um grupo cada vez 
maior de que esse ser representa uma espécie de personificação do mal. Ele ainda afirma que 
“eram necessários dois animais para representar o que Cristo iria realizar sozinho quando 
morresse pelos nossos pecados. Não satisfeito em simplesmente expiar nossos pecados, Jesus 
também removeria a própria presença deles!
27”.25
 JEWISH ENCYCLOPEDIA. Azazel. Disponível na internet. Http:// http://www.jewishencyclopedia.com 
/articles/2203-azazel. Acesso em: 10 de maio 2012. 
26
 Ver nota de rodapé 22. 
27
 Grifos acrescentados 
19 
 
Esse tipo de pensamento revela a noção de que a obra de expiação de Cristo foi 
concluída na cruz. Tal ideia é partilhada por quase todo o mundo evangélico. Expressar uma 
opinião diferente é colocar-se sob os alvos de exacerbada crítica, como se pode ver nas 
palavras do próprio Richardson (op. cit., p. 126): 
Uma determinada seita tentou desenvolver uma interpretação diferente: 
concordavam que o primeiro animal era uma sombra ou tipo de Cristo, mas 
insistiam em que o bode expiatório representava Satanás. Eles entendiam 
que o autor do pecado deveria ser o último a levá-lo embora. Essa teoria 
torna-se irrelevante por ignorar um detalhe que aparece como uma 
advertência em seu caminho. Ambos os bodes, e não só o primeiro, tinham 
de ser apresentados perante o Senhor, sem apresentar qualquer defeito, como 
era costume em todas as ofertas dos hebreus. 
 
A conclusão que se faz dessa afirmação é que, de acordo com essa linha de raciocínio, 
é um equívoco associar Azazel a Satanás tendo em vista que o texto bíblico afirma que não 
apenas ambos os bodes eram perfeitos como também deviam ser apresentados perante o 
Senhor. Discutiremos mais detidamente essa questão mais adiante; antes, porém, vale a pena 
ressaltar a opinião de diversos teólogos não adventistas. 
O ministro anglicano J. Russell Howden afirma que “o bode para Azazel [...] 
simboliza o desafio que Deus faz a Satanás”; Samuel M Zwemer, líder presbiteriano, defende 
que “o diabo tem um nome próprio – Azazil”; o luterano E. W. Hengstemberg enfatiza que “a 
maneira em que a expressão ‘para Azazel’ é contrastada com ‘para Jeová’ requer 
forçosamente que Azazel designe um ser pessoal, e, nesse caso, só pode representar Satanás”; 
J. B. Rotherdan, do movimento Disciples of Christ [Disípulos de Cristo], raciocina: “supondo 
que Satanás seja representado por Azazel – e não parece existir outra coisa que possamos 
aceitar biblicamente –, é muitíssimo importante observar que aí não se faz alusão a qualquer 
sacrifício oferecido ao espírito maligno”; Guilherme Jenks, um congregacionalista, 
compartilha da mesma ideia; o comentário bíblico metodista Abingdon Bible Commentary 
ressalta que “o significado da palavra é desconhecido, mas deve ser lembrada como o nome 
próprio de um demônio do deserto”. Outros nomes ainda podem ser mencionados, tais como 
os presbiterianos William Milligan, James Hasting e William Smithj; os luteranos Elmer 
Flack e H. C. Alleman; os congregacionalistas Charles Beecher e F. N. Peloubet; os 
metodistas John M’Clintock e James Strong, (KNIGHT, 2009, p. 286, 287), entre outros 
autores já mencionados neste trabalho. Como se vê, os adventistas do sétimo dia não são os 
únicos a defender a ideia de que Azazel é uma representação de Satanás. 
20 
 
Uma vez que a figura de Azazel deve ser vista como um símbolo de Satanás, a 
preocupação agora se dirige para o significado do termo expiação em Levíticos 16:10. O texto 
diz que “o bode emissário será apresentado vivo diante do Senhor, para fazer com ele 
expiação a fim de ser enviado ao deserto”28. No entanto, dois bodes eram tomados para oferta 
pelo pecado (16:5) e ambos eram postos perante o Senhor (16:7). Para Levine (apud ROSA, 
2009, p. 15), 
Não está inteiramente claro porque ambos os bodes, o bode emissário e o 
designado ‘para o SENHOR’, eram submetidos como para oferta pelo 
pecado. Talvez porque neste ponto a sorte ainda não tinha sido lançada para 
determinar qual bode deveria ser feito ‘para o SENHOR’ e qual ‘para 
Azazel’. Possivelmente, então, ambos eram oferta para o pecado. Os versos 
9-10 explanam que somente o bode feito ‘para o SENHOR’ servia como 
uma verdadeira oferta pelo pecado. 
 
De fato, existe muita discordância quanto à interpretação desses versos. Duas questões 
frequentemente elaboradas podem ser resumidas da seguinte forma: 1) se ambos os bodes 
eram tomados para oferta pelo pecado, a qual exigia um animal perfeito (4:23), como um 
deles poderia representar Satanás? 2) Teria Satanás alguma participação na expiação dos 
pecados do povo? 
A fim de responder essas questões, não se podem perder de vista as afirmações do 
próprio texto. Embora no verso cinco encontremos a afirmação de que dois bodes eram 
tomados para oferta pelo pecado, após serem lançadas sortes sobre eles (v. 8), não temos mais 
referências a dois bodes, porém apenas a um para oferta pelo pecado do povo (v. 9, 15, 18). 
Enquanto segue todo o processo do sacrifício e manipulação do sangue do novilho oferecido 
como oferta pelo pecado de Arão e sua casa, bem como do bode oferecido pelo pecado do 
povo, o bode cujas “sortes” caíram para Azazel simplesmente aguarda a conclusão do 
processo (v.10), e só voltará a ser mencionado no verso vinte. O texto insiste numa 
característica desse bode: o bode “vivo” (v. 10, 20, 21), a qual a distingue radicalmente do 
bode oferecido como oferta pelo pecado. 
A ênfase que o texto dá ao sangue do bode sacrificado para oferta pelo pecado (v. 9, 
15, 18, 19) nos traz à memória o texto de Hebreus 9:22: “sem derramamento de sangue, não 
há remissão”. Ademais, entre a imolação do bode para o Senhor, no verso quinze, até a 
afirmação de que a purificação do santuário havia sido concluída, no verso vinte, precisamos 
 
28
 Grifos acrescentados 
21 
 
considerar os eventos relacionados à manipulação do sangue, após o seu derramamento: “trará 
o seu sangue para detrás do véu” (v.15); “o espargirá sobre o propiciatório e diante do 
propiciatório” (v.15); “tomará do sangue do novilho e do sangue do bode, e o porá sobre as 
pontas do altar ao redor” (v. 18); “daquele sangue espargirá com o seu dedo sete vezes sobre o 
altar, e o purificará das impurezas dos filhos de Israel, e o santificará” (v. 19). Essa sequência 
de eventos relacionados ao tratamento que o sumo-sacerdote dava ao sangue demonstra que a 
expiação não era concluída com a morte do animal, mas com a ação do sumo-sacerdote de, 
por assim dizer, “ministrar” o sangue dentro do santuário, espargindo-o sobre o propiciatório 
e o altar. 
 Conforme nos declara o texto, somente depois de finalizado o processo de purificação 
do santuário é que o bode vivo volta à cena (v.20). Hasel (1989, p. 119) destaca seis aspectos-
chave sobre a atuação do bode Azazel em Levíticos 16: 
1) O rito que envolve Azazel é o último dos ritos do Dia da Expiação [...]; 2) 
o bode vivo não é imolado e não funciona como um sacrifício; 3) o bode 
vivo não é engajado num rito expiatório, mas é um veículo no rito de 
eliminação que livra Israel da presença do pecado; 4) o pôr as mãos e a 
confissão dos pecados sobre o bode emissário pelo sumo-sacerdote é o ato 
simbólico de transferência de todos os pecados de Israel que foram 
acumulados no santuário; 5) o envio do bode vivo para o deserto a fim de 
que ele morra indica a remoção permanente do pecado; 6) o bode vivo é um 
tipo de Satanás, e o primeiro bode é um tipo de Cristo. 
 
Desse modo, sendo o primeiro bode um tipo de Cristo, e o bode vivo um tipo de 
Satanás, abstraímos duas implicações teológicas importantes: 1) Satanás não tem qualquer 
participação na expiação dos pecados do povo; 2) embora o sacrifício de Cristo na cruz seja a 
oferta de perdão suficiente em si mesma, existe um trabalho que ele continua realizando no 
céu que tem a ver com a ministração de seu “sangue” em benefício de todos aqueles que 
decidiram aceitar essa oferta de perdão. “Geralmente, os que ensinam que na cruz foi efetuada 
uma completa expiação encaram a expressão em seu sentido teológico-popular, mas em 
realidade o que querem dizer é que no Calvário foi oferecido por nossa salvação o todo-
suficiente sacrifício expiatóriode Cristo”. No entanto, “aqueles que consideram esse aspecto 
da obra de Cristo uma expiação completa aplicam esse termo apenas ao que Cristo realizou na 
cruz. Em sua definição, não incluem a aplicação dos benefícios da expiação efetuada na cruz 
ao pecador individualmente” (KNIGHT, 2009, p. 250-251). Teológica e didaticamente, 
chamamos essas duas fases do mesmo processo do trabalho retentivo de Cristo 1) de expiação 
objetiva (o sacrifício todo-suficiente de Cristo na cruz) e 2) expiação subjetiva (a aplicação 
22 
 
dos benefícios do sacrifício de Cristo na cruz, através de Seu ministério no santuário celestial, 
a cada pecador que aceita a sua oferta de graça). 
Contudo, precisamos compreender ainda a razão para que Levíticos 16 mencione que 
o bode Azazel seria apresentado vivo perante o Senhor “para fazer com ele expiação” (v. 10). 
A questão agora diz respeito a qual seria a natureza dessa expiação mencionada no verso dez, 
uma vez que, conforme foi discutido acima, o bode vivo só entra em cena após Arão ter 
concluído a purificação do santuário (v. 20). Knight (2009, p. 251-253) menciona quatro 
exemplos do uso da expressão “fazer expiação” sem que ela tenha relação direta com o ritual 
do santuário. O primeiro está em Êxodo 32:30, em que Moisés faz expiação pelo povo, sem 
que haja derramamento de sangue, e isto ocorre pelo simples fato de que ele assume o lugar 
do povo. O segundo se encontra em 2 Samuel 21:3, em que Davi pergunta: “Que quereis que 
eu vos faça? Com que farei expiação
29?”. Nesse caso, “a expiação ocorreu” quando sete 
descendentes de Saul foram enforcados. O terceiro se encontra em Números 16:46, em que 
Arão “faz expiação pelo povo” atuando como um mediador entre o povo e Deus. O quarto 
exemplo vem de Números 25, em que uma praga incorreu sobre o povo em face de sua 
desobediência. Fineias, neto de Arão, mata os ofensores, fazendo cessar a praga (verso 13). 
Com relação a esse último exemplo, comenta-se que 
esse sacerdote leal fez expiação removendo os ofensores incorrigíveis
30
. Esse 
aspecto do plano de Deus era ensinado a Israel no serviço do santuário, com 
a chegada anual do Dia da Expiação. O ato final nesse grande dia era a 
remoção do bode emissário (Azazel), que representava o instigador do mal 
(KNIGHT, p. 253). 
 
Assim, a “expiação” realizada pelo bode vivo está relacionada com a transferência dos 
pecados para seu verdadeiro originador e o consequente afastamento definitivo dos mesmos 
pelo banimento de Azazel. Neste ponto um conceito mais amplo de expiação como apresenta 
o texto bíblico é importante. A visão bíblica de expiação é muito mais abrangente do que o 
sacrifício vicário de Cristo. Inclui todo o processo desde à encarnação, vida, morte, 
ressurreição de Cristo bem como seu ministério no santuário celestial e a erradicação final e 
total do mal em sua vinda escatológica. Tal processo tem como fim conduzir a uma 
“reconciliação” (Rm 5:11). Deste modo, a reconciliação (expiação) total entre Deus e o 
 
29
 Apesar de a palavra “expiação” não aparecer nas edições brasileiras da Bíblia, o verbo hebraico kaphar (fazer 
expiação” é o mesmo que aparece em Levítico 16:10. 
30
 Os grifos foram acrescentados no texto original. 
23 
 
homem só será possível quando o mal em todas as suas formas for eliminado. Deus fará isso, 
quando Satanás como instigador e originador do pecado for destruído. 
Knight é muito elucidativo sobre essa questão. Segundo ele, “eram empregados dois 
bodes no Dia da Expiação por existir dupla responsabilidade” (2009, p. 289). Em primeiro 
lugar, a responsabilidade do pecador como “perpetrador”, agente ou instrumento do pecado 
que usou seu livre-arbítrio de forma equivocada. E em segundo lugar, a responsabilidade de 
Satanás como instigador ou tentador, onde o pecado foi gerado primeiramente. Ele continua 
explicando que pela transgressão dos pecadores penitentes há uma provisão divina, Jesus 
Cristo, cuja morte vicária é prefigurada na morte do bode ao Senhor. Já no que diz respeito ao 
pecado de Satanás 
não lhe é provida nenhuma salvação. Ele precisa ser castigado por causa da 
responsabilidade que lhe coube. Não existe salvador ou substituto para 
suportar o seu castigo em seu lugar. Ele precisa “expiar” seu pecado em 
levar os homens à transgressão (KNIGHT, 2009, p. 289). 
Então, não há lugar para a acusação de que e teologia adventista vê Satanás como um 
salvador no ritual de Lv 16 que faz expiação em favor dos pecadores penitentes. Tal acusação 
é absurda e injusta. Claramente, ela não busca levar em conta a correta interpretação 
adventista da passagem. A expiação que o bode para Azazel representa (Lv 16:10) aponta 
para a destruição do mal em todas as suas formas, a qual desde os tempos remotos faz parte 
do plano de Deus em purificar a terra de toda a sua impureza restaurando assim não só Seu 
relacionamento com a humanidade, mas a harmonia universal interrompida pela irrupção do 
grande conflito iniciado no céu por Satanás. 
Para dizer de outro modo, são as sombras de uma realidade ainda distante para aqueles 
peregrinos do deserto. Em todo caso, a contraparte para o ritual de Azazel se completará na 
destruição de Satanás, e, juntamente com ele, na erradicação do pecado, por ocasião do fim do 
milênio (Apocalipse 20). 
CONCLUSÃO 
 A presente discussão procurou propor a melhor tradução do termo lzEaz"[]/ em 
Lv 16. Como se percebeu, há um desacordo notório entre as principais versões portuguesas e 
inglesas da Bíblia. De fato, tal desacordo não passa de mero reflexo da acalorada discussão 
hermenêutica sobre o vocábulo e seu significado no contexto do ritual do dia da expiação na 
tradição judaico-cristã. 
24 
 
Embora tão disputado no passado, atualmente uma grande parte dos intérpretes 
bíblicos tem chegado a um consenso quanto ao seu significado. Verdadeiramente, as 
ocorrências da palavra na Bíblia são extremamente raras e se restringem a Lv 16. No entanto, 
quando a etimologia do termo, o contexto bíblico mais amplo, bem como os contextos extra-
bíblicos e culturais são levados em consideração, há suficiente evidência para sugerir que 
lzEaz"[]/ é uma personificação do mal e da impureza. Embora sua personalidade seja 
incerta ou impossível de determinar, parece suficientemente claro que no ritual da expiação 
ele se tornava a personificação do mal sobre o qual todos os pecados e impurezas de Israel 
eram simbolicamente transferidos, como que voltando para sua fonte original. 
Por isso, a tentativa de traduzir o termo como um substantivo abstrato com o sentido 
de “remoção completa”, ou o nome do lugar para o qual o bode era enviado, ou ainda como 
uma designação para o próprio bode, ou seja, “bode emissário” (em inglês “scapegoat”), 
como o fazem várias versões consultadas, é no mínimo improvável do ponto de vista 
etimológico, textual e contextual. Portanto, as traduções que preferem simplesmente 
transliterar o termo e traduzi-lo como “Azazel”, isto é, um nome próprio, fazem a melhor 
escolha nesse caso. 
O debate acima exposto é um bom exemplo de como a tradução de um texto bíblico 
pode ser desafiadora. Nesse processo, não apenas as ferramentas linguísticas são necessárias, 
mas também uma boa dose de análise histórica, exame de outros documentos do mundo 
antigo ou extra-bíblicos, tais como aqueles oriundos da tradição judaica primitiva, além de um 
adequado estudo de religiões comparadas e de uma apropriada e abrangente análise do 
material bíblico. 
Por fim, destacamos que uma teologia que se fundamenta numa hermenêutica infiel ao 
texto bíblico redundará em conclusões que não encontram respaldo nele, ao passo que, 
conforme buscou se demonstrar na última seção deste trabalho, de uma interpretação coerente 
com a gramática e a história do texto dimanará uma teologia que é bíblica em sua essência. 
 
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