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<p>Teorias da leitura</p><p>Profª. Priscila Pesce Lopes de Oliveira</p><p>Descrição</p><p>Introdução aos estudos literários da leitura: Estruturalismo e leitura literária, Estética da Recepção, Teoria do</p><p>Efeito Literário e relações Literatura-Psicanálise.</p><p>Propósito</p><p>Compreender diferentes métodos, pressupostos e objetivos da leitura literária para ampliar a competência</p><p>leitora e literária.</p><p>Preparação</p><p>Tenha em mãos um dicionário de literatura para compreender o vocabulário específico da área. Na internet,</p><p>você acessa gratuitamente o E-Dicionário de Termos Literários, de Carlos Ceia, e o Dicionário de Cultura</p><p>Básica, de Salvatore D’Onofrio.</p><p>Objetivos</p><p>Módulo 1</p><p>Estruturalismo e leitura literária</p><p>Identificar implicações dos preceitos estruturalistas para a concepção de leitura literária.</p><p>Módulo 2</p><p>Estética da Recepção e Teoria do Efeito Literário</p><p>Identificar as propostas de Jauss e de Iser quanto ao papel produtivo da leitura na teoria literária.</p><p>Módulo 3</p><p>Crítica literária e Psicanálise</p><p>Reconhecer as possibilidades de pensar a leitura literária a partir de conceitos psicanalíticos.</p><p>Em 1961, o escritor francês Raymond Queneau publicou Cem Mil Bilhões de Poemas , livro contendo</p><p>dez sonetos e uma organização muito especial: cada verso estava em uma tira de página separada,</p><p>ou seja, podia ser virada independentemente do restante do poema na “mesma” página. Na prática,</p><p>isso quer dizer que os leitores poderiam montar seus próprios poemas combinando os versos de</p><p>forma livre – as possibilidades são 1014, ou seja, 100.000.000.000.000 poemas diferentes.</p><p>Introdução</p><p>Cem Mil Bilhões de Poemas</p><p>Ilustração da obra escrita pelo autor Raymond Queneau</p><p>Queneau aproveita, assim, características da forma do soneto (número fixo de versos e estrofes,</p><p>esquema regular de rimas) para concretizar um aspecto da dinâmica literária que será o nosso objeto</p><p>de estudos: a participação intensa de leitores na existência do texto literário.</p><p>Considerar a pessoa que lê não é novidade na literatura; inclusive, dirigir-se a ela é característica</p><p>marcante de alguns de nossos autores mais célebres, como Machado de Assis no início de Memórias</p><p>Póstumas de Brás Cubas.</p><p>Contudo, apesar de ser buscado, cortejado, desafiado – em uma palavra, previsto pelas obras, o leitor</p><p>só veio a receber atenção teórico-crítica em meados do século XX. Isto se deu quando os estudiosos</p><p>passaram a se perguntar de maneira sistemática sobre os objetivos e mecanismos da leitura literária,</p><p>o que abriu um novo terreno de reflexão que tem sido explorado por pesquisadores atuantes em</p><p>diferentes vertentes teórico-críticas, entre elas: Estruturalismo; Estética da Recepção e Teoria do</p><p>Efeito Literário; Literatura e Psicanálise.</p><p>1 - Estruturalismo e leitura literária</p><p>Ao �nal deste módulo, você será capaz de identi�car implicações dos</p><p>preceitos estruturalistas para a concepção de leitura literária.</p><p>Contexto e pretexto</p><p>Para entender o Estruturalismo, é preciso fazer algo totalmente contrário à atitude estruturalista: examinar o</p><p>seu contexto histórico. Isso porque várias das questões e propostas estruturalistas respondem tanto a</p><p>lacunas da teoria literária da época quanto a tendências dominantes na crítica francesa antes de 1950.</p><p>No início do século passado, a França era um importante centro cultural, uma referência para outros países</p><p>europeus, americanos e africanos. Para lá se dirigiam pensadores, pesquisadores e artistas do mundo todo,</p><p>atraídos pelo ambiente cosmopolita. É o caso dos nossos modernistas Oswald de Andrade e Tarsila do</p><p>Amaral, e também dos búlgaros Julia Kristeva e Tzvetan Todorov, que ajudaram a introduzir na cena</p><p>intelectual parisiense o formalismo russo, uma das bases do Estruturalismo, como veremos adiante.</p><p>Atenção!</p><p>Um ponto relevante são certas características culturais que, na França como no Brasil, são ao mesmo</p><p>tempo estereótipos e algo que se experimenta todos os dias (para nós, por exemplo, o famoso “jeitinho” e as</p><p>relações personalistas). Na França, o sistema de ensino e a relação social com o conhecimento eram muito</p><p>marcados pela questão do prestígio e da validade da ciência.</p><p>Nesse sentido, o Estruturalismo foi pautado por tentativas dos estudos literários de conseguirem mais</p><p>legitimidade social e institucional, tornando-se mais parecidos com as ciências humanas, que ganhavam um</p><p>caráter de cientificidade crescente: Antropologia, Sociologia e, em especial, a Linguística.</p><p>Havia, então, um esforço de ser visto como uma ciência “séria”, o que leva a uma</p><p>busca de rigor no desenvolvimento e aplicação de metodologias de análise, bem</p><p>como na delimitação do objeto.</p><p>A proposta de aproveitar as descobertas mais recentes em Linguística para descrever literatura caminhava</p><p>na contramão das principais tendências da crítica francesa da época, na qual imperavam o biografismo e a</p><p>crítica engajada.</p><p>Vejamos rapidamente alguns pontos dessas práticas que o Estruturalismo buscava combater.</p><p>A crítica engajada</p><p>Seu principal expoente foi o pensador e escritor francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), e em linhas gerais</p><p>caracteriza-se por:</p><p>1. Considerar a prosa uma prática que utiliza a língua como um instrumento de nomeação, e que, nesse ato</p><p>de nomear, torna visível alguma coisa;</p><p>2. Possuir um caráter normativo, de atribuição de julgamentos de valor, ou seja, a obra é boa ou ruim</p><p>conforme se posiciona ou não para produzir mudanças no mundo, tornando seus leitores mais</p><p>conscientes.</p><p>Saiba mais</p><p>Logo após a Segunda Guerra Mundial, Sartre publicou o livro Que é a literatura?, que impactou</p><p>profundamente o pensamento europeu quanto à capacidade humana de fazermos mal aos nossos</p><p>semelhantes, e quanto à responsabilidade de todos para evitar que isso ocorra.</p><p>O biogra�smo</p><p>É a prática de ler obras literárias a partir de dados da vida do escritor, que é utilizada para explicar e justificar,</p><p>entre outras coisas, a presença e o tratamento de alguns temas recorrentes, bem como características de</p><p>estilo. A obra é tida como um código que oculta um segredo a ser decifrado pelo crítico, e o gabarito dessa</p><p>atividade, que só tem uma resposta correta, é dado pela vida e pelas intenções do escritor. Quanto mais o</p><p>crítico dela se aproximar, melhor terá dominado o significado único e correto da obra.</p><p>É em reação ao biografismo e à crítica engajada que podemos apreciar a força dos seguintes argumentos</p><p>do ensaio A Morte do Autor, publicado originalmente por Roland Barthes em 1968:</p><p>Uma vez afastado o Autor, a pretensão de “decifrar” um texto se torna</p><p>totalmente inútil. Dar ao texto um Autor é impor-lhe [...] um significado último, é</p><p>fechar a escritura. Essa concepção convém muito à crítica, que quer dar-se</p><p>então como tarefa importante descobrir o Autor [...] sob a obra: encontrado o</p><p>Autor, o texto está “explicado”, o crítico venceu [...]. para devolver à escritura o</p><p>seu futuro, é preciso inverter o mito: o nascimento do leitor deve pagar-se com</p><p>a morte do Autor.</p><p>(BARTHES, 2012, p. 63-64)</p><p>Referências, propostas e métodos</p><p>Aqui encontramos, enfim, o nosso assunto principal deste conteúdo: o leitor. Ele vem como parte de um</p><p>programa de mudança radical de foco na crítica literária, com a revisão de seus objetivos e métodos:</p><p>Descrever x explicar</p><p>Ao invés de explicar a obra, descobrindo (revelando algo que estava encoberto) o seu significado único e</p><p>correto, a análise estruturalista concentra-se em descrever como o texto funciona, como se organiza</p><p>internamente para produzir sentidos.</p><p>Signi�cância x signi�cado</p><p>Ao invés de pressupor que cada obra tem apenas um significado correto, o Estruturalismo vê os textos</p><p>como uma espécie de máquinas de produzir significação quase infinita – essa atividade produtiva recebe o</p><p>nome de significância. Assim, os múltiplos significados textuais produzidos na leitura (inclusive a do crítico)</p><p>passam a ser validados com base em elementos do próprio texto, e de sua estrutura (exemplo: convenções</p><p>do gênero textual) e não mais em algo externo, como a vida do escritor.</p><p>Intertextualidade x �liação</p><p>Ao invés</p><p>de Clarice, em que o enredo, a “história”, é</p><p>quase que completamente abandonada em prol do fluxo incessante [...]. Essa dura escritura irá, então,</p><p>privilegiar a música da língua, fundindo o “corpo todo inteiro” daquele que escreve com a materialidade</p><p>da palavra, seu “ponto tenro e nevrálgico”, exigindo assim do leitor uma escuta “de corpo inteiro”. Dessa</p><p>forma, Água viva pode ser pensado como um “idiomaterno”" (ANDRADE, Maria das Graças Fonseca.</p><p>Escrita e escuta de corpo inteiro – a lalíngua de Água viva. Aletria: Revista de Estudos de Literatura, v.</p><p>12, p. 171-184, 2005.)</p><p>III. "Curiosamente, Clarice – fato para o qual muitos atentaram – possuía uma dicção estranha, um</p><p>sotaque que, à primeira escuta, soava como algo similar a uma fala nordestina com dissonâncias</p><p>francesas, em que “erres” se arrastavam e vogais se faziam pronunciadas com uma abertura típica. [...]</p><p>José Castello observa que, talvez, essa justificativa não esgote o assunto: “Suas dificuldades com a</p><p>língua eram embaraçosas e sua grandeza como escritora vem dessa repugnância. Só uma pessoa que</p><p>não se adapta à língua, que a revira, que dela desconfia pode escrever uma obra como a de Clarice</p><p>Lispector.”" (ANDRADE, Maria das Graças Fonseca. Escrita e escuta de corpo inteiro – a lalíngua de</p><p>Água viva. Aletria: Revista de Estudos de Literatura, v. 12, p. 171-184, 2005.)</p><p>IV. "Então: minha proposta é um exercício interpretativo da síndrome de uma neurose de angústia da</p><p>personagem Luís da Silva, do romance de Graciliano Ramos, à luz das ideias de Freud. O objetivo não é</p><p>um “diagnóstico clínico”, que não levaria muito longe, mas uma discussão de ideias freudianas, tão</p><p>surpreendentemente bem encarnadas no protagonista do romance. E já avanço o essencial: Luís da</p><p>Silva fornece subsídios sobretudo para a primeira teoria de Freud sobre a Angústia: a da angústia</p><p>enquanto libido represada, enquanto desejo reprimido." (MENESES, Adélia. A angústia, em Angústia de</p><p>Graciliano Ramos. In: Do poder da palavra: estudos de literatura e psicanálise. 2. ed. S. Paulo: Duas</p><p>Cidades, 2004.)</p><p>A I. psique do autor - II. conteúdo do texto - III. psique do autor - IV. conteúdo do texto</p><p>B I. conteúdo do texto - II. psique do autor - III. forma do texto - IV. psique do autor.</p><p>C I. conteúdo do texto - II. forma do texto - III. psique do autor - IV. conteúdo do texto.</p><p>D I. psique do autor - II. forma do texto - III. forma do texto - IV. forma do texto.</p><p>E I. conteúdo do texto - II. forma do texto - III. psique do autor - IV. conteúdo do texto</p><p>Parabéns! A alternativa C está correta.</p><p>I. Ao interpretar eventos da narrativa com auxílio de conceitos psicanalíticos, Lima concentra-se no</p><p>conteúdo do texto.</p><p>II. Ao discutir os modos como o romance age na música da língua e na materialidade da palavra,</p><p>Andrade concentra-se na forma do texto.</p><p>III. Quando traz dados biográficos da autora para explicar suas escolhas estéticas, Andrade usa a obra</p><p>como via de acesso à psique do autor.</p><p>IV. Ao utilizar conceitos psicanalíticos para estudar a construção de uma personagem, Meneses</p><p>concentra-se no conteúdo do texto.</p><p>Note que os excertos II e III foram retirados do mesmo texto e, portanto, é possível focar mais de um</p><p>elemento durante a análise.</p><p>Considerações �nais</p><p>No balanço dos estudos da leitura no século passado, podemos identificar que o primeiro passo foi libertar-</p><p>se da ideia de que o texto tinha apenas um significado correto; nesse sentido, a partir do formalismo russo,</p><p>o Estruturalismo avançou a proposta de que os textos eram plurissignificantes com base na língua e na sua</p><p>estrutura interna.</p><p>Seguiu-se a isso uma mudança de foco quando a teoria passou a investigar a participação do leitor nessa</p><p>produção de significados. Deram diferentes encaminhamentos a essa questão as teorias de Jauss e de Iser,</p><p>enfocando, respectivamente, a leitura coletiva situada sócio-historicamente e os processos de formação de</p><p>sentido na interação individual leitor-texto. Por fim, contemporâneas ao Estruturalismo francês e à Escola de</p><p>Constança são as relações entre Literatura e Psicanálise, que vimos com foco na proposta de Julia Kristeva.</p><p>Os três módulos que compõem este conteúdo apresentam perspectivas que compartilham uma visão</p><p>bastante esperançosa do ser humano: acreditam que estamos sempre disponíveis para aprender, para nos</p><p>tornarmos mais conscientes acerca do funcionamento da linguagem, de nossas mentes e do mundo em que</p><p>vivemos, a aceitar a pluralidade como constituinte da experiência estética e, de modo mais geral, do próprio</p><p>humano. Todos acreditam que ser leitores de literatura pode abrir para nós novas possibilidades</p><p>perceptivas, cognitivas e, no limite, éticas.</p><p>É claro que conhecer coisas novas ou uma visão de mundo diferente da nossa não quer dizer que iremos</p><p>mudar automaticamente, mas isso nos dá ao menos a chance de pensar em mudar, se assim quisermos –</p><p>um potencial precioso.</p><p>Podcast</p><p>Para encerrar, ouça o resumo sobre os principais tópicos deste conteúdo. Vamos lá!</p><p></p><p>Referências</p><p>ANDRADE, O. de. Obras completas/Pau Brasil. São Paulo: Globo, 2003.</p><p>BARTHES, R. O Rumor da Língua. Tradução Mario Laranjeira. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.</p><p>EAGLETON, T. A ideia de cultura. São Paulo: Editora UNESP, 2005.</p><p>FREUD, S. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro:</p><p>Imago, 1996, v. XVIII.</p><p>GENETTE, G. Structuralisme et critique littéraire. Figures – essais. Paris: Seuil, 1976. p. 145–170. [edição</p><p>portuguesa: GENETTE, G. Estruturalismo e crítica literária. In: COELHO, E. P. (org.). Estruturalismo – antologia</p><p>de textos teóricos. Lisboa: Portugália, 1968.]</p><p>ISER, W. A Interação do Texto com o Leitor. In: LIMA, L. C. (org.) A Literatura e o Leitor: Textos de Estética da</p><p>Recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.</p><p>JAKOBSON, R. Linguística e comunicação. 24. ed. Trad. Izidoro Blikstein e José Paulo Paes. São Paulo:</p><p>Cultrix, 2007.</p><p>JAUSS, H. R.. A história da literatura como provocação à teoria literária. São Paulo: Ática, 1994.</p><p>KRISTEVA, J. La Révolution du langage poétique: L’avant-garde à la fin du XIXe siècle: Lautréamont et</p><p>Mallarmé. Paris: Seuil, 1974.</p><p>MANDIL, R. Literatura e psicanálise: modos de aproximação. Aletria: Revista de Estudos de Literatura, v. 12,</p><p>p. 42–48, 2005.</p><p>PAYNE, M. Reading Theory: An Introduction to Lacan, Derrida, and Kristeva. Oxford/Cambridge: Blackwell,</p><p>1993.</p><p>SAUSSURE, F. de. Curso de Linguística Geral. Trad. Antônio Chelini; José Paulo Paes; Izidoro Blikstein. 20.</p><p>ed. São Paulo: Cultrix, 1995</p><p>Explore +</p><p>Assista aos seguintes vídeos:</p><p>Introdução à Teoria da Literatura #8 com Paul Fry, de Yale, palestra com o professor Paul Fry, disponível no</p><p>canal UNIVESP, abordando a Semiótica a partir de Saussure e de sua relação com o Formalismo Russo e</p><p>outras vertentes teóricas.</p><p>Vimeo 19599227 Cent Mille Milliards de Poèmes, vídeo que apresenta em menos de dois minutos a</p><p>interessante obra de Raymond Queneau.</p><p>Leia os artigos:</p><p>“Hans Robert Jauss e a estética da recepção”, de Roberto Figurelli, publicado em 1988 na revista Letras e</p><p>disponível no site da UFPR.</p><p>Para conhecer melhor estudos e análises da relação entre Literatura e Psicanálise, consulte os artigos</p><p>publicados em 2005 no volume 12 da revista Aletria, um conceituado periódico científico brasileiro</p><p>disponível gratuitamente on-line na página da UFMG.</p><p>de considerar a obra como o produto da intenção e técnica de um escritor, e totalmente</p><p>determinada por ele, que detém a sua propriedade, o Estruturalismo vê no texto uma rede de citações,</p><p>referências, passagens e presenças que ali acontecem sem serem planejadas por quem o assina. Isso</p><p>envolve não apenas as referências “explicáveis” (aquelas que podem ser ligadas ao escritor, que é alguém</p><p>atravessado por um repertório cultural e imerso numa língua determinada); de modo mais radical, a</p><p>intertextualidade admite que o leitor possa fazer ecoar no texto as suas próprias referências. Assim, ao</p><p>invés de executar a obra como um manual de instruções, cujo resultado deve ser sempre o mesmo para</p><p>todos em qualquer tempo, cada leitor passa a coproduzir o texto em cada leitura.</p><p>Vê-se, assim, que com o Estruturalismo a leitura deixa de estar subordinada ao que se imaginava serem as</p><p>intenções do autor, e o leitor passa a ser visto como alguém muito mais ativo e importante no processo de</p><p>fazer a literatura existir. Como vimos, Barthes afirmava que o lugar de construção de significados textuais é</p><p>a leitura, e que estes não estão sob controle do autor.</p><p>Saiba mais</p><p>Você talvez tenha reparado que, nas oposições acima, tudo o que é rejeitado (explicar, significado e filiação)</p><p>está associado ao objeto obra e as propostas (descrever, significância e intertextualidade) estão vinculadas</p><p>ao objeto texto. Da Obra ao Texto é justamente o título de um artigo publicado por Barthes em 1971, que</p><p>apresenta algumas das principais propostas estruturalistas no campo literário.</p><p>A relação entre a abordagem estruturalista e a</p><p>linguística de Saussure</p><p>Parte dessa reivindicação de autonomia para a leitura está ligada à estreita relação do Estruturalismo com a</p><p>linguística de Ferdinand de Saussure (1995). Ele concebia a língua como um sistema de signos.</p><p>O signo é formado por um significante (um som ou imagem) e um significado (o conceito, o sentido). A</p><p>relação entre esses componentes é arbitrária, ou seja, não existe nenhum motivo para a ideia de casa ser</p><p>designada pela palavra "casa" e não por outra. Repare que no signo saussuriano há o sentido, que</p><p>corresponde ao conceito, e não ao referente concreto: a palavra "casa" não aponta para nenhuma casa</p><p>específica existente no mundo, e sim para a ideia geral de casa.</p><p>Saussure propôs uma distinção fundamental entre:</p><p>Língua</p><p>(langue)</p><p>O sistema geral que rege toda a atividade verbal.</p><p>Fala</p><p>(parole)</p><p>Realizações individuais por um/a falante numa situação determinada.</p><p>Outra oposição central no pensamento saussuriano é:</p><p>Sincronia</p><p>O sistema geral que rege toda a atividade verbal. Estado do sistema em dado momento (como uma</p><p>fotografia).</p><p>Diacronia</p><p>Variação no sistema ao longo do tempo (como um filme).</p><p></p><p></p><p>Para Saussure, o objeto de estudo da Linguística deveria ser a língua, e o objetivo deveria ser determinar as</p><p>suas leis de funcionamento a partir do exame das relações existentes em um corte sincrônico do sistema</p><p>(isso mudou bastante, e há décadas os linguistas pesquisam falas concretas e em contexto, bem como as</p><p>mudanças ocorridas em um período).</p><p>A abordagem imanente do Estruturalismo</p><p>De modo similar, para uma das maiores referências do Estruturalismo, o formalista russo Roman Jakobson</p><p>(2007), a questão central da Poética é "O que faz uma mensagem verbal ser uma obra de arte?", e seu</p><p>campo de investigação são os problemas de estrutura verbal.</p><p>Basicamente, investigar a estrutura verbal é uma decorrência da visão saussuriana da língua como um</p><p>sistema. Nessa perspectiva, o significado de cada unidade do sistema está nas suas relações com outras</p><p>unidades, não em uma referência a algo externo.</p><p>Dito de outro modo, o significado é funcional, é uma função que o signo exerce dentro de um todo: o</p><p>sistema linguístico. De modo análogo, em análise literária, isso se traduz na prática de se concentrar no</p><p>texto "em si", em suas articulações internas ou intertextuais (com outras obras do mesmo gênero), ao invés</p><p>de usar o texto como meio de acesso a alguma outra coisa que as palavras estariam expressando ou</p><p>representando, como as visões políticas do autor, ou o contexto social retratado na trama. Esse</p><p>posicionamento faz com que o Estruturalismo seja considerado uma abordagem imanente.</p><p>Se esse foco restrito tira da jogada alguns componentes que podem ser do máximo interesse para parte dos</p><p>leitores, por outro lado, essa busca de certa impessoalidade contribuiu para tornar a crítica literária menos</p><p>impressionista e mais rigorosa.</p><p>Em lugar de encarar as obras como manifestações do gênio de um escritor, a visão estruturalista invertia o</p><p>jogo: tanto o escritor quanto o leitor têm sua atividade mental regulada pela língua, um sistema que não</p><p>representa o mundo, mas sim enquadra o modo como o percebemos.</p><p>Toda leitura deriva de formas transindividuais: as associações geradas pela</p><p>letra do texto (onde está essa letra?) nunca são, o que quer que se faça,</p><p>anárquicas; elas sempre são tomadas (extraídas e inseridas) dentro de certos</p><p>códigos, certas línguas, certas listas de estereótipos. A leitura mais subjetiva</p><p>que se possa imaginar nunca passa de um jogo conduzido a partir de certas</p><p>regras. De onde vêm essas regras? Não do autor, por certo, que não faz mais</p><p>do que aplicá-las à sua moda [...]; visíveis muito aquém dele, essas regras vêm</p><p>de uma lógica milenar da narrativa, de uma forma simbólica que nos constitui</p><p>antes de nosso nascimento, em suma, desse imenso espaço cultural de que a</p><p>nossa pessoa (de autor, de leitor) não é mais do que uma passagem. Abrir o</p><p>texto, propor o sistema de sua leitura, não é apenas pedir e mostrar que</p><p>podemos interpretá-lo livremente; é principalmente, e muito mais radicalmente,</p><p>levar a reconhecer que não há verdade objetiva ou subjetiva da leitura.</p><p>(BARTHES, 2012, p. 28-29)</p><p>Assim, se tomássemos o conto Peru de Natal, de Mário de Andrade, o que os</p><p>pesquisadores estruturalistas procurariam compreender?</p><p>Podemos responder, primeiramente, o que eles não estudariam: eles não examinariam o conteúdo do conto,</p><p>como a psicologia das personagens, os temas ou a sociologia do enredo, nem avaliariam se o conto está ou</p><p>não bem escrito.</p><p>Na verdade, os pesquisadores estruturalistas iriam procurar compreender como age em um texto a</p><p>complexa rede de regras estruturais dos vários sistemas aos quais ele pertence (o dos contos, o das</p><p>narrativas, o da literatura, o das produções verbais) e os mecanismos que ele aciona (descrição,</p><p>organização do tempo etc.).</p><p>Em lugar de perguntar “Qual é o sentido deste texto?”, a análise</p><p>estruturalista pergunta “Como este texto produz sentidos?”</p><p>Essa produção envolve necessariamente a leitura, que mobiliza as estruturas literárias peculiares a cada</p><p>estado sincrônico do sistema, estabelecendo relações entre a obra e o sistema literário no qual ela é trazida</p><p>à vida pelo leitor.</p><p>Em Estruturalismo e crítica literária, o teórico e crítico literário francês Gérard Genette (1930-2018) explica</p><p>que estudar as estruturas equivale a investigar os princípios e mecanismos de inteligibilidade de um texto</p><p>literário. Ele compara cada obra a uma fala, no sentido proposto por Saussure, cuja língua seria o modo</p><p>como uma sociedade, em dado momento, se relaciona com a literatura (GENETTE, 1976, p. 166).</p><p>Nesse tipo de análise, surgem questões como:</p><p></p><p>O que é considerado próprio do conjunto ao qual pertence esse texto, isto é, o que nos faz classificá-lo</p><p>mentalmente como narrativa, poema etc. e acionar os esquemas cognitivos apropriados para entendê-lo?</p><p></p><p>O que, nesse texto, é percebido como procedimento estético?</p><p>Portanto, deixar de fora da análise o significado e o contexto de produção de uma obra era visto como uma</p><p>etapa necessária para esclarecer seu funcionamento interno antes de passar a examinar as relações do</p><p>sistema-texto com outros sistemas:</p><p>[...] a literatura não é somente uma coleção de obras autônomas, ou que se</p><p>“influenciam” por uma série de encontros fortuitos e isolados; ela é um todo</p><p>coerente, um espaço homogêneo</p><p>no interior do qual as obras se tocam e se</p><p>penetram mutuamente; ela é também, por sua vez, uma peça ligada a outras no</p><p>espaço mais amplo da “cultura”, no qual o seu valor é função do todo. Assim,</p><p>duplamente, justifica-se o estudo das estruturas literárias, tanto internas quanto</p><p>externas.</p><p>(GENETTE, 1976, p. 165)</p><p>Problemas e lacunas da abordagem estruturalista</p><p>A vontade de fazer dos estudos literários uma ciência séria e respeitável levou a uma profusão de esquemas</p><p>classificatórios, tabelas e abstrações – uma verdadeira fúria taxonômica e esquematizadora.</p><p>Por outro lado, as pessoas que estavam desenvolvendo e utilizando aquelas ideias com algum senso crítico</p><p>logo perceberam que a vantagem maior da nova perspectiva não estava em fazer esquadrinhamentos e</p><p>classificações exaustivos, mas sim em uma espécie de proposta, ou defesa, de alguns princípios.</p><p>O abandono da postura valorativa e normativa (isto é, da pretensão crítica de determinar se uma obra é ou</p><p>não “literatura de qualidade”) abriu o leque de objetos de análise e facilitou também questionamentos do</p><p>cânone, que posteriormente os estudos feministas, queer (relacionado a minorias sexuais e de gênero) e</p><p>pós-coloniais (perspectiva teórica e releitura da colonização) demonstraram ser um espaço de ferrenho</p><p>embate ideológico.</p><p>Perspectiva estruturalista da leitura</p><p>Está na hora de nosso bate-papo sobre abordagens da leitura do texto literário na perspectiva estruturalista,</p><p>exemplificando com textos ou trechos literários. Vamos lá!</p><p></p><p>Falta pouco para atingir seus objetivos.</p><p>Vamos praticar alguns conceitos?</p><p>Questão 1</p><p>Leia o trecho seguinte de A descrição da significação em literatura, de Tzvetan Todorov:</p><p>Não há limite nítido entre o conteúdo da própria obra e a interpretação que lhe é dada no curso de</p><p>diferentes leituras. [...] Mas, apesar da existência inevitável de uma significação acrescentada pelo</p><p>leitor, parece-nos que a análise literária não pode inclui-la em seu campo de investigação. [...] Será mais</p><p>pertinente para nossa análise descobrir a dependência de cada elemento às relações funcionais entre</p><p>ele e os outros signos, do que revelar a existência de uma reação "média" dos leitores, ou descobrir,</p><p>através das diferenças, as imagens comuns escondidas no subconsciente coletivo. Este princípio nos</p><p>permitirá, parece, realizar a descrição de um texto sem fazer intervir julgamentos de valor. (Todorov, T.</p><p>In: Literatura e Semiologia - seleção de ensaios da revista Communications. Petrópolis: Vozes, 1971, p.</p><p>148-159.)</p><p>Com base no excerto acima e em seus estudos neste módulo, é correto afirmar que</p><p>A</p><p>a análise literária estruturalista não deve descrever as leituras individuais, pois isso é</p><p>impossível.</p><p>B o Estruturalismo investiga a funcionalidade social da literatura.</p><p>C para o Estruturalismo, o signo literário tem um componente subconsciente.</p><p>Parabéns! A alternativa E está correta.</p><p>A abordagem estruturalista do texto literário se caracteriza por uma análise centrada na descrição do</p><p>funcionamento do texto, bem como em sua organização interna a partir de sua função de produção de</p><p>sentidos.</p><p>Questão 2</p><p>Leia o trecho de "Verossímil e motivação", de Gérard Genette:</p><p>O discurso narrativo é portanto um discurso cujas ações respondem, como também as aplicações ou</p><p>casos particulares, a um corpo de máximas aceitas como verdadeiras pelo público ao qual se dirige;</p><p>mas essas máximas, pelo próprio fato de serem admitidas, ficam frequentemente implícitas. A relação</p><p>entre o discurso narrativo verossímil e o sistema de verossimilhança a que se sujeita é, pois,</p><p>essencialmente mudo: as convenções de gênero funcionam como um sistema de forças e restrições</p><p>naturais, às quais o discurso narrativo obedece como se não as percebesse, e a fortiori sem nomeá-las.</p><p>(Genette, G. In: Literatura e Semiologia - seleção de ensaios da revista Communications. Petrópolis:</p><p>Vozes, 1971, p. 7-34.)</p><p>Com base no excerto acima e nos seus estudos neste módulo, pode-se dizer que essa análise de</p><p>Genette utiliza o seguinte princípio estruturalista:</p><p>D</p><p>análises estruturalistas não efetuam julgamentos de valor das obras, pois isso contraria</p><p>seus princípios humanistas.</p><p>E</p><p>o Estruturalismo privilegia a descrição funcional sobre a explicação e a avaliação das</p><p>obras literárias.</p><p>A Detecção das forças implícitas na narrativa.</p><p>B Consideração do objeto analisado dentro dos diversos sistemas aos quais pertence.</p><p>Parabéns! A alternativa B está correta.</p><p>A abordagem teórica e os interesses dos pesquisadores estruturalistas diante do texto literário eram</p><p>direcionados para a compreensão das regras estruturais que integrariam os sistemas aos quais o texto</p><p>literário pertence, além de se debruçar sobre os mecanismos que esses sistemas acionam. Desse</p><p>modo, aspectos como a biografia do autor, o contexto da obra ou outros elementos estranhos à</p><p>estrutura e sistema internos da obra seriam deixados de lado.</p><p>2 - Estética da Recepção e Teoria do Efeito</p><p>Literário</p><p>C Consideração das relações entre a obra e o público.</p><p>D Aplicação do conceito saussuriano de discurso.</p><p>E Recusa de categorias aristotélicas, como a verossimilhança.</p><p>Ao �nal deste módulo, você será capaz de identi�car as propostas de</p><p>Jauss e de Iser quanto ao papel produtivo da leitura na teoria literária.</p><p>Primeiras palavras</p><p>Continuaremos vendo correntes teóricas europeias, desta vez, vamos a Constança, na Alemanha, conhecer</p><p>a Estética da Recepção, de Hans Robert Jauss, e a Teoria do Efeito Estético, de Wolfgang Iser.</p><p>Enquanto o Estruturalismo francês estava preocupado com a organização interna dos textos, a chamada</p><p>Escola de Constança se concentrava mais na leitura propriamente dita – tanto a leitura efetiva realizada por</p><p>grupos sócio-historicamente determinados quanto o processo que acontece no contato individual entre</p><p>leitor/a e texto.</p><p>Vamos lá?</p><p>A estética da recepção de Jauss</p><p>As bases da Estética da Recepção são colocadas pelo escritor e crítico literário alemão Hans Robert Jauss</p><p>(1921-1997), em História da Literatura como Provocação à Ciência da Literatura.</p><p>Ali, ele anuncia o objetivo de conciliar as abordagens histórica (filológica, sociológica) e estética</p><p>(formalistas russos, new criticism estadunidense) da literatura, colocando em primeiro plano o estudo de um</p><p>fenômeno, que é ao mesmo tempo estético e social: a recepção e seu impacto.</p><p>Jauss vê a literatura em uma perspectiva que podemos chamar de comunicacional, pois entende-a como</p><p>um processo e um diálogo. Um dos principais participantes desse diálogo é justamente o leitor, o principal</p><p>destinatário da obra literária.</p><p>Entretanto, diferentemente dos estruturalistas, para quem todas as condições de todos os possíveis</p><p>significados de uma obra estavam contidas unicamente no texto, Jauss propõe que os múltiplos</p><p>significados textuais são produzidos por leitores situados em contextos sócio-históricos e estéticos, e que</p><p>esses contextos influem em como tais grupos leem esta ou aquela obra com base em conhecimentos</p><p>prévios sobre literatura (formas, temas, gêneros textuais, outras obras literárias conhecidas) e sobre o</p><p>mundo (organização social, valores morais etc.).</p><p>Uma vez que esses conhecimentos prévios variam conforme a época e o lugar, eles propiciam leituras</p><p>diferentes – essas leituras, organizadas em sistema, constituem a recepção.</p><p>A obra manipula esses elementos e predispõe o leitor a certo tipo de recepção por meio de estratégias</p><p>textuais, características familiares e alusões diretas ou implícitas a outras obras. Portanto, Jauss não está</p><p>preocupado em descrever a experiência de leitura individual (é o que procura Iser, cuja teoria veremos a</p><p>seguir), e sim a leitura como atividade que envolve parâmetros partilhados por um grupo de leitores.</p><p>Os horizontes de expectativas</p><p>Esses parâmetros recebem o nome de horizonte de expectativas, e têm três elementos:</p><p>A noção vigente de gênero</p><p>textual</p><p>Formas e temas de obras</p><p>familiares ao público</p><p>Contraste entre as</p><p>linguagens poética e</p><p>comuns</p><p>Como uma nova obra se</p><p>relaciona</p><p>com a ideia corrente</p><p>que os leitores de dado</p><p>contexto têm do gênero ao</p><p>qual ela pertence?</p><p>Como a obra se relaciona</p><p>implícita ou explicitamente</p><p>com outras que, na época da</p><p>publicação, eram conhecidas</p><p>pelos leitores?</p><p>Quais os critérios usados</p><p>em um contexto para</p><p>classificar aquele texto</p><p>como sendo uma obra de</p><p>arte?</p><p>Quadro: Horizontes de expectativas de Jauss. Priscila Pesce</p><p>Esse horizonte é continuamente estabelecido e alterado pelas obras que surgem, e tem um papel</p><p>determinante na relação de cada obra com as outras do mesmo gênero: de modo não intencional, ao ler</p><p>uma obra, o leitor aciona em seu repertório o conhecimento prévio sobre aquele conjunto de textos (gênero),</p><p>que o contato com a nova obra pode reproduzir, alterar, variar, e mesmo modificar profundamente, negando</p><p>o familiar ou articulando uma experiência pela primeira vez.</p><p>Apesar de ser individual, o repertório tem um forte componente social, então, Jauss caracteriza o horizonte</p><p>de expectativas como transubjetivo, ou seja, algo que não é particular de cada um.</p><p>Jauss propõe que as obras respondem a perguntas existentes (nos âmbitos social e estético) e colocam</p><p>novas perguntas, que serão enfrentadas por obras futuras e/ou abrirão novas possibilidades de significado</p><p>nas anteriores. Assim, a dinâmica do efeito histórico é concebida por ele em termos de questões/respostas</p><p>ou problemas/soluções colocados pelas obras.</p><p>O terceiro elemento do horizonte de expectativas (o contraste entre linguagem comum e poética, entre</p><p>ficção e realidade) conecta a leitura não apenas a repertório e a outras obras, mas à vida do leitor – o que</p><p>confere à literatura a possibilidade de ser uma experiência relevante, de mudar perspectivas e nos fazer</p><p>repensar nossa compreensão de mundo, de nós mesmos e das pessoas ao nosso redor.</p><p>O modo como uma obra se relaciona com o horizonte de expectativas é, para Jauss, um dos critérios para</p><p>estabelecer seu valor estético. Ele chama de distância estética a distância entre o horizonte de expectativas</p><p>e a experiência provocada por uma nova obra. Vemos, assim, que ele valoriza as obras que provocam a</p><p>quebra ou reorganização do horizonte. É o que ele chama de "momentos formadores de época" (JAUSS,</p><p>1994, p. 28).</p><p>Sua proposta consiste em considerar a história da literatura pelo ângulo da</p><p>recepção, da seguinte forma:</p><p>A literatura seria formada por uma série de sistemas, cada um com seu equilíbrio interno, que são alterados</p><p>pelas obras. Esses sistemas têm normas estéticas vigentes, isto é, relações estabelecidas entre gêneros,</p><p>formas, temas e abordagens existentes. Quando uma obra que trouxe grandes mudanças em relação ao</p><p>horizonte de expectativas da época de seu surgimento passa a fazer parte das referências que compõem o</p><p>horizonte dos leitores futuros, sua distância estética diminui. É o caso, para Jauss, dos grandes clássicos,</p><p>que já estão tão incorporados ao repertório cultural, que leituras inovadoras deles (sempre possíveis)</p><p>requerem um esforço da parte dos leitores.</p><p>Nessa ótica, toda obra tem um público inicial específico, determinado histórica e socialmente. Esse</p><p>destinatário participa da composição de muitas formas diferentes: por exemplo, no caso da literatura</p><p>moderna e modernista, muitas obras buscavam abertamente chocar e incomodar o público-padrão da</p><p>época, tanto pelos temas quanto pelo tratamento da linguagem e das formas literárias.</p><p>Assim, o leitor habituado ao esmero métrico, ao vocabulário rebuscado e aos temas elevados de Olavo Bilac</p><p>é atacado pela poética de Oswald de Andrade (2003, p. 39):</p><p>Atualmente, quase cem anos depois, muitas obras modernistas adquiriram o status de clássicos e são</p><p>referências no conceito de literatura do leitor atual; o que antes era marginal, hoje em dia está no centro do</p><p>sistema.</p><p>A reconstituição desses muitos horizontes de expectativas, o exame das relações entre eles e dos</p><p>momentos de transição seria, então, o trabalho da Estética da Recepção. Isso porque, para Jauss,</p><p>reconstituir o horizonte original de uma obra ajuda a encontrar as questões (sociais e estéticas) que ela se</p><p>propôs a responder, e a descobrir como ela era vista e compreendida pelo leitor da época.</p><p>Lembrando que, neste ponto, Jauss concordava com seu antigo professor, o filósofo alemão Hans-Georg</p><p>Gadamer (1900-2002), para quem nossa compreensão da questão original será sempre enviesada pelo fato</p><p>de que estamos chegando a ela a partir do nosso presente, e do entendimento que temos atualmente sobre</p><p>o contexto no qual ela foi formulada. Assim, o crítico historiador (que não deixa de ser um leitor) é, como as</p><p>obras, situado histórica e socialmente, trabalhando dentro de seu próprio horizonte.</p><p>Os sentidos potenciais da obra literária</p><p>Pensar que a obra pode ser compreendida de modos diferentes em diferentes contextos vai contra o</p><p>entendimento de que o significado de uma obra literária seja objetivo, atemporal, imutável e independente do</p><p>leitor – esse entendimento é, como você talvez tenha pensado, uma das bases para a crença de que cada</p><p>obra teria apenas um único significado correto.</p><p>Pelo contrário, a proposta de Jauss permite pensar em significados potenciais, que vão sendo realizados</p><p>pelos leitores ao longo da história, conforme são abertas novas possibilidades na interação de cada obra</p><p>com as demais que vão surgindo.</p><p>Para Jauss (1994), a obra literária não consiste em um objeto com existência em si mesmo, sempre se</p><p>mostrando do mesmo jeito aos leitores de diferentes contextos históricos, ou seja, uma obra literária não é</p><p>como um monumento que em um discurso monológico mostra uma essência atemporal. Pelo contrário, a</p><p>obra é um criador de diálogo.</p><p>Exemplo</p><p>Esse tipo de movimento está presente na revalorização de determinadas obras, movimentos e escolas</p><p>estéticas que acontece de tempos em tempos: o Neoclassicismo recuperando valores da Antiguidade</p><p>Greco-Romana, o Modernismo canibalizando o Barroco, e assim por diante.</p><p>Desse modo, na Estética da Recepção, a história literária é vista como um constante diálogo entre o</p><p>passado e o presente, que se influenciam mutuamente – Jauss fala de conexões funcionais entre a</p><p>compreensão de novas obras e o significado das antigas, e de coexistência entre o simultâneo (coisas que</p><p>acontecem ou existem ao mesmo tempo) e o não simultâneo.</p><p>Assim, o contexto de surgimento da obra de arte, apesar de relevante, não coloca limites definitivos para sua</p><p>compreensão, pois as obras podem ir além do seu contexto, antecipar experiências humanas inéditas,</p><p>"imaginar novos modelos de percepção e de conduta, ou trazer as respostas a novas questões" (JAUSS,</p><p>1994, p. 22) porque trazem sentidos potenciais: aqueles que, dormentes e ainda não realizados, aguardam</p><p>pacientemente as condições de virem a existir por meio de novas leituras.</p><p>Por isso, Jauss classifica a leitura como uma atividade produtora (e não descobridora) de significados: é</p><p>como se o texto fosse a matéria-prima a ser trabalhada na leitura, sendo o significado o resultado desse</p><p>trabalho, e não algo pronto que o leitor simplesmente extrai do texto sem modificar.</p><p>Trabalha-se, assim, em três frentes:</p><p>Sincrônica</p><p>Considerando o horizonte do contexto de composição/publicação: isto é, as expectativas,</p><p>memórias e antecipações.</p><p>Diacrônica</p><p>Considerando a "série literária" à qual a obra pertence, para que seja possível reconhecer sua</p><p>importância no contexto da experiência literária, isto é, como aquela obra contribuiu para a</p><p>formação do horizonte de expectativas de sua época, e das seguintes?</p><p>Os planos formal e semântico da obra literária e o contexto</p><p>Esse tipo de análise leva em conta dois planos da obra:</p><p>Formal</p><p>Associado a uma espécie de gramática da literatura e composto por elementos como a estrutura dos</p><p>gêneros textuais, figuras retóricas e convenções estilísticas.</p><p>Semântico</p><p>Formado por temas, arquétipos, símbolos e metáforas, seu objetivo é tornar inteligível, compreensível a</p><p>experiência estética, por meio do estudo das mudanças de horizonte de expectativas,</p><p>ou de como o</p><p>impacto de um evento literário (uma ou várias obras) influi no estado presente da literatura e na sua</p><p>continuidade histórica.</p><p>Contudo, nessa investigação, o contexto não aparece somente como motivador das obras literárias; Jauss</p><p>(1994, p. 31) acredita que "a função social [da literatura] se manifesta quando a experiência literária do leitor</p><p>adentra o horizonte de expectativas de sua vida, forma suas interpretações do mundo e, assim, tem efeitos</p><p>em suas ações sociais".</p><p>Desse modo, as obras e o contexto social estão em constante processo de formação mútua, e a literatura,</p><p>longe de representar ou imitar uma realidade pronta, é algo que ajuda a formar a percepção que as pessoas</p><p>Intersecção de diacrônico e sincrônico</p><p>Analisando “o horizonte literário de determinado momento histórico enquanto sistema</p><p>sincrônico no qual obras surgidas simultaneamente podem ser recebidas diacronicamente</p><p>em relação, e no qual a obra possa ser vista como sendo ou não de interesse corrente, na</p><p>moda, ultrapassada ou dotada de valor duradouro" (JAUSS, 1994, p. 29).</p><p></p><p>têm de suas realidades. Inclusive, por trazerem significados e formas potenciais, as obras podem, além de</p><p>expressar experiências reais, também inaugurar maneiras inéditas de nos relacionarmos não apenas com a</p><p>literatura existente, mas também com nossas vidas.</p><p>Tais mudanças de percepção envolvem, além do que costumamos</p><p>chamar de "conteúdo" das obras, também – e, talvez, principalmente</p><p>– a sua forma.</p><p>Romance Vidas Secas</p><p>Um exemplo brasileiro marcante é o romance Vidas Secas, em que Graciliano Ramos, além de abordar uma</p><p>questão social da primeira importância (a drástica desigualdade social), obtém, por procedimentos de</p><p>técnica narrativa (ponto focal, organização do tempo, uso de discurso indireto livre, estruturas de frase e</p><p>escolhas lexicais, entre outras), a humanização de personagens pertencentes a um grupo social que, por</p><p>falta de voz no debate público, era e continua sendo muitas vezes relegado ao lugar de objeto e não de</p><p>sujeito de sua própria existência e da coexistência social. As mudanças de horizonte, isto é, as mudanças na</p><p>própria concepção e prática de literatura, não acontecem apenas por inovação, oposição e substituição do já</p><p>existente. Para Jauss, as novas formas podem abrir possibilidades de entendimento inéditas de obras</p><p>antigas, reconfigurando assim o lugar delas no sistema literário.</p><p>Um exemplo é o paideuma dos concretistas brasileiros, que arrancaram do poeta francês Mallarmé o rótulo</p><p>de simbolista para reposicioná-lo como um marco da poesia verbivocovisual.</p><p>Jauss afirma:</p><p>paideuma</p><p>Rol de autores de referência e precursores.</p><p>erbivocovisual</p><p>Neologismo em que o verbo, seu som e sua visualidade estariam unidos criando o poema concreto. Assim, na</p><p>poesia concreta, o poema era organizado integrando o verbal, o visual e o sonoro. O próprio nome da revista e</p><p>do grupo concretista Noigandres era um neologismo que carregava essa materialidade verbivocovisual.</p><p>O novo se torna uma categoria histórica quando a análise diacrônica da</p><p>literatura é forçada a encarar questões como: quais forças históricas de fato</p><p>tornam uma obra literária nova, o quanto a novidade pode ser reconhecida no</p><p>momento histórico em que surge, qual distância, caminho ou circunlocução de</p><p>compreensão foram necessários para sua realização plena, e se o momento</p><p>dessa realização foi efetivo a ponto de mudar a perspectiva sobre o antigo e,</p><p>portanto, influenciar no cânone literário do passado.</p><p>(JAUSS, 1994, p. 27)</p><p>A partir desse tipo de raciocínio, temos que a Estética da Recepção avança a ideia de que o cânone precisa</p><p>ser algo em constante revisão, pois a maneira como entendemos coletivamente a literatura muda conforme</p><p>novas obras e condições sócio-históricas modificam os parâmetros da experiência estética.</p><p>Um exemplo seria a polêmica acerca dos livros infantis de Monteiro Lobato que, após serem aclamados por</p><p>gerações, enfrentam, na última década, um reposicionamento na constelação de obras de referência na</p><p>literatura brasileira devido ao tratamento racista de personagens negros: um fator cultural atual, que não</p><p>participou da recepção inicial da obra, altera seu lugar dentro do sistema literário brasileiro e abre novas</p><p>possibilidades de leitura.</p><p>A teoria do efeito estético de Iser</p><p>Em seus estudos da leitura literária, o professor e pesquisador alemão Wolfgang Iser (1926--2007)</p><p>concentra-se na interação entre a estrutura da obra e o leitor, examinando as ações realizadas pelo leitor</p><p>como resposta ao texto. Leitor e texto são, assim, dois polos ou parceiros desse processo.</p><p>Para Iser (1979), a obra literária não é nem o texto objetivo (as palavras no papel, na tela ou em outro</p><p>suporte), nem sua realização em uma leitura subjetiva, mas algo intermediário: uma interação, que é</p><p>regulada e estruturada pelo texto por meio de uma série de estratégias.</p><p>Ele traz alguns parâmetros da Teoria dos Atos de Fala, do filósofo estadunidense John Austin, apenas para</p><p>mostrar como a falta deles define o modo particular de comunicação dos textos literários. Veja!</p><p>Falta de contato direto</p><p>Como já reclamava Platão (no diálogo Fedro), quando lemos, nem o autor, nem o texto podem responder a</p><p>perguntas ou nos garantir que estamos compreendendo da forma correta o que está sendo dito.</p><p>Falta de um objetivo comunicacional especí�co</p><p>Em uma consulta médica, tanto a/o profissional quanto a/o paciente sabem que a troca de informações tem</p><p>um objetivo definido, sobre o qual ambos estão de acordo, e que orienta a compreensão do que está sendo</p><p>dito. Isso não acontece com a literatura.</p><p>Essas faltas geram uma série de incertezas e indeterminações que, na visão de Iser, motivam o leitor: ao ler,</p><p>estamos constantemente tentando construir um todo coerente, suprir as lacunas em nossa compreensão.</p><p>As faltas geram também uma situação bastante particular: a obra literária precisa estabelecer para o leitor</p><p>os parâmetros da interação. Por isso, Iser fala em assimetria entre texto e leitor, e em dispositivos textuais</p><p>que guiam a leitura.</p><p>Tais dispositivos são estruturais, e não declarados. Como sabemos por experiência própria, poucos textos</p><p>trazem um manual de como devem ser lidos, mas todos eles colocam as condições de sua leitura. Nas</p><p>palavras de Iser, os leitores são levados a adotar uma posição em relação ao texto – o que é bem diferente</p><p>de afirmar que eles são levados a construir este ou aquele significado específico e "correto".</p><p>A comunicação na literatura, então, é um processo desencadeado e regulado</p><p>[por uma interação] entre o explícito e o implícito, entre revelação e</p><p>ocultamento. O que está oculto convida o leitor a entrar em ação, mas esta</p><p>ação também é controlada pelo que está revelado; por sua vez, o explícito é</p><p>transformado quando o implícito é trazido à tona.</p><p>(ISER, 1979, p. 111)</p><p>Desse modo, para Iser, a leitura é um processo extremamente dinâmico, que a todo momento reorganiza a</p><p>compreensão em função de novas descobertas e de como estas modificam tanto o que pensávamos saber</p><p>quanto nossas expectativas para o que acontecerá a seguir.</p><p>Para descrever esse processo, Iser utiliza uma nomenclatura extensa; apresentaremos a seguir alguns dos</p><p>termos-chaves.</p><p>Termos-chaves da Teoria do Efeito Estético</p><p>A Teoria do Efeito Estético aproveita a dinâmica das relações parte-todo. Conforme Iser, existem na obra</p><p>vários temas e perspectivas que são apresentados de maneira alternada. Cada vez que o foco da narrativa</p><p>recai sobre um personagem, por exemplo, o leitor está acompanhando o desenrolar dos acontecimentos e</p><p>tem, em segundo plano, tudo o que já leu antes. Cada novidade altera o sentido que havia sido atribuído ao</p><p>que já havia sido lido antes, muda seu lugar no desenho geral do todo.</p><p>Algo muito importante nesse processo são as lacunas, os espaços em branco estruturados no texto, pois</p><p>uma das principais atividades da leitura é produzir sentido costurando o que o texto apresenta, formando</p><p>um todo coerente a partir dos fragmentos que são</p><p>enfocados sucessivamente. Essa costura é estruturada a</p><p>partir dos brancos do texto, que organizam campos de referência formados por segmentos textuais em</p><p>interação.</p><p>Como isso acontece?</p><p>Os brancos ou vazios são pontos em que a sensação de que falta alguma coisa motiva o leitor a preencher</p><p>essa falta. Essa interação leitor-texto é movida por uma tensão entre os segmentos textuais, que o leitor</p><p>está sempre procurando resolver. O mecanismo para isso é chamado de estrutura tema/pano de fundo: o</p><p>segmento em foco em dado momento é o tema, que percebemos em relação com o pano de fundo dos</p><p>demais segmentos. A alternância de temas/panos de fundo e as relações estabelecidas entre eles ao longo</p><p>da leitura constituem o objeto estético, que o leitor produz a partir de sua interação com o texto.</p><p>O sentido é, assim, um efeito da leitura.</p><p>Vem daí o nome Teoria do Efeito Estético.</p><p>O texto regula a interação, pois estabelece a sequência na qual os diferentes segmentos se tornarão temas</p><p>e, assim, dirige o olhar do leitor – propiciando o que Iser chama de ponto de vista errante.</p><p>Se tudo isso parece muito abstrato e difícil de entender, você pode pensar nestes dois exemplos:</p><p>Um romance policial</p><p>O leitor está tentando juntar pistas e fatos, entender a personalidade e os comportamentos dos</p><p>personagens, para conseguir encontrar o/a culpado/a de um crime. A cada vez que um novo fato é</p><p>revelado, ele pode mudar a ideia que fazia de um suspeito, ou do modo como o crime foi executado.</p><p>A série televisiva Guerra dos Tronos</p><p>Ao longo dos episódios, o expectador tenta juntar fatos, entender a personalidade e o comportamento</p><p>dos personagens, para prever o desfecho do confronto. A cada vez que um novo fato é revelado, seja</p><p>ele presente ou passado, isso pode mudar a compreensão que se fazia do todo, e alterar</p><p>significativamente as chances de um ou outro personagem atingir seu objetivo final.</p><p>Evidentemente, outros tipos de narrativa propõem outros tipos de questões e de relações entre seus</p><p>componentes, mas a dinâmica básica da interação texto-leitor é a mesma: a resolução de indeterminações</p><p>na construção de um conjunto coerente.</p><p>Uma crítica bastante frequente à teoria de Iser é que ele favorece, de certo modo, um retorno à visão de que</p><p>cada texto guarda uma maneira "correta" de ser lido – se o texto detém todo o controle das regras da</p><p></p><p>interação, o leitor, mesmo trabalhando muito, estaria sempre caminhando em direção um objetivo</p><p>predeterminado.</p><p>Um dos motivos para isso é que Iser, ao contrário de seu colega Jauss, não pensa no leitor como alguém</p><p>concreto, participante de determinado contexto sócio-histórico. O leitor de Iser é um conceito abstrato –</p><p>que, inclusive, dá nome a um de seus livros: O Leitor Implícito (publicado em 1974).</p><p>O leitor implícito é um papel no funcionamento do texto, não um leitor real, de carne</p><p>e osso (esses são chamados, em outros tipos de estudos da leitura, de "leitor</p><p>empírico").</p><p>Como toda abstração, o leitor implícito acaba sendo idealizado e incorporando características que</p><p>demonstram a visão de Iser sobre a leitura literária. Essa visão está calcada em um pressuposto: de que a</p><p>principal atividade da leitura seria produzir um conjunto coerente, suprindo os vazios do texto.</p><p>Saiba mais</p><p>Outro ponto relevante é que a visão de Iser está profundamente ligada à concepção moderna (prevalente na</p><p>Europa desde o século XVIII e culminante nas vanguardas modernistas) de que o objetivo maior da obra de</p><p>arte é transformar o ser humano que entra em contato com ela, alargando suas perspectivas.</p><p>Para Iser, a literatura consegue isso reorganizando normas sociais e culturais, além de tradições literárias –</p><p>apresentando-as em formas e combinações diferentes do habitual, abrindo a possibilidade de que o leitor</p><p>possa vê-las de outras maneiras, em um processo que ele chama de desfamiliarização. É um pouco</p><p>parecido com o que acontece quando visitamos alguém: ao ver uma organização diferente dos objetos na</p><p>cozinha, por exemplo, podemos perceber que a organização adotada em nossa casa não é a única possível,</p><p>não é imutável – podemos pensar sobre ela e talvez até questioná-la, o que não fazemos normalmente,</p><p>quando estamos ocupados em preparar algo para comer.</p><p>Contudo, esse modelo de literatura transformadora não necessariamente se aplica a todos os textos</p><p>existentes, especialmente os da Antiguidade e Idade Média europeias, ou os de outras matrizes culturais.</p><p>Na verdade, isso não seria uma questão se fosse reconhecido pela proposta teórica: se, ao invés de falar em</p><p>leitura literária, a Teoria do Efeito Estético explicitasse que é feita a partir de e direcionada prioritariamente</p><p>para obras da modernidade eurocêntrica. A adequação entre abordagem e objeto é uma etapa prevista da</p><p>pesquisa em literatura, uma vez que quase nenhuma teoria pode ser aplicada a obras literárias de qualquer</p><p>tempo e cultura, e descobrir isso é um dos primeiros passos para construir uma atitude crítica consciente.</p><p>Não obstante, o valor do modelo de Iser é indiscutível ao reconhecer que:</p><p>1. O leitor não é alguém passivo, que simplesmente absorve o texto, e sim alguém que trabalha</p><p>intensamente para fazê-lo existir.</p><p>2. Toda obra é feita para ser lida e prevê o leitor na sua organização interna, busca direcionar a sua</p><p>participação.</p><p>Diferenças e semelhanças entre Jauss e Iser</p><p>Tanto Jauss quanto Iser examinam a relação entre leitores e texto, pouco explorada até então pela teoria</p><p>literária, que privilegiava estudos centrados no autor e nas obras.</p><p>Jauss</p><p>Se ocupa das relações leitor-texto em uma escala social e histórica.</p><p>Iser</p><p>Trabalha na escala da leitura individual.</p><p>Uma das poucas semelhanças entre as propostas desses dois membros da chamada Escola de Constança</p><p>é o valor concedido à negatividade, ao movimento textual de contrariar as expectativas do leitor e, assim,</p><p></p><p>favorecer a sua modificação. Ambos acreditam, portanto, no poder transformativo da literatura.</p><p>As teorias de Jauss e Iser</p><p>Está na hora de quem mais entende do assunto comparar as abordagens teóricas da leitura e do leitor de</p><p>Jauss e de Iser. Vamos conferir!</p><p></p><p>Falta pouco para atingir seus objetivos.</p><p>Vamos praticar alguns conceitos?</p><p>Questão 1</p><p>Na Estética da Recepção, a história literária é</p><p>A irrelevante, pois o sentido é construído na relação individual leitor-texto.</p><p>B</p><p>determinante, pois os significados possíveis da obra são validados pelo exame do</p><p>contexto.</p><p>C inacessível, pois nossa percepção é sempre enviesada.</p><p>Parabéns! A alternativa D está correta.</p><p>Na Estética da Recepção, conforme elaborada teoricamente por Jauss, o diálogo constante entre o</p><p>passado e o presente orienta a história literária. Passado e presente se influenciam mutuamente,</p><p>gerando uma inter-relação ou conexões funcionais entre a leitura de novas obras e a interpretação das</p><p>obras antigas. Assim, a história literária é dinâmica.</p><p>Questão 2</p><p>Na Teoria do Efeito Estético, um dos principais elementos textuais que estruturam a leitura são os</p><p>brancos ou vazios, que</p><p>Parabéns! A alternativa B está correta.</p><p>Os brancos ou vazios são termos que se destacam na Teoria do Efeito Estético de Iser. Eles</p><p>correspondem a pontos nos quais a percepção do leitor de que falta alguma coisa deve motivá-lo a</p><p>D dinâmica, pois cada mudança de horizonte pode alterar a compreensão de obras</p><p>anteriores.</p><p>E questionada, pois os valores modernos são incompatíveis com os clássicos.</p><p>A existem apenas nos textos da modernidade eurocêntrica.</p><p>B convidam o leitor a tentar formar coerências com base na dinâmica parte-todo.</p><p>C constituem o espaço ocupado pelo leitor implícito.</p><p>D convidam o leitor a completar essas lacunas com seu conhecimento pessoal.</p><p>E não devem ser preenchidos, pois isso prejudica os significados potenciais do texto.</p><p>suprir essa falta por meio da leitura. Essa leitura ou interação entre o leitor e o texto ocorre a partir de</p><p>uma tensão entre os segmentos textuais, com o leitor buscando resolver essa tensão estabelecendo</p><p>coerência entre as partes do</p><p>texto e o seu todo.</p><p>3 - Crítica literária e Psicanálise</p><p>Ao �nal deste módulo, você será capaz de reconhecer as possibilidades</p><p>de pensar a leitura literária a partir de conceitos psicanalíticos.</p><p>Alguns esclarecimentos preliminares</p><p>Se até agora temos visto abordagens críticas originadas no campo dos estudos literários, este módulo será</p><p>um pouco diferente: veremos aqui como alguns conceitos de outra área de estudos, a Psicanálise, podem</p><p>ser aproveitados para pensar a leitura literária.</p><p>Antes de começar, vale lembrar alguns cuidados: como lidaremos com instrumentos que não foram</p><p>desenvolvidos para o estudo literário, e sim para o tratamento clínico de pessoas reais em sofrimento</p><p>psíquico, os empréstimos de conceitos e técnicas passam sempre, necessariamente, por adaptações de</p><p>meios e de objetivos. Isto porque a Psicanálise se dá em situações de interação face a face entre o analista</p><p>e o analisando (paciente).</p><p>Na literatura, como temos visto, o texto não propicia exatamente uma interação entre as pessoas do autor e</p><p>do leitor, mas outra coisa.</p><p>Iniciaremos os estudos com uma visão esquemática do modelo freudiano de constituição psíquica do</p><p>sujeito e de alguns dos conceitos psicanalíticos mais aproveitados nos estudos literários. Em seguida,</p><p>veremos algumas modalidades de aproximações entre Psicanálise e Literatura. Por fim, conheceremos a</p><p>proposta desenvolvida por Julia Kristeva em seu A revolução da linguagem poética, que utiliza conceitos e</p><p>teorias psicanalíticas para pensar o funcionamento linguístico-psíquico-social do texto literário.</p><p>A base de tudo: o modelo de Freud</p><p>Diferentemente de outras ciências, a Psicanálise tem um fundador: o médico austríaco Sigmund Freud</p><p>(1856-1939), que construiu suas teorias a partir de observações e da prática clínicas realizadas entre o final</p><p>do século XIX e o início do século XX. De sua extensa obra, que tem diversas mutações internas, alguns</p><p>conceitos e modelos interessam especialmente aos estudos literários, como Inconsciente, Pulsão e Édipo.</p><p>A teoria do inconsciente pode ser vista como uma narrativa do processo de</p><p>constituição psíquica do sujeito.</p><p>Inicialmente, o bebê não se percebe como alguém separado do mundo e nem de sua mãe. O</p><p>estabelecimento dessas fronteiras, que acarretam a formação da consciência e a sensação de ser um Eu,</p><p>decorrem de experiências de frustração, de se defrontar com a realidade: nunca se está totalmente</p><p>satisfeito.</p><p>A constituição da estrutura psíquica é fundada sobre a experiência da falta, do desconforto (por exemplo,</p><p>sensações de fome, frio/calor, da falta de controle sobre o ambiente e sobre o próprio corpo), confrontados</p><p>com a ilusão de que teria existido um tempo anterior de satisfação absoluta: isso gera o desejo, que é a</p><p>busca constante por substitutos dessa plenitude sentida como perdida, por uma satisfação completa e</p><p>inatingível, a "repetição de uma experiência primária de satisfação" (FREUD, 1996, p. 52).</p><p>Ao mesmo tempo, conforme se dá conta da existência de outras pessoas, a criança percebe que seus</p><p>desejos podem provocar reações negativas e que é preciso fazer adequações e renúncias, sob pena de</p><p>sofrer restrições.</p><p>O estabelecimento de limites Eu-Outro e a percepção de que é preciso adequar nosso comportamento a</p><p>estruturas e normas sociais são explicados por Freud na forma de um pequeno drama, a que ele chama</p><p>Édipo, e que apresentaremos de modo simplificado.</p><p>Antes de iniciar a exposição, é importante ter em mente dois pontos:</p><p>A sexualidade infantil freudiana</p><p>A sexualidade infantil freudiana é muito diferente do sexo do mundo adulto; como ressalta Payne (1993, p.</p><p>86-87), o modelo de Freud não pretende descrever fatos, mas sim entender como a mente infantil percebe e</p><p>simboliza os processos que a estruturam: em outras palavras, é uma teoria de como se organizam a</p><p>percepção corporal e social, bem como as sensações de prazer, necessidade, frustração etc. Payne lembra</p><p>que o texto freudiano As Teorias Sexuais das Crianças, de 1908, no qual é apresentado o complexo de</p><p>castração, inicia avisando aos leitores que essas teorias infantis, longe de serem precisas, correspondem à</p><p>percepção e ao entendimento limitado da mente infantil naquele estágio de sua formulação.</p><p>Pai, mãe e criança são papéis em uma estrutura</p><p>Pai, mãe e criança são papéis em uma estrutura. Esses papéis requerem características de gênero</p><p>(masculino e feminino), mas não laços biológicos.</p><p>Assim, para Freud, durante a amamentação o bebê não apenas se alimenta, mas descobre também a</p><p>sensação de prazer. Essa sensação, desvinculada de sua utilidade prática, origina a primeira pulsão –</p><p>articulação de estímulos corporais e de suas marcas psíquicas.</p><p>A pulsão é definida como:</p><p>[...] conceito situado na fronteira entre o mental e o somático, como o</p><p>representante psíquico dos estímulos que se originam dentro do organismo e</p><p>alcançam a mente, como uma medida da exigência feita à mente no sentido de</p><p>trabalhar em consequência de sua ligação com o corpo.</p><p>(FREUD, 1996, p. 127)</p><p>Originada em um desvio do instinto, a pulsão é um estímulo que perturba a inércia à qual tende a psique e</p><p>demanda uma ação para restituir o equilíbrio tensional. Destacamos que a separação entre necessidade e</p><p>prazer é importantíssima para os estudos literários, pois muitas teorias estéticas modernas baseiam-se no</p><p>valor de fruição daquilo que não tem utilidade.</p><p>Voltando ao Édipo freudiano: nesse momento, o bebê ainda não tem nenhum senso de identidade, sendo</p><p>antes um campo de forças desordenadas. A proximidade e importância do corpo da mãe fazem com que</p><p>este seja o foco de muitas sensações e impulsos do bebê, resultando em um desejo inconsciente de união</p><p>(sexual).</p><p>Até aqui, a teoria abrange tanto meninos quanto meninas; a partir deste ponto, contudo, o modelo freudiano</p><p>privilegia a constituição psíquica masculina, tratando a feminina como uma espécie de derivado. O desejo</p><p>do bebê é barrado pela presença do pai, que aparece como rival na posse da mãe, e pelo que o bebê percebe</p><p>como ameaça de castração: quando se dá conta de que a anatomia genital da mãe é diferente da sua, o</p><p>menino passa a temer que isso aconteça com ele caso contrarie o pai.</p><p>Produz-se nessa complexa rede de relações o Eu, que é um instrumento de interação psíquica com o</p><p>mundo, uma maneira de o ser humano se perceber e se articular, que é mediada pela consciência.</p><p>Para solucionar seu dilema, o menino reprime seu desejo, isto é, aceita subordiná-lo à estrutura social</p><p>vigente (ao que Lacan identifica como a Lei, personificada na figura do pai) mediante a promessa de que no</p><p>futuro ele será como o pai, ocupará esse lugar social da Lei e de posse de seu objeto de desejo.</p><p>Essa repressão inaugural, que é renúncia aos desejos e aceite da Ordem, instaura a consciência e seu duplo,</p><p>o inconsciente.</p><p>Produz-se nessa complexa rede de relações o Eu, que é um instrumento de interação psíquica com o</p><p>mundo, uma maneira de o ser humano se perceber e se articular, que é mediada pela consciência.</p><p>Já o inconsciente tem sua dinâmica particular, regulada por pulsões e desejos que</p><p>se mostram apenas indiretamente – nos sonhos, por exemplo.</p><p>O inconsciente não se aquieta nos bastidores e pressiona para vir à tona, influenciando nossos atos e</p><p>palavras; como é uma região fora da língua comunicativa, ele se manifesta de outras formas, que o</p><p>psicanalista procura detectar e traduzir (no inconsciente freudiano, a relação significante-significado não é</p><p>arbitrária e parte do trabalho do analista é refazer a cadeia de associações para chegar ao seu motivador</p><p>inicial).</p><p>Assim, o sujeito formado por esse processo é fraturado, rachado entre inconsciente e consciência,</p><p>separado irremediavelmente não apenas dos outros, mas – também e principalmente – de si mesmo.</p><p>Em que pesem as críticas ao machismo e eurocentrismo que permeiam os modelos freudianos, lembremos</p><p>apenas que a proposta psicanalítica do sujeito fraturado representa um rompimento avassalador com a</p><p>concepção anterior, na qual o sujeito</p><p>era visto como uma unidade íntegra e essencialmente racional: em</p><p>contraste, pensar que nossa identidade, longe de ser um fato, é uma espécie de construção narrativa, e que</p><p>somos fortemente movidos por motivações que somos incapazes de conhecer e de controlar, é altamente</p><p>perturbador.</p><p>Atenção!</p><p>A teoria freudiana não coloca em questão a responsabilidade ética ou jurídica sobre os atos, apenas a</p><p>arrogância de achar que somos capazes de compreendê-los por completo.</p><p>Literatura e Psicanálise</p><p>Também chamada de "cura pela fala", a Psicanálise pressupõe que ao falar sobre si, sobre suas experiências</p><p>e percepções, o paciente constrói uma espécie de narrativa de si mesmo. Essa narrativa será o objeto de</p><p>trabalho do psicanalista.</p><p>Desse modo, a Psicanálise e a Literatura têm em comum serem fundadas na prática da palavra. Um primeiro</p><p>ponto de contato é o recurso de Freud às narrativas e aos mitos na formulação e nomeação de conceitos</p><p>psicanalíticos: o complexo de Édipo, o narcisismo (derivado de Narciso), os nomes para as pulsões de vida e</p><p>de morte, chamadas de Eros e Tânatos.</p><p>Para o fundador da Psicanálise, as figuras e narrativas artísticas ajudam a simbolizar o funcionamento da</p><p>psique humana e "antecipa[m] as descobertas da investigação analítica" (MANDIL, 2005, p. 45).</p><p>Freud considerava que a Literatura pode dar a ver coisas importantes sobre o ser</p><p>humano.</p><p>Uma semelhança entre o inconsciente e as produções literárias está no tipo de relações que ali se</p><p>estabelecem: ao contrário da lógica da realidade, do dia a dia, no inconsciente e na poesia os contrários</p><p>podem coexistir sem se anular, há espaço para ambiguidades e contradições e as associações seguem um</p><p>parâmetro mais formal do que semântico.</p><p>O psicanalista francês Jacques Lacan (1901-1981), que retrabalhou as teorias freudianas à luz do</p><p>Estruturalismo e de estudos sobre o discurso, considerava que o inconsciente é estruturado como uma</p><p>linguagem, operando por condensação e deslocamento de significados e produzindo, assim, uma cadeia</p><p>infinita e vertiginosa de significantes.</p><p>Como na língua saussuriana, a economia do inconsciente lacaniano é imanente e diferencial, ou seja, os</p><p>valores dos significantes são estabelecidos nas relações entre eles, e não com algo externo que indicariam.</p><p>ondensação e deslocamento de signi�cados</p><p>Conceitos próximos, respectivamente, dos conceitos de metáfora e metonímia de Jakobson.</p><p>Uma das poucas manifestações do inconsciente a que nossa consciência tem acesso parcial são os</p><p>sonhos. Porém, essa expressão não é direta: o sonho é o resultado de um intenso trabalho de</p><p>transformação dos diversos estímulos psíquicos que ele elabora (sensações, emoções, eventos). Essa</p><p>transformação pode ser vista como análoga à transformação operada pela literatura sobre os seus objetos</p><p>ou temas: ela tem leis próprias e é essencialmente uma atividade produtiva, que não reflete, e sim propõe:</p><p>articula relações e objetos de maneira inédita, compondo uma organização própria.</p><p>Como explica o crítico inglês Terry Eagleton:</p><p>Em contrapartida, a noção freudiana de sonho permite-nos ver a obra literária</p><p>não como um reflexo, mas como uma forma de produção. Assim como o</p><p>sonho, a obra parte de certas "matérias-primas" – a linguagem, outros textos</p><p>literários, modos de perceber o mundo – e, usando certas técnicas, transforma-</p><p>os num produto. As técnicas dessa produção são os diversos dispositivos que</p><p>conhecemos como "forma literária".</p><p>(2005, p. 157)</p><p>Para Lacan, a entrada do sujeito no mundo da linguagem coincide com a percepção de estarmos separados</p><p>dos outros e do mundo – e é, portanto, um trauma fundador de nossa estrutura psíquica: a palavra é sempre</p><p>experimentada como falta, como substituto insuficiente de uma integração, e não dá jamais acesso ao</p><p>significado referido, apenas a outros significantes.</p><p>A experiência da palavra como falta, e não como presença, é central na produção literária de muitos</p><p>escritores da modernidade eurocêntrica.</p><p>Entre nós, um dos exemplos mais marcantes talvez seja a escritora Clarice Lispector, para quem o trabalho</p><p>da leitura (chegamos a ela, finalmente!) não é suprir os não ditos do texto, as entrelinhas, e sim experimentar</p><p>a comunhão do indizível e da opacidade da linguagem.</p><p>Em Literatura e Psicanálise: modos de aproximação, Ram Mandil (2005) alerta para a importância da</p><p>diferença entre as áreas e de uma certa impermeabilidade entre elas. Ele lembra que uma das principais</p><p>aproximações entre Literatura e Psicanálise foi levantada pelo filósofo francês Michel Foucault no seu livro</p><p>As palavras e as Coisas.</p><p>Nesse livro, Foucault argumenta que a modernidade trouxe uma ruptura epistêmica, isto é, uma mudança no</p><p>modo de conceber e construir conhecimento. Essa mudança partiria de uma alteração profunda no</p><p>entendimento da palavra: além de veículo de sentido e de representação (ou seja, ferramenta de</p><p>pensamento e comunicação humanas), passa-se a reconhecer que ela é também regida por leis internas,</p><p>próprias, que os falantes não controlam.</p><p>A abertura dessa nova face da palavra possibilita o surgimento de campos que estudam essas leis, como a</p><p>Gramática e a Filologia, e também de campos que exploram a relação humana com esse incontrolável,</p><p>como a Psicanálise e a Literatura, que passa a refletir cada vez mais sobre seus próprios processos.</p><p>Práticas da articulação Literatura-Psicanálise</p><p>Pode-se dizer que as principais práticas de articulação entre Literatura e Psicanálise nos estudos literários</p><p>consistem em:</p><p>1. Usar conceitos psicanalíticos para interpretar obras literárias. Segundo Eagleton (2005, p. 155), há quatro</p><p>modos principais de fazer isso: enfocando o autor, o conteúdo, a construção formal, ou o leitor da obra.</p><p>2. Pesquisar as possibilidades terapêuticas da escrita e da leitura literárias.</p><p>3. Partir de conceitos psicanalíticos para refletir sobre a natureza do texto literário, sobre seus modos</p><p>particulares de funcionamento e de relações linguísticas, psíquicas e sociais.</p><p>É esta terceira opção que exploraremos a seguir, acompanhando a argumentação desenvolvida por Julia</p><p>Kristeva em A Revolução da linguagem poética (1974).</p><p>É importante considerar as definições sobre:</p><p>Usar a obra para analisar o escritor, buscando a influência de acontecimentos biográficos na</p><p>recorrência de temas, estilos etc. Trata-se o texto como um sintoma a decifrar.</p><p>Autor </p><p>Conteúdo </p><p>Analisar as motivações inconscientes de personagens, o simbolismo de eventos/elementos/temas</p><p>figurados no texto.</p><p>Buscar reconstituir um inconsciente do texto. Como o texto não é um sujeito, a particularidade</p><p>desse tipo de análise está em ater-se exclusivamente às palavras na página, sem buscar causas ou</p><p>consequências em fatores externos, como o autor, o contexto etc. Explora-se ambiguidades,</p><p>recorrências, omissões e destaques para construir na leitura um subtexto, trazer à tona algo que</p><p>estava silencioso.</p><p>Analisar o texto para entender alguns dos processos envolvidos em sua produção e discernir as</p><p>relações entre o conteúdo manifesto (os objetos e situações) e o latente (sua simbologia), que se</p><p>dão a ver em distorções, ausências, supressões, paralelismos, frequência de certos termos e campos</p><p>semânticos.</p><p>Investigar os possíveis efeitos da leitura na psique dos leitores.</p><p>O semiótico de Kristeva: na encruzilhada de poesia e</p><p>Psicanálise</p><p>Julia Kristeva (1974) trabalha na articulação entre teorias do sentido, da linguagem e do sujeito, tomando</p><p>emprestado à Psicanálise conceitos que ajudam a formular o processo de significância – nome que ela dá à</p><p>prática dos textos com/na linguagem e na constituição dos sujeitos. Ela une seu conhecimento e prática de</p><p>Psicanálise, Semiótica e Literatura a uma perspectiva feminista para postular duas modalidades do</p><p>processo de significância: o semiótico e o simbólico.</p><p>Simbólico</p><p>Construção formal </p><p>Autor da obra </p><p>É "produto social da relação com o outro, através das limitações objetivas constituídas pelas</p><p>diferenças biológicas (dentre as quais estão as sexuais)</p><p>e pelas estruturas familiares dadas concreta e</p><p>historicamente" (KRISTEVA, 1974, p. 28).</p><p>Semiótico</p><p>É uma potência que, na língua, resiste ao seu caráter de estabilidade. Um resíduo do estágio anterior ao</p><p>Édipo, o semiótico kristevano traz a possibilidade de escapar/suspender momentaneamente a ordem</p><p>vigente da linguagem comum.</p><p>De modo esquemático, Kristeva assim caracteriza essas duas modalidades:</p><p>Simbólico Semiótico</p><p>Sujeito indiviso e transcendental Sujeito disperso e fraturado</p><p>Requer posicionamento (identidade ou</p><p>diferença) do sujeito falante em relação aos</p><p>objetos dos quais fala</p><p>Indistinção sujeito-objeto</p><p>Estruturado pela Lei</p><p>Estruturado em articulações provisórias, fluidas</p><p>e constituídas de movimentos</p><p>Subjacente aos aparelhos institucionais de</p><p>ordem, autoridade e poder</p><p>Disruptivo da ordem estabelecida</p><p>Língua comunicativa</p><p>Lida com aspectos da língua irredutíveis à sua</p><p>tradução verbal inteligível</p><p>Quadro As modalidades semiótica e simbólica</p><p>Tais modalidades são inseparáveis e se articulam de modos diferentes nos vários tipos de discurso (teoria,</p><p>poesia, narrativa...). Podem ser relacionadas aos estágios de desenvolvimento do sujeito propostos por</p><p>Freud e retrabalhados por Lacan e pela psicanalista austríaca Melanie Klein (1882-1960).</p><p></p><p>As pesquisas de Klein se concentram no estágio pré-edípico. De modo semelhante, as propostas de Kristeva</p><p>buscam resgatar um "outro" necessário ao simbólico na linguagem (o semiótico) e propor que isso é</p><p>realizado pela literatura.</p><p>Possivelmente em diálogo com o filósofo argelino Jacques Derrida, Kristeva coloca a necessidade de</p><p>pensar em um elemento/dinâmica "externo" e constituinte dos sistemas fechados – algo que, sendo</p><p>designado nesse sistema como marginal, é ao mesmo tempo um elemento do sistema e a definição de seus</p><p>limites.</p><p>Como sublinha Eagleton (2005, p.164, grifos do autor), o semiótico de Kristeva "não é uma alternativa à</p><p>ordem simbólica, uma linguagem que se poderia falar no lugar do discurso "normal", mas sim um processo</p><p>interno aos sistemas de signos convencionais, que questiona e transgrede os limites deles."</p><p>Nesse sentido, Kristeva (1973, p. 13) sustenta que, por privilegiar o semiótico, o</p><p>tipo de significância operada por alguns escritores é capaz de provocar profundas</p><p>rupturas no funcionamento da língua, o que conduz a modificações no estatuto do</p><p>sujeito – e, consequentemente, nas instituições sociais e políticas que neles se</p><p>sustentam.</p><p>A literatura, portanto, efetuaria uma violência positiva sobre as relações inconscientes, subjetivas e sociais,</p><p>impondo a necessidade de reposicionamentos. Para formular essa violência positiva, Kristeva se vale</p><p>especialmente da pulsão de morte, que, para Freud (em Além do princípio do prazer, de 1920), é o impulso</p><p>para retornar a um estado anterior à existência animada.</p><p>Assim como para Freud, o inconsciente existe e age após a instauração da consciência, sendo seu</p><p>duplo e buscando a todo tempo driblar sua hegemonia e suas barreiras, também o semiótico de</p><p>Kristeva opera com/contra o simbólico.</p><p>Do mesmo modo que o inconsciente se manifesta em atividades específicas, como o sonho, o</p><p>semiótico é detectável em práticas significantes específicas, como o texto (KRISTEVA, 1974, p. 28).</p><p>Assim como a pulsão de morte é, para Freud, anterior e subjacente ao princípio do prazer (que, até</p><p>aquele momento, fora o principal elemento regulador da economia psíquica na teoria freudiana), o</p><p>semiótico kristevano é a atividade primordial da significância, e é cortado pela significação, que se</p><p>instala sobre ele e a partir dele.</p><p>O inconsciente e a pulsão de morte </p><p>Assim como um rio canalizado pode, sob forte chuva, transbordar e inundar a cidade que o confinou,</p><p>também o semiótico pode transbordar e inundar a língua.</p><p>A ação das pulsões no sistema simbólico da linguagem provoca modificações</p><p>que atingem o nível morfo-fonêmico, a sintaxe, a distribuição das instâncias</p><p>discursivas, e as relações contextuais. [...] Ritmo, perturbação da estrutura</p><p>profunda, passagem da locução à ficção etc.: [...] multiplicam-na numa nova</p><p>rede e tendem a dissolvê-la. Chamaremos essa nova organização</p><p>translinguística [...] dispositivo semiótico.</p><p>(KRISTEVA, 1974, p. 207, grifo da autora)</p><p>E o que tudo isso tem a ver com a leitura?</p><p>Apesar de serem operadas pelos textos poéticos, o lugar onde as transformações postuladas por Kristeva</p><p>acontecem é exatamente na pessoa leitora.</p><p>Kristeva examina o trabalho de linguagem de alguns poetas franceses e encontra ali uma pressão do</p><p>poético que leva o signo linguístico ao limite pelo seguinte procedimento: recusando a "transparência" da</p><p>língua (isto é, recusando-se a concebê-la como um mero veículo para significados) e valorizando suas</p><p>propriedades imanentes, os textos desses poetas produzem estranhezas que ameaçam estilhaçar a</p><p>estabilidade dos significados.</p><p>Isso é efetuado explorando poeticamente qualidades sensoriais da língua, como tom e ritmo, e também</p><p>tudo o que escapa ao projeto racional de coerência: silêncios, contradições, ausências. Como a estabilidade</p><p>é um dos componentes cruciais de uma leitura que atravessa o texto como uma janela para a</p><p>representação, o efeito dessa pressão poética atinge também o leitor, que se vê não apenas incapaz de fixar</p><p>coerências e significados definitivos no texto, mas também abalado na estabilidade de seu funcionamento</p><p>linguístico e de seu estatuto de sujeito. Em consequência, esse leitor pode vir a vislumbrar fissuras nas</p><p>várias estruturas sociais, políticas e econômicas que eles sustentam.</p><p>Resumindo</p><p>Em uma escala maior, social, Kristeva propõe que essa perturbação poética abale algumas das oposições</p><p>binárias que sustentam a ordem social vigente, tais como autoridade/obediência, são/insano,</p><p>norma/desvio.</p><p>Psicanálise e literatura</p><p>Está na hora de quem mais entende do assunto exemplificar a relação entre Psicanálise e Literatura a partir</p><p>de conceitos de Freud, Lacan e Kristeva. Vamos conferir!</p><p></p><p>Falta pouco para atingir seus objetivos.</p><p>Vamos praticar alguns conceitos?</p><p>Questão 1</p><p>Analise as afirmativas seguintes com base no texto deste módulo.</p><p>I. A crítica psicanalítica deve necessariamente levar em conta informações biográficas do autor, pois</p><p>busca decifrar seu inconsciente.</p><p>II. Há semelhanças entre o trabalho de deformação-produção realizado pelos sonhos e pela forma</p><p>literária.</p><p>III. Literatura e Psicanálise são atividades discursivas que efetuam o mesmo tipo de utilização da</p><p>palavra (não comunicativa).</p><p>São corretas</p><p>Parabéns! A alternativa B está correta.</p><p>A afirmativa I está incorreta porque a crítica psicanalítica não está baseada na biografia do autor ou na</p><p>decifração de seu inconsciente. A afirmativa II está correta porque o sonho provém da transformação</p><p>ou do trabalho dos vários estímulos psíquicos, o que pode ser visto como análogo ao trabalho ou à</p><p>transformação produzidos pela literatura a partir de seus objetos e temas. A afirmativa III está incorreta</p><p>porque há diferenças entre Psicanálise e Literatura, uma delas corresponde ao trabalho discursivo ou</p><p>com a palavra.</p><p>Questão 2</p><p>Relacione os focos de análise textual listados a seguir com as citações numeradas. Depois, escolha a</p><p>alternativa com a ordem correta.</p><p>psique do autor – conteúdo do texto – forma do texto</p><p>I. "Durante esse tempo, pouco a pouco, [o protagonista] vai se esquecendo de si mesmo, até que, após</p><p>muito procurar, se depara com uma imagem conhecida. Era uma imagem de seu pai. Quando isto</p><p>acontece, ele percebe que já não se lembra mais de seu nome. Não havia mais nenhum significante que</p><p>o pudesse garantir como ser, [...]. O esquecimento do nome representava, portanto, o sinal de que a</p><p>enfatuação narcísica chegava ao fim e que uma passagem podia ser realizada" (LIMA, Celso Rennó. A</p><p>leitura de uma ficção: a história sem fim. Aletria: Revista de Estudos de Literatura, v. 12, p. 57-63, 2005.)</p><p>A apenas I.</p><p>B apenas II.</p><p>C apenas III.</p><p>D I e III.</p><p>E II e III.</p><p>II. "Água viva [...] configura-se como ponto-limite da obra</p>

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