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<p>As visões de Marx e Durkheim em relação à divisão do trabalho</p><p>Teresinha Quadros - 2007</p><p>O desenvolvimento intensivo e sistemático da divisão do trabalho, coincide com o</p><p>surgimento da sociedade moderna industrial, com o desenvolvimento do modo de</p><p>produção capitalista e com o surgimento da sociologia como ciência. Nesse sentido, se</p><p>constituiu em tema presente e de grande relevância para a compreensão e explicação da</p><p>realidade social nas vertentes clássicas de sua interpretação.</p><p>Historicamente, esses fenômenos foram considerados em conjunto hora de forma mais,</p><p>hora de forma menos integrada e interdependente para a explicação da realidade social,</p><p>mas na obra de dois autores considerados clássicos das Ciências Sociais, mais</p><p>precisamente Karl Marx e Èmile Durkheim, o fenômeno da divisão do trabalho adquire</p><p>maior relevância no esforço de explicação da gênese e desenvolvimento da vida social.</p><p>Dada a relevância assumida pelo fenômeno no corpo teórico constituído por cada um dos</p><p>autores em foco, será objeto desse trabalho desenvolver uma análise comparativa entre a</p><p>visão destes em relação a essa questão. A escolha do tema se fundamenta,</p><p>adicionalmente, na importância que as análises deverão assumir no desenvolvimento da</p><p>tese de doutorado da autora, sobretudo no que se refere ao autor Karl Marx, que irá</p><p>compor seu respectivo quadro de referência teórica.</p><p>Para o desenvolvimento do trabalho serão considerados apenas textos dos autores que</p><p>compõem o que ficou conhecido como a “primeira fase” de suas respectivas obras, mais</p><p>ligadas à constituição de uma cosmovisão e identificação dos fundamentos da vida social,</p><p>quais sejam: os Manuscritos Econômico-filosóficos (1843/44) e A Ideologia Alemã</p><p>(1845/46), de Karl Marx, textos associados à sua fase considerada mais filosófica e A</p><p>Divisão do Trabalho Social (1893) e As Regras do Método Sociológico (1895) de Èmile</p><p>Durkheim. Adicional e eventualmente, serão considerados elementos e idéias presentes</p><p>no conjunto mais amplo da obra de cada um deles, sem que se tenha, entretanto, a</p><p>pretensão de esgotar a discussão nem atribuir a esta um caráter exaustivo.</p><p>Primeiramente, serão apresentados elementos das obras dos dois autores, cada um</p><p>individualmente, que situam suas respectivas posições em relação à divisão do trabalho.</p><p>Em seguida, procederemos a uma análise na qual buscaremos confrontar a visão dos dois</p><p>e, na medida do possível, compara-las entre si.</p><p>A Divisão Social do Trabalho na visão de Karl Marx</p><p>No conjunto de sua obra, Karl Marx busca explicar os fundamentos da vida social, de que</p><p>forma se dá o seu desenvolvimento, como este é condicionado pelo modo de produção da</p><p>vida material, como se constroem e se transformam o conjunto das relações sociais e</p><p>principalmente, as bases e o funcionamento do modo de produção capitalista e sua</p><p>respectiva superação histórica, tida por este como um processo inevitável.</p><p>A cosmovisão que Marx constrói está fortemente ancorada nas noções de sujeito,</p><p>trabalho, movimento e dialética presentes na obra de Hegel, autor com o qual ele irá se</p><p>contrapor, criticando o caráter idealista de sua obra.</p><p>Em contraposição a essa crítica, a qual, em sua obra A Ideologia Alemã, o autor irá</p><p>dirigir igualmente ao conjunto de filósofos alemães que se auto-intitulam de neo-</p><p>hegelianos, o autor apresenta uma nova visão de mundo e da história, segundo a qual o</p><p>modo de produção da vida material é que determina o caráter geral dos processos da vida</p><p>social, política e espiritual. Segundo essa visão, não é a consciência dos homens e nem as</p><p>suas idéias que determinam a realidade objetiva, mas ao contrário, a realidade social,</p><p>fundada em sua base material, que lhes determina a consciência, que é, por natureza,</p><p>histórica.</p><p>“A consciência conseqüentemente, desde o início, é um produto social...é,</p><p>antes de tudo, mera consciência do meio sensível mais próximo e</p><p>consciência de uma interdependência limitada com as demais pessoas e</p><p>coisas que estão situadas fora do indivíduo que se torna consciente...”</p><p>(MARX e ENGELS, 2006: p. 57).</p><p>O ser humano, para Marx, é um ser que age e sendo assim, a realidade só pode ser</p><p>apreendida através da ação (práxis) que estes desenvolvem. A mediação do homem com</p><p>o seu meio se dá através do trabalho e ao modificar a natureza, o homem modifica a si</p><p>próprio e ao conjunto de relações que estabelece com os outros homens. Não existe,</p><p>portanto, uma realidade social apartada da natureza, pois uma determina a outra, em</p><p>relação dialética. Nesse sentido, a origem da sociedade se confunde com a origem do</p><p>próprio homem em relação com o meio e com os outros homens.</p><p>Com base nesse pressuposto, o autor se propõe a desvendar a relação entre o pensamento</p><p>e a realidade (principalmente a realidade alemã), entre o pensamento, a ação humana e o</p><p>meio material.</p><p>O autor se interessa particularmente pelo fenômeno do poder, que compreende como</p><p>relação social e não como coisa. Para ele, apenas quando há a divisão do trabalho no</p><p>plano material e intelectual é que se dá o fenômeno da dominação e o surgimento da</p><p>propriedade privada e é nessa perspectiva que o fenômeno da divisão do trabalho ganha</p><p>expressão no conjunto da teoria que desenvolve.</p><p>A primeira obra do autor na qual nos propomos a buscar sua concepção sobre aa divisão</p><p>do trabalho são os Manuscritos Econômico-filosóficos que, corresponde a análise dos</p><p>fundamentos de uma economia-política. Nesta obra, Marx faz referência principalmente</p><p>às idéias dos autores que representam o que chama de Economia Nacional, e os acusa de</p><p>não terem feito esclarecimento algum a respeito do fundamento da divisão do trabalho e</p><p>sua relação com o capital, a despeito de terem identificado o homem e o trabalho como</p><p>fundamentos deste.</p><p>Para Marx, o trabalho significa um momento do capital, a essência da propriedade</p><p>privada e também a um instrumento produtivo como qualquer outro que corresponde aos</p><p>custos, a uma das obrigações do capital, que tem o significado de manutenção, como por</p><p>exemplo, o óleo que se coloca no maquinário. Segundo o autor, Adam Smith já havia</p><p>descoberto isso, ou seja, o homem e o trabalho como essência da propriedade, da riqueza,</p><p>o que corresponde a um passo à frente dado pela economia clássica, mas não teria,</p><p>entretanto, reconhecido a tensão que esse homem enfrenta com a essência externa da</p><p>propriedade.</p><p>Na referida obra, o autor parte da idéia de que o trabalhador, na sociedade capitalista, não</p><p>produz apenas mercadorias, mas produz a si mesmo e ao trabalho também como</p><p>mercadorias e - ainda que o texto tenha sido mantido na forma de manuscritos</p><p>(apontamentos) -, apresenta suas análises a respeito dos processos de objetivação (o</p><p>trabalho que fez-se coisa), estranhamento (a perda, pelo trabalhador do seu objeto, do</p><p>produto do seu trabalho) e alienação do trabalho(o trabalhador não pertence a si próprio e</p><p>torna-se servo do seu objeto) (MARX, 2004: P. 81).</p><p>O ato de estranhamento da atividade humana prática , segundo o autor, pode ser vista sob</p><p>dois aspectos: 1) a relação do trabalhador com o produto do trabalho como objeto</p><p>estranho e poderoso sobre ele e 2) A relação do trabalho com o ato da produção no</p><p>interior do próprio trabalho. Dessa forma, o trabalho estranhado,</p><p>“ ... estranha o homem do próprio corpo, assim como a natureza fora dele,</p><p>tal como sua essência espiritual, a sua essência humana... uma</p><p>conseqüência imediata disto ... é o estranhamento do homem pelo próprio</p><p>homem ...”( MARX, 2004: P. 85)</p><p>Nos Manuscritos, o autor apresenta suas análises sobre origem/fundamento da</p><p>propriedade privada. Afirma que esta alcança a sua forma plena e universal apenas na</p><p>sociedade capitalista e analisa os contornos que o trabalho assume nessa formação social</p><p>utilizando-se dos conceitos de objetivação, exteriorização, estranhamento e alienação,</p><p>tendo estes processos referidos como fundamentos da propriedade privada e do capital.</p><p>“A propriedade privada é, portanto, o</p><p>resultado, a conseqüência necessária</p><p>do trabalho exteriorizado, da relação externa do trabalhador com a</p><p>natureza ... resulta, portanto, por análise, do conceito de trabalho</p><p>exteriorizado, isto é, de homem exteriorizado, , de trabalho estranhado, de</p><p>vida estranhada, de homem estranhado”. (MARX, 2004: P. 87)</p><p>Nesse momento, o autor propõe uma inversão em relação à economia Clássica, pois, se</p><p>para esta a propriedade privada aparece como fundamento do trabalho exteriorizado, para</p><p>Marx, ele é antes, uma conseqüência deste.</p><p>O autor apresenta a propriedade privada como relação social. Esta, como expressão</p><p>material e resumida do trabalho exteriorizado, abarca duas relações: a relação do</p><p>trabalhador com o trabalho e com o produto do seu trabalho e com o não trabalhador e a</p><p>relação do não trabalhador com o trabalhador e com o produto do trabalho desse último.</p><p>Estas relações seriam as bases da propriedade privada e os fundamentos da sociedade de</p><p>classes.</p><p>Tendo discutido o trabalho, na forma como se apresenta na sociedade capitalista, como</p><p>fundamento da propriedade privada e do capital e a respectiva dimensão de exploração e</p><p>danos à natureza humana que esta encerra, o autor irá, na Ideologia Alemã, se deter a</p><p>uma análise mais minuciosa e sistemática da divisão do trabalho e do fenômeno das</p><p>classes sociais no âmbito da sociedade capitalista, bem como da sua respectiva forma de</p><p>superação.</p><p>Nesta obra, o autor rebela-se contra o domínio das idéias que identifica como presentes</p><p>no pensamento filosófico dos neo-hegelianos na Alemanha, discute a questão da divisão</p><p>do trabalho, da propriedade , da ideologia e apresenta sua visão do comunismo .Acusa a</p><p>crítica alemã, principalmente materializada nos pensamentos de Strauss, Bauer e Stiner</p><p>de estar limitada à crítica das representações religiosas e de não ter saído do terreno da</p><p>Filosofia e os acusa de serem ideólogos e sonhadores.</p><p>Assim como nos Manuscritos (obra que não publicou), o autor se propõe a desvendar a</p><p>relação entre o pensamento, a ação humana e o meio material, mas se propõe,</p><p>principalmente, a desvendar o nexo entre a estrutura social e política e a produção e como</p><p>esta teria se dado historicamente, desta vez escrevendo com o seu amigo e parceiro</p><p>Engels.</p><p>Para as análises que desenvolvem, partem do princípio de que o que os indivíduos são,</p><p>coincide com a sua produção, com o que produzem e com o modo como produzem. “...O</p><p>que os indivíduos são, por conseguinte, depende das condições materiais de sua</p><p>produção.”</p><p>Para eles, tal produção aparece inicialmente com o aumento da população e pressupõe o</p><p>intercâmbio entre os indivíduos. Essa forma de intercâmbio, por sua vez, é condicionada</p><p>pela produção, ou seja, pelo estado de desenvolvimento das partes envolvidas no que diz</p><p>respeito às forças produtivas, divisão do trabalho e intercâmbio interno.</p><p>“O quanto as forças produtivas de uma nação estão desenvolvidas se</p><p>mostra objetivamente pelo grau de desenvolvimento atingido pela divisão</p><p>do trabalho ... cada nova força produtiva traz como conseqüência um novo</p><p>desenvolvimento da divisão do trabalho ... Os diferentes estágios de</p><p>desenvolvimento da divisão do trabalho representam outras tantas formas</p><p>diversas da propriedade ... cada nova fase da divisão do trabalho</p><p>determina, igualmente as relações entre os indivíduos no que diz respeito</p><p>ao material, ao instrumento e ao produto do trabalho.” (MARX e</p><p>ENGELS, 2006: P.45 e 46).</p><p>Nessa perspectiva, o autor apresenta uma classificação temporal em que a primeira forma</p><p>de propriedade teria sido a tribal e a esta corresponderia um estágio da divisão do</p><p>trabalho ainda pouco desenvolvido, limitado a uma maior divisão natural no seio da</p><p>família. Uma segunda forma seria a propriedade comunal e estatal da antiguidade</p><p>resultado da reunião de várias tribos em uma cidade por contrato ou por conquista, na</p><p>qual subsiste a esta altura da obra os autores ainda não a trata enquanto tal, mas como</p><p>escravidão. A terceira forma seria a feudal ou estamental, que, partindo do campo, teria</p><p>dado origem à oposição entre campo e cidade e a essa estrutura de posse da terra</p><p>corresponde, nas cidades, a propriedade corporativa, a organização dos ofícios artesanais</p><p>(nos quais a propriedade consistia principalmente no trabalho de cada indivíduo).</p><p>A cada estágio da divisão do trabalho e respectiva forma de propriedade, corresponde,</p><p>igualmente, uma forma de cooperação entre os indivíduos e um conjunto de idéias que</p><p>são a representação destas relações.</p><p>“De onde se segue que um modo de produção ou uma determinada fase</p><p>industrial estão sempre ligados a uma determinada forma de cooperação e</p><p>a uma fase social determinada, e que essa forma de cooperação é, em si</p><p>própria, uma “força produtiva”, decorre disso que o conjunto das forças</p><p>produtivas acessíveis aos homens condiciona o estado social e que , assim,</p><p>a “história dos homens”deve ser estudada e elaborada sempre em</p><p>conexão com a história da industria e do intercâmbio...” (MARX e</p><p>ENGELS, 2006: P.55 e 56).</p><p>No caso da sociedade capitalista, a forma de cooperação típica, seria a que é pautada na</p><p>divisão intensiva e extensiva do trabalho, tendo esta forma de cooperação graves efeitos</p><p>sobre a vida humana. Os autores não negam formas anteriores de propriedade privada e</p><p>até as descreve, mas ressaltam o fato de que a divisão do trabalho, na forma em que esta</p><p>se efetiva na sociedade capitalista, ou seja, de maneira a produzir o estranhamento e uma</p><p>falsa representação do homem em relação ao produto do seu trabalho e à sua participação</p><p>no processo de produção, se constitui em fator determinante para o processo de</p><p>consolidação da propriedade privada.</p><p>Para eles, a divisão do trabalho faz com que cada indivíduo disponha de uma esfera de</p><p>atuação exclusiva e determinada que lhe é imposta e da qual não pode sair, a menos que</p><p>queira perder seu meio de sobrevivência. Tal situação, na visão dos autores, só pode ser</p><p>superada com a instauração da sociedade comunista, que “... dá a possibilidade de hoje</p><p>fazer determinada coisa, amanhã outra, caçar pela manhã, pescar à tarde, criar animais</p><p>ao anoitecer, criticar depois do jantar, segundo meu desejo, sem jamais me tornar</p><p>caçador, pescador, pastor ou crítico”. (Pg. 60, 2006).</p><p>A fixação do homem a atividades específicas e fragmentadas, corresponde, para os</p><p>autores, a um dos principais momentos do desenvolvimento histórico e institui a</p><p>contradição entre o interesse particular e o coletivo, pois o interesse coletivo toma, na</p><p>qualidade do Estado e na forma do que chama de coletividade ilusória, uma forma</p><p>independente, distinta dos reais interesses particulares e gerais.</p><p>Para eles, assim como a propriedade, as classes também derivam da divisão do trabalho e</p><p>todas as lutas no âmbito do Estado são apenas maneiras ilusórias nas quais se</p><p>desenvolvem as lutas reais entre as diferentes classes. Portanto, toda a classe que aspira a</p><p>dominação deve antes conquistar o poder político para apresentar seu interesse como</p><p>interesse geral.</p><p>“O poder social ou a força produtiva multiplicada que nasce da cooperação</p><p>de vários indivídus exigida pela divisão do trabalho, aparece a esses</p><p>indivíduos - porque sua cooperação não é voluntária, mas natural – não</p><p>como seu próprio poder unificado mas como uma força alheia situada fora</p><p>deles, cuja origem e destino ignoram, que não podem mais dominar e que,</p><p>ao contrário, percorre agora uma série particular de fases e de estágios de</p><p>desenvolvimento , independente da vontade e do agir humano, e que, na</p><p>verdade, dirige estes últimos.” (MARX e ENGELS, 2006: P.61)</p><p>A este processo e a esta condição humana o autor chama de alienação e considera que</p><p>pode ser superada apenas sob dois pressupostos práticos: desenvolvimento universal das</p><p>forças produtivas e respectivo intercâmbio universal – fato que geraria, igualmente uma</p><p>massa universal de homens destituídos de propriedade e a respectiva instauração da</p><p>sociedade</p><p>comunista, que seria seu resultado. Ainda em relação à divisão do trabalho, os</p><p>autores afirmam que:</p><p>“A divisão do trabalho só vai efetivamente se tornar divisão a partir do</p><p>momento em que surge uma divisão entre o trabalho material e o espiritual.</p><p>A partir daí, a consciência pode efetivamente imaginar ser algo distinto da</p><p>consciência da práxis existente, que ela representa, de fato algo sem</p><p>representar algo real; desde então, a consciência está em condições de</p><p>emancipar-se do mundo e entregar-se à criação da teoria, da teologia, da</p><p>filosofia, da moral etc”. Todavia, ainda que essa teoria, essa teologia...</p><p>entrem em contradição com as relações existentes, isso só é possível</p><p>ocorrer porque as relações sociais existentes estão em contradição com as</p><p>forças de produção existentes;...” (MARX e ENGELS, 2006: P.57)</p><p>Com a divisão do trabalho em material e espiritual, entram em contradição entre si os três</p><p>momentos: a força de produção, o estado social e a consciência. A fruição e o trabalho, a</p><p>produção e o consumo acabam sendo destinados a indivíduos diferentes e a única</p><p>possibilidade desses elementos não entrarem em conflito é suprimindo novamente a</p><p>divisão do trabalho.</p><p>A distribuição quantitativa e qualitativa do trabalho e do seu produto envolve a</p><p>propriedade, que tem seu germe na família em que mulher e filhos são escravos do</p><p>marido. Originalmente, a propriedade corresponde ao poder de dispor da força de</p><p>trabalho de outrem, logo, implica em uma relação social e não com as coisas, como</p><p>teriam atestado os economistas “... além do que, divisão do trabalho, assim como</p><p>propriedades privadas, são expressões idênticas: pois na primeira se anuncia em relação</p><p>à atividade aquilo que se anuncia na última em relação ao produto dessa</p><p>atividade.”(MARX e ENGELS, 2006: P.59). Da mesma forma, o processo de alienação</p><p>que resulta da divisão do trabalho corresponde a um processo social, não se tratando,</p><p>portanto, de um resultado da divisão técnica do trabalho. Isso seria apenas a aparência e</p><p>cabe à ciência buscar a relação entre aparência e essência. Não é a propriedade que gera a</p><p>alienação e sim o inverso. O processo de alienação no trabalho é que explica a dinâmica</p><p>da sociedade capitalista.</p><p>Nesse sentido, um outro aspecto levantado pelos autores é que, com a divisão do</p><p>trabalho, ocorre ao mesmo tempo a contradição entre o interesse individual ou o da</p><p>família isolada e o interesse coletivo da totalidade dos indivíduos que se relacionam entre</p><p>si e esse interesse coletivo não existe apenas na representação como “interesse geral” mas</p><p>se apresenta, antes de tudo, na realidade concreta, como dependência recíproca dos</p><p>indivíduos entre os quais o trabalho é dividido.</p><p>Em relação às formas de representação desse interesse geral, os autores nos dizem quanto</p><p>ao processo de produção da consciência que com a extensão da atividade para uma</p><p>dimensão histórico-mundial, os indivíduos foram cada vez mais submetidos a uma força</p><p>que lhes é estranha...</p><p>A medida que a divisão do trabalho se desenvolve e a acumulação aumenta, mais se torna</p><p>aguda a fragmentação do trabalho e do homem. Disso, segundo o autor, resultam dois</p><p>fatos: as forças produtivas aparecem como independentes e separadas dos indivíduos. Os</p><p>indivíduos, dos quais as forças produtivas se compõem, passam a existir como indivíduos</p><p>isolados e em oposição mútua, ao tempo em que essa força só são forças reais na medida</p><p>do intercâmbio entre esses mesmos indivíduos.</p><p>Na concepção de Marx e Engels, todos os conflitos na História têm sua gênese na</p><p>oposição entre as forças produtivas e as relações de produção. Nesse sentido, visualizam</p><p>a superação da sociedade capitalista a partir da supressão da propriedade privada.</p><p>“A transformação – em razão da divisão do trabalho, de forças (relações)</p><p>pessoais em forças materiais – não pode ser superada arrancando-se da</p><p>mente essa representação geral, mas apenas se os indivíduos submeterem</p><p>novamente essas forças materiais a si mesmos e abolirem a divisão do</p><p>trabalho. O que não é possível sem a coletividade. Só na comunidade com</p><p>outros é que cada indivíduo encontra os mecanismos para desenvolver suas</p><p>faculdades em todos os aspectos; é apenas na coletividade, portanto, que a</p><p>liberdade pessoal se torna possível.” (MARX e ENGELS, 2006: P.112).</p><p>Marx vê como única possibilidade do indivíduo ver a sua atividade como manifestação</p><p>de si, a apropriação da totalidade das forças produtivas.</p><p>“Essa transformação do trabalho em atividade enquanto manifestação de si</p><p>corresponde também à transformação do limitado intercâmbio anterior em</p><p>intercâmbio entre indivíduos enquanto tais. Com a apropriação das forças</p><p>produtivas totais pelos indivíduos associados, a propriedade é suprimida ...</p><p>“Faz-se necessária uma transformação ampla dos homens para a criação</p><p>em massa dessa consciência comunista e também para o êxito da causa em</p><p>si. Essa transformação só será possível por meio de um movimento prático,</p><p>uma revolução; essa revolução é necessária, entretanto, não só por ser a</p><p>única maneira de derrotar a classe dominante, mas também porque somente</p><p>uma revolução possibilitará à classe que derruba a outra varrer toda a</p><p>podridão do sistema antigo e se tornar capaz de instaurar a sociedade</p><p>sobre novos fundamentos.” (MARX e ENGELS, 2006: P.105 e106)</p><p>Em relação à estratégia para consolidação da subversão dessa condição histórica, seria a</p><p>ação política organizada dos trabalhadores, mas em relação à viabilidade desta subversão</p><p>os autores nos ressalvam o seguinte:</p><p>“Os elementos materiais para a subversão total são, por um lado, as forças</p><p>produtivas existentes e por outro, a formação de uma massa revolucionária</p><p>que se revolte não só contra as condições particulares da sociedade atual,</p><p>mas também contra a própria “produção da vida” vigente, contra a</p><p>“atividade total sobre a qual se fundamenta. Caso não existam tais</p><p>elementos materiais, então, no que se refere ao desenvolvimento prático, é</p><p>totalmente indiferente que a idéia dessa subversão já tenha sido</p><p>proclamada uma centena de vezes, como mostra a história do comunismo.”</p><p>(MARX e ENGELS, 2006: P.66)</p><p>Para os autores, a libertação é um ato histórico e não um ato de pensamento, e é realizada</p><p>por condições históricas, pela situação da industria, do comércio, da agricultura, do</p><p>intercâmbio, ou seja, a libertação não é possível enquanto os homens não estiverem em</p><p>condições de obterem alimentação, habitação e vestimentas adequados quantitativa e</p><p>qualitativamente para todos e isso só se faz possível com o desenvolvimento pleno das</p><p>forças produtivas em escala planetária.</p><p>Em relação a essa questão, os autores assinalam que a grande industria teria gerado uma</p><p>massa de forças produtivas para as quais a propriedade privada transformou-se em um</p><p>entrave, tal como havia sido as corporações para a manufatura.Tais forças produtivas, sob</p><p>o regime da propriedade privada, experimentam apenas um desenvolvimento unilateral.</p><p>A grande industria criou as mesmas relações entre as classes em todos os lugares,</p><p>destruindo com isso o caráter particular das nações e nesse sentido, estariam dadas as</p><p>condições necessárias para a supressão dessa propriedade, que iria emergir, na visão dos</p><p>autores, como processo resultante do próprio desenvolvimento histórico do modo de</p><p>produção.</p><p>A Divisão Social do Trabalho na visão de Èmile Durkheim</p><p>No corpo da teoria que desenvolve sobre a realidade social, o sentido econômico e os</p><p>serviços que a divisão do trabalho presta a essa dimensão da realidade, para Durkheim,</p><p>são secundários, pois para o autor, a sua verdadeira função seria criar entre duas ou mais</p><p>pessoas um sentimento de solidariedade, produzindo assim um efeito moral, fundamental</p><p>à promoção de níveis crescentes de integração da vida social. Se, ao contrário de Marx, a</p><p>divisão do trabalho não se constitui em fato econômico de relevância para Durkheim, este</p><p>parece o ser, para a constituição da vida social e sua respectiva</p><p>dimensão integrativa, um</p><p>fenômeno de primeira grandeza.</p><p>Para ele, o homem é por natureza incompleto e o relacionamento social pressupõe que</p><p>dois seres dependem mutuamente um do outro. A vida social seria, portanto, resultado da</p><p>dessemelhança entre os indivíduos, sendo esta o fator principal promotor da união e</p><p>integração entre as pessoas por laços sociais.</p><p>O desenvolvimento dos níveis de integração social é apresentado pelo autor como</p><p>diretamente proporcional ao nível de diferenciação interna das sociedades. Isso se faz</p><p>particularmente evidente, segundo sua percepção, no que chama de grupos mais extensos,</p><p>a exemplo da sociedade que lhe era contemporânea, para a qual a divisão do trabalho</p><p>teria como função integrar o corpo social e garantir a sua unidade. Para ele, as grandes</p><p>sociedades políticas só podem se manter em equilíbrio graças à especialização de tarefas</p><p>e à divisão do trabalho, pois essa “... é a fonte, senão única pelo menos a principal, da</p><p>solidariedade social”. (Pg. 65, 2004)</p><p>O autor utiliza como exemplo a relação conjugal e o sentimento de amor que une pessoas</p><p>de sexos diferentes - e cuja eficácia, para ele, estaria fundamentada na diferenciação</p><p>sexual do trabalho - para ressaltar o argumento de caráter evolucionista de que a</p><p>diferenciação, também para a sociedade, seria o elemento propulsor de sua evolução.</p><p>“... o efeito mais notável da divisão social do trabalho não é que ela</p><p>aumente o rendimento das funções divididas, mas as torna solidárias. Seu</p><p>papel, em todos esses casos, não é simplesmente ornamentar ou melhorar as</p><p>sociedades existentes, mas tornar possível as sociedades que, sem ela, não</p><p>existiriam” (DURKHEIM, 2004: P.64).</p><p>A afirmação anterior nos possibilita perceber a importância atribuída pelo autor à divisão</p><p>do trabalho como fator fundante da vida social, constituinte da solidariedade que gera o</p><p>homem como ser social. Esta base do seu pensamento se encontra referenciada nas idéias</p><p>de Comte, para o qual, segundo citação do próprio autor:</p><p>“... É, pois, a contínua distribuição dos diferentes trabalhos humanos que</p><p>constitui, de maneira principal, a solidariedade social e que se torna a</p><p>causa elementar da extensão e da complexidade crescente do organismo</p><p>social” (apud DURKHEIM, 2004: P.66).</p><p>Mas a despeito de encontrar em Comte os fundamentos de suas idéias sobre a divisão do</p><p>trabalho, o autor nos diz que “Muito embora tenha reconhecido que a divisão do</p><p>trabalho é uma fonte de solidariedade, A. Comte não parece ter percebido que essa</p><p>solidariedade é sui generis e substitui pouco a pouco a que as similitudes sociais</p><p>engendram... o papel da consciência coletiva diminui à medida que o trabalho se</p><p>divide”. (DURKHEIM, 1995: P. 380). Talvez por isso ele tenha atribuído a esse</p><p>fenômeno um caráter mórbido, por não considerar que o outro tipo de solidariedade que a</p><p>substitui, embora de natureza diversa e fundada e razões opostas, se apresenta mais forte</p><p>e em maior extensão.</p><p>De forma coerente com o que apresenta como método para as ciências sociais, em seu</p><p>livro Da Divisão do Trabalho Social, o autor se impõe o desafio de apresentar</p><p>procedimentos que possibilitem a demonstração do princípio apresentado da</p><p>essencialidade da divisão do trabalho para o desenvolvimento, integração e continuidade</p><p>da vida social. Segundo os princípios de sua teoria sobre a realidade social, para que um</p><p>fenômeno adquira caráter social, é condição que este exerça algum tipo de função e sua</p><p>permanência no tempo depende também do reconhecimento social da relevância do seu</p><p>efeito. Se é função da divisão do trabalho promover a solidariedade e conseqüente</p><p>integração social, então esta deve assumir um caráter moral, pois para o autor, a</p><p>solidariedade é um fenômeno de natureza moral e como tal, se constitui em fundamento</p><p>da vida social.</p><p>A característica das regras morais é que elas anunciam as condições fundamentais da</p><p>solidariedade. “É moral tudo que é fonte de solidariedade, tudo que força o homem a</p><p>contar com outrem, a reger seus movimentos com base em outra coisa que não os</p><p>impulsos do seu egoísmo e é mais sólida quanto mais numerosos e mais fortes são esses</p><p>vínculos” (DURKHEIM, 1995: P.422). A divisão do trabalho não só apresenta a</p><p>característica com a qual o autor define a moralidade como tende a se tornar cada vez</p><p>mais condição para a sua existência.</p><p>Para o autor, o estudo da solidariedade pertence, pois, à Sociologia e por esta se tratar não</p><p>de um fato objetivo, mas de uma predisposição coletiva de nossa natureza psíquica, só</p><p>pode ser conhecida e avaliada por meio dos seus efeitos sociais, e a sua forma mais</p><p>evidente seria o Direito e as respectivas regras jurídicas que o compõe, pois estas</p><p>representam, regulam e asseguram a permanência do que há de essencial em termos de</p><p>relações sociais1.</p><p>Tendo os preceitos jurídicos definidos como as regras de conduta que são sancionadas, o</p><p>autor as classifica em dois tipos básicos, segundo as diferentes sanções a que estão</p><p>ligadas: as que consistem essencialmente em um castigo (sansões repressivas que</p><p>correspondem ao Direito Penal) e as que possibilitam e impõem o restabelecimento do</p><p>estado de coisas anterior, a renovação das relações que foram afetadas na sua forma</p><p>normal de operação (sansões restitutivas que correspondem ao Direito Cooperativo).</p><p>As diferentes relações regulatórias da vida social, expressas nos diferentes tipos de</p><p>Direito, exprimem, para o autor, tipos distintos de solidariedade, uma fundada nas</p><p>semelhanças e outra nas diferenças, mas ambas essenciais à existência e manutenção da</p><p>vida social.</p><p>1 Em relação aos costumes, que seriam uma outra forma de manifestação da solidariedade, para o autor,</p><p>esses exercem não mais que importância secundária (pg.68, 2004)</p><p>O exercício do direito penal pressupõe a ocorrência do crime, ou seja, da ofensa às</p><p>condições consolidadas e definidas da consciência coletiva2, a ofensa ao que há de</p><p>comum, ao que há de essencialmente semelhante em termos de valores e princípios que</p><p>regem a vida social. A existência desse tipo de direito está associada, portanto, à</p><p>existência de um tipo de solidariedade social que decorre da similitude entre os membros</p><p>de uma mesma sociedade e que o autor nomeia de Solidariedade Mecânica, que só se</p><p>intensifica na razão inversa do desenvolvimento da personalidade individual.</p><p>O direito cooperativo, regulado pelas sansões restitutivas, por sua vez, ordena e sanciona</p><p>as ações que justamente escapam à consciência coletiva e que exprimem e resultam da</p><p>divisão social do trabalho. Pauta-se, portanto, na possibilidade de diferenciação interna de</p><p>uma dada sociedade e é tanto maior e mais presente e preponderante quanto for a divisão</p><p>do trabalho no interior desta. Ao contrário da anterior, esse tipo de direito está associado</p><p>à existência de um tipo de solidariedade social de natureza diferente, que decorre</p><p>justamente da diferenciação entre os membros de uma mesma sociedade, decorrente</p><p>sobretudo da divisão do trabalho social e que o autor nomeia de Solidariedade Orgânica,</p><p>devido à semelhança no seu funcionamento e determinação com os organismos vivos.</p><p>Esse tipo de solidariedade, segundo o autor, se intensifica de forma proporcional ao</p><p>desenvolvimento das personalidades individuais.</p><p>Segundo essa classificação, o grau de concentração e desenvolvimento alcançado por</p><p>uma sociedade pode ser medido segundo o desenvolvimento do Direito Cooperativo com</p><p>sansões restitutivas. Em relação à divisão do trabalho, objeto do nosso interesse no</p><p>presente trabalho, essa é produtora de solidariedade do tipo orgânica e para que ela</p><p>ocorra, se faz necessário que a consciência coletiva deixe descoberta uma parte da</p><p>consciência individual para que se estabeleçam essas funções especiais que ela não pode</p><p>regulamentar. Essa região é extensa, segundo o autor, mas a coesão que resulta desse tipo</p><p>de solidariedade é mais forte.</p><p>Ao analisar a</p><p>divisão social do trabalho, o autor a trata como fenômeno normal mas</p><p>admite que, como fato social, está sujeito também a se manifestar em sua forma desviada,</p><p>ou seja, patológica. Sendo assim, se em sua forma normal a divisão do trabalho social é</p><p>fonte de promoção da integração e da solidariedade, em sua forma patológica produz o</p><p>efeito contrário. O autor classifica em três tipos as formas que considera excepcionais: o</p><p>que chama da divisão do trabalho anômica, a divisão do trabalho forçada e a</p><p>descoordenação das funções.</p><p>Ao primeiro tipo, o autor associa aquelas formas de divisão do trabalho em que, por</p><p>motivos diversos, não se deu a correspondente regulamentação que deve aflorar de forma</p><p>2 Nesse texto, o autor já apresenta variações no conceito de consciência coletiva em relação ao apresentado</p><p>nas Regras do Método Sociológico, não mais o apresentando como fenômeno social de caráter</p><p>transcendente, elemento fundador da vida social, mas precisando o uso do termo apenas como o conjunto</p><p>de similitudes sociais (pg. 75, 2004).</p><p>espontânea, como resultado da consolidação das funções3. “...se a divisão do trabalho</p><p>não produz a solidariedade, é porque as relações entre os órgãos não são</p><p>regulamentadas, é porque elas estão em um estado de anomia.” (DURKHEIM, 1995: P.</p><p>385), ou seja, o corpo de regras, que é a forma definida que com o tempo adquirem as</p><p>relações que se estabelecem espontaneamente se consolidam espontaneamente com o</p><p>tempo.</p><p>O segundo tipo, a divisão do trabalho forçada, como o próprio nome já sugere,</p><p>corresponde àquela divisão em que a determinação da tarefa exercida pelo indivíduo se</p><p>dá de forma exterior, por coerção, em função da posição social que ocupa e não</p><p>corresponde à sua natureza. Essa imposição se daria em função de processos que se</p><p>consolidaram de forma não espontânea, em função da constituição de regras que se</p><p>estabelecem em circunstâncias de dominação ou de estratificação social forçada (regime</p><p>de castas, dominações por guerras etc), provocando, portanto, resistência por parte</p><p>daqueles que se sentem forçados a atuarem da forma que acham que não lhes convém e</p><p>gerando tensões e conflitos entre grupos distintos seja pela ambição de um ocupar a</p><p>posição do outro ou pelo reconhecimento de uma situação de injustiça.</p><p>Como muitas vezes tal situação se sustenta na existência de regras que não surgem</p><p>espontaneamente, nessas circunstâncias, ficaria claro que não basta haver regras, como se</p><p>poderia deduzir em função do primeiro tipo exposto anteriormente. Para o autor, alguma</p><p>vezes, essas próprias regras podem ser a causa do mal.</p><p>Além disso, para o autor, fica claro também que, para que a divisão do trabalho</p><p>produza a solidariedade não basta que cada um tenha a sua tarefa, é necessário,</p><p>além disso, que essa tarefa lhe convenha, que corresponda à distribuição dos</p><p>talentos naturais e se isso não ocorre, o efeito pode ser o contrário.Logo, para ele,</p><p>a divisão do trabalho deve se produzir de forma espontânea e em concordância</p><p>com suas faculdades e aptidões...</p><p>“A espontaneidade supõe não apenas que os indivíduos não sejam</p><p>relegados à força, a funções determinadas, mas também que nenhum</p><p>obstáculo, de qualquer natureza, os impeça de ocupar, no âmbito social, a</p><p>posição proporcional às suas faculdades”. (DURKHEIM, 1995: P.394).</p><p>Portanto, para o autor, a espontaneidade perfeita, nada mais é que uma</p><p>conseqüência e uma outra forma deste outro fato: a absoluta igualdade nas</p><p>condições exteriores de luta. A igualdade nas condições exteriores de luta não é</p><p>3 .A esse tipo, o autor associa os fenômenos que considera típicos da sociedade industrial ainda emergente,</p><p>que se encontra, segundo ele, ainda em forma anômica pela ausência de regulamentação/moral específica, a</p><p>exemplo das crises industriais ou comerciais que se expressa nas falências das empresas; o antagonismo</p><p>entre capital e trabalho e por fim, a destituição do sentido do trabalho que resulta da mecanização das</p><p>atividades Este tipo de patologia o autor ilustra também com o fenômeno da especialização que se verifica</p><p>na ciência, especialmente nas ciências sociais.</p><p>apenas necessária para prender cada indivíduo à sua função, mas também para</p><p>ligar as funções uma às outras4.</p><p>A terceira e última forma anormal de divisão do trabalho descrita pelo autor corresponde</p><p>à que deriva da insuficiência de ocupação nas funções exercidas pelos indivíduos. Para</p><p>além do efeito econômico que se daria em função do desperdício de forças, o autor se</p><p>atem à situação de prejuízo social causado por esta em função da descoordenação do</p><p>trabalho que gera, pois promove o afrouxamento da solidariedade fazendo surgir a</p><p>incoerência e a desordem.</p><p>Na visão do autor essa situação é, com freqüência, obra do poder dirigente e para que o</p><p>mal desapareça, não basta haver uma ação reguladora, é necessário que esta se exerça de</p><p>forma específica. . Se aumentar a atividade funcional de cada trabalhador de maneira que</p><p>esse fique suficientemente ocupado, a ordem renascerá espontaneamente.</p><p>Nessa perspectiva, o autor conclui que a divisão do trabalho é fonte promotora da coesão</p><p>social não apenas por tornar os indivíduos solidários através da limitação da atividade de</p><p>cada um e respectiva interdependência que gera, mas também porque aumenta essa</p><p>atividade.</p><p>Pelo exposto, pode-se concluir que o autor se contrapõe à idéia de que a diversidade</p><p>tende a romper com a unidade e de que forças externas são necessárias para recompô-la, a</p><p>exemplo do Estado. Para ele, os órgãos tidos como centrais, a exemplo do cérebro nos</p><p>organismos e do Estado nas sociedades, não criam a unidade, mas apenas exprimem e</p><p>coroam unidades que já existem por um consenso espontâneo criado entre as partes, razão</p><p>inclusive da fundação da própria diversidade. Para o autor, uma unidade não pode ser</p><p>mantida de forma permanente à força e a despeito da natureza das coisas.</p><p>“... Fala-se da necessidade de uma reação do conjunto sobre as partes,</p><p>mas é preciso que esse conjunto exista – isto é, as partes já devem ser</p><p>solidárias uma das outras para que o todo tome consciência de si e reaja</p><p>como tal. Portanto, à medida que o trabalho se divide, dever-se-ia ver uma</p><p>espécie de decomposição progressiva produzir-se não sobre esse ou aquele</p><p>ponto, mas em toda a extensão da sociedade, em vez da concentração cada</p><p>vez maior que, na realidade, aí se observa”. (DURKHEIM, 1995: P.376)</p><p>Para Durkheim, os demais autores que trataram da questão e aos quais chama de</p><p>moralistas, não viram na divisão do trabalho a produção de uma verdadeira solidariedade</p><p>por percebe-las apenas como simples trocas, combinações efêmeras em que o indivíduo é</p><p>entregue a si mesmo, sem reconhecer em seu substrato o lento trabalho de consolidação</p><p>de uma rede de vínculos que pouco a pouco se tece a si mesma e faz da solidariedade</p><p>orgânica algo permanente.</p><p>4 O autor admite que os homens são desiguais em força física e que são colocados, igualmente, em condições externas</p><p>desigualmente vantajosas, mas se auto-regulam naturalmente a despeito disso, a menos que, em situações excepcionais,</p><p>ocorram o exercício de forças coercitivas para além das espontaneamente geradas pela vida social.</p><p>Quanto à crítica que o autor afirma ser lançada constantemente à divisão do trabalho de</p><p>que esta reduziria o indivíduo à condição de máquina, alienado do produto de seu</p><p>trabalho e executor de movimentos mecânicos e repetitivos, o autor contra-argumenta</p><p>que esta realidade corresponde apenas a uma circunstância excepcional em que esta</p><p>estaria ocorrendo e que a sua superação não se daria com a efetivação do seu contrário,</p><p>mas antes, seria necessário e suficiente que ela viesse a ser tão somente o que é em seu</p><p>estado de normalidade, porque:</p><p>“... o jogo de cada função especial exige que o indivíduo não se encerre</p><p>estreitamente</p><p>nela, mas mantenha-se em relação constante com as funções</p><p>vizinhas, tome consciência de suas necessidades, das mudanças que nelas</p><p>sobrevêm etc. A divisão do trabalho supõe que o trabalhador, longe de</p><p>permanecer debruçado sobre sua tarefa, não perca de vista seus</p><p>colaboradores, aja sobre eles e sofra sua ação. Ele não é, pois, uma</p><p>máquina que repete movimentos, cuja direção não percebe, mas sabem que</p><p>tendem a algum lugar,.. a uma finalidade que ele concebe mais ou menos</p><p>distintamente. Ele sente servir a algo. Para tanto, não é necessário que</p><p>abarque vastas proporções do horizonte social, mas basta que perceba o</p><p>suficiente dele para compreender que suas ações tem uma finalidade fora de</p><p>si mesmas. Assim, por mais especial, por mais uniforme que possa ser sua</p><p>atividade, ela será a atividade de um ser inteligente, pois terá um sentido, e</p><p>ele o sabe.... (DURKHEIM, 1995: P.39”0)</p><p>Ao transformar cada indivíduo em um ser incompleto, o autor acredita que não diminui a</p><p>sua personalidade, mas antes aumenta a possibilidade do seu desenvolvimento pois o</p><p>transforma em uma fonte autônoma de ação. Na medida em que o individualiza, contribui</p><p>para a sua emancipação das influências coletivas e hereditária, que só serão exercidas</p><p>sobre coisas simples e gerais, a despeito da interdependência entre os membros da</p><p>sociedade. As atividades se tornam mais ricas e mais intensa à medida que se torna mais</p><p>especial.</p><p>Durkheim acredita que o ideal de fraternidade está presente desde sempre no corpo social</p><p>e que se faz cada dia mais forte à medida que a sociedade se desenvolve, pois o homem</p><p>reconhece nessa forma de realização a única possível para assegurar a sua existência. Por</p><p>conta disso, nos diz que a única força capaz de servir de moderadora para o egoísmo</p><p>individual é a do grupo e que a única que pode servir de moderadora para o egoísmo dos</p><p>grupo é a de outro grupo que os englobe. Nesse sentido, ele acredita que o ideal de</p><p>fraternidade não se realizará de imediato em função da ausência, ainda em seu tempo, de</p><p>uma nova moralidade, fortemente pautada na divisão do trabalho e que ainda se encontra</p><p>em fase inicial de sua construção, mas acredita que as sociedades de mesma espécie se</p><p>agregarão gradativamente, constituindo uma sociedade mundial que, na medida em que a</p><p>divisão do trabalho progrida, realizará esse ideal.</p><p>A sociedade moderna industrial e o respectivo estado de anomia em que se encontra</p><p>seria, portanto, decorrente das profundas mudanças que se processaram em curtíssimo</p><p>espaço de tempo na sua estrutura, e em conseqüência a moral correspondente ao tipo</p><p>social anterior regrediu sem que outra tivesse ainda se desenvolvido plenamente.</p><p>“... a nova vida que se desprendeu como se de repente não pôde se organizar</p><p>completamente e, sobretudo, não se organizou de maneira a satisfazer a necessidade de</p><p>justiça que despertou, mais ardente, em nossos corações ... o que é necessário é fazer</p><p>cessar essa anomia, é encontrar os meios para fazer esses órgãos que ainda se chocam</p><p>em movimentos discordantes concorrerem harmoniosamente ... Em suma, nosso primeiro</p><p>dever atualmente é criar uma moral. Tal obra não poderia ser improvisada no silêncio</p><p>de um gabinete; ela só se pode erguer por si mesmo, pouco a pouco, sob a pressão das</p><p>causas internas que a tornam necessária ...”. (DURKHEIM, 1995: P.432).</p><p>Notas Conclusivas</p><p>Em sua origem, as questões principais postas à sociologia em seu processo de</p><p>constituição e consolidação como ciência foram, em linhas gerais, as seguintes: quais os</p><p>fundamentos da vida social, como se dá a sua permanência no tempo e sua transformação</p><p>e em que termos se opera a relação entre indivíduo e sociedade.</p><p>O contexto da Modernidade e da constituição da sociedade industrial é o pano de fundo</p><p>sobre o qual se desenvolvem essas análises, ou seja, corresponde à conjuntura de</p><p>reconfiguração do processo de conhecimento que se estrutura a partir da idéia de ciência</p><p>e que busca explicar a relação entre Idéia, Teoria e Realidade. Essa busca é a que parece</p><p>unificar os clássicos em torno do mesmo interesse.</p><p>Nesse sentido, os pontos levantados anteriormente nos parecem autorizar a atestar muitas</p><p>semelhanças entre as questões levantadas por cada um dos autores - que talvez possam</p><p>ser grandemente explicadas pelo momento histórico comum que vivenciaram. No</p><p>entanto, a riqueza de uma análise comparativa entre os dois consiste justamente no</p><p>confronto das diferenças existentes, a despeito de analisarem os mesmos fenômenos.</p><p>Dentre os diversos pontos comuns que se tornaram foco de suas análises, a divisão do</p><p>trabalho se revela de maior relevância, pela possibilidade, que nos apresenta, de perceber</p><p>a divergência fundamental entre ambos no que diz respeito à cosmovisão que a obra de</p><p>cada um encerra5.</p><p>As análises desenvolvidas por cada um deles sobre esse fenômeno nos revela,</p><p>gradativamente, suas respectivas noções de totalidade, estrutura, sujeito, coesão social,</p><p>autonomia, liberdade, desenvolvimento e formas de superação dos desafios postos à</p><p>humanidade.</p><p>Tanto para Marx, como para Drkheim, o indivíduo é uma construção eminentemente</p><p>social e não existe, de forma independente do contexto social. Como ponto inicial,</p><p>podemos afirmar que a noção de trabalho, para ambos, parece se constituir em categoria</p><p>5 Não podemos esquecer que o propósito maior de Marx foi explicar a sociedade capitalista, sem a preocupção com a</p><p>construção de uma teoria da sociedade logo, os fenômenos são analisados tendo esta como referência.</p><p>central para o desenvolvimento de suas respectivas análises. Se Marx absorve de Hegel a</p><p>noção de trabalho como categoria ontológica e fundamento da própria história da</p><p>humanidade, para Durkheim, essa categoria goza de igual prestígio, se constituindo,</p><p>entretanto, em atividade humana geradora de uma moral e propulsora do</p><p>desenvolvimento social, que não teria gozado do mesmo status em todos os momentos da</p><p>história.</p><p>Nos trabalhos em questão, ambos priorizam as análises da sociedade industrial emergente</p><p>tendo como referência a divisão do trabalho que esta encerra. A causa da divisão do</p><p>trabalho, para Durkheim seria o aumento da densidade demográfica e respectiva</p><p>necessidade de aumento da efetividade do trabalho para atendimento das necessidades do</p><p>grupo, bem como um mecanismo de classificação espontâneo para contemporizar as</p><p>diferenças que se ampliam com esse aumento. Nesse aspecto, se aproxima de Marx ao</p><p>ver na necessidade o fundamento do trabalho e neste um dos fundamentos da vida social.</p><p>Enquanto para Durkheim esta representa um fenômeno social de caráter integrador, cuja</p><p>função é a promoção do consenso e da solidariedade que caracteriza como orgânica nas</p><p>sociedades desenvolvidas, para Marx, A divisão do trabalho, nos termos em que se opera</p><p>na modernidade, corresponder à criação de um sistema de dominação muito específico,</p><p>que se objetiva na constituição da propriedade privada pautada nos processos de</p><p>exteriorização e alienação da atividade produtiva.</p><p>A construção das noções de totalidade e estrutura é uma ambição epistemológica de</p><p>ambos. A noção de estrutura em Marx suporta e até depende da noção de contradição e</p><p>movimento. Isso ocorre também em Durkheim, mas identificando sua gênese,</p><p>fundamento e forma de resolução de forma diferente. Para Marx a totalidade corresponde</p><p>à história - que estaria em constante transformação pela práxis -, pois esta é resultado de</p><p>um processo dado pela contradição, que integra as partes. Ele não nega a existência de</p><p>uma estrutura, mas afirma que, por trás desta, existem relações que se transformam</p><p>historicamente e que as determina. Para Durkheim, a totalidade e a respectiva estrutura</p><p>que a representa se constrói pela dependência entre as partes e a função exercida por cada</p><p>uma delas (das partes) é que as assegura.</p><p>Para ambos, os processos de troca, de divisão e de cooperação que se verifica no corpo da</p><p>sociedade correspondem</p><p>a elementos fundamentais da sociabilidade, essenciais à</p><p>constituição da vida social (relação social que vincula as pessoas), no entanto, para</p><p>Durkheim, a divisão do trabalho é um fenômeno que considera menos econômico e mais</p><p>social6.</p><p>Quanto à questão da relação entre indivíduo e sociedade e desenvolvimento da vida</p><p>social, tanto Marx como Durkheim assinalam dois momentos determinantes no processo</p><p>de evolução da vida social, com formas de vinculação diferentes entre os indivíduos e</p><p>destes com a sociedade.</p><p>6 Se esta é uma crítica que o autor dirige à Marx, assinalamos que esta não procede, tendo em vista que, se</p><p>o fundamento da divisão do trabalho é para Marx um fato de origem econômica, esse o trata, todo o tempo</p><p>como fenômeno e relação social.</p><p>Durkheim identifica um primeiro momento em que os indivíduos estariam unidos pelas</p><p>similitudes (solidariedade mecânica) e um segundo em que estes estariam unidos por</p><p>laços de solidariedade orgânicas, resultado do processo de diferenciação decorrente da</p><p>divisão do trabalho social...Marx identifica também esses dois momentos: um primeiro</p><p>em que os indivíduos estariam unidos por vínculos quaisquer como a família, o solo, etc e</p><p>um segundo em que estes estariam unidos pela interdependência gerada pela</p><p>diferenciação das atividades produtivas no seu interior. No entanto, o autor utiliza esse</p><p>recurso classificatório tão somente para evidenciar a diferença entre instrumentos de</p><p>produção e formas de propriedade naturais e civilizadas. Na primeira, os homens estariam</p><p>submetidos à natureza e na segunda, a um produto do trabalho, o capital.</p><p>Para ambos, o desenvolvimento da sociedade que vivenciam - na qual a divisão do</p><p>trabalho é fator determinante -, conduziria à possibilidade de aperfeiçoamento da vida</p><p>social e ao desenvolvimento pleno da individualidade e potencialidade humanas, sem</p><p>destruir, contudo, uma tessitura das relações necessárias à viabilidade da vida em</p><p>sociedade. Para Marx, entretanto, esse futuro seria alcançado pela universalização das</p><p>relações capitalistas de produção e acirramento da respectiva contradição que esta</p><p>encerra, que correspondem a processos inexoráveis e por natureza, revolucionários. De</p><p>forma diversa, para Durkheim, a consolidação do processo de divisão do trabalho</p><p>conduziria à construção de uma nova moral, fator que, em conformidade com os</p><p>interesses do coletivo, corresponderia à objetivação dos ideais de justiça, consenso e</p><p>solidariedade, fundamentos de toda a vida social.</p><p>De forma resumida, podemos afirmar que a diferença básica entre os dois autores em</p><p>relação à questão levantada é que, se para um autor a divisão do trabalho é fonte de</p><p>solidariedade e auto-realização dos potenciais humanos, para outro, esta corresponde ao</p><p>processo de empobrecimento, alienação e escravidão humana.</p><p>A validade das teorias sobre a divisão do trabalho construídas pelos autores têm sido</p><p>postas constantemente à prova pelo desenvolvimento histórico na medida em que esta</p><p>permanece como fenômeno social permanente e cada vez mais abrangente mas também</p><p>que se renova a todo instante. Nessa perspectiva, acreditamos que o desenvolvimento do</p><p>presente trabalho irá nos auxiliar na investigação maior que nos propomos a desenvolver</p><p>que parte da hipótese da existência, em curso, de indicadores de que estaríamos</p><p>vivenciando um momento de inflexão no processo de divisão do trabalho em que o os</p><p>mecanismos de cooperação e troca, bem como as relações de propriedade estariam sendo</p><p>alteradas, podendo vir a ter significativos impactos no conjunto das relações e corpo da</p><p>vida social.</p><p>Referências Bibliográficas</p><p>- DURKHEIM, Émile. Da Divisão Social do Trabalho. São Paulo: Martins Fontes,</p><p>1995</p><p>- DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. São Paulo: Martin</p><p>Claret, 2003</p><p>- FERNANDES, Florestan (Coord) e RODRIGUES, José Albertino (Org.).</p><p>Durkheim.São Paulo: Ática, - DURKHEIM, Émile. Da Divisão Social do</p><p>Trabalho. São Paulo: Martins Fontes, 19952004</p><p>- MARX, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política (Prefácio). São Paulo:</p><p>Martins Fontes, 2003.</p><p>- MARX, Karl. Manuscritos Econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo</p><p>Editorial, 2004.</p><p>- MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Martin</p><p>Claret, 2006</p><p>- MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo:</p><p>Martin Claret, 2007</p><p>Salvador, agosto de 2007</p>